A versão actual de uma moto mítica – Honda Africa Twin Adventure Sports

Novo ensaio da Africa Twin. desta vez a versão destinada a longas tiradas: a Adventure Sports

25 Janeiro 2019

Aqui, o tema são as “Viagens”. Mas, como viajar significa deslocação não será de todo despropositado se de vez em quando falarmos do meio que utilizamos: motos.

Tivemos a oportunidade de testar a versão actual de uma moto mítica: a Honda Africa Twin!

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Era importante sabermos se está à altura da sua árvore genealógica e se é capaz de fazer frente aos best-sellers do mercado. Não se tratou de um comparativo, mas como já tivemos oportunidade de experimentar a “moto da moda”, a BMW GS1200, será inevitável alguma comparação.

Por outro lado, este test-drive pretende apenas avaliar a moto na perspectiva do utilizador comum, numa utilização comum e perceber como seria utilizá-la…numa Viagem ao Virar da Esquina! Para testes mais detalhados, obviamente que as revistas da especialidade são o recurso mais indicado…

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A Honda tem uma característica muito especial: mais facilmente as suas motos são capazes de inovar ao criarem uma nova classe, um motor diferente, características únicas – podemos recordar as CBR900, os motores V4 ou a utilização da caixa automática DCT – ou assumirem-se como o paradigma de uma classe – antes as CBR600 ou actualmente as scooter PCX – do que conseguiremos afirmar que uma determinada Honda é “a melhor” em determinado conjunto de características (a mais rápida, a mais confortável, a melhor esteticamente, etc.). Não! Geralmente as Honda destacam-se por serem efectivamente boas em tudo e não apenas as melhores em determinada vertente. Convém aqui acrescentar um aspecto concreto em que as Hondas se destacam: fiabilidade. Aí são praticamente imbatíveis.

A Africa Twin!

A moto que nos foi disponibilizada era a versão “grande” da Africa Twin: a Adventure Sports. E é efectivamente grande. Depósito maior – mais de 24 litros – o que desde logo implica uma maior envergadura da moto quando para ela olhamos de frente, suspensão com maior curso que a torna bastante mais alta e écran mais alto e ajustável. Acresce ainda que tinha as cores mais tradicionais e históricas: branco, azul e vermelho com jantes douradas! Linda!

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Os primeiros quilómetros foram de habituação. À configuração da moto – uma trail, ainda por cima, grande que obriga a uma postura diferente da minha habitual – às características do motor – bicilíndrico em linha, menos rotativo mas com muito binário – e ao som! Sim…o som!

Este o primeiro grande destaque: o som que sai dos escapes é uma autêntica sinfonia motociclistica. Grave, cheio, rouco! Espectacular. E, de certa forma inesperado para esta tipologia de moto. A Honda esmerou-se, não haja dúvidas.

Para perceber como se comporta a moto, nada como uma estradinha com curvas. Felizmente, perto de Lisboa temos a felicidade de ter a Serra de Sintra. E a histórica estrada da Lagoa Azul serve perfeitamente esta finalidade. Com a vantagem de também já a ter experimentado com uma BMW GS…

Pois bem, se a moto é facílima de fazer entrar em curva, a saída é fantástica. Sentimos a potência na roda traseira que nos empurra ao longo do contorno da curva e para lá desta, sempre sem vacilar e sempre a enrolar o punho progressivamente. Sentimos estabilidade e segurança. A moto entra na curva naturalmente e sai com toda a facilidade. O que são características essenciais para quem a quer utilizar para viajar. Porque um maior conforto significa menor cansaço, maior distância e mais segurança. Comparativamente à rival…parece ser mais leve…e não é (equivalem-se em peso). Maior ligeireza aparente, sem obviamente nos esquecermos que estamos com uma moto com mais de 240kg em ordem de marcha… que se traduz numa condução mais descontraída se assim se quiser.

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Deixámos as curvas e vamos para estradas mais direitas: o motor facilmente nos projecta para velocidades não legais e a 6ª velocidade é compriiiiiiiida!!!! Ou seja, numa condução perfeitamente normal com algum trânsito não necessitamos de estar constantemente a fazer apelo à caixa de velocidades.

Fica uma nota: o modelo em teste não tinha a inovadora DCT. De qualquer forma, como já anteriormente experimentámos esse tipo de caixa noutro modelo, apenas poderemos dizer que será uma questão de habituação, até porque permite as passagens de caixa manuais sempre que o condutor o quiser (e mais rápidas que o binómio embraiagem/pedal). Em piso de terra, a conversa poderá ser diferente….ou não!

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E aqui detectámos aqueles que poderão ser os 2 pontos negativos desta moto, tendo em vista o objectivo inicial deste teste: viajar.

Primeiro: o som projectado pelo escape e que acima referí ser magnífico. E é! Mas acredito que ao final de 200 ou 250km é capaz de ser algo cansativo e tornar a viagem menos confortável. A não ser que….pelo meio se introduzam umas estradinhas reviradas… e aí, outro galo (escape) canta: as reduções e as saídas das curvas em força alegram o espírito do motociclista (mas não lhe diminuem o cansaço auditivo).

Segundo: a velocidades acima dos 100km/h começam a sentir-se algumas perturbações aerodinâmicas na zona do capacete e até vibrações na viseira se esta não estiver completamente fechada. É evidente que este efeito se sente de forma mais significativa a velocidades acima dos limites legais pelo que…..

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Em conclusão: feitos cerca de 100km, posso garantir com toda a confiança que se tivesse a oportunidade de escolher a companhia para a próxima Viagem ao Virar da Esquina, a Honda Africa Twin (nesta versão Adventure Sports) estaria no primeiro lugar da lista. E garanto que essa viagem correria o risco de ser longa….pois esta é uma moto que pede quilómetros, muitos quilómetros.

Apesar de não ter sido testada fora do asfalto, a característica trail está lá. E numa qualquer viagem em que seja necessário desbravar caminhos mais próximos da natureza, a disponibilidade existe sem o receio daquilo que possa surgir à frente, como acontece numa estradista pura.

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A Wingmotor

Esta oportunidade foi-nos proporcionada pela Wingmotor. O concessionário Honda que agora tem uma nova localização bem no centro de Lisboa. Instalações novas e amplas, pessoal simpático, disponível e com a eficiência que caracteriza a Honda.

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Corresponderam com a maior disponibilidade à sugestão de cedência da África Twin durante o período em que a VFR estava entregue aos cuidados da oficina para uma rotineira revisão. Sem questões adicionais que não fosse responder à solicitação de um Cliente. Que ainda não o era…mas que passou a ser!

E a recomendar.

Fica na Rua José Estevão, ali para os lados do Jardim Constantino. Passem por lá. Serão bem recebidos.

