Usamos acrónimos para nos simplificarem a vida. A utilização de uma sigla desde que o seu significado seja por todos entendido poupa-nos as palavras e as explicações. Mas também envolve generalizações por vezes incorrectas ou injustas.
A Honda X-ADV é vitima de uma dessas injustiças, quando pelas tais simplificações, alguém diz que é como um SUV… das motos. Não creio que seja assim tão simples!
Se bem me recordo, o conceito de SUV surgiu algures em meados do século passado associado a um certo american way of life. Significava “Sub Urban Vehicle” e referia-se aquelas carrinhas familiares com suspensões mais altas e por vezes tracção às 4 rodas, que tanto serviam para levar os filhos à escola ou ao futebol, para a dona de casa ir fazer as suas compras ao Mall mais próximo, para os passeios de fim de semana com algumas incursões em caminhos florestais ou ainda para transportar a família e todas as traquitanas nas longas viagens de férias.
Mais tarde, alguém se lembrou que poderia significar “Sport Utility Vehicle” e traduzir uma imagem mais activa e moderna sem com isso perder a maioria das características do conceito inicial: a polivalência (ainda que essa seja hoje a capacidade de circular em meio urbano sem receio de subir um ou outro passeio ou apenas transmitir uma sensação de maior segurança devido à sua maior altura para condutor e passageiros).
Recordo ainda que em tempos alguém se terá lembrado de algo mais abrangente, mas que curiosamente não “pegou”: o “All Purpose Vehicle” ou APV.
Tudo isto para dizer o quê? Que passadas algumas centenas de quilómetros, a definição que melhor serve ao conceito inovador criado pela marca japonesa com esta X-ADV é precisamente a de um veículo destinado a todas as utilizações. A polivalência absoluta.
Apostaria assim em dizer que a X-ADV é um excelente APV! Mais que um SUV…
A CURIOSIDADE
Quando a Honda lançou a X-ADV, em 2017, para lá das formas diferentes e inovadoras, muito se questionou sobre qual o mercado-alvo deste novo produto. Quem, vindo das scooters quer evoluir para algo mais radical e divertido sem correr o risco de uma adaptação a uma nova forma de conduzir? Quem, pertencendo ao universo das motos (configuração clássica) pretende algo mais polivalente e prático nos trajectos urbanos sem todavia perder performance? Quem….
Ao olhar para a X-ADV e depois de ler alguns artigos sobre ela, tudo aponta para que ela vá ao encontro de todos estes “Quem”. E daí a enorme curiosidade em verificar se assim é.
Afinal…é uma moto? Uma scooter? Sempre tem capacidades “enduristas”? O que ganha – ou perde – com toda esta ambição de polivalência? Será o motor oriundo da NC750, com o seu 7 e meio de 55cv adequado a satisfazer todas estas ambições?
Estas as questões a que pretendo responder de seguida.
E principalmente, aquela questão fundamental no Viagens ao Virar da Esquina: dá para viajar?
A FORMA
Ao olhar mais distraído, a X-ADV é uma scooter. A sua configuração é de uma scooter com o formato de assento típico, as plataformas para os pés em posição avançada, o espaço debaixo do banco para o capacete…
Mas, olhando com atenção…o motor está na posição normal numa moto, a transmissão faz-se por corrente, para mais associado à DCT (a excelente caixa automática da Honda da qual sou fã assumido mas que continua a ser algo controversa no meio, do género “ou se ama, ou se odeia”) e não a uma transmissão de variação continua, o guiador veio direitinho da Africa Twin assim como o painel de informação. A altura ao solo e uma roda de 17” à frente (atrás uma de 15”) dão-lhe o ar – e o comportamento – adequado para as incursões em todo-terreno que são o principal factor diferenciador.
Também as suspensões inspiradas na “irmã maior” dão o seu contributo a esta faceta onde se destaca a invertida de 41mm de diâmetro e 153,5mm de curso à frente e o mono amortecedor traseiro Pro-Link com ajuste de pré-carga na traseira.
Em termos de ergonomia deve-se destacar que a partir do momento que nos sentamos (apesar da altura do assento e da largura das plataformas para os pés) conseguimos colocar os dois pés no chão, as mãos caem naturalmente no guiador e todos os comandos estão no lugar certo. Feita a adaptação à posição de condução… tudo sai com a maior das naturalidades.
Aqui um pequeno reparo: ao termos no punho esquerdo o travão traseiro e os shifters da DCT, acontece por vezes os dedos procurarem o travão e encontrarem o shifter de subida de mudança, logo…algo ao contrário do pretendido. Admito que com a prática esta tendência se esbata, mas aconteceu um bom par de vezes. Por exemplo, na Africa Twin tal não sucede porque o travão traseiro está no pé direito e a manete, que é do travão de estacionamento, está bem afastada para não ser accionada em andamento. Questão de adaptação, certamente.
