QUEM CONTA UM CONTO.. ACRESCENTA UM PONTO!

O que não falta por aí são histórias, contos, lendas que nos surpreendem, paisagens que nos maravilham e pessoas com experiências de vida que nos enriquecem só por falarmos com elas.

UMA CRÓNICA SOBRE AS CRÓNICAS

Este é um ditado popular muito utilizado quando nos referimos a alguém, geralmente maldizente e propagador de boatos, que tendo tido conhecimento de uma qualquer história – referente a uma terceira pessoa e que não está presente – a reproduz acrescentando sempre uns pozinhos da sua própria criatividade. E geralmente não são abonatórios do ausente visado.

Afinal, a imagem típica daquelas vizinhas coscuvilheiras, estão a ver?

Ao longo destes quase três anos de colaboração com a Andar de Moto nos quais vos vou maçando com relatos de viagens com a regularidade mensal da tiragem da revista, tenho procurado acrescentar alguns pontos às histórias que vou contando.

Obviamente não por coscuvilhice, mas enquadrando-as na dinâmica do trajecto, por vezes dando-lhes uma interpretação própria e sempre utilizando palavras minhas.

Mas afinal como surgem estes relatos?

É o destino que me impõe a procura da história ou, ao invés, um conto ou uma lenda obrigam-me a procurar o local?

AS VIAGENS AO VIRAR DA ESQUINA

Como o nome indica, não procuro viagens longas na distância e no tempo. Não quer dizer que não as faça mas aí o propósito é diverso.

O objectivo é que possam ser simultaneamente gratificantes e facilmente exequíveis. Num fim-de-semana ou numas pequenas férias. Sem rebentar o orçamento também!

Assim sendo, fácil é constatar a primeira dificuldade: enquanto o viajante de longa distância o faz com pouca frequência (uma vez por ano, por norma), traçando um objectivo e estendendo o planeamento e a preparação ao longo do tempo até chegar o grande momento da partida, aqui estas fases são naturalmente mínimas…quase rotineiras.

Na minha opinião, qualquer viagem assenta na resposta a três perguntas que devemos fazer a nós próprios:

  • O SonhoOnde quero ir?

O destino pode ser qualquer um: um local recomendado por amigos, uma paisagem de sonho vista num programa de TV, uma estrada fantástica que alguém comentou, um restaurante perdido no meio de nenhures que tem uns petiscos divinais….ou “apenas” uma daquelas fixações que surgem não se sabe de onde mas que nos martelam a cabeça persistentemente.

A minha não é segredo: o Cabo Norte! Hei-de lá ir…brevemente, que “o tempo urge”!

  • A CapacidadeConsigo fazê-lo?

Aqui entramos no domínio da realidade: tenho orçamento? tenho condição física para o desafio? a moto é adequada? tenho o equipamento necessário? posso ir sozinho ou devo levar companhia? e nesse caso, arranjo?

Todas estas perguntas têm uma resposta em cada momento e não têm que ser todas afirmativas. Basta que o sejam à hora da partida.

  • A Vontade – Algo me impede de o fazer?

Aqui não se trata da resolução dos pontos anteriores.Tem a ver com o nosso íntimo. Se tenho vontade de o fazer, porque não o fiz ainda? Porque hesito?

Acho que todos conhecemos aquela fase geralmente no Inverno, em que nas rodas de amigos começamos a antecipar as próximas conquistas…geralmente as não concretizadas nos anos anteriores, recicladas e acrescentadas de uma ou outra novidade. E afinal o que nos impediu? A família? O trabalho? O receio?…..

As razões serão do foro estritamente pessoal e não cabe aqui explorá-las.

Por isso esta é a questão cuja resposta é mais difícil. E mais complicada de ultrapassar.

É evidente que em pequenas viagens, todas estas questões não se colocam…ou são facilmente ultrapassadas. Uma grande vantagem e o benefício evidente de as podermos fazer, repetir…e repetir!

Mas a questão fundamental é comum: onde ir?

COMO ESCOLHO OS MEUS DESTINOS

Julgo que esta é a parte mais divertida – excluindo a viagem, claro – porque no momento zero, a ideia do destino surge por vezes donde menos se espera.

Devo dizer, como nota prévia, que tenho 2 defeitos grandes (quer dizer, de certeza que tenho mais!): tenho pouco espírito aventureiro – detesto surpresas e procuro controlar os acontecimentos o mais possível – e sou um péssimo gastrónomo – quando estou a andar de moto é frequente esquecer-me das refeições e só dou por isso quando a fraqueza aperta!

Ou seja, quando saio de casa sei para onde vou. Se não souber, assim tipo ir “à sorte”, dou a volta na primeira rotunda e volto para casa. Simplesmente porque ir sem objectivo não me faz sentido.

Mas atenção! Isto sou eu. Sei de quem o faz e se diverte imenso… Chegaria a ter inveja, não fosse esta um pecado mortal. E eu acho que a vista do céu é mais bonita que a do inferno (embora haja quem sugira que este será mais divertido….) portanto vamos lá evitar este em concreto.

Quanto aos destinos “alimentares”, vou se me levarem. Sou incapaz de tomar a iniciativa de ir de propósito. Mesmo que seja para um fabuloso ensopado de enguias, um belo naco de vitela ou uma saborosa sopa da pedra. Ou uma simples bifana…

Mas então como acontece?

Vou contar-vos alguns exemplos

1. “Tem que ir a Brotas!”

Muito no início, quando os Solares de Portugal decidiram fazer o favor de me apoiar, aconteceu um diálogo que nunca mais esqueci e que vou reproduzir:

-“Tem que ir a Brotas!

Fiquei surpreendido. Conhecia terra há muito, por lá passar antigamente quando ia do Alentejo onde morava para a Beira das raizes familiares e nada me sugeria que tivesse algo digno de nota para ver. Mais uma terra anónima pelo caminho…

-“Brotas? Sei onde fica. Mas o que tem de especial?” respondi.

-”Brotas tem um santuário de culto mariano que data de há alguns séculos. Muito, mas mesmo muito, anterior a Fátima.

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Santuário de Nossa Senhora de Brotas
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Interior do Santuário de Nª Sª de Brotas

Não sou religioso mas confesso que fiquei curioso. Algo ancestral e “perdido” no meio do Alentejo?

Não perdi muito tempo a ir até lá. Na realidade, a expectativa foi amplamente superada. Chamei-lhe “Brotas – segredo escondido do Alentejo”

A história assenta, como tantas e tantas outras, numa lenda.

Conta-se que por volta de 1400, um pobre aldeão pastoreava a sua vaca quando ela despencou por um barranco, partindo uma perna. Sendo o único sustento da sua família, logo o pastor antecipou a sua desdita, pois a solução seria matar o animal para lhe poupar o sofrimento.

Foi nesse momento que lhe apareceu a Virgem Maria e lhe disse que se ele fosse chamar os outros aldeões e prometessem construir uma capela em Sua homenagem, ela curaria a vaca.

Enquanto ele foi a correr, a Virgem corta o seu próprio braço direito para substituir o membro partido do animal. Quando regressou, o pastor viu a sua vaca restabelecida. E ele e os seus vizinhos cumpriram a promessa.

Aí se iniciou a devoção a Nª Sª de Brotas. Todas as imagens da santa têm o braço direito amputado.

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Imagem de Nª Sª de Brotas

 Que tem mais três pormenores curiosos:

– o culto foi ganhando dimensão e noutras povoações mais ou menos vizinhas foram criadas confrarias de devotos que faziam romarias periódicas até Brotas. Ao ponto de cada uma construir a sua casa. Estas casas eram depois utilizadas e partilhadas pelas confrarias para reposo dos romeiros. Chama-se hoje Casas de Romaria, estão recuperadas e estão disponíveis a quem queira visitar Brotas;

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Casas de Romaria e Santuário de Nª Sª de Brotas

– ao longo do tempo e, principalmente com os Descobrimentos, devotos de Nª Sª de Brotas espalharam-se pelos quatro cantos do mundo. E levaram o culto consigo. Na Igreja – Santuário é possível encontrar imagens oriundas de paragens longínquas como o Brasil ou a Índia.

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Imagem vinda da Diáspora

– ainda hoje, os habitantes de Brotas acreditam na benção de Nª Senhora. Todos os naturais desta terra alentejana que, no Séc XX, foram mobilizados para guerras – I Grande Guerra ou Guerra Colonial – sobreviveram e apenas um chegou ferido e por acidente.

Uma das características das histórias que procuro e dos locais onde me dirijo é que sejam pouco conhecidas. Tento fugir dos clichés ou dos locais que toda a gente conhece.

Assim, nunca falei de Lisboa – a minha terra natal – ou do Porto – que mal conheço – mas que é destino de tantos. Ou também, porque nunca falei de uma terra de que gosto muito, mas sobre a qual é difícil contar algo sem cair no que todos conhecem: Évora. Ou talvez ainda não tenha encontrado aquela história escondida…

2. O Guimarães das Duas Caras

E isso recorda-me quando no início de 2020 me dirigi a Chaves para iniciar o “Portugal de Fio a Pavio” (percorrer a EN2 num só dia como desafio próprio e teste de uma nova Honda Africa Twin). Deparei-me com uma história pouco conhecida e localizada em Guimarães… e lá está! Uma daquelas terras sobre a qual é difícil falar sem recorrer ao chavão do “Berço da Nacionalidade”, às lutas de D. Afonso Henriques com sua mãe D. Teresa ou à imponência do Castelo altaneiro.