Africa Twin – O mito, a lenda e…..dois mil e tal quilómetros depois!!!

Durante alguns dias, em dois períodos diferentes andei com a Africa Twin CRF1000L DCT. Percorri mais de 2000km no Alentejo e Algarve. E o diagnóstico ficou feito: é uma excelente moto e a que eu gostaria de ter nesta altura…

Abril/Maio 2019

25 Janeiro 2019

Por cortesia da Honda Portugal, tive o privilégio de, nas recentes viagens pelo sul do País, conduzir uma CRF1000L DCT, para os amigos e familiares conhecida como AFRICA TWIN.

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E não foi uma AT qualquer! A versão tinha a caixa automática DCT – Dual Clutch Transmition que, sendo alvo permanente de discussão entre os ”puristas” do pedal e manete e os “modernistas” que a acham a última coca-cola do deserto, garante desde logo uma certeza: ninguém discute os inegáveis méritos desta versão da Africa Twin dos tempos modernos. A conversa centra-se no sim ou não ao DCT. E é uma discussão mais apaixonada do que racional…

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Pela minha parte, digo já que tomo o partido dos segundos (neste caso) e considero esta verdadeira inovação que a Honda trouxe para o mundo das motos, um factor decisivo ao tomar opções futuras sobre motos.

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E aqui vale a pena tecer algumas considerações sobre a relação entre a marca Honda e o corrupio de inovações que vemos no mundo das motos.

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A primeira constatação é que, nos segmentos de mercado em que a Honda está presente, não há motos más. Pelo contrário. Muitas, por invenção, analogia ou cópia vão sucessivamente acrescentando funções, características, “inovações”, geralmente com as siglas apropriadas ao marketing “da coisa”. É raro vermos a Honda embarcar nestas dinâmicas. Mas quando o faz….a coisa é séria. O DCT é um excelente exemplo (como dizia em tempos um anúncio de um “enlatado”… um dia todos serão feitos assim). Inovação verdadeira, porque inédita e diferenciadora. E como tal, mais dificilmente imitável pela concorrência. É assim que a Honda entende o conceito de inovação!

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Nesta altura, dizem vocês: “deixa-te de paleio e fala mas é sobre a moto!”.

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Então aqui vai (voltarei ao DCT lá mais à frente. É inevitável!)…

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A primeira coisa que me chamou a atenção (e não de agora) foi o respeito manifestado pela herança das “velhinhas” Africa Twin. As linhas evocam-nas, sem deixarem de ser modernas, actuais e elegantes. Acresce que a pintura da que me calhou em sorte, tricolor, evocava as antigas, com as espectaculares jantes douradas. É uma opinião pessoal, exclusivamente pessoal, mas uma Africa Twin tem que ter rodas douradas…e se o esquema cromático não o aconselha…mude-se o esquema cromático!

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Antes de ir às coisas importantes, uma breve recordação. A primeira AT foi lançada em 1988 (uma evolução da Transalp lançada no ano anterior) com motor duplo cilindro em V e 647cc e cujo desenvolvimento e posterior construção foi feita no seio do HRC (um selo de garantia que as torna hoje em dia ainda mais valiosas…), tendo como inspiração as máquinas que à época dominavam o Paris-Dakar.

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Dois anos depois, o motor “cresce” para 742cc.. Com regulares actualizações, a destacar as de 1989 e 1993, a sua produção manteve-se até 2003. Em 2016, a Honda volta à Africa Twin, desta feita com um motor (sempre) de 2 cilindros mas paralelos, 998cc e 95cv. O carácter está lá, o visual muito bem actualizado também…e até o “bater” do motor e o seu som fazem lembrar os saudosos Vs….

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Africa Twin – 2200km de convívio

Finalmente, vamos lá então à experiência com a Africa Twin:

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Consideração importante (um clássico Honda), em nenhum momento a forma condiciona o conteúdo. A mota é equilibradíssima, em andamento não se sente o seu peso a não ser na estabilidade que proporciona, e proporciona uma muito boa protecção, atendendo à sua tipologia. Quando me sentei na moto, a sensação foi que tinha sido feita “no alfaiate”. Caí na perfeição, a posição sentado, a altura e posição do guiador, os comandos e o painel à frente dos olhos, tudo como se tivesse sido feito por medida.

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Mas, não há bela sem senão. E é aqui que encontrei dois defeitos sensíveis: o primeiro, no punho esquerdo, a disposição dos comando de buzina e piscas não me agradaram. Ao ponto de geralmente andar “à pesca” do pisca. Outro aspecto que é evidente durante o dia: o painel de bordo: tem toda a informação necessária, a navegação mesmo durante a condução é simples mas….faz imensos reflexos e em muitos casos, mais facilmente vemos o nosso reflexo que alguma da informação. Já à noite, com um fundo em azul e lettering branco, tem uma visibilidade notável.

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É evidente que a zona dos ombros e dos antebraços (nestes senti-o porque foi a única zona em que o blusão ensopou com as chuvadas que apanhei) está mais desprotegida. É normal nas trail. E a AT nem sequer será das piores neste domínio, pelo contrário.

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Tudo junto, os quilómetros sucedem-se às centenas (sim! Às centenas…) e o corpo tarda muito a queixar-se. Para quem tem alguma envergadura e mazelas nas costas…dizer isto já é dizer imenso sobre o conforto que é fazer viagens na AT. A suspensão absorve na perfeição todas as irregularidades da estrada e à medida que as atravessamos dá a sensação que vamos num berço, tal a forma como vamos integrados com a moto (nem “em cima” dela como numa mais endureira, nem “dentro” dela como nas mais radicais).

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E o prazer aumenta porque alguém com conhecimentos musicais profundos lá para o Japão, resolveu dotá-la de uma banda sonora que é…fantástica. Uma “voz” grossa, pausada, rouca que em marcha lenta impressiona e na estrada em velocidade de cruzeiro faz companhia sem qualquer tipo de incómodo. A imagem que me vem à cabeça é a de irmos a ouvir um álbum do Leonard Cohen (os fãs que me perdoem a heresia…)!

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A altura da moto tem os constrangimentos naturais. Temos sempre que ter algum cuidado quando paramos…não vá o pé não encontrar o chão e o peso da moto (o centro de gravidade é alto) tornar irremediável a queda! Aconteceu, mesmo com pernas compridas…

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Por outro lado, a circulação em cidade ou em trânsito intenso em estrada é espectacular. Pairamos sobre os “enlatados” com uma boa visão muitos metros adiante. A moto é algo sensível a ventos laterais. Mas julgo não ser um defeito mas antes uma inevitabilidade. A mancha de perfil feita pelo condutor e sua posição de condução e pela moto é muito avantajada, logo sensível. Principalmente, sente-se na roda da frente com o seu diâmetro de 21”. Não tenho dúvidas que nas mesmas circunstâncias outras motos da mesma tipologia sofrerão de idêntico mal, pois a aerodinâmica (principalmente a lateral) não será a maior prioridade. Acresce ainda que a moto tinha instalado o kit de malas (e bom jeito deram!) o que ainda aumenta essa “mancha”.