O écran é ajustável manualmente e dá uma boa protecção em andamento. Apenas a velocidades acima das legais se poderá sentir alguma turbulência ao nível dos ombros e braços, mas nada de muito significativo. A leitura do painel é adequada e reúne toda a informação necessária.
Finalmente um comentário para a estética. Este é um comentário completamente subjectivo. O esquema cromático da X-ADV ensaiada – em tons de cinzento – é discreto e muito clássico (de “classe” e não de “antigo”). Outras escolhas cromáticas poderão dar maior “alegria” visual ou maior destaque na paisagem. Ainda assim, as opiniões dividiram-se entre aqueles que a acharam bonita e os que a “estranharam”… Confesso que não pertencendo à partida aos primeiros, com o hábito e, principalmente depois de a conduzir, gosto…mesmo muito! Mas já lá vamos..
O CONTEÚDO
O motor com 55cv pode à partida presumir-se ser curto para as ambições da X-ADV. Não é! De todo. O binário surge logo desde muito baixo o que faz com que as recuperações sejam surpreendentes, principalmente se nessas circunstâncias sobrepusermos a nossa vontade à da caixa automática. Ou seja, “uma abaixo” e aí vai ela….as ultrapassagens parecem de uma moto maior! E a banda sonora que sai do escape…muito adequada.
Teoricamente, a velocidade máxima deverá aproximar-se dos 185 reais. Na realidade, às 4.000rpm em 6ª vai a cerca de 117 reais pelo que com o red-line nas 6.300rpm obtemos aquele valor. Naturalmente, são valores teóricos que não experimentei na prática. Posso apenas referir que é perfeitamente natural uma velocidade de cruzeiro em auto-estrada um pouco acima do limite legal e com todo o conforto e segurança, sem se sentir qualquer tipo de vibração nem demasiada perturbação aerodinâmica.
A DCT é muito similar à da Africa Twin (falei sobre ela aqui).
4 modos de condução: D – Drive onde as passagens de caixa se fazem a baixo regime para uma condução tranquila e mais económica e depois 3 níveis de S-Sport em que as mudanças vão sendo efectuadas em cada um, a rotações cada vez mais elevadas, sendo assim o S3 o mais agressivo. O controlo de tracção tem 2 níveis ou pode ser totalmente desactivado…o que não acontece com o ABS. E ainda temos o botão da transformação: o G-Gravel que se destina exclusivamente ao off-road e maximiza a gestão da mecânica (controlo de tracção e regime do motor) de forma a garantir o máximo de tracção. O que esta caixa não permite na X-ADV é o funcionamento exclusivamente manual.
Onde a X-ADV me tocou o coração foi em estradas reviradas. A inserção em curva sempre correcta, a permitir inclinações excelentes que me levavam a questionar onde acabaria o pneu, e a saída em potência (lá está o tal binário a “baixas” e a gestão “manual” pelo utilizador da caixa) em que se sente claramente a roda de trás a “empurrar” o veículo – sensação que não deve ser estranha ao facto de a moto ser mesmo comprida – tornam a condução nestas estradas verdadeiramente divertida. A permitir até alguma agressividade…de meter inveja a outras motos mais radicais…
A este comportamento acresce o facto das suspensões que em boa estrada são firmes, em piso mais irregular têm um comportamento exemplar. O que se traduz em confiança, conforto e excelente agradabilidade na condução.
E, a propósito, a experiência em terra não foi prolongada. Alguns pequenos trajectos mas o comportamento é, considerando as suas características, irrepreensível. Não sou expert neste tipo de terrenos, mas depois de ganhar alguma confiança e de lhe perceber o comportamento, estes caminhos fazem-se de forma muito fácil e com elevados índices de divertimento. Onde numa estradista iria com todo o cuidado, lentamente, com a X-ADV…foi como se aquele caminho fosse o seu terreno natural. E até é!
Apenas um reparo. Quem queira utilizar a moto nestes terrenos com frequência, deles queira tirar prazer e fazer uma condução adequada, é fundamental introduzir um acessório: pézeiras de enduro que permitam conduzir de pé. As “prateleiras” não são o mais indicado para o fazer pois não só a posição fica demasiado à frente como, principalmente, não garantem a necessária aderência às botas.
A X-ADV é mesmo muito divertida de conduzir. E confortável numa utilização quotidiana. Se o trajecto se aproximar das 2 centenas de quilómetros, aí, talvez pela posição tipicamente “scooter” que leva a arquear as costas, o cansaço surge. Ou seja, trajectos em viagem sim mas sem tiradas demasiado longas.
O espaço debaixo do banco é suficiente para guardar um capacete integral desde que o mesmo não tenha apêndices aerodinâmicos. No meu caso, optei por utilizar esse espaço (21 litros) para transportar a bagagem para uma viagem de 3 dias. Coube tudo e ainda mais uma ou outra coisa…com a tranquilidade de não andar com sacos exteriores ou mochila às costas. O capacete ficava convenientemente agarrado à mota com um cadeado (não é a solução ideal mas durante o percurso, como o afastamento e a duração das paragens não eram significativos, servia perfeitamente).