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Castelo de Guimarães

Detive-me na cidade minhota e fui à procura do Guimarães das Duas Caras. Um personagem que tem a sua estátua no topo do medieval edifício dos Paços do Concelho localizado no Largo da Oliveira.

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Largo da Oliveira – Monumento à Batalha do Salado

E a história (algo macabra…) conta-se brevemente: quando a batalha de Alcácer-Quibir se encaminhava para o seu fatal destino, alguns nobres percebendo a inevitabilidade resolveram fugir levando com eles El-Rei D.Sebastião.

Encaminharam-se para o deserto que percorreram dias a fio, sem comida nem água. A certa altura, já desesperados, resolveram tirar à sorte qual deles se sacrificaria em proveito dos restantes (a condição real já não fazia sentido nem dava privilégio) e a má sorte caiu em D.Sebastião que assim… serviu de refeição aos restantes.

Quis o destino que no dia seguinte chegassem perto do mar e um barco que por ali passava os acolhesse com a promessa de os trazer de volta (o que seria um problema e tiveram que jurar nunca contar o sucedido porque senão seriam acusados de traição!). Mas uma tempestade afundou o navio e só um sobrevivente restou: o dito Guimarães (de nome e de terra de origem).

Herói se tornou por tal feito mas o segredo ficou com ele. Não podendo mais guardar para si coisa de tal dimensão resolveu contá-lo em confissão ao Padre Inácio Laranjo.

E assim, o Guimarães viveu e morreu como herói ao ponto de a população lhe querer erigir estátua em homenagem. Não podendo revelar o segredo abjecto, restou ao padre fazer com que ela fosse o que é hoje: a figura do Guimarães mas com um segundo rosto situado na zona do abdómen. O rosto de D. Sebastião, comido pelos fugitivos da batalha perdida.

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Paços do Concelho – Estátua Guimarães Duas Caras
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O Guimarães Duas Caras

Percebem de onde vem a expressão “Ter o Rei na barriga”?

 3. “Já conhece Oriola?”

A grande vantagem das redes sociais é a capacidade de interacção com quem nos lê ou vê. Os comentários são sempre um bom feedback. E por vezes, acontecem coisas inesperadas.

Um dia, uma seguidora da minha página de Facebook, colocou o seguinte comentário numa crónica sobre o Alentejo, cujo tema em concreto já não recordo. E dizia só e simplesmente isto:

 -“Já conhece Oriola?”

Respondi ignorantemente: -“O que é Oriola? Onde fica?” (triste figura, diga-se)

Fiquei de boca aberta. Acreditem. Nunca tinha ouvido o nome de tal terra apesar de me orgulhar de conhecer bem o Alentejo onde vivi longo tempo e onde sempre regresso pois é o meu refúgio. Oriola?

Fui procurar a localização. E a história. Entretanto, a seguidora atenta enviou-me umas fotos da paisagem e restou-me prometer que lá iria logo que possível. Assim foi.

É uma pequena aldeia alentejana, entre Viana do Alentejo (onde há muito queria ir) e Portel, e que fica nas margens da barragem conhecida como do Alvito mas cujo verdadeiro nome é Barragem de Albergaria dos Fusos.

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Oriola – Monumento ao 25 Abril
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Oriola – Ruas brancas

A terra pouco mais tem do que a tipicidade do branco casario alentejano, a calma que caracteriza estas paragens e uma beleza paisagística notável.

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Oriola – Chegámos ao fim da estrada (albufeira da barragem)

Quanto à minha seguidora a quem estou grato, não cheguei a conhecê-la – ainda! – mas está combinado um encontro num destes dias. Merece relevo o facto de ter abandonado a vida citadina e hoje se dedicar a promover a sua terra – registem o nome Oriola para não fazerem a mesma figura que eu fiz – e os seus produtos típicos.

Se por caso tropeçarem na expressão tão tipicamente alentejana “Nã Te Moas!” já sabem: é de Oriola que se trata e o petisco é saboroso. Ou melhor…não tropecem e vão procurar!

4. O meu nome é Arrábida, Serra da Arrábida!
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Serra da Arrábida

Sou, desde há muito, fã incondicional dos filmes do James Bond. Vejo-os e revejo-se sempre com enorme prazer…apesar de já saber o que se vai passar ou até recitar as falas em simultâneo.

Há um filme, datado de há 50 anos, chamado “Ao Serviço de Sua Majestade” que tem algumas peculiaridades: foi o único protagonizado por George Lazenby, passa-se praticamente todo em Portugal e é nele que o agente secreto conhece a Condessa Teresa (Tracy) di Vicenzo, com ela casa…e logo fica viúvo.

O filme começa com a descida da Serra de Sintra em direcção ao Guincho, onde James Bond conhece a futura esposa, o romance e a aventura vai-se desenrolando entre o Estoril, a Baixa Lisboeta, o Ribatejo e a zona de Sesimbra e Arrábida. É precisamente aqui, na estrada da serra que percorre o seu cume e a descer já para o Convento que o carro onde o casal viajava em núpcias é baleado por uma sequaz do vilão Ernst Stavro Blofeld. E Tracy morre.

Este foi durante décadas considerado o “filme maldito” da saga Bond mas é hoje um dos que tem o epíteto de filme de culto. Escusado será referir que Ian Fleming, o criador de 007, também ele antigo espião mas na vida real, escreveu o primeiro livro em Portugal, no Estoril. Certamente inspirado pelo ambiente que aí se viveu durante a 2ª Guerra Mundial.

Bem, perguntam vocês: “o que tem isto a ver com viagens?”.

Pois outra das minhas paixões e local onde vou recorrentemente é a Serra da Arrábida. Daí a misturar as duas coisas foi um passo.

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Palácio da Comenda de Monguelas
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Palácio da Comenda- antes da reconstrução

 Depois, a crónica final foi ainda completada com a história muito curiosa e interessante do Palácio da Comenda de Monguelas (então em ruínas mas actualmente recuperado) ou do forte da 7ª Bataria de Artilharia de Costa, património deixado ao Deus dará por um Estado que muito mal cuida do que é de todos, e que tem uma vista sobre o estuário do Sado, Setúbal e Tróia de enorme beleza.

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Forte 7ª Bataria
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Vista do estuário do Sado e 7ª Bataria
A ESCOLHA DO CAMINHO

Pelos exemplos se pode ver que a escolha de um destino pode ter origem nas coisas mais variadas. Basta um detalhe que me capte a atenção e me faça ir à procura. Que me estimule a curiosidade e tenha algo para contar.

Consequência lógica é que, na minha mente, uma parte importante da história que depois contarei – seja na Andar de Moto ou nas redes sociais – já está esboçada.

Falta o segundo passo: a escolha da rota. Porque nas viagens de moto não é o caminho mais curto que interessa. Duas palavras definem o que então procuro: “sinuoso” e “montanhoso”.

Traduzindo, quero estradas com curvas e contra-curvas, com subidas e descidas. Ou seja, as nossas belas (e muito frequentemente mal tratadas) estradas nacionais e municipais.

O primeiro passo é abrir uma daquelas vetustas instituições caídas em desuso pelas novas tecnologias: o velhinho Mapa das Estradas.

O Google Maps e outras ferramentas do género são óptimas para vermos o detalhe. Mas a “big picture” só através de um belo mapa estendido na mesa da sala!

Aí se começa a esboçar a rota. Seja porque tenho o primeiro vislumbre de que estradas quero percorrer, como também quais os lugares por onde vou passar. Que também têm a sua história própria e quantas vezes tão ou mais interessante.

Quais as fontes a que recorro habitualmente, para lá dos mapas?

O Google e a Wikipédia são óptimos auxiliares para começar a delinear o roteiro.

Também a literatura portuguesa. Nos clássicos, de Ramalho Ortigão – “Pela Terra Alheia” – a José Saramago – “Viagem a Portugal – não esquecendo o “Viagens na Minha Terra” de Almeida Garrett. Ou outros autores contemporâneos, com o devido cuidado de procurar não reproduzir o que já foi feito. Revistas de viagens são também uma boa fonte de recolha de informação.

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Ferramentas para preparação de viagens – Mapas, livros, gps, computador

Mas sobretudo….estar sempre atento no dia a dia. Porque a ideia pode vir de um noticiário, de uma entrevista ou até, quem diria, de um daqueles programas “pimbas” que animam as tardes televisivas e que num momento de zapping nos podem acordar os sentidos.

Na fase em que o trajecto está esboçado, é fundamental dar-lhe um formato. Chama-se GPX e é a extensão que identifica um ficheiro pronto a ser carregado no GPS. Constrói-se passo a passo através de programas a isso destinados. No meu caso uso habitualmente o site AllTrails. No final exporto para o TomTom Rider. E pronto…

Construído o roteiro e deixando algum espaço à inspiração do momento, falta depois montar a logística: moto pronta, alojamentos se for o caso (tanto pode suceder que leve a reserva feita como fazê-la quase no momento graças às modernas tecnologias que muito facilitam neste capítulo). E a bagagem estritamente necessária, naturalmente!

A CAMINHO

Esta é a fase em que respondemos afirmativamente às três questões: sei onde quero ir, consigo fazê-lo… e nada me impede!

Como referi algures aí atrás, não gosto de surpresas. É uma questão de feitio… Por isso tento planear os timings da viagem. Sem excessos de rigor mas de forma a permitirem atingir os objectivos sem correrias.

