2 MOTOS. 7 DIAS. 3.400KM. MILHARES DE CURVAS.
SOL E CHUVA. CALOR E FRIO. MAR E MONTANHA!
Pirinéus é o nome da cordilheira de montanhas que desde o Golfo de Biscaia até ao Mediterrâneo separa a Península Ibérica do resto da Europa Continental. A sua altitude máxima é superior a 3.400m mas existem cerca de 200 picos acima dos 3.000 metros. Daí aquele aspecto de verdadeira muralha que começamos a vislumbrar a mais de 100km de lá chegar. E se mete respeito…
O nome deriva do latim Pyrenaeos (que escolhemos para mote da nossa viagem) e terá nascido do termo clássico grego Pyrenaia.
Reza a lenda que teve como origem o nome de uma personagem da mitologia grega, Pirene (Πυρήνη), amante de Hércules, filha de Bébrix: Hércules, após a morte de Pirene, teria erguido uma tumba à altura de seu amor, isto é…. a cordilheira, onde repousa sua amada.
Assim o nosso destino foi os Pirinéus e o objectivo percorrê-los no sentido poente-nascente, do Atlântico ao Mediterrâneo.
Sabíamos que as paisagens iriam ser espectaculares e que as estradas prometiam sensações fantásticas. Mas nunca esperámos que superasse tanto as expectativas. E esta a razão para a nossa primeira admiração: não nos cruzámos (que o tivéssemos percebido!) com motociclistas lusos. É verdade que existem outros destinos míticos por essa Europa fora…mas os Pirinéus estão mais próximos que a maioria deles…
Para contar a história da viagem, nada melhor que aproveitar o diário que ao longo dos dias fui publicando no Facebook. E que agora complemento com alguns comentários post-viagem (PV).
Cumpre aqui fazer uma referência: a viagem foi a duo com um companheiro de longa data. A amizade e camaradagem bem como algum equilíbrio de andamentos garantia o sucesso da empreitada.

Mas o Jaime ainda fez mais: foi ele o arquitecto do percurso (introduzi algumas sugestões que depois acabámos por deixar cair devido principalmente ao agravar das condições climatéricas…o que gerou desde logo a necessidade de lá voltar para fazer o que falta…).
E que percurso! As muitas horas dedicadas ao planeamento fez com que quase não existissem momentos mortos ao longo do trajecto: ou paisagens espectaculares ou estradas reviradas e desafiantes até mais não. E melhor….geralmente as duas coisas coincidiam!!!
É evidente que me refiro ao percurso nos Pirinéus e, já no regresso, até Lérida. Porque as travessias de Espanha…são um castigo! O preço a pagar pela diversão…
Obrigado Jaime Fernandes!
PYRENAEOS 2019
7 Junho – Dia 0
Prólogo da grande viagem apenas para nos aproximarmos da travessia de Espanha.
Viagem sem grande história, por AE, IP e outros Is, a terminar perto de Mangualde. Quase a terminar, em Nelas, um jantarito para retemperar num alojamento local muito simpático ….e com umas senhoras verdadeiras fans dos motociclistas!!!

A próxima etapa será a mais longa. Chegaremos a Hondarribia…muito perto da fronteira com França. Até lá…quase 900km…
(PV) – Apesar da estreiteza do território português face ao espanhol, a possibilidade de antecipar a saída umas horas (de final de dia) e pernoitar já perto da fronteira, garante que retiramos 200 e tal quilómetros e duas horas e pico à grande jornada de travessia do deserto castelhano. Para nós foi óptimo, como adiante veremos. A viagem, pela A1 e depois IP3 não teve história e ainda sobrou tempo para alguns ajustamentos de última hora e afinarmos melhor a nossa estratégia para os dias seguintes.

PYRENAEOS 2019
8 Junho – Dia 1
A viagem começou!
A sina de ser português, viver neste anexo da Europa chamado Península Ibérica e logo no canto mais afastado, mede-se em quilómetros. Para arrumar a estatistica, foram 745. A somar aos 282 da véspera e já ultrapassámos a milena.

Ainda assim, ao ritmo das paragens para atestar (autonomias a rondar os 270km a isso obrigam) e com um andamento razoavelmente rápido, deu para fazer um pouco de turismo.
Parámos em Tordesilhas, no dia seguinte ao da comemoração dos 525 anos da celebração do Tratado. Como em tempos aqui contei, para que este acontecesse, um outro foi celebrado antes: o da alentejana Alcáçovas. Por essa razão o nosso farnel não podia ser mais a propósito: paio, queijo e pão alentejanos. A zona monumental da cidade é bonita, merece visita e apreciar a história de dois povos que geralmente andaram à trolha mas também souberam acertar-se quanto tal era preciso…e aqui apenas se tratou da partilha do Mundo! Começava a Globalização….