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Outro aspecto que me impressionou foram os ângulos em curva que a moto permite – será melhor dizer, que convida? – tornando uma estrada revirada em momentos de diversão absoluta. Na realidade quer a inserção em curva se faz com uma certeza grande (e voltamos ao tema da roda 21”) como a saída em força é … entusiasmante!!! Como é óbvio, não estamos a falar de uma “R”…nem lá perto. Não tem nada a ver. Mas, dois condutores com perícias idênticas, numa estrada de serra…admito que o primeiro a chegar não terá muito que esperar pelo segundo. Mas uma coisa sei…o da AT vai chegar muito mais fresco e descansado!

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Os travões acompanham naturalmente o equilíbrio da moto. Estou habituado a que “mordam” com mais acutilância (o que terá a ver com a diferença de perfil de moto que uso no dia a dia) mas realizada a necessária habituação, excelentes. E nas muitas ocasiões em que o clima não ajudou, muita chuva e vento, em nenhum momento se negaram a actuar em conformidade.

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Já vos falei da ergonomia, do conforto, das suspensões, da aerodinâmica, dos travões, do peso, do som, da roda 21… o que falta? O motor e a transmissão. La está…..o DCT. Vamos ter que falar do DCT….

Motor e Transmissão – DCT: Dual Clutch Transmition

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O motor surge perfeitamente disponível desde baixas rotações e depois sobe alegremente. Evidentemente que o seu momento glorioso não será perto do red-line, pelo contrário, nem isso seria de esperar (nem desejável) numa moto que faz da polivalência o seu ponto forte. O binário está lá para quando dele precisamos. E está mesmo! Mas sem nunca nos provocar sobressaltos ou “saltos em frente”. A moto transmite confiança! Muita confiança….

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Tudo isto é possível também graças à conjugação dos “modos de condução” com o esquema de gestão da transmissão. E lá vamos nós falar do DCT!

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A moto tem 4 “modos de condução” – 3 pré configurados e 1 personalizável – que fazem toda a gestão da electrónica disponível: ABS, HSTC – Sistema de Controlo de Binário, sistema de detecção da inclinação, que altera o padrão de passagem das mudanças consoante o grau de inclinação, etc.

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Os 4 modos são Tourer, Urban, Gravel e User (este o personalizável). Na minha experiência apenas não utilizei este último (não cheguei lá….nem sequer sei se, tendo uma moto destas, o faria sem ser para alguma situação mais específica, até porque os restantes chegam e sobram!).

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No caso do Urban, foi mais para ver a diferença que será mais sensível para quem eventualmente a use intensamente no tráfego urbano quotidiano. Numa curta (mas divertida) experiência em TT utilizei o Gravel e nota-se a sua influência no comportamento da moto, muito mais “agarrada” ao chão e mais intuitiva na utilização (tenho quase nula experiência nestas condições…). Note-se que os pneus estavam a léguas de serem os mais indicados a esta utilização…

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Em resumo, o modo Tourer foi o standard da experiência.

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Por outro lado, mais especificamente do lado da transmissão – o tal de DCT – temos 4 níveis de gestão: D(rive) e S(port) com 3 escalões. Assim o D (também poderia querer dizer “default”…até porque quando ligamos a moto e activamos a caixa, é neste modo que sempre fica) faz as passagens de caixa a rotações mais baixas, alongando as relações e permitindo um modo de condução mais suave e económico. Depois, seleccionando o S (a moto recorda sempre qual o último S escolhido) através de um segundo toque no botão de engrenar a caixa (o primeiro toque activou o D), teremos sucessivamente o S1, S2 e S3, cujo efeito mais sensível é o de as passagens de caixa serem efectuadas a regimes cada vez mais elevados. Como é óbvio, no S3 as mudanças são mais “esticadas”. Também aqui…o consumo se poderá ressentir. Mas o gozo é imenso! “No pain, no gain!” .

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Em estradas de serra, reviradas, com bom piso, e condução empenhada, experimentei o S1 e S2. Este último revelou-se o mais gratificante. Todavia, importa ainda fazer aqui uma referência nada dispicienda: a caixa faz as passagens de caixa de forma automática (inclusivamente detecta se estamos numa subida ou descida mais acentuada, actuando em conformidade, reduzindo para manter a rotação ou activando o travão motor para melhorar o controlo, respectivamente)…por isso é uma caixa automática!

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Mas….o condutor pode sempre, em qualquer momento sobrepôr-se a ela e reduzir ou passar acima através dos dois botões do punho esquerdo: polegar para reduzir e indicador para subir (devo dizer que me habituei desde o primeiro momento…talvez por o movimento ser idêntico às mudanças das bikes de BTT…sempre as 2 rodas!).

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Assim, porque na minha forma de conduzir, gosto de entrar nas curvas com mudanças baixas e depois ir subindo à medida que saio da curva, utilizava um “sistema misto”: reduzia manualmente uma abaixo daquilo que o DCT fazia e depois deixava-o gerir a saida em força. Perfeito e diversão garantida. Só um alerta…se não formos incisivos no acelerador, pode suceder que a moto entenda tal como vontade de “subir” e introduzir a mudança acima prematuramente.

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E isto porquê? Porque o sistema de gestão “percebe” as intenções do condutor!!! Inteligente? Talvez ainda não…mas suficientemente bem programado para o fazer. Dou um exemplo: se formos em modo D em estrada aberta e andamento normal, as passagens de caixa fazem-se na zona das 2200rpm. Mas se entretanto precisarmos de fazer uma ultrapassagem e “enrolarmos” decisivamente o punho, a moto “entende” e se o mantivermos “enrolado” as passagens de caixa far-se-ão a rotações mais elevadas.

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Dito isto, o que representa o DCT? Consideremos apenas as configurações de fábrica (omitimos então o “User”)…

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3 modos de condução, combinados com 4 níveis de gestão da caixa (já aqui temos 12 combinações diferentes), mais a gestão electrónica e acrescentamos a intervenção manual a gosto (utilização das patilhas de selecção de mudanças) e chegamos a um número infinito de possibilidades!