Uma lição já aprendi: parar nos pontos de interesse, nos pré-definidos e nos que vão surgindo demora algum tempo; se lhe adicionar o tempo para fotografar (escolha de planos, da melhor luz, evitar transeuntes, etc.) a demora duplica; e se a tudo isto acrescentar filmagens, então o consumo de tempo cresce exponencialmente. Se não for devidamente antecipado…o final do dia tende a ser dramático! Falta tempo e algo vai ficar para trás….

Por outro lado, o excesso de planeamento retira espontaneidade e prejudica as interacções com as pessoas dos locais por onde passamos. E isso é demasiado prejudicial para o resultado final.

Ou seja, mais vale chegarmos ao final do dia com tempo de sobra que poderemos aproveitar para descansar ou procurarmos algo de diferente…e no fundo desfrutar também do caminho. Porque de moto, o caminho é essencial para o prazer da viagem. Por isso o escolhemos com tanto cuidado.

E DEPOIS?

Chegado a casa, “desmontada a loja”, é importante sistematizar o material recolhido – fotos, filmes, apontamentos – e passar à fase solitária da escrita. A escolha das palavras que consigam transmitir as sensações vividas. Como se o leitor tivesse viajado connosco “à pendura”…

Se se consegue? Quero acreditar que umas vezes sim e outras nem tanto. Seja como for…venham daí! Porque o importante é sair porta fora, montar a moto e seguir viagem. Pode ser só ao virar da esquina ou mais além.

O que não falta por aí são histórias, contos, lendas que nos surpreendem, paisagens que nos maravilham e pessoas com experiências de vida que nos enriquecem só por falarmos com elas.

‘Bora lá!

 

(crónica publicada originalmente na revista Andar de Moto  #42 – Novembro 2021)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Honda NC 750X – Ao Serviço de Sua Majestade, o Motociclista!

A Honda Portugal teve a gentileza de me convidar para a apresentação da nova versão da NC 750X.

Simplesmente, a moto (+ 125 cc.) mais vendida em Portugal desde 2012…ou seja, desde que foi lançada. Não é coisa pouca!

Acresce a este facto, a realidade do momento: o mercado está em ebulição, seja porque as marcas surgem diariamente com novidades, seja porque os motociclistas portugueses estão aparentemente a recuperar o tempo perdido nesta era de pandemia.

Se a Honda NC 750X é a Raínha do mercado, naturalmente o Rei é o Motociclista.

O percurso escolhido pela Honda levou-nos pelas estradas de Sintra até ao Guincho, passámos por Cascais e Estoril e saltámos para a outra margem até à Arrábida, o que me trouxe à memória o mítico filme de James Bond passado em grande parte no mesmo cenário, já lá vão mais de 50 anos…Ao Serviço de Sua Majestade!

Esta experiência que a Honda nos proporcionou por si só seria memorável. Permitiu-nos conhecer os detalhes do novo modelo, convivermos (com moderação que as circunstâncias aconselham) e desfrutarmos de um dia consagrado à nossa paixão. Mas o anfitrião ainda tinha uma surpresa!!!

Já depois do almoço, em que sedimentámos as opiniões e as impressões recolhidas,  tivemos uma surpresa…daquelas que nos ficam na memória para sempre. E como de surpresa se tratou…não revelo ainda o que foi. Vão lendo o texto que lá mais para a frente saberão do que falo…e vale a pena, garanto!

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Adiante que atrás vem gente….

Algumas considerações prévias sobre a NC 750X

A primeira vez que conduzi uma NC achei-a o que vulgarmente se diz ser “um pãozinho sem sal”. A moto não tinha grande impacto nos níveis de adrenalina. Mesmo que no resto, nada houvesse de significativo a apontar. Se por um lado eu teria uma pontinha de razão – a Honda tem vindo sucessivamente a melhorar as performances da máquina – o facto é que o objectivo da marca também não era, nem é, fazer da NC uma moto mais radical.

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Quando este “New Concept” – lá está o NC – começou a ser desenvolvido, a Honda pretendia oferecer ao mercado uma moto económica no preço de aquisição, no dia-a-dia e na manutenção. Para tal, alguns pressupostos tinham que ser alcançados: custos de desenvolvimento contidos, volumes de vendas elevados, frugalidade nos consumos e simplicidade mecânica mas sem baixar os níveis de qualidade dos componentes que são característicos da marca. E aí começou a desenhar-se a lenda: o conceito base do motor foi trazido da família automóvel, pois era praticamente o motor 1.4 do Honda Jazz dividido ao meio….

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Simplicidade não é sinónimo de falta de sofisticação. A versão com a caixa de dupla-embraiagem exclusiva da Honda – a famosa DCT – já é a mais procurada.

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A procura dessa simplicidade traduziu-se também pela adopção de soluções criativas que visam facilitar a vida do motociclista: a colocação do depósito de combustível por baixo do banco, criando no espaço que habitualmente é utilizado para o depósito, um espaço de bagagem com 23 litros onde poderá ser guardado o capacete.

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10 anos volvidos, a NC evoluiu muito: a cilindrada aumentou e com isso as performances, a electrónica subiu diversos patamares, a ciclística foi apurada e todo o conjunto foi sendo melhorado. Algo houve que não aumentou! O consumo: a NC 750X é verdadeiramente austera no que se refere à ingestão de combustível.

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Durante todo este tempo, a resposta do consumidor validou por completo a aposta estratégica. A Honda NC 750X é um sucesso de vendas. E em 2021, como pude comprovar, tem novos argumentos para manter o domínio do mercado…e provavelmente aumentá-lo.

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Esta moto faz apelo ao lado racional do motociclista. Que quer uma moto para usar no quotidiano, que lhe seja útil nos trajectos casa-trabalho, no trânsito citadino ou sub-urbano, que sirva para poder usufruir durante os momentos de lazer. Que seja confortável, fácil de conduzir, acessível independentemente da morfologia do condutor. E que faça tudo isso de forma económica – os 3,5 l/100 que representam uma autonomia de cerca de 400 km, são um argumento poderoso!

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O que aí vem de novo
  • nova estética, com novo vidro e com perfil mais afilado e agressivo

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  • incremento da potência, com redline mais elevado – 58 cv (43,1 kw) às 6.750 rpm e 69 Nm às 4.750 rpm (ou versão A2 com 35 kw e 65 Nm);

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  • novo escalonamento da caixa de velocidades com as 3 primeiras mais curtas para melhorar o aproveitamento do binário e as 3 mais altas mais longas para melhorar o consumo
  • nova caixa do filtro de ar e sistema PGM-FI melhorado
  • novo escape, mais curto, compatível EURO 5

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  • sistema de acelerador electrónico Throttle by Wire que permite a disponibilização de modos de condução (3 parametrizados + 1 a definir pelo condutor)
  • sistema de controlo de tracção – HSTC – melhorado com 3 níveis
  • redesenho do quadro que permite uma redução de 3 cm na altura do assento e aumento da volumetria do compartimento frontal para 23 litros

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  • painel de instrumentos LCD

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  • redução no peso total de 6 kg (1,2 kg no motor e 1,8 kg no quadro)
  • a caixa DCT foi actualizada com as evoluções mais recentes
  • iluminação totalmente em LED

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Em destaque

Neste segmento e para este nível de preço não será comum encontrarmos uma moto que nos permita ter num mesmo “package”, 4 personalidades diferentes. Naturalmente isto deve-se ao desenvolvimento da electrónica e também a algo único e exclusivo da Honda: a caixa de velocidades semi-automática. A tal de DCT…

Como funcionam essas 4 diferentes personalidades? 

Na prática resultam da combinação entre si de diferentes parâmetros de funcionamento e que, consoante  o grau que cada um assume, assim o comportamento dinâmico da moto se altera. São eles:

P – POWER –  a forma como a potência do motor é entregue (mais brusca ou mais suave) com 3 níveis diferentes (1/2/3 – Alto/Médio/Baixo)

EB – ENGINE BRAKE – Actuação do travão motor com 3 níveis diferentes (1/2/3 – Alto/Médio/Baixo)

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T – HSTC – Sistema de controlo de tracção que actua com 3 níveis diferentes (1/2/3 – Alto/Médio/Baixo)

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D – DCT – 4 mapas que fazem diferir o momento em que a caixa faz a mudança automática das velocidades com 4 mapas diferentes: Drive, Sport 1, Sport 2 e Sport 3. E convém sempre referir que a caixa DCT tem a possibilidade de funcionar de forma parcial ou totalmente manual: se estivermos com um dos modos escolhidos, podemos em qualquer momento sobrepormo-nos à caixa e subir ou descer bastando actuar os shifters do punho esquerdo (parecido com os sistemas de mudanças das bicicletas de BTT) ou então, no punho direito definir a caixa como manual e todas as passagens terão que ser efectuadas nesses shifters.

A NC 750X traz 3 modos pré-definidos – STANDARD, SPORT, RAIN – e um 4º modo – USER – em que o utilizador pode definir o grau em que cada um daqueles parâmetros intervêm.

 

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É possível alterar o modo de condução em andamento, utilizando os comandos SEL e MODE localizados no punho esquerdo (basta apenas desacelerar para o novo modo ficar activo):

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Para utilizar uma pequena alegoria, eu diria que a utilização da NC 750X se assemelha a uma “Família Feliz”: Pai, Mãe e 2 filhos.