Ainda a propósito de conforto…o sistema keyless (a “chave” vai no bolso e a moto detecta a nossa aproximação ou afastamento) é superlativo. É chegar e andar…ou desandar, conforme o caso. Prático, simples e cómodo. Um senão apenas…quando mudamos para uma moto sem este sistema, a tendência para deixar a chave esquecida na ignição é enorme…portanto, cuidado!
Finalmente, o consumo. Fiz uma média de cerca de 4l/100km (ou seja, perfeitamente dentro do valor oficial de 3,7, considerando que não tive preocupações excessivas na economia do fluido que pagamos a peso de ouro), que julgo ser excelente para as características da moto e para o tipo de utilização que lhe dei.
Foi precisamente neste domínio que encontrei o maior defeito da moto (pelo menos para mim que gosto de controlar os consumos e a autonomia em função dos quilómetros percorridos): a certa altura (no alto de Montejunto) a moto entrou na reserva. Estava mais ou menos à espera que tal ocorresse por ali. O que não estava à espera foi que o odómetro fosse substitudo pela expressão “—FUEL –” a piscar e que o indicador do nível de combustível fosse substituído pela indicação 0,1l (que depois mais à frente foi aumentando até chegar a 0,4l). Ou seja, como dizem os brasileiros, “fiquei no mato sem cachorro”. Presumi que a reserva desse para pelo menos 15 a 20km mas sem certezas. E muito menos sem a noção dos quilómetros percorridos o que seria importante considerando que a próxima bomba não estava à mão de semear. Felizmente, algum conhecimento do território minimizou o stresse de poder ficar pendurado…mas não gostei mesmo!
O VALOR DE SER DIFERENTE
A X-ADV custa cerca de 12.000€. Mais 3.500 do que a NC750X DCT que lhe dá o coração e menos 2.500 que a mais barata das Africa Twin que lhe dá a alma. Ou seja, em termos de posicionamento estamos esclarecidos.
Resta saber se, com o que a X-ADV tem para oferecer, a maior parte dos potenciais compradores não preferirá poupar uns euros significativos, por um lado, ou noutros casos, fazer um sacrificiozinho e partir para “algo mais”?
Ainda assim, julgo que o valor a pagar poderá ter alguma justificação. O equipamento é topo de gama. A ciclística, a mecânica, a caixa automática única no mercado estão lá. A qualidade e fiabilidade Honda estão presentes. A polivalência é real e indiscutível. A X-ADV vai mesmo a todo o lado: o tal “All purpose vehicule” que referi no início. O design e a imagem que transmite são únicas e exclusivas.
E o ser diferente tem um preço! Até porque não existe nenhuma outra moto com estas características no mercado.
O que levanta a questão final:
Para um modelo lançado há 2 anos, poderá querer dizer algo ainda não ter surgido uma rival no mercado?
- Incapacidade da concorrência em fazer parecido?
- Ou descrença no conceito inovador?
O tempo, apenas o tempo, nos dará resposta (o mesmo se passa geralmente com conceitos inovadores…primeiro estranha-se, depois….).
Uma coisa é certa: a X-ADV é uma Honda! Com tudo o que isso representa em qualidade, fiabilidade, performance e adequação perfeita à finalidade para a qual foi concebida.
CONCLUSÃO
Sim! Dá para viajar.
Fiz cerca de 750km durante 5 dias.
Fui ao Autódromo ver as corridas
Percorri o litoral oeste até à Nazaré – com um tempo miserável para o final de Julho.
Virei para o interior, com sol e calor, e visitei algum do rico património da zona centro: Mosteiros de Alcobaça e Batalha. Passei em Aljubarrota e percorri o Castelo de Ourém.
Já no regresso, diverti-me à grande nas estradas (algumas em estado sofrível mas que fizeram realçar a qualidade das suspensões da X-ADV) das Serras de Santo António – Candeeiros e do Montejunto.
E a cereja no topo do bolo foi percorrer de novo (já o tinha feito à ida) a EN115 entre Sobral de Monte Agraço e Loures. Ai se ela tivesse bom piso….
A X-ADV deixa saudades. É uma moto divertida com um conceito original a que ninguém fica indiferente. Motorização q.b. muito bem aproveitada por uma transmissão única no mercado com disponibilidade de binário desde baixas rotações que lhe dá uma genica inesperada . Dotada de uma ciclística excelente e muito bem equipada, transforma-se numa excelente moto em qualquer dos ambientes em que com ela circulemos: urbano, estrada, auto-estrada, off-road.
É cara, é certo, mas a qualidade e a exclusividade têm o seu preço!
Cada um fará o seu juízo e tomará a melhor opção, certamente.
Uma última palavra: um enorme agradecimento à HONDA PORTUGAL pela cedência desta excelente Honda X-ADV.
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