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Se a tudo isto adicionarmos a opção de escolha do modo M – intervenção manual para selecção de mudanças – isto é, o condutor é que mete as mudanças quando e como quer (sempre nas patilhas, claro que não há manete de embraiagem ou pedal selector), só me ocorre a célebre frase do Buzz Lightwear no Toy Story: “até ao infinito e mais além!

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Será preciso acrescentar que fiquei adepto incondicional do DCT? Reconheço que hoje em dia, as caixas das motos são sofisticadas e de excelência, que os quick-shifts facilitam a rapidez de utilização, mas….este é todo um novo mundo. E como acima referi, acredito que um dia todas serão feitas assim. Todas? ….Bem, quase todas.

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De referir ainda que existe a possibilidade de activar dois botões no lado direito do painel: o ABS para o desligar e o G onde a tracção e o controlo da moto aumentam, ao reduzir o deslizamento da embraiagem durante as passagens de caixa. Obviamente para utilizar em condições de utilização mais difíceis e específicas.

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Notas finais:

A primeira para os consumos: sem preocupações de economia na condução, com diferentes condições de circulação (desde temporal a calor, vias rápidas, estradas municipais ou de serra), mas sem exageros de qualquer espécie….ou seja, uma utilização muito aproximada do normal mas naturalmente dedicada a explorar as características da moto, fiz cerca de 5,3 l/100km. O que me parece francamente bom e acima de tudo melhorável numa utilização quotidiana!

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A segunda para a qualidade da moto. Uma palavra apenas: Irrepreensível! Ou seja, tipicamente Honda.

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Outra ainda, que tem a ver com a agradabilidade de utilização. Com intempérie nunca me senti desconfortável (para lá do que as condições do tempo admitiam), a protecção face à chuva e ao vento eram muito boas, permitindo por exemplo que a viseira do capacete (mesmo olhando por cima do vidro) nunca estivesse demasiado molhada e que o equipamento se mantivesse em boas condições (e não ficasse sujo!).

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Quando o calor apertou (travessia do Alentejo com temperaturas acima de 30º e velocidades de cruzeiro na ordem dos 100…e qualquer coisa), nunca senti o calor proveniente do motor nas pernas ou a circular para o tronco, o que prova o bom trabalho neste aspecto da aerodinâmica.

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CONCLUSÃO:

Reflecti bastante sobre a utilização da Africa Twin. Tive muito tempo para tal (alguns troços de estrada monótonos e convidativos à introspecção) e a conclusão a que cheguei foi que esta moto, em concreto com o DCT, poderá não ser a melhor moto do mercado (cada um dirá, legitimamente, que a sua é a melhor) até porque afirmá-lo seria um absurdo, mas será certamente a moto que neste momento eu gostaria ter (VFR…mil perdões, mas…sabes, a vida é assim…e em questões de motos não precisamos ser monogâmicos!)!

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Da Lagoa de Albufeira à Comenda de Monguelas

Começar novo ano com um passeio de moto num dia frio mas cheio de sol é excelente.
Se as paisagens são magníficas,melhor.
E condimentado com histórias surpreendentes…que mais pedir?

Ainda agora o ano começou. Nada como dar-lhe as Boas Vindas!

Manhã cedo, o sol radioso convidava a um passeio. Brilhava intensamente num céu tão limpo a fazer lembrar dias de outras estações. Mas a temperatura não mentia: é Inverno…e está frio! Nada que atemorize o motociclista, até porque frio é questão apenas de agasalho.

Por outro lado, o sol de Inverno (isto faz lembrar memórias do Festival da Eurovisão…era o nome da canção que Simone de Oliveira interpretou em 1965, naquela que era a segunda participação portuguesa no certame e que trouxe o primeiro – e único na altura – ponto do concurso obtido por Portugal!) é fantástico para a fotografia. O astro está mais baixo e a inclinação dos raios solares traz cambiantes de cor que não se conseguem obter noutras estações do ano.

Dito isto, moto em marcha, equipamento quentinho e “pé na estrada”, que nesta altura o dia acaba cedo.

1ª parte – Da Lagoa a Sesimbra

A saída de Lisboa fez-se pela Ponte 25 de Abril. Já não era cedo e as últimas neblinas matinais começavam a desaparecer. Excelente…até porque passar a ponte de moto é sempre espectacular. Depois, A2 até ao Fogueteiro, N378 (Estrada de Sesimbra) até à Rotunda da NATO e depois à direita para a N377 rumo ao ponto inicial do périplo: Lagoa de Albufeira. Depois de passarmos pela Herdade da Apostiça, cruzamento à direita e uma longa avenida até à margem da Lagoa.

Vista da Lagoa de Albufeira. Ao fundo, o mar. No meio da lagoa, os viveiros de mexilhões.

A Lagoa é alimentada pela água doce das ribeiras da Apostiça, Ferraria e Aiana, e pela água salgada do oceano Atlântico, quando o cordão dunar é aberto oficialmente na primavera. É constituida por três lagoas: a Grande, a Pequena e a da Estacada. Com 15 metros de profundidade máxima, a Lagoa de Albufeira é considerada a mais funda de Portugal. Desde 1987 que faz parte da Reserva Ecológica Nacional e em plataformas no meio da lagoa são visíveis bastantes viveiros de mexilhão. O vento bastante frequente torna este local belíssimo, excelente para a prática de desportos como sejam o windsurf, kitesurf, etc.

Lagoa de Albufeira
Lá ao fundo…Espichel

Regressamos à N377 até à aldeia de Alfarim, onde viramos logo na primeira rotunda à direita. As placas indicando “Praias” não enganam. É mesmo por aí. Descemos alguns, poucos, quilómetros e estamos na conhecida Praia do Meco.

Chegada à Praia do Meco

Inicialmente conhecida pela prática do naturismo, mais tarde pela realização de concertos de Verão, mas acima de tudo pela excelência da sua praia. Apesar de já dotada de alguma infraestrutura, adivinha-se caótica nas épocas balneares pois o afluxo supera em muito a capacidade de estacionamento (como aliás sucede na Lagoa de Albufeira).

Já referi que a manhã estava espectacular? Não só o brilho do sol como também o magnífico azul do mar, que estava surpreendentemente calmo.

Regressando pelo mesmo caminho, o único de acesso à praia, pouco acima, um cruzamento: à esquerda leva-nos novamente a Alfarim, seguindo à direita acompanhando as indicações de “Praias”, a estrada que levámos.

Esta estrada, inicialmente de alcatrão com crateras, depois de crateras com alcatrão e finalmente, em terra batida (para o caso em estado muito razoável, permitindo a motas de estrada percorrê-la sem grandes preocupações, a não ser os cuidados necessários à pouca aderência).

Por aí seguimos até à Praia das Bicas.