  • O Pai tem uma personalidade calma, ponderada, fiável em todas as circunstâncias. É o paradigma da responsabilidade e do exemplo para os seus filhos. Corresponde ao modo Standard. O ideal para a condução do dia-a-dia, preservando a segurança, o conforto, a racionalidade e a economia na utilização.
  • A Mãe é o “porto de abrigo”. O carinho, a atenção permanente, a presença sábia nos momentos difíceis. Corresponde ao modo Rain, onde a potência é entregue quase com ternura, o controlo de tracção está lá para o que der e vier, o travão motor é muito suave e as passagens de caixa são quase imperceptíveis. Uma condução tranquila para favorecer a segurança em condições difíceis.
  • O filho mais velho, no final da adolescência, com a irreverência típica da idade e a agressividade característica (mas ainda assim bem comportado…). Corresponde ao modo Sport, em que a DCT “estica” as mudanças, a entrega de potência é mais imediata e o travão motor faz-se sentir nas reduções. E quase sem o controlo de tracção a “atrapalhar”….
  • Finalmente, o filho mais novo, ainda bem pequeno, a dar os primeiros passos na vida, em que tudo é um processo de aprendizagem. E é precisamente isso que é o modo User: nós “ensinamos” à NC a forma como pretendemos que ela se comporte!

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É toda esta versatilidade, estas mudanças de personalidade ao alcance dos dedos da mão esquerda e depois ponderadas com a sensibilidade do punho direito que fazem com que a NC 750X marque pela diferença. Até porque no segmento de mercado em que compete, a concorrência entrega-se à luta com menos sofisticação mas geralmente com motores substancialmente mais potentes (e também menos económicos, diga-se!).

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Neste ponto convém fazer um reparo. Centrei-me quase exclusivamente na versão da NC 750X com DCT. Mas existe uma versão com a tradicional caixa manual. Custa menos 900€ e pesará cerca de menos 10 kg (tudo devido à DCT). 

No caso da versão manual, tudo funciona da mesma forma mas apenas com 3 variáveis: P, EB e T. O D é substituído pelo nosso pé esquerdo e pela embraiagem…

Pareceu-me que apesar do custo mais elevado, a versão com DCT é mais completa. Tiramos melhor partido das “4 personalidades” que a tecnologia nos oferece e a moto parece mais completa.

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Nesta fase, recomendo vivamente aos interessados que testem as duas versões. Mas, se não têm experiência de conduzir com DCT então façam um teste mais prolongado com esta. A adaptação demora alguns quilómetros, nomeadamente as interacções entre os modos de condução e a intervenção “manual” no DCT.

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Dou um exemplo, pois tenho uma moto com DCT: gosto de entrar nas curvas (as mais apertadas) em potência e portanto costumo antecipar as reduções; já à saída, deixo o DCT fazer a progressão. Também, consoante a estrada é mais ou menos revirada (ou estou um pouquinho mais entusiasmado) escolho os modos Sport mais “agressivos”: o 2 ou o 3. Mas são meros exemplos. Repito: o teste a uma moto com DCT terá que ser mais longo que os habituais test-drives de 10 ou 15 minutos.

A experiência de condução da nova NC 750X

A opinião que expresso tem exclusivamente a ver com a NC, ou melhor dizendo, com ambas as versões da NC que tive oportunidade de conduzir: manual e DCT. Não relativizo com outras propostas do segmento mas com características diferentes muito menos com outras motos de segmentos diferentes com as quais não compete.

A NC corresponde totalmente às expectativas e aos pressupostos que referi no início e estiveram na génese deste projecto. Mas, agora, fá-lo ainda melhor. 

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A NC não é uma moto que nos leve a explosões de adrenalina. Nada disso. Até porque convém ter presente que as paixões são normalmente fortes e efémeras. Nessa perspectiva, esta moto está mais próximo do “amor para a vida”. É o predomínio do mundo racional sobre o emocional.

Neste momento ocorre-me recordar um conceito da Economia: a utilidade, é o grau de rentabilidade ou satisfação que obtemos do uso das coisas.  A utilidade é frequentemente usada para estudar as decisões de consumo quando se coloca em alternativa a aquisição de bens e serviços, a posse da riqueza ou o usufruto de tempo de lazer. Um caso típico é o estudo da forma como um indivíduo decide dividir o seu tempo disponível entre trabalho e lazer.

Esta última frase é a ideal para definir a NC 750X: maximiza o valor da sua utilidade pois tanto nos pode satisfazer em trabalho como em lazer. É uma moto para usar. A toda a hora!

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Dito isto, quando nos sentamos na NC e começamos a rolar, a primeira impressão é a de que passámos a vida a conduzir esta moto tal é a facilidade com que se deixa levar, sempre dócil sem qualquer reacção menos adequada ou surpreendente. Confortável, acessível até a quem “nasceu nos dias mais pequenos”, com boa visibilidade em todos os ângulos e bastante leveza e boa manobrabilidade. 

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Em cidade, leva-se no meio do trânsito com a maior das facilidades. O motor é suficientemente disponível para nos tirar de imprevistos. Em estrada permite manter ritmos rápidos, mesmo daqueles que acrescentam pontos ao cartão de fidelização de condutor. Se o caminho se tornar bem revirado, daqueles que gostamos e nos desafiam, a escolha do modo Sport é recomendável e conseguimos tirar o máximo partido dos 58 cv disponíveis. Não são muitos…mas são muito disponíveis!

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O conforto é sempre assinalável apesar de ter alguma dificuldade em absorver aquelas raízes de árvores que se insinuam por baixo da carpete de asfalto e nos levar a dar um salto no assento.  Provavelmente devido à redução do curso das suspensões (passou a ser de 120 mm em ambas ou seja, menos 33,5 e 30 mm à frente e atrás, respectivamente). Mesmo aí, não perde a compostura e segue o seu caminho! No meu caso, com 1,82 m de altura e envergadura over-wheight, ao fim de umas duas horitas já estava um bocadinho maçado…mas acho que a culpa é minha.

Mas é também esse curso mais curto que lhe dá o carácter em curva. à facilidade de inscrição sucede a disponibilidade da potência que nos faz dela sair rapidamente e sempre controlado. Tudo feito com a maior confiança que se vai sucessivamente repetindo, à medida que as curvas se vão sucedendo. E a menor altura faz com que numa ou outra curva, a biqueira da bota toque no alcatrão…só para nos recordar que lá está.

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Os travões, mono-disco à frente e atrás, cumprem bem a sua função. Todavia, se aplicarmos um pouco mais de força no travão dianteiro confirmamos que o disco está do lado direito….não se desvia da trajectória mas sente-se.

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Pormenor fundamental (é um pormaior!): a marca anuncia um consumo médio de 3,53 l/100 (WMTC). Nas condições deste ensaio, que como é óbvio nada tem a ver com uma utilização normal pois era essencial testar algumas condições limite, mesmo assim não ultrapassou os 4 litros. Garanto que, com uma condução normal, calma e sem exageros, o valor de referência pode ser atingido com relativa facilidade ou até superado.

O que não gostei (ou gostei menos…)

A NC é uma excelente moto. Na relação custo/benefício poucas lhe poderão fazer frente. Mas não é perfeita. Alguns desses pormenores menos conseguidos nem sequer são exclusivos deste modelo e também andam por outros da marca. Vamos a eles:

  • as motos com DCT têm que ter um travão de estacionamento pois quando desligamos o motor, automaticamente ficam em ponto morto. A solução encontrada não me agradou nada. Até porque é de difícil manuseamento, obrigando à utilização de duas mãos para o destravar. Ainda por cima, quando nos modelos irmãos – Forza 750 e X-ADV – a solução encontrada está muito bem conseguida;
  • apesar do novo vidro e do novo desenho da frente, a protecção aerodinâmica não é a melhor, principalmente em auto-estrada, quando a velocidade se aproxima dos máximos legais. Um vidro regulável mecânicamente não viria encarecer por aí além e justificava-se. Existe um vidro mais alto na lista de acessórios…mas a solução regulável era mais elegante;
  • referi anteriormente a questão do mono-disco dianteiro. Aquela sensação (é só sensação) de que a força de travagem não está no centro é desagradável. Trava bem e com segurança, mas preferia um duplo disco;
  •  no canto superior direito do painel tem uma luz que indica se estamos a conduzir de forma mais ou menos Eco. Até pode ser útil…mas é irritante (e acredito que à noite será pior).

As motos actuais, principalmente as que apresentam algum grau de sofisticação electrónica, como sejam os modos de condução ou a navegação nos modernos ecrãs TFT, implicam a multiplicação de comandos junto ao punho esquerdo. Quanto mais são, mais pequenos se tornam. À noite e principalmente com as luvas de inverno calçadas, a pontaria necessária para acertar no botão pretendido é um exercício algo complicado (até perigoso porque nos subtrai alguma da atenção necessária à condução). Não compreendo porque razão a Honda ainda não aplicou retro-iluminação nestes comandos. É uma questão de segurança…mesmo sabendo que não é suposto andarmos a navegar no ecrã quando estamos em movimento. Certo dia, na minha moto, quis saber qual a autonomia. Noite cerrada na A1…até no controlo de tracção mexi….

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Outros dois aspectos que poderiam melhorar substancialmente a usabilidade da moto em quaisquer circunstâncias: os punhos aquecidos que estão na lista de acessórios (os da Honda até funcionam muito bem) e o cruise-control (ao fim de uma centena de quilómetros a rolar na auto-estrada já suspiramos por ele). Mas aqui compreendo que a este nível seria complexo acrescentar este tipo de comodidades e manter o preço. 

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A cereja no topo do bolo

Mal sabíamos nós o que nos estava reservado. Saímos de Setúbal onde tínhamos reposto os níveis num agradável almoço e dirigimo-nos até perto de Azeitão.