Depois, bem mais à frente, Burgos. Entrada rápida na cidade para apreciarmos a lindíssima Catedral.









Finalmente, San Sebastian. Uma maravilha!!! Espectacular e linda cidade. Mas é fundamental dizer que os ultímos 100km, percorridos no País Basco, são um deleite para os olhos. Não há dúvida que ver uma linda paisagem através do visor do capacete tem outra dimensão. Vocês sabem do que falo…




Volto a San Sebastian. Uma baía espectacular com um enquadramento paisagístico em anfiteatro e uma avenida marginal povoada de gente a desfrutar do sol e da vista, mereceram bem a nossa paragem de cerca de 2 horas. Espero que as fotos façam justiça…
Depois, cerca de 40km até ao nosso alojamento, quase a morder França, no meio de nenhures, numa serra de vegetação luxuriante, em edifício típico do País Basco e rodeado por um rio à frente e um ribeiro ao lado. Paradisíaco!




E pronto, feito o relatório agora é tempo de ….PIRENÉUS! Ou PYRENAEOS para os gregos que os baptizaram segundo reza a lenda…
Assim o S. Pedro nos ajude….que ultimamente anda arisco!
(PV) – Atravessar Espanha ao ritmo das paragens para atestar é penoso. São muitas horas a conduzir a velocidades quase constantes sem qualquer desafio que não seja o de não perder a concentração. Toda a viagem até S. Sebastian foi feita por autoestrada (autovia) gratuita. 750km gratuitos…. lá como cá! Aliás, uma referência a algo com que nos confrontámos mais vezes nos dias seguintes: algumas autoestradas com portagem estão a terminar os prazos das concessões. E o que acontece? Vão para a posse do Estado…e passam a ser gratuitas! Estes espanhóis são loucos. Perderem assim as hipóteses de aumentar a receita…
Os pontos fortes do percurso foram, como referenciado, Tordesilhas, Burgos e San Sebastian. Se a primeira e a última foram atrás descritas, cumpre dizer que Burgos é uma cidade bem bonita e aprazível. Atravessada pelo Rio Arlanzón é uma cidade muito antiga como se pode constatar pelos seus monumentos. Dos quais se destaca obviamente a magnífica Catedral cujo inicio de construção data do Séc XIII.
Entrámos em San Sebastian pela autovia A1 (gratuita) e os ultímos 100, 120km são espectaculares sob o ponto de vista paisagístico. Atravessamos montanhas, descemos para a cidade com a baía a seus pés e ao longe os primeiros vislumbres dos majestosos Pirenéus! Quanto à cidade…a merecer uma estadia prolongada, sem qualquer dúvida!
PYRENAEOS 2019
9 Junho – Dia 2
Começou a travessia dos Pirenéus. Vamos unir o Cabo Higuer na costa cantábrica ao Cabo Créus no Mediterrâneo e o ponto mais oriental da Península. E não vai ser pelo caminho mais curto nem pelo mais fácil…mas pela amostra desta jornada, será certamente bonito e com estradas para desfrutar da paixão pelas motos e sua condução.


Assim começámos em Hondarribia (espectacular) e depois…embrenhámo-nos pelos Pirenéus ocidentais. Passámos sucessivamente de Espanha para França, voltámos a Espanha ..e a França. E finalmente Espanha de novo. O percurso planeado (o mérito não é meu!!!) predominantemente por estradas “municipais” revelou-se fantástico, praticamente sem pontos mortos (leia-se rectas) e sempre no sobe e desce, no curva e descurva.
Uma nota muito importante: o País Basco, principalmente do lado espanhol é lindíssimo. Deslumbrante! A deixar saudades e com a vontade de cá voltar para melhor o explorar!
A perspectiva de intempérie altera-nos os planos para a jornada seguinte. Não iremos aos picos do Tour de France….mas se ontem andámos abaixo dos 1500m, hoje vamos andar acima dos 2000m! Serão 300km até Andorra!!!
Até lá!
(PV) – A jornada começou em Hondarribia. Cidade que está separada da francesa Hendaya pelo rio Bidasoa. A paisagem é fenomenal pois a foz do rio cava uma baía com praias de ambos os lados das margens. E o Cabo de Higuer é logo ali. Selvagem e lindo. E é fundamental referir que Hondarribia tem uma zona monumental muito interessante e que merece uma visita.