Praia das Bicas

Praia rodeada por dunas altas, com uma escadaria bem lançada até ao areal e frequentada por uma boa dúzia de surfistas. O mar estava de feição, com algumas ondas a favorecer a prática. Nem imagino a temperatura da água….

Praia das Bicas

Mas o destaque vai para a sua beleza. Sem dúvida uma pérola…ao virar da esquina. Destacar o facto de nela existir uma Aldeia SOS. Excelente para os miúdos, sem dúvida.

Praia das Bicas: areal que se estende até à Caparica e lá ao fundo, o recorte da Serra de Sintra.

Proseguindo o caminho pelo estradão , rumo a sul e ao Cabo Espichel, mais uns poucos quilómetros e é a vez da Praia da Foz.

Praia da Foz

Pequena, entre arribas e até algo intimidante, seja pela imponência da arriba, seja pelo facto de ser algo “acanhada”.

Praia da Foz

A partir daqui…seguir o estradão. Ainda faltava meia dúzia de quilómetros para o Cabo Espichel. A cerca de 2 km do cabo, deixamos o estradão e tomamos a N379 que une Sesimbra à ponta mais a sudoeste da Península de Setúbal. De salientar que ao longo do percurso desde o Meco até aqui, algumas praias existem para lá das referidas. Mas aqui aconselhava-se talvez a utilização de moto com características mais trail.

A caminho do Cabo Espichel

Quase à chegada passamos pelo Aqueduto do Cabo e à nossa frente vislumbramos 2 edifícios de características completamente diversas: à esquerda o imponente farol e à direita o não menos impressionante Santuário de Nossa Senhora da Pedra Mua, com a igreja da Nª. Srª. do Cabo.

Lá ao fundo, ao centro o Farol e à direita o Santuário

Fomos primeiro até ao Farol. Imponente a vista e impressionantes as arribas do Cabo. Lá muito embaixo, o mar bastante calmo…mas de meter respeito! Olhando a norte, toda a costa marítima até às praias da Caparica e em segundo plano, a margem norte do Tejo e a Serra de Sintra.

As arribas do cabo Espichel

“Já em 1430 a irmandade de N.S.ª do Cabo tinha instalado um farolim predecessor do actual farol. A torre actual foi inaugurada em 1790, em 1865 era alimentado por azeite, mudando de combustível em 1886, quando a sua luz passou a ser alimentada por incandescência de vapor de petróleo e, muito mais tarde em 1926 por electricidade.

Em 1983 este farol tinha instalado um aparelho iluminante chamado de primeira ordem que emitia luz em grupos de quatro clarões brancos, em vez do antigo sistema de luz fixa. Com este novo sistema passou a ter um alcance luminoso de vinte e oito milhas náuticas (quarenta e cinco quilómetros).

A estrutura de apoio ao farol foi aumentada para os lados por volta de 1900. Em 1947 entrou numa nova era no que diz respeito à iluminação. Foi montado um aparelho óptico aeromarítimo, que já tinha estado ao serviço do Farol do Cabo da Roca. Esta nova óptica dióptica – catadióptica chamada de quarta ordem, um modelo de grandes dimensões, apresenta trinta centímetros de distância focal, produzindo lampejos simples, agora com um alcance luminoso de quarenta e duas milhas náuticas (cerca de sessenta e sete quilómetros)”

in Wikipédia

Farol do cabo Espichel

Depois, um passeio pelo Santuário. Linda toda a zona fronteira à Igreja, com a edificação do Santuário de um e de outro lado. Pena o seu não aproveitamento, mas pelo menos já não ao abandono como há alguns anos atrás. É um dos casos em que as imagens são mais eloquentes que as palavras.

Santuário
Igreja de Nª. Srª. do Cabo

No início da escrita deste Blogue, afirmei que o meu sonho é ir ao Cabo Norte, mas que para já, ficava pelo Espichel. O possível faz-se já…e guardamos o impossível para amanhã. Aí está a imagem que ilustra este desejo:

E eram horas de nos encaminharmos para o final desta primeira etapa do dia: Sesimbra.

Regressámos pela N379. No Zambujal, uma rua à direita de inclinação pronunciada – 20% – conduz-nos à Rua da Assenta. Nesta viramos à esquerda e começamos a subir rumo ao Castelo de Sesimbra (se tivéssemos virado à direita, iríamos até à Praia da Ribeira do Cavalo).

Pequena pausa nos 20% de inclinação…

O Castelo, em excelente estado de conservação, ergue-se em posição dominante no cimo de uma falésia, tendo a seus pés a vila de Sesimbra e a sua baía. Dentro do perímetro da muralha, encontra-se a Alcáçova de planta quandrangular dominada por duas torres, uma das quais a Menagem (e que no seu interior tem uma pequena exposição com o historial do castelo e da vila que domina).

Desde tempos imemoriais, foi esta zona ocupada, principalmente derivada da sua localização estratégica, na foz do rio Sado, abrigada pela baía e protegida pela serras onde se situa o monte ocupado pelo Castelo. A primitiva fortificação data da época de domínio muçulmano, tendo a praça de Sesimbra sido conquistada por D. Afonso Henriques, 18 anos depois da tomada de Lisboa, em 1165.

Vista de Sesimbra
Muralha do Castelo de Sesimbra
O castelo e a vila

Ainda no interior das muralhas está a capela de Nª. Srª. do Castelo, muito bem conservada e com interessantes painéis de azulejos.

Capela de Nª. Srª. do Castelo
Interior da Capela

Obviamente, a vista das muralhas, principalmente para a baía de Sesimbra é deslumbrante!

Sesimbra vista lá do alto!

Estava concluída a primeira parte do passeio. Agora era tempo de rumar à Arrábida, onde paisagens deslumbrantes e algumas histórias curiosas nos aguardavam…

Sesimbra ficou para trás.

A luz dos dias de Inverno é magnífica mas também um bem precioso. Porque os dias brilhantes não abundam e, principalmente, porque são curtos. Por isso era fundamental chegarmos rápido aos próximos destinos.

E o que terão em comum a viúva de um presidente americano, um espião inglês que segundo consta tem licença para matar, trágicos amores e desamores literários, um “Processo Revolucionário em Curso” ou palácios e fortes abandonados, praias maravilhosas e umas estradas que são uma delícia para fazer de mota?

O ponto comum é…a Arrábida!

2ª parte – Do Portinho à Comenda

Saí de Sesimbra em direcção a Azeitão pela mesma N379 que já nos tinha trazido do Cabo Espichel. Pouco antes de Aldeia de Irmãos viramos à direita seguindo as indicações “Arrábida”. Não tem que enganar.