Esperava-nos uma colecção particular de algumas centenas de motos, todas da Honda e com algumas peças verdadeiramente de museu, das que fazem parte do percurso da marca desde o seu início, e aparecem em qualquer livro que se preze sobre a história do motociclismo. 

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Ou outras…que nos deixaram de queixo caído e que provavelmente não voltarei a ver pela raridade. Refiro-me, por exemplo, a uma NR750… 0 km! Isso mesmo…. zero quilómetros! Novinha em folha!

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Depois… embasbacado com o que tinha visto, era hora de regresso. Acho que ainda agora, alguns dias depois, não digeri bem o que vi….

Por tudo, resta deixar aqui expressa a minha gratidão à Honda Portugal pela oportunidade que me foi dada e com ela, poder fazer-vos chegar estas novidades. Muito obrigado!

Quanto à Honda NC 750X vai prosseguir a sua carreira de sucesso, não tenho qualquer dúvida. E já está disponível nos concessionários da marca. Basta ter a vontade (e a disponibilidade) para desembolsar – a pronto ou aos bochechos – 8.300€ na versão manual ou 9.200€ na versão com DCT (com toda a sinceridade, a que eu recomendaria).

  • Informação técnica e outros dados fornecidos pela Honda Portugal
  • Fotos da autoria de Manuel Portugal (as boas) e deste escriba (as outras)

Características gerais da NC 750X

MOTOR

 

Tipo

Bicilíndrico paralelo, SOHC, 8 válvulas, 4 tempos, refrigeração por líquido Homologação EURO5.

Cilindrada

745 cm³

Diâmetro x Curso

77 mm x 80 mm

Relação de compressão

10,7 : 1

Potência máxima

43,1 kW às 6.750 rpm

Binário máximo

69 N·m às 4.750 rpm

Capacidade de óleo

4 litros

SISTEMA DE COMBUSTÍVEL

 

Alimentação

Injeção eletrónica de combustível PGM-FI

Capacidade do depósito de combustível

14,1 Litros

Consumos de combustível

MT: 28,3 km/l (5,15 l/100 km) (modo WMTC)

DCT: 3,5 l/100 km (28,3km/l) (modo WMTC-Testado em modo D)

SISTEMA ELÉTRICO

 

Arranque

Elétrico

Capacidade da bateria

12 V/11 AH

Potência do alternador

MT: 420 W/5.000 rpm

DCT: 450 W/5.000 rpm

TRANSMISSÃO

 

Tipo de embraiagem

MT: Embraiagem húmida, discos múltiplos

DCT: 2 embraiagens hidráulicas húmidas, discos múltiplos

Tipo de caixa

MT: Caixa manual de 6 velocidades

DCT: Caixa de dupla embraiagem com 6 velocidades

Relação de transmissão final

Por corrente

QUADRO

 

Tipo

Diamante; tubos de aço

CICLÍSTICA

 

Dimensões (C x L x A)

2.210 mm x 846 mm x 1.330 mm

Distância entre eixos

1.525mm (DCT 1.535 mm)

Ângulo da coluna da direção

27°

Eixo de arraste (trail)

110 mm

Altura do banco

800 mm

Altura ao Solo

145 mm

Peso em ordem de marcha

MT: 214 kg

DCT: 224 kg

SUSPENSÃO

 

Dianteira

Forquilha telescópica de 41 mm de diâmetro e 120mm de curso

Traseira

Mono-amortecedor com braço oscilante tipo Pro-Link, 120 mm de deslocamento do eixo

JANTES

 

Dianteira

Alumínio fundido, raios múltiplos

Traseira

Alumínio fundido, raios múltiplos

Dimensão da Jante Dianteira

17M/C x MT3,50

Dimensão da Jante Traseira

17M/C x MT4,50

Pneu Dianteiro

120/70-ZR17M/C (58W)

Pneu Traseiro

160/60-ZR17M/C (69W)

TRAVÕES

 

Tipo de ABS

ABS de 2 canais

Dianteira

Sistema hidráulico de um disco ondulado de 320 mm, pinça de 2 êmbolos e pastilhas em metal sinterizado.

Traseira

Sistema hidráulico de um disco ondulado de 240 mm, pinça de 1 êmbolo e pastilhas em resina moldada

INSTRUMENTOS E SISTEMA ELÉCTRICO

 

Instrumentos

Velocímetro digital, conta-rotações digital de barras, relógio, indicador do nível de combustível por barras, dois conta-quilómetros parciais, indicador de mudança engrenada,

indicadores de consumo instantâneo e médio e luz avisadora da temperatura do motor. 

Sistema de segurança

Imobilizador HISS

Farol

LEDs

Farolim

LEDs

Acessórios

A Honda disponibiliza uma gama específica de acessórios para personalizar a NC 750X:

  • Ficha de carga USB-C no espaço de bagagem interna
  • Porta-bagagens traseiro em resina
  • Top case de 38 litros / 50 litros com opção de decoração de cor de alumínio/cor da scooter
  • Suportes para malas laterais
  • Malas laterais – direita de 26/32 litros, esquerda de 33 litros com opção de decoração de cor de alumínio/cor da moto
  • Para-brisas mais alto
  • Defletores de vento para os pés
  • Barras de proteção do motor de acabamento Prata Metalizado
  • Luzes de nevoeiro
  • Punhos aquecidos

 

 

Separadas à Nascença

Da mesma excelente base nasce o topo de gama das scooters da Honda – a Forza 750 – e a divertidíssima e inimitável X-ADV.
O mesmo motor, a mesma electrónica, a mesma ciclística mas adaptada em cada uma aos seus objectivos, tornam estas motos completamente diferentes…mas ambas excelentes.
Mereciam o melhor enquadramento para o duelo que as opôs: a Arrábida!

Quando há cerca de 10 anos, a Honda abordou um novo conceito de moto – NC = New Concept , digo eu… – talvez não estivesse longe de perceber que ia ter em mãos um sucesso de vendas. Estas coisas não acontecem por acaso… 

Em que consistia esse conceito? Uma abordagem estilística tipo “trail” (recordo que na época este formato ainda não tinha a expressão que tem hoje) pelo conforto que dá ao seu utilizador com uma posição de condução natural que não força os pulsos como as turísticas mais radicais ou as lombares como a posição “mais sentado” típico das cruisers ou das scooters e com um motor simples, pouco entusiasmante, mas fiável – pouca potência específica o que se traduz por facilidade na condução, muito previsível nas reacções, manutenção barata e economia de utilização. 

O menor “prazer de condução” que os mais puristas (seja lá isso o que for) lhe reclamavam era mais do que compensado pela abrangência dos seus utilizadores: tanto se adequava aos que que vinham das cilindradas mais baixas, quer aqueles cuja idade – idade não, experiência de vida! – sugeria algo mais calmo e prazenteiro. Na prática, servia a qualquer um que pretendesse uma moto descomplicada em que a razão se sobrepusesse claramente à emoção. Um sucesso comercial, portanto! 

Muita água passou debaixo da ponte e a Honda não só confirmou o acerto comercial da sua estratégia, como a tornou ainda mais rentável ao aproveitar a qualidade estrutural da ciclística e do motor – que foram sendo obviamente melhorados ao longo do tempo – para desbravar novos caminhos.

E as soluções com maior apelo à emoção surgiram!

As duas irmãs gémeas: Forza 750 vs. X-ADV

Apesar de não terem surgido no mercado em simultâneo – uma delas é nova na designação porque é a evolução de um conceito já existente (veio substituir a Integra e assim completar a gama Forza) e a outra é a nova versão, revista e actualizada do modelo lançado em 2016 – tive a oportunidade de experimentar em dias consecutivos as versões 2021 da Forza 750 e X-ADV. Cortesia da Honda Portugal Motos, a quem agradeço.

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Neste momento é fundamental fazer uma “declaração de interesses”:

1) sou um fã incondicional da caixa semi automática da Honda, vulgarmente conhecida por DCT – Dual Clutch Transmission;

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2) experimentei, há 2 anos, a versão anterior da Honda X-ADV. E, para lá da qualidade do conjunto motor-transmissão-ciclística, achei-a acima de tudo divertidíssima e capaz de proporcionar horas a fio de prazer motociclístico.

Também estava familiarizado com o perfil “topo de gama” da Forza por ter anteriormente ensaiado brevemente a versão 300 (entretanto já substituída pela nova 350), em texto publicado: “Forza 300

A razão para querer fazer este comparativo é óbvia: ambas partilham muito mais do que aquilo que as separa. Mas é precisamente o que as diferencia que dá a cada uma o seu carácter próprio e, no final, a adequação a propósitos diferentes e correspondentes a necessidades específicas dos seus potenciais utilizadores.

São gémeas pela herança genética que transportam…mas foram separadas à nascença para que cada uma pudesse cumprir na plenitude os seus objectivos.

O terreno escolhido: a Arrábida

É recorrente o meu regresso à Serra da Arrábida. Pela óbvia proximidade, pela beleza extraordinária que oferece um enquadramento de excepção e pela diversidade de percursos que é possível utilizar num curto espaço. Assim foi mais uma vez.

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Estes testes permitiram também a recolha de imagens que resultaram no filme já partilhado no canal de YouTube de Viagens ao Virar da Esquina, que convido a ver e cujo título é o mesmo: “Separadas à Nascença”.

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O que une a Forza 750 à X-ADV

Ao olhar do leigo, as…

…desculpem, primeira dúvida: estamos a falar de scooters ou de motos? É que o aspecto é de scooter. As prateleiras para os pés, a posição no assento, o tamanho das rodas…são scooters, sem dúvida.