Referido acima mas não é demais. O País Basco nesta zona que atravessámos de “introdução” aos Pirenéus é lindíssima! As diferentes tonalidades de verde que se misturam à medida do ondear do terreno são deslumbrantes. Outra nota sobre este território que abrange dois países: a sua incrível identidade cultural – e política! – com uma tranquilidade social que há alguns anos atrás seria impensável.
Andámos sempre junto à fronteira (que cruzámos pelo menos 2 vezes até ao Col d’Ispeguy onde almoçámos defronte de uma vista deslumbrante) em estradas sinuosas de sobe e desce mas sem grandes altitudes (sempre abaixo dos 1000m)…o que não significa ausentes de diversão.
Depois, já em território francês, visitámos a antiquíssima e monumental S. Jean Pied de Port (considerado o início do caminho francês de Santiago de Compostela).


Quando percorríamos mais uma das muitas estradas interiores, num constante ondular ao sabor das elevações do terreno, encontrámos num miradouro um grupo de motards franceses (com alguma curiosidade sobre uma certa VFR vermelha…). Mas o destaque, para lá da vista espectacular para um vale a perder de vista, foi a possibilidade de observarmos o voo elegante de algumas águias, abaixo do ponto onde estávamos.
Continuámos por mais cerca de 100km por estradas municipais muito divertidas até que regressámos a Espanha pelo túnel de Somport (cerca de 9km). E logo à saída, a estação ferroviária de Canfranc. Actualmente em recuperação depois de anos ao abandono, foi um marco histórico muito relevante no trânsito de passageiros (refugiados, judeus, etc.) que pretendiam fugir à guerra e às perseguições nazis bem como de géneros (ouro e outros valores para cá e volfrâmio e alimentos para lá).




Andámos em Espanha, França, voltámos a Espanha. A quase totalidade do percurso por aquilo que cá chamaríamos Estradas Municipais. Excelentes! No piso (apesar das difíceis condições meteorológicas que enfrentam), bem sinalizadas, com boas condições de segurança, muito bem desenhadas. Melhores que a maioria das nossas “Nacionais”. Outra nota, importante para quem esteja menos atento: em França a esmagadora maioria dos estabelecimentos comerciais está encerrada ao domingo…principalmente as bombas de combustível. Convém jogar pelo seguro.


Depois, se já tínhamos tido até aqui um certo saborear dos Pirenéus mas a baixas altitudes, a festa ía começar! No percurso até Torla ainda tomámos o gosto à N260 que nos iria acompanhar daí por diante e ser o ponto alto da viagem.

PYRENAEOS 2019
10 Junho – Dia 3
E ao terceiro dia, primeira alteração de rota (algo para o que o viajante deverá estar sempre prevenido). A previsão meteorológica para os picos do Tour de France que pretendíamos fazer – Aubisque, Tourmalet e Aspin – indicava chuva com temperaturas abaixo de zero e forte probabilidade de neve. Seria uma experiência interessante…mas arriscada, principalmente com motos de estrada e carregadas. Assim, ficámos do lado espanhol e acabámos já em Andorra.
Foi apenas o terceiro dia, num total que se aproxima dos 1700km percorridos. Desta feita, dos previsto 300 ainda acrescentámos mais 15. Adiante explico.
Se na véspera tinham dominado os tons de verde devido à menor altitude que transformavam a paisagem num postal ilustrado paradisíaco, hoje andámos em altitudes mais elevadas e o cenário era em tons de castanho (com algumas manchas brancas nos topos), mais agreste, mais violento. Vales profundos, desfiladeiros e subidas/descidas vertiginosas. São impressionantes os declives da generalidade dos montes. Quase a pique!


Quanto às estradas, percorremos essencialmente duas. A N230 (para Vielha e Baqueira-Beret) e a magnífica em toda a sua extensão N260!!!! Um festim autêntico para quem adora conduzir motos!
E em Baqueira-Beret festejámos o 10 de Junho!
Existem duas formas de percorrer estas estradas. Calmamente ( quase parando em cada curva para tirar mais uma foto ou reter mais uma imagem na memória) e nesse caso serão precisos muitos dias. Ou fazê-lo numa lógica de desfrute da estrada, da paisagem, da condução! Escolhemos esta última alternativa…mas também parávamos para as fotos…de vez em quando (até porque convinha baixar a adrenalina…ou descansar!). Descobri que o motor da moto tinha umas rotações que eu desconhecia…..
De tal forma, que depois de Baqueira, subimos o Col de Bonaigua (2072m) com nevoeiro cerrado. Ao começar a descer, o nevoeiro passou e….chegados cá abaixo…voltámos para cima e tornámos a descer!!!!






A N260 foi certamente projectada por um motard empedernido! A estrada não dá descanso. Sobe, desce, sobe, desce…e se há uma recta é apenas para nos permitir meter uma mudança acima para que o pé esquerdo não adormeça. Logo a seguir redução para mais uma curva! O Port Cantó entre Sort e Seu d’Urgell é espectacular….e muito frequentado pela malta das motos. Porque será?