A principio sem grandes inclinações mas já com curvas e contra curvas, uma constante a partir daqui, avançamos para sul em direcção ao contorno montanhoso da Serra. Depois de Casais da Serra, a estrada começa a empinar. Chegados mais acima, eis que surge, lá em baixo, o mar. Azul! Profundamente azul!

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O mar e Tróia, lá ao fundo

Um pouco mais à frente encontramos uma bifurcação. Para simplificação, chamarei “Estrada de Baixo” à que segue pela direita. Esta é a estrada que nos leva às praias e que depois de uma descida pronunciada segue sempre junto ao mar. À outra estrada, a que segue em frente, chamarei “Estrada de Cima” (para o caso é a N379-1, desde Aldeia de Irmãos até à Fábrica de Cimento do Outão).

Virei à direita, pela Estrada de Baixo. Descida pronunciada e no final, novamente à direita para o acesso ao primeiro ponto de paragem, visita obrigatória, a espectacular praia do Portinho da Arrábida.

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Portinho da Arrábida

Uma pequena enseada com um areal diminuto que progressivamente vai crescendo para leste até chegar à Praia do Creiro, em frente à grande referência paisagística: a Pedra da Anicha. Um pequeno rochedo que sobressai do mar a cerca de 100m da praia e que é reserva ecológica integrada no Parque Natural da Serra da Arrábida.

A meio da estreita estrada que conduz à praia e à meia dúzia de vivendas e aos 2 restaurantes que ficam praticamente em cima do mar, encontra-se o Forte de Santa Maria da Arrábida onde está localizado o Museu Oceanográfico. A destacar ainda a Estação Arqueológica do Creiro. Referir ainda que o acesso à praia é altamente condicionado: quer por semaforização alternada, quer ainda, na época estival por restrições mesmo de acesso. E o estacionamento? algo simplesmente….residual. Vantagem clara das motos!!!!

Regresso pelo mesmo caminho até encontrar novamente o cruzamento da Estrada de Baixo. Viro à direita, em direcção às outras praias. Sucedem-se o Creiro (cujo acesso pode ser pelo areal a partir do Portinho, ou por um caminho que desce até à praia). De referir que todas as praias por onde passamos se situam num plano inferior à estrada (que vai perdendo cota progressivamente) até se chegar à Figueirinha que essa sim está ao nível da estrada e já tem algumas infraestruturas mais adequadas a uma (muito pequena) estância balnear.

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A costa vista de Galápos. Destaca-se na esteira do Sol, a Pedra da Anicha

Depois do Creiro, passámos sucessivamente pela Praia dos Coelhos, por Galapinhos (recentemente coroada como uma das mais belas praias do mundo), por Galápos (alguém ainda se lembra do saudoso Seagull?…) e finalmente a Figueirinha.

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Galápos
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Praias. Portinho ao fundo
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Costa da Arrábida vista das proximidades da Figueirinha
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Praia da Figueirinha

Se o azul forte tingia o mar até aqui, junto às rochas que o bordejam encontramos outras cores e tonalidades que muito contribuem para a beleza deslumbrante de toda esta costa.

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Policromia marítima

E quando falamos de beleza, temos também que mencionar a sua antítese: a Fábrica de Cimento que tanto desfeia todo este enquadramento. Mas ainda antes de lá chegarmos, passamos por uma edificação que quase passa despercebida não fora ter um pequeno farol: o Forte de Santiago do Outão. Tendo origem no Séc. XIV, nele fica hoje o Hospital Ortopédico do Outão, depois de no início do Séc.XX ter tido a valência de Sanatório. Dele falaremos adiante quando mencionarmos o Forte Velho do Outão.

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Vista parcial do Hospital do Outão. Ao fundo: Tróia
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Forte de Santiago do Outão (Hospital Ortopédico)

Passado o Forte e ultrapassada a Fábrica de Cimento, cerca de 1km à frente, numa curva à esquerda, começamos a vislumbrar entre o arvoredo que envolve a estrada, um edifício imponente, mesmo à beira-mar… que aqui ainda é rio.

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Palácio da Comenda

Imponente pela sua volumetria, pela sua arquitectura e pela sua localização, com uma pequena enseada privativa e rodeado de frondosa mata (que vista mais em detalhe denuncia o abandono a que está votada…). Para lá chegarmos, ainda uma volta de estrada, passamos pelo parque de Merendas da Comenda e depois …o portão de acesso à Comenda de Monguelas!

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Comenda – Vista aérea

A Comenda é uma propriedade situada na encosta sul da serra, sendo as suas origens anteriores a 1800. Foi a mesma, incluíndo o luxuoso palacete e praia privada, vendida por D. Maria – Rainha de Portugal, em hasta pública, pelos idos de 1848. Fica a cerca de 2 km de Setúbal, banhada pelo estuário do Sado, com uma praia privada e de olhos postos em Tróia. Maravilhoso!

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Palácio da Comenda
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Palácio da Comenda. Vista para o mar

Conta a história que a construção neste local começou no período romano, com um complexo industrial de salga de peixe, passou por uma torre de vigia medieval, que, no século XVII, dá origem à plataforma de S. João da Ajuda, um baluarte situado estratégicamente à entrada do estuário do Sado.

E é sobre esta plataforma abaluartada que, no século XIX, é construída uma primeira casa de habitação. E era a que existia no local quando Ernest Armand, ministro de França em Lisboa, compra a propriedade, no dia 9 de Março de 1872, por cinco contos de reis. Mais de 20 anos após a aquisição da propriedade, o Conde d’Armand doou-a ao seu únco filho varão, Abel Henri Georges Armand. Com 5 filhos e querendo usufruir na plenitude da localização magnífica, o já conde por morte de seu pai, decide-se pela reconstrução da casa e adapta-a à sua condição aristocrática e às necessidades impostas pelo seu relacionamento com as melhores famílias europeias.

E para tal, chamou um jovem arquitecto português que posteriormente faria carreira prestigiada: Raúl Lino. Fundador e Presidente da Academia de Belas Artes, projectou entre mais de 700 obras, a Casa dos Patudos em Alpiarça, o Cinema Tivoli em Lisboa, o Cine-Teatro Curvo Semedo em Montemor-o-Novo ou os Paços do Concelho de Setúbal.

O aristocrata francês fez uma curiosa exigência ao então jovem arquitecto Raul Lino, quando lhe atribuiu o trabalho: que antes de iniciar o projecto gozasse de uma noite de luar no sítio onde planeava implantar a casa, como forma de melhor apreender o espírito do local para conceber um projecto em harmonia com a luxuriante paisagem. E assim foi! O projecto data de 1903 e a obra foi concluída em 1908.

Depois da morte do pai, e após os tempos difíceis da I Guerra Mundial, a casa passa para o novo conde, Roger Ernest Armand.