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Mas…motor em posição central, transmissão por corrente, caixa de velocidades (certo, não é uma caixa convencional!)…são motos, obviamente. 

Pois é, esta é a primeira dúvida e vai permanecer até ao fim. Porque no fundo serão aquilo que nós quisermos. Chamemos-lhes moto-scooters

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 …onde é que eu ia? Ah, sim….para um leigo que olhe para uma e outra, são completamente diferentes. Mas para um olhar mais atento, os pontos comuns aparecem uns atrás dos outros. Vamos então jogar o jogo das diferenças…ou das semelhanças.

Tratando-se de modelos novos mas evoluções de anteriores versões, convém referir que para lá do quadro aligeirado onde foi possível economizar 1kg e da melhor ergonomia, o motor recebeu uma actualização electrónica que não só o adequa para a norma Euro 5 como ainda lhe acrescentou virtudes: mais potência, mais binário e menos peso (-1,4kg).

O que têm em comum:

  • quadro tubular em aço (formato diamante);
  • motor bicilíndrico, quatro tempo com refrigeração líquida, 8 válvulas e uma árvore de cames à cabeça, com 745cc:
  • injecção electrónica PGM-FI e acelerador Throttle-by-wire;
  • 58 cv de potência às 6.750rpm e 69 Nm de binário às 4.750rpm (existe uma versão desvitaminada para detentores de carta A2);
  • caixa de 6 velocidades semi-automática com dupla embraiagem – a famosa DCT (Dual Clutch Transmission) e transmissão final por corrente;

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Outras características partilhadas:

  • roda dianteira com 17” de diâmetro (pneu 120/70-17 tubeless);
  • roda traseira com 15” de diâmetro (pneu 160/60-15 tubeless);
  • depósito de combustível com 13,2 litros;
  • espaço debaixo do assento com 22 litros (1 capacete integral), iluminado, com amortecedor e uma porta USB e um pequeno porta-luvas à frente com 1,2 litros (sem fecho);
  • iluminação full led;
  • ecrã TFT colorido com 5”, 4 configurações programáveis e 2 fundos (branco ou preto) seleccionáveis;
  • sistema keyless que acciona o starter, abre o compartimento do assento, a tampa do combustível e tranca a direcção;
  • piscas desligam automaticamente e acendem em caso de travagem de emergência;
  • travão de estacionamento.
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Onde elas se diferenciam

 

FORZA 750

HONDA X-ADV

Suspensão dianteira

forquilha invertida com 41mm e 120 mm de curso

forquilha invertida com 41mm e 153,5 mm de curso

Suspensão traseira

mono-amortecedor com braço oscilante pro-link e 120mm de curso

mono-amortecedor com braço oscilante pro-link e 150mm de curso

Travagem dianteira

duplo disco com 310mm, pinças radiais com 4 êmbolos. ABS

duplo disco com 296mm, pinças radiais com 4 êmbolos. ABS

Travagem traseira

mono disco com 240mm, pinças com 1 êmbolo. ABS

mono disco com 240mm, pinças com 1 êmbolo. ABS

Altura do assento

790mm

820mm

Distância entre eixos

1580mm

1590mm

Jantes

de alumínio fundido

de alumínio com raios

Peso

235kg

236kg

Modos de condução

3 + User (configurável):

standard, sport, rain

4 + User (configurável):

standard, sport, rain, gravel

Ecrã

fixo

regulável em altura

O que lhes falta

Diz-se que “não há bela sem senão”. Naturalmente que há alguns reparos a fazer nestas duas moto-scooters (foi assim que decidi qualificá-las, recordam-se?).

Desde logo, uma falha da Forza: o ecrã fixo. Principalmente quando a mana mais pequena, a 350 o tem regulável e eléctrico. É uma “topo de gama” recordemos… Já a X-ADV tem um sistema que permite optar por diversas alturas do vidro. É manual, através de um manípulo circular…

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Outra falha, principalmente se resolvermos percorrer distâncias mais longas com qualquer uma delas – e isso é algo para o qual ambas estão mais do que vocacionadas: o cruise-control (nada de novo para a Honda que o tem e funciona muito bem nas Africa Twin AS).

A derradeira, que é extensível a outros modelos da marca, nomeadamente as referidas Africa Twin: os comandos, principalmente do lado esquerdo, deveriam ser retro-iluminados. Com todos os parâmetros de condução e de funcionamento passíveis de serem utilizados e visíveis no funcional ecrã TFT, os comandos tornam-se bastante complexos. Os próprios botões tendem a ser mais pequenos. Com luvas, a situação fica ainda mais difícil. Com a prática, habituamo-nos…ou não!20210323_181435.jpg_6.41_jpg

O que as Honda têm (e as outras nem por isso…)

Começo por aquilo que torna estas duas moto-scooters diferentes de tudo o que há no mercado e no segmento a que supostamente pertencem (esta mania de classificar as coisas e amontoar em grupos…): as designadas maxi scooters. 

Que o são pela dimensão, cilindrada e aspecto mas das quais se afastam decisivamente num aspecto: têm caixa de velocidades. E isso, em condução, faz toda a diferença. Mas a caixa não é automática? Pode ser. Como também pode não ser. Ou ser e não ser… 

O que a DCT permite é, em primeiro lugar, escolhermos qual o tipo de comportamento que pretendemos que tenha: manual em que somos nós a fazer as passagens de caixa quando, como e onde entendermos, ou alternativamente, escolhendo um dos modos de condução, como queremos que ela o faça. Sempre sabendo, neste caso, que em qualquer momento podemos fazer a passagem de caixa por nossa iniciativa como se estivesse em manual. 

É evidente que não temos o pedalinho do lado esquerdo nem uma manete de embraiagem para utilizar. É muito mais simples: temos 2 shifters no punho esquerdo, um para “subir” e outro para “descer”. E pronto…é só andar! Garanto-vos que em viagem e ao fim de algumas centenas de quilómetros o fisico agradece. Até porque podemos prestar atenção a outras coisas. à condução, por exemplo…

E, se bem adaptados, o prazer não se perde nem um momento. Mas esta é a minha opinião. E cada um entenderá da forma que quiser. O melhor é mesmo experimentar num test-drive mais longo…até porque a primeira meia-hora é para adaptação. Não gostou? Volta ao pedalinho….ou se for uma scooter, à caixa de variação contínua.

Convém salientar que as caixas DCT comemoraram recentemente 10 anos no mercado. E são muitos os milhares em circulação. O que abona a seu favor…até porque cada geração tem vindo a ser sucessivamente melhorada.

A DCT juntamente com a parafernália electrónica, faz com que tenhamos à nossa disposição multiplas configurações disponíveis ou, se o desejarmos, fazermos a nossa própria, personalizada e exclusiva!

Os parâmetros em causa são:

  • P – Entrega de potência – configurável em 3 níveis (1-menos; 3-mais)
  • EB – Travão motor – configurável em 3 níveis (1-menos; 3-mais)
  • D – Drive – configuração da DCT em 4 níveis (equivalente aos D, S1, S2 e S3 das Africa Twin) – controla o regime a que é efectauda a passagem de caixa
  • T – Controlo de tracção – configurável em 3 níveis (1-menos; 3-mais)
  • ABS – só na X-ADV – configurável em 2 níveis (não permite desligar) (1-menos; 2-mais)

E o resultado é o seguinte:

dct

Se optarmos pelo modo USER, é só escolher os níveis pretendidos! Digam lá se a tecnologia não é uma coisa fantástica?

Na Forza 750 (alguns ecrãs):

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Ainda sobre a caixa de velocidades, um pormenor importante: na Forza, as relações de caixa são bastante lineares garantindo uma progressividade constante e maior agradabilidade de condução. No caso da X-ADV, as 3 primeiras relações são mais curtas (para uma maior agressividade e disponibilidade de potência/binário a mais baixa velocidade) equilibradas depois com maior espaçamento nas 3 relações finais que visam essencialmente garantir melhores consumos.

Na X-ADV (alguns ecrãs):

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Outro aspecto diferenciador que esta Honda têm: incorporam o sistema de conectividade HSVC – Honda Smartphone Voice Control que, através do emparelhamento com o telemóvel (para já, só Android), permite aceder às respectivas funções no ecrã TFT e dessa forma, por controlo de voz, gerir chamadas, mensagens, e-mails, música e sistema de navegação.

Vamos ao que interessa mesmo: a experiência de condução

Digo atrás que a Forza e a X-ADV perseguem finalidades diferentes. Efectivamente assim é.

A Forza destina-se aqueles que fazem das duas rodas uma utilização diária, com trajectos suburbanos a caminho do trabalho e que depois ao final da semana aproveitam para umas escapadinhas que podem, neste caso, ser longínquas. Porque o conforto e o desempenho da Forza isso permitem. A solo ou acompanhado, porque há espaço de sobra.

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Tem um comportamento irrepreensível em estrada, seja ela a direito ou mais revirada. Se o alcatrão for um pouco mais irregular, sentiremos algum desconforto nas costas. A suspensão é firme e a posição implica que o impacto aí se faça sentir. Ainda assim, a regulação da pré-carga pode dar um maior contributo para o conforto desejado.