Curiosidade: ainda não apanhámos motards lusitanos!
Quanto a paisagem….é brutal! As montanhas são gigantes, imponentes com encostas a pique e vales profundos que acentuam a sua dimensão. Nos vales, predomina o verde e é frequente irmos na estrada a ladear rios cujo caudal em fundos de pedra lhes dá uma graciosidade e beleza fantásticas. As fotos não conseguem fazer justiça à paisagem. Que é um regalo para os olhos.

Finalmente, cansados mas mais do que satisfeitos, chegámos ao oásis do turismo e do consumo chamado Andorra.
É provável nova alteração de percurso. A previsão dá 100% de chuva e há pouco, o nevoeiro bem cerrado estava um pouco mais acima da cidade. Saindo por norte e estando Pas de la Casa bem acima dos 2000m e depois o Puymorens idem, o trajecto tornar-se-á perigoso e sem graça. Provavelmente vamos retomar à N260 a caminho do Mediterrâneo….
(PV) – Saímos da paradisíaca Torla para logo apanharmos a N260 que na véspera já nos tinha enchido as medidas. Pois bem…a partir daí foi um banquete! Sempre ao lado do Rio Ara, por vezes em desfiladeiros cortados a pique onde mal cabia o rio…e a estrada, chegámos a Ainsa.

Aqui tomámos a A136… Se fosse um parque de diversões, tínhamos passado de um carrossel dos miúdos para um destinado a mais crescidos. A montanha russa ficava mais à frente.

Foi a seguir a Ainsa que, numa curva à direita (para nós) fomos alertados por alguns companheiros de um grupo motociclista que nos fez sinal para pararmos. Havia gasóleo na estrada e, nesse grupo que vinha em sentido contrário e a descer, um casal numa BMW clássica tinha ido ao tapete. Felizmente sem consequências. Mas foi um aviso excelente e oportuno porque íamos em condução algo empenhada e certamente qualquer coisa poderia correr mal… Tudo bem, quando acaba bem!

Seguimos a A136 até quase El Pont de Suert, onde virámos à esquerda em direcção a Vielha, pela N230. Aqui começámos a subir…até que, já próximos, um túnel nos anunciava mau tempo do lado de lá. Parámos para agasalhos e à nossa esquerda estava, com bastante neve, o Pico de Aneto, o mais alto da cordilheira, com mais de 3400m de altitude. Majestoso!
Atravessado o túnel começámos a vislumbrar nevoeiro cerrado. Descemos para Vielha, uma cidade tipicamente de montanha, e completamente virada para o turismo de inverno. A arquitectura é tipicamente alpina (deveria dizer pirenaica?) em que os edificios seguem todos a mesma traça e dimensões similares, o que no final dá um certo ar artificial. Mas a paisagem é de cortar a respiração.


De Vielha (ou Viella) seguimos em direcção a Baqueira (ou Baquera). Subimos mais um pouco até chegar à rainha das estações de desportos de inverno dos Pirenéus. Celebrámos o 10 de Junho com a nossa bandeia nacional. E partimos à conquista do prato forte da jornada: o Col de Bonaigua (2.072m).

Subimos rodeados de um espesso manto de nevoeiro. Nada que fizesse perigar a condução (embora à medida que subíamos nos preocupássemos com o que estaria pela frente) mas que nos retirava a espectacularidade das vistas. Chegados ao topo, fotos da praxe e toca a descer. Alguns metros percorridos e…o nevoeiro foi-se. A paisagem era brutal…e a descida também! De tal forma que…chegados lá abaixo, toca a subir outra vez, para repetirmos a descida. Escusado será dizer que o ritmo não era propriamente de passeio…apenas aquele que o kit de unhas permitia (sem colocar nada em risco)! Diversão absoluta e adrenalina no máximo.






Chegados cá abaixo…pausa para almoço e recuperar a respiração, em Esterri d’Aneu, à beira rio e desfrutando da paisagem bucólica.

Depois…alguns quilómetros em estrada rápida, até Sort onde reencontrámos a nossa N260, um café na esplanada e toca a seguir até Seu d’Urgell (porta de entrada em Andorra) pelo Port Cantó: 52km de deleite e diversão.


Depois…Andorra-a-Velha!


No dia seguinte…começaríamos o nosso trajecto rumo ao Mediterrâneo. O clima estava adverso…quanto? Iríamos descobrir….
As fotografias naturalmente não substituem os sentidos mas o VVE torna a experiência muito real. Palavra do arquitecto desta fantástica viagem!
GostarLiked by 1 person