Nos anos 80, a quinta foi adquirida por um empresário do sector imobiliário, António Xavier de Lima que lhe terá feito algumas alterações que desvirtuaram a herança arquitectónica de Raul Lino, até aí inalterada. Após a morte deste, ficou ao abandono, exposta à degradação e ao vandalismo. Hoje, para a “visitarmos” temos que utilizar o expediente pouco legal de “pular o muro”.

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Palácio da Comenda
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Palácio da Comenda

Mas o Palácio da Comenda tem outras histórias para contar.

A Casa da Comenda foi cenário de verões repletos de glamour. Fosse na presença da própria família Armand e do círculo da melhor aristocracia europeia e portuguesa, fosse como estância de veraneio de outras famílias a quem cediam a casa, fosse a personalidades mais mediáticas, como a princesa Lee Radziwill, irmã da viúva do presidente norte-americano J. F. Kennedy, e do seu inseparável amigo Truman Capote, que no verão de 1965 ali terão passado uma temporada

Mas, ainda antes, terá sido uma mulher frágil e de luto que chegou ao Palácio da Comenda, na Serra da Arrábida, em Setúbal, logo após o assassinato do marido, John F. Kennedy, em Dallas 22 de Novembro de 1963.  Jacqueline Kennedy veio para Portugal com os dois filhos pequenos, Caroline e John-John, a convite dos condes D’Armand. Não há registos que assim tenha sido, de facto. Mas esse terá sido também o objectivo do isolamento pretendido…

Em 3 de Agosto de 1975, nova tragédia aparece associada ao palácio da Comenda. Nesse dia, um duplo assassinato ocorre na mansão: Madalena e seu cunhado Miguel aparecem assassinados a tiro, num dos quartos do 1º andar, aparentemente durante um encontro amoroso. No andar térreo, ao fundo da escadaria, Julieta, irmã mais velha de Madalena e mulher de Miguel jaz tombada com uma pistola na sua mão. A queda deixa-a longas semanas em coma e quando retoma o conhecimento, está cega e sem memória do que terá acontecido. Todos eram membros de uma família de posses, o que no Verão Quente de 1975 em Portugal não tornou a situação menos complicada. Justiça (politicamente) apressada condenou Julieta à prisão, acusada de ter morto o marido adúltero e a sua irmã. Afinal todas as evidências apontavam para ela, mas…

Assim começa a história que 28 anos mais tarde acaba por ser desvendada! Obviamente que nada disto ocorreu na realidade. Trata-se de um romance do escritor Domingos Amaral, editado em 2012, no qual o Palácio da Comenda serviu de cenário inspirador da maior parte da trama. Quer à época dos “factos”, o Verão Quente – precisamente o título da obra – de 1975, quer no posterior desenvolvimento do mistério, 28 anos mais tarde.

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Ainda hoje é possível aceder ao caminho que leva ao ancoradouro.

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Palácio da Comenda. Ancoradouro e praia privativa

Mas já não o é ao primeiro andar dos quartos, pois a escadaria onde Julieta tombou está completamente em ruínas. Assim como parte do tecto, quase todas as janelas e portas também. De facto a ruína apodera-se lamentavelmente deste edifício que hoje está completamente vandalizado.

Uma curiosidade: se por aí andar algum premiado com um jackpot do euromilhões, a Comenda de Monguelas está à venda por 50 milhões de euros (admito que uma boa negociação permita economizar uns trocos…). A localização é fabulosa, a paisagem não tem preço e a recuperação … enfim, é capaz de exigir algum investimento!

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Palácio da Comenda. Exterior

Daqui, voltámos pela mesma estrada, à zona da Fábrica onde viramos à direita, para a N10-4, vulgarmente conhecida por Estrada da Rasca (porque passa na aldeia com este nome). Pouco mais à frente, viragem à esquerda, e retomamos a nossa N397-1, a Estrada de Cima, desta feita em sentido contrário. Se primeiro percorremos a estrada que bordeja o mar, desta feita iríamos pela estrada que sobe a serra e corre pelo seu cume.

A próxima paragem não demora. Subida íngreme, em regime de curva e contra-curva, o mar à esquerda e, à medida que subimos, vislumbramos toda a magnificência do estuário do Sado: Tróia à direita, Setúbal à esquerda, ao fundo a zona industrial da Mitrena e no meio, um pequeno mar interior onde com frequência são visíveis as brincadeiras da comunidade de roazes que por aí vão andando.

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Estuário do Sado

Numa curva apertada à direita, temos à nossa frente a Porta de Armas da 7ª Bataria de Artilharia de Costa. Os portões abertos e o estado de abandono indiciam aquilo que iríamos encontrar uma fortificação ao abandono bem como os postos de tiro ainda com o que resta das respectivas peças de artilharia. Apesar do abandono, quer o forte quer a instalação de artilharia permite-nos ter uma boa ideia de como eram, quando em actividade. Entrámos!

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7ª Bataria – Porta de Armas

O forte, chamado de Forte (velho) do Outão fica no cimo de um promontório que tem aos seus pés, à beira mar, o já referido Forte de Santiago (Hospital Ortopédico do Outão) bem como uma das mais bonitas vistas da Serra da Arrábida.  A  construção do Forte Velho do Outão (também desigando por Forte do Zambujal, Forte do Facho ou Atalaião da Serra da Arrábida) ter-se-á iniciado cerca de 1649, quando João de Saldanha de Oliveira recebe a incumbência de construir um atalaião no alto da serra para colocação de peças de artilharia. Terá ficado concluído em 1655, quando uma carta do Rei D.João IV ordena ao Governador de Setúbal que entregasse o comando do Atalaião ao capitão Agostinho Cardos com uma guranição de 6 soldados. Esta fortificação complementava a posição bélica e defensiva do Forte de Santiago.

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Forte Velho do Outão
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Forte Velho do Outão – Ameias e vista para Tróia
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Forte Velho do Outão. Vista para Setúbal
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Forte Velho do Outão

O forte está, devido ao abandono, em estado adiantado de degradação, muito ajudado pela vandalização que ao longo do tempo tem sofrido – com os omnipresentes grafittis. Resiste apenas pela solidez da construção.

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Forte Velho do Outão. Escadaria interna

Um pouco mais à frente, acedemos à zona onde estão 3 peças de artilharia de médio alcance (10 a 20km) Vickers de 152mm. Eram elas que, quando em actividade, faziam a defesa da entrada da barra do Sado.