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Poderemos questionar se os 58cv disponíveis são suficientes. Garanto que sim. A Forza 750 não é uma máquina de corridas. Mas seja no modo mais calmo (Standard) ou no mais agressivo (Sport) ela é bem despachada. E se nos quisermos divertir numa estrada com curvas, este último garante que a coisa vai ser animada. Em nenhum momento a sentimos perder a compostura, mesmo quando, já mais “feitos” a ela, arriscamos algumas entradas em curva mais radicais ou inclinações mais limite. Já em condições mais difíceis, com piso molhado, o modo Rain “domestica” a máquina e torna-a mais suave em prol de segurança acrescida.

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Não se lhe peça o que não é. Mas o que é, é e muito bem!

Como vimos atrás, quer por todos os atributos tecnológicos, quer pela mecânica e ciclística, quer principalmente pela qualidade do conjunto, onde os acabamentos são de primeira ordem, a Forza 750 é, sem qualquer dúvida, o topo de gama da marca no segmento scooter e na sua gama mais luxuosa, completando assim a trilogia 125, 350 e 750!

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E então, onde colocamos a X-ADV?

A minha primeira resposta é: não colocamos!

Não há um segmento de mercado onde encaixar a X-ADV, porque não é uma moto de aventura, mas está completamente disponível para isso e porque não é uma estradista, mas comporta-se como tal! Se lhe acrescentarmos a utilização da caixa DCT cujo funcionamento expliquei atrás e a utilização da tecnologia incluída “no pacote”, ela é única no mercado.

Mais…se ao fim de meia dúzia de anos ainda não surgiu uma competidora (já nem digo à altura, mas algo que se lhe assemelhe) alguma razão existirá.

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Se eu afirmar que a Honda X-ADV é das motos mais divertidas que já conduzi, garanto que não estou a mentir. Aliás, disse-o há 2 anos, no teste que realizei à versão anterior. Ora se esta foi substancialmente melhorada, seja em termos mecânicos, seja na electrónica mais apurada e que descrevi anteriormente, seja na ergonomia – a posição de condução está melhor e o banco sendo um pouco mais estreito permite chegar com mais facilidade com os pés ao chão – não poderia mudar de opinião.

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O único senão: a tendência, quando andamos com a X-ADV, é para explorarmos o respectivo potencial. Utilizando uma frase que se usava há alguns anos atrás, a X-ADV é “danada prá brincadeira”… e isso depois paga-se no consumo. Mas, que diabo! temos que ser sempre certinhos? Politicamente correctos? Haja diversão e momentos agradáveis.

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Com a X-ADV esses momentos tanto podem surgir numa estrada revirada – como o caso da Arrábida – ou nos estradões de terra que possam surgir à frente. E é essa polivalência que a tornam única. Cabe aqui referir que estas motos têm conseguido obter bons resultados em competição, nomeadamente a vitória na classe no Rali de Gibraltar em 2019, deixando para trás motos trail com outras aspirações….

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Por comparação com a irmã gémea, a Forza, ela é mais agressiva a baixa rotação e as saídas de curva são entusiasmantes (o seu comprimento não será alheio..e as relações de caixa mais curtas ajudam.). O centro de gravidade mais alto não lhe causa engulho, até porque ao termos um guiador mais largo, temos maior sensação de controlo. No trânsito citadino, a maior altura do assento, aproxima-a da visibilidade natural das trail o que é um acréscimo de segurança.

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O modelo ensaiado trazia algum equipamento adicional: protecções de punhos, apêndices aerodinâmicos, barras de protecção com faróis auxiliares e poisa-pés para offroad colocado atrás da prateleira para os pés. Para lá de serem essenciais para que em offroad seja possível conduzir de pé, ajudam também ao conforto em viagem uma vez que é mais uma opção para a colocação dos pés. E assim, termos uma posição de condução mais “à la moto”, em que as pernas complementam o trabalho das suspensões, não sobrecarregando as costas do condutor. E o conforto aumenta se aproveitarmos a benesse do vidro ajustável em altura.

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Tal como referi em relação à Forza, não se lhe peça o que não é. A X-ADV não é uma Africa Twin…mas não anda demasiado longe. Também aqui, os 58 cv estão perfeitamente adequados. Podia ter mais? Podia…mas não era a mesma coisa.

E uma coisa vos garanto: normalmente quem tem a oportunidade de testar esta moto, quando termina vem com um sorriso rasgado. Porque será?

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Conclusão

Exagerei nos elogios?

Afinal estamos a falar de moto-scooters (a tal designação que inventei no início e que espero ter justificado no texto) que custam mais de 11 mil euros a Forza e 12 mil a X-ADV. Preços que permitem adquirir motos bem mais potentes ou com outros atributos. É verdade. Mas também referi ao longo deste arrazoado que estas são motos (ou scooters) com características únicas. Isso tem um preço.

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Apontei atrás alguns dos (poucos) defeitos que entendo poderem ser corrigidos pela marca. Referi as muitas qualidades que são inegáveis.

Em qualquer análise que se faça, é forçoso comparar o que é comparável. E no que a estes dois produtos de excelente qualidade da Honda, o mais difícil é mesmo encontrar os termos de comparação… Que não confundamos com o que cada um entende como sendo as suas opções, necessidades ou gostos. Da minha parte, entre as duas, escolheria a X-ADV…porque se adequaria mais ao que faço.

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Em breve espero poder experimentar o terceiro elemento desta trilogia: a novíssima NC750X. A base é igual à destas duas, mas definitivamente em formato moto. Já chegou ao mercado português…é só esperar mais uns dias.

Termino com o agradecimento, mais uma vez, à Honda Portugal Motos pela colaboração desde a primeira hora com Viagens ao Virar da Esquina e ao concessionário Lopes & Lopes pelo apoio e disponibilidade habituais.

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Azeitão – uma música (pouco) escondida

Azeitão pode até ser o lado B da Arrábida…mas não o menos conhecido! E não perde em beleza para o outro lado…

Lembram-se daqueles discos pretos, de vinil, com músicas gravadas de um lado e do outro? Os grandes – chamávamos-lhes “LPs” – com muitas músicas e que tocavam nos gira discos a 33 rpm (rotações por minuto). Os outros, mais pequenos – os “singles” – tinham apenas uma ou duas músicas de cada lado.

No lado principal – o Lado A – ficava aquela que era a música chamariz, a que fazia as alegrias das festas, dos bailes de verão ou das noitadas nas discotecas. No outro lado do disco – o Lado B – ficavam outras músicas. Algumas vezes destinadas ao esquecimento. Mas …quando alguém mais curioso lhes prestava atenção, de vez em quando encontrávamos pérolas que perduravam no tempo, que não se esgotavam nas audições sucessivas e até ao esgotamento da “música principal”.

Vem esta recordação a propósito de um passeio recente.

Será que Azeitão é o Lado B da Serra da Arrábida?

Quando falamos da Arrábida, logo nos recordamos das praias do Portinho ou de Galápos e das estradas cheias de curvas e contra curvas com vistas deslumbrantes que se percorrem sempre com redobrado prazer. Por vezes ocorre também que paramos em Azeitão para saborear uma torta acompanhada de um café…ou mais propriamente, de um moscatel, mas sem nos determos mais um pouco ou conhecermos o rico passado desta região.

E aqui começa a diferença. Quando falamos de Azeitão estamos a identificar uma região e não uma localidade específica. A região que fica no sopé norte da Serra da Arrábida e que se estende por alguns quilómetros entre Sesimbra e Palmela, já que Setúbal fica do “lado de lá” da Serra.

Afinal, Azeitão desdobra-se em 4 povoações que lhe levam o nome: Vila Nogueira, a maior e mais importante, Vila Fresca junto à estrada para Setúbal – A EN10…sim, essa mesma, que sai de Lisboa em direcção a Vila Franca de Xira e que depois vira a sul, atravessa o Tejo e contorna a península de Setúbal até chegar novamente defronte de Lisboa, em Cacilhas – Brejos na mesma estrada mas a caminho de Lisboa e, finalmente, Vendas na estrada que nos conduz a Palmela.

Porquê Azeitão?

Em tempos ancestrais, esta região era dominada por grandes extensões de olival. Terras férteis e que assim proporcionavam aos seus habitantes a riqueza da produção agrícola. Essa mesma riqueza que ao longo da sua história fez com que acabasse por fazer com que fosse cobiçada ora pelos poderes dominantes em Setúbal ora pelos de Sesimbra. De tal forma que apenas em breve espaço, de 1759 a 1786, os azeitonenses fossem senhores do seu destino local. Até porque sendo Setúbal e Sesimbra essencialmente portos de pesca, logo com elevada sazonalidade, dava algum jeito que no respectivo território existisse outra forma de produção que garantisse uma maior constância…até para efeitos de cobrança de impostos, claro…. Se do lado de Sesimbra os obrigavam a ir lá vender os seus produtos, por outro lado noutra era, Setúbal impôs que a venda dos vinhos produzidos apenas fosse feita por via marítima e a partir do seu porto! Esclarecedor…

Uma pitada de História e de património

Em primeiro lugar, fazer a referência ao filho mais dileto de Azeitão: o poeta e pedagogo Sebastião da Gama (1924-1957). Por muito glosar e descrever a beleza da serra, lhe foi dado o nome de Poeta da Arrábida. Para lá dos muitos escritos a ela dedicados, em Agosto de 1947 enviou uma carta a várias personalidades nacionais onde pedia a protecção da Serra da Arrábida. E foi essa a motivação para a posterior criação em 1948, da Liga da Protecção da Natureza, a primeira associação ecologista portuguesa. A estátua que o homenageia, no jardim da Praça da República representa o reconhecimento da terra que o viu nascer.

2 - Homenagem a Sebastião da Gama

Vila Nogueira (de Azeitão, pois claro) que é o principal aglomerado da região formou-se à volta da Quinta da Nogueira, que era no Séc XIV propriedade de D. Constança (esposa do rei D. Pedro – sim, o tal da D. Inês de Castro e em cuja história tenho vindo a tropeçar nos últimos tempos!). Já Vila Fresca, de igual forma se formou ao redor da Quinta Fresca, no qual o rei D.João I mandou construir um palácio que viria mais tarde a denominar-se Palácio da Quinta da Bacalhôa, devido à alcunha de uma das suas proprietárias mais tarde, nome que se manteve até aos nossos dias.

A beleza natural da região, o clima aprazível, a proximidade à capital, fizeram com que esta região fosse um destino de lazer privilegiado por muitas famílias abastadas (ainda hoje…).

Junto à Praça da República, mesmo no centro de Vila Nogueira, fica o Palácio dos Duques de Aveiro. Edifício majestoso – e em adiantado estado de ruína – de estilo maneirista foi construído no Séc XVI por ordem de D. João de Lencastre, 1º Duque de Aveiro.

3 - Palácio Duques de Aveiro

Mais tarde, já no Séc XVIII aqui foram presos o Duque de Palmela e toda a sua família acusados de conjura e traição contra o rei D. José. Após a prisão, o interior foi saqueado tendo desaparecido o seu recheio. Depois, o Marquês de Pombal cedeu o edifício a um industrial e aqui foi instalada a primeira fábrica de chitas em Portugal, que funcionou de 1755 a 1846. Depois….está à vista!

4 - Palácio Duques de Aveiro

Perto fica a Igreja de S. Lourenço (patrono da freguesia a par de S. Simão….após a reforma administrativa de 2013). Igreja simples mas com interior ricamente decorado com azulejaria dos séculos XVII e XVIII. A sua construção ocorreu no Séc XVI no local onde existia um outro templo do qual não existem vestígios. O seu altar em talha dourada merece também destaque, tal como a pia baptismal e o púlpito.

5 - Igreja de S.Lourenço

O Lavadouro, antigamente o local onde as mulheres da vila lavavam a roupa com os seus tanques, está agora transformado em local de lazer, com uma agradável esplanada.

6 - Lavadouro

7 - Lavadouro

Pouco mais à frente – segui no sentido para poente….e o destino era….saboroso….já lá vamos! – a imponente Fonte dos Pasmados. E o nome deve-se naturalmente ao facto de ao olharmos para ela…ficarmos pasmados. É enorme! Mandada erigir no Séc XVIII pelo Juiz Machado de Faria em estilo barroco, dela se diz que quem beber da sua água ficará para sempre ligado a Azeitão. Provavelmente, hoje em dia assim poderá ser mas por más razões: lá está afixado que a água não é potável!

8 - Fonte dos Pasmados

9 - Fonte dos Pasmados (pormenor)

Mas em terra de vinhos….digamos que ligados a Azeitão, não será pela água!

Falei em vinho. Logo, logo ao lado…as adegas de José Maria da Fonseca. A visita impunha-se, obviamente!

José Maria da Fonseca – vinhos com (muita) história

Fundada em 1834, a empresa permanece até hoje na posse da família. Gerida actualmente pela 6ª geração, é com orgulho que referem que a 7ª geração já se prepara para continuar. A visita começa pelo edifício principal, que foi residência da família até aos anos 90 do século passado, passando então para sede e museu da empresa.

10 - José Maria da Fonseca

11 - José Maria da Fonseca

12 - José Maria da Fonseca (fachada exterior)

13 - José Maria da Fonseca (fachada exterior)

Antes da visita às caves, uma breve introdução histórica, com a obrigatória referência às inúmeras medalhas e outros prémios ganhos internacionalmente e que testemunham a excelência da produção (a primeira datada de 1855) quer dos vinhos de mesa com o Periquita à frente (a designação deriva do nome da quinta onde vinham as uvas que lhe estão na génese) ou o Moscatel, produto típico e específico desta região.

24 - JMF - prémios e menções

25 - JMF - 1º livro de visitantes

O vinho moscatel é sempre do tipo doce, com maior ou menor grau de doçura. É produzido nos solos arenosos da região de Palmela e argilo-calcário da região da Arrábida, a partir das castas Moscatel de Setúbal (uma recriação da casta Moscatel de Alexandria), Boal, Malvasia, Roupeiro e Vital. Estagia em barris de carvalho usado, por um período mínimo de dois anos. Em novo, deve ser apreciado como aperitivo e levemente fresco. Os velhos devem ser apreciados como vinhos de sobremesa. A casta Moscatel Roxo produz um vinho raríssimo com o mesmo nome, que constitui a excelência do Moscatel de Setúbal.

14 - José Maria da Fonseca (fachada interior)

15 - José Maria da Fonseca (fachada interior)

16 - José Maria da Fonseca (fachada interior e pátio)

17 - José Maria da Fonseca - jardins

18 - José Maria da Fonseca - jardins

História curiosa a do Torna Viagem (uma garrafita de 50cl custa para cima de um dinheirão…mil e muitos euros!): A José Maria da Fonseca descobriu o Torna Viagem há mais de um século. Na época em que navios cruzavam os mares do Mundo fazendo todo o tipo de comércio, era comum levarem à consignação cascos de Moscatel de Setúbal. Os comandantes, que recebiam uma comissão pelo que vendiam, nem sempre os conseguiam comercializar na totalidade. Na volta a Portugal, depois do périplo, em que se submetiam a diversos climas e significativas variações de temperatura, os cascos eram devolvidos à casa mãe. Ao serem abertos, o resultado era quase sempre uma grata surpresa: geralmente o vinho estava bastante melhor do que antes de embarcar. A passagem pelos trópicos, a caminho do Brasil, África ou Índia, quando atravessava por duas vezes a linha do Equador, uma na ida, outra na volta, melhorava a qualidade do Moscatel de Setúbal e conferia-lhe grande complexidade.

19 - JMF - Pipas de Torna Viagem

20 - JMF - Torna Viagem e a Infante de Sagres

A ondulação permanente, as variações térmicas das diferentes regiões, a humidade marítima, tudo contribuía para um envelhecimento rapidíssimo e um aprimorar das qualidades do produto. Actualmente, a JMF tem um protocolo com a Marinha Portuguesa e a Infante de Sagres transporta nas suas viagens sempre alguns barris deste néctar. Estima-se que uma viagem à volta do mundo, que pode durar cerca de 1 ano, representará um envelhecimento do Moscatel de cerca de 25 anos!

A visita às caves é também interessante: podemos observar enormes pipas de madeira de mogno onde o Moscatel permanece nos seus primeiros meses. A maior das quais, a nº 3 com capacidade para 20.900 litros.

26- JMF - Adega - Pipas de Moscatel (primeiros meses)

27- JMF - Adega - Pipa de Moscatel 20.900 litros

Na Adega dos Teares Velhos, outrora espaço pertencente à fábrica de chitas e posteriormente adquirido e adaptado à actual função, podemos observar as pipas de diferentes colheitas…e o ano da mesma é elemento distintivo, já classificadas em função da qualidade do Moscatel que contém:

Superior: vinhos com um mínimo de cinco anos de idade e que tenham obtido na câmara de provadores a classificação de qualidade destacada.

Reserva: prevê apenas prova em Câmara de provadores com classificação de qualidade destacada.

Moscatel de Setúbal Datado: ano da colheita. Significa que este Moscatel de Setúbal não é blend ou mistura de lotes de diferentes uvas. É somente Moscatel de Setúbal, daquele ano de colheita

Moscatel de Setúbal Não Datado: significa que este Moscatel de Setúbal é blend ou mistura de lotes de diferentes uvas. No seu lote coexistem Moscatéis de Setúbal de diferentes anos de colheita.

28 - JMF - Adega dos Teares Velhos

29 - JMF - Adega dos Teares Velhos - interior

Depois de passarmos por um imponente lustre pendurado bem alto, que acesso projecta o logo familiar no chão térreo, encontramos bem lá ao fundo a garrafeira privada. Porta bem fechada, atesta a riqueza que por trás se encerra. Vinhos com décadas guardados para a posteridade e que só em ocasiões muito, muito especiais são saboreados.

30 - JMF - Anos dos vinhos presentes na garrafeira privada

31 - JMF - Portão da garrafeira privada

32 - JMF - Garrafeira privada - interior

Se o Moscatel é Rei, a Torta de Azeitão é Rainha

Outro dos produtos típicos e genuínos desta terra são as famosas Tortas de Azeitão.

Se uma casa que se dedica à mesma actividade desde 1901 se pode ser considerada uma Instituição, a Pastelaria Cego é-o verdadeiramente! E a prova teve que ser feita, obrigatoriamente! Não esquecendo também os famosos “esses”….

Embora outras casas tenham e produzam esta especialidade, o Cego é a mais antiga. A Casa das Tortas, defronte do jardim da Praça da República é mais recente…mas pouco. Desde 1910 que as vende!

Em Portugal não há recanto onde não se produza vinho ou queijo.

Azeitão não é excepção.

Do vinho já falei e quanto ao queijo, apenas posso dizer que está no meu top3 de preferência (e não é o terceiro…). Simplesmente delicioso…de tal forma que é impossível falar em contenção quando o temos à frente! Apenas deixo uma recomendação: nas lojas típicas de Azeitão…o preço é fogo!

Azeitão e os “Belos”

Foi em Vila Fresca que João Cândido Belo sediou a sua empresa de