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Peças de artilharia

Funcionavam de forma coordenada, no âmbito do Regimento de Artilharia de Costa, com outras peças que asseguravam a defesa de Lisboa e Península de Setúbal, segundo o plano luso-britânico definido pelo general inglês Barron no pós 2ª guerra mundial. O objectivo era criar uma força especializada em impedir o desembarque de uma força convencional apoiadas por unidades navais naquela região. O plano foi desenhado em 1939, a construção desta 7ª Bataria decorreu entre 1944 e 1954 e cessou a actividade (pela obsolescência deste tipo de defesa) em 1998. O RAC foi extinto em 2001.

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Canhão Vickers 152mm

Esta 7ª Bataria funcionava em ligação com a 6ª sediada na Raposa próximo da Fonte da Telha e com a 8ª em Albarquel (Setúbal). Todas faziam parte do Grupo Sul do RAC que também incluía a 5ª Bataria da Raposeira (Caparica). Para lá das peças de artilharia é possível apreciar o esquema montado à volta (e por baixo) delas, maioritariamente subterrâneo, com casamatas para os militares, paióis para as munições e os sistemas de elevação destas para alimentarem as necessidades de tiro.

Das varandas e janelas do Forte, para lá da magnifica vista, vislumbramos também em pormenor o Forte de Santiago. Este é o resultado de sucessivas construções feitas naquele local estratégico da barra de Setúbal, a primeira das quais, uma torre de vigilância mandada edificar por D. João I em 1390.

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Forte Velho do Outão – Vista panorâmica

Ao longo do tempo foi sendo beneficiada e ampliada (um pouco também à medida do crescimento da importância marítima de Portugal e do porto de Setúbal em particular. As principais que resultaram numa ampliação significativa ocorreram no reinado de D. Sebastião. Mais tarde, durante a dinastia filipina, a Casa do Corpo Santo (importante instituição de Setúbal) solicitou ao rei a instalação neste forte de uma torre de farol para auxílio à navegação que ficou concluida em 1625 e tendo essa construção sido custeada por aquela instituição.

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Foz do Sado. Forte de Santiago em primeiro plano. Península de Tróia, ao fundo

Depois da Restauração da Independência, voltou o forte a receber importantes obras de modernização e reforço, cuja conclusão ocorreu em 1657. O forte manteve a valência bélica até ao Séc. XIX, quando foi desactivado. Foi depois, durante algum tempo utilizado como prisão. Em 1890 recebeu obras de adaptação e passou a ser utilizado até ao início do Séc. XX como residência de veraneio do Rei D. Carlos.

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Forte de Santiago (visto do Forte Velho)

Entretanto, a sua localização foi reconhecida como sendo valiosa no tratamento de doenças do foro pneumológico pelo que até 1908 foi utilizado como Sanatório. A partir dessa data, passou a ser um Hospital Ortopédico, função que ainda hoje conserva.

Concluida a visita à 7ª Bataria, o dia ia já muito avançado e era importante alcançar o ultimo ponto de destaque do périplo antes de anoitecer. Assim, seguimos em direcção ao alto da Serra, sempre com uma paisagem extraordinária a desfilar na frente dos nossos olhos, ainda mais realçada pela luz de final de dia. Passámos a zona das antenas, diversos miradouros e pontos de paragem que se sucedem à beira da estrada, tantos são os locais com vistas de deixar qualquer um de queixo caido.

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Panorâmica da encosta sul da Arrábida
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A caminho do cume
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Pedra da Anicha
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Panorâmica do Portinho da Arrábida

Ultrapassado o cume da Serra (no que à estrada diz respeito), iniciámos a descida. Um pouco à frente, quando já vislumbramos a vista para o Portinho da Arrábida e antes de passarmos pelo Convento (já falaremos dele), temos uma pequena reentrância do lado esquerdo, servindo de referência o facto de lá estar construida uma rampa para os praticantes de parapente que depois de sobrevoarem toda esta magnífica encosta, vão aterrar no areal do Portinho.

Foi precisamente neste ponto, à entrada da curva à direita logo a seguir ao miradouro, que em 1968, o agente secreto de Sua Majestade com licença para matar – Bond, James Bond (George Lazenby, no seu único filme da saga) – parou o seu inevitável Aston Martin. Estava acompanhado da sua noiva, Teresa (Tracy) di Vicenzo (Diana Rigg). Tinham acabado de celebrar o seu casamento na Herdade do Zambujal (Palmela) e este era o início da lua-de-mel. A paragem serviu também para o noivo retirar do Aston as flores que o ornamentavam desde a cerimónia do casamento. Mas 007 nunca está descansado! Um grande Mercedes 600, conduzido pelo vilão Ernst Stavro Blofeld (Telly Savallas) aproxima-se e ultrapassa-os. No banco de trás, à janela, Irma Blunt (Ilse Steppat), a diabólica ajudante de Blofeld dispara uma rajada de  metralhadora. Quando James Bond entra no carro verifica que Tracy estava morta…

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Cena do filme 007 – Ao Serviço de Sua Majestade
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O mesmo local…50 anos depois

Este é o relato dos 3 minutos finais de um filme que este ano comemora o seu cinquentenário e foi por muitos considerado o pior da saga sendo bastante menosprezado pela crítica de então. O filme é “007 – Ao Serviço de Sua Majestade” e estreou em Londres no final de 1969. De facto, a transição de intérprete principal não foi pacífica e isso penalizou Georges Lazenby, com um registo bastante diferente do carismático Sean Connery que tinha protagonizado os anteriores 5 filmes de James Bond. Mas para nós, será certamente um dos principais, pois nele podemos ver a Serra de Sintra e o Guincho, o Casino Estoril e a Baixa Lisboeta, para lá da Arrábida, obviamente!

Lá ao fundo vislumbra-se, numa curva da estrada, uma das guaritas de veneração dos mistérios da Paixão que fazem parte do chamado Convento Velho, uma das componentes do Convento da Arrábida. Este, construído no século XVI, abrange, ao longo dos seus 25 hectares, o Convento Velho, situado na parte mais elevada da serra, o Convento Novo, localizado a meia encosta, o Jardim e o Santuário do Bom Jesus.

Dessa guarita, temos uma visão excelente para o Convento Novo bem como mais uma lindíssima panorâmica de toda a Costa da Arrábida. Para acabar em beleza…

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Convento da Arrábida
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Guarita de veneração
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Arrábida – panorâmica

Estava concluído o passeio. Agora era tempo de regresso!

E a promessa inicial estava cumprida: falámos de uma viúva de um presidente americano, de um espião inglês , de trágicos amores e desamores literários, de um “Processo Revolucionário em Curso”, de palácios e fortes abandonados, de praias maravilhosas e de umas estradas que são uma delícia para fazer de mota!

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Pôr do Sol – a caminho de Azeitão

Tudo isto, numa Viagem ao Virar da Esquina…pela Arrábida!

Da Lagoa de Albufeira à Comenda de Monguelas – mapa do passeio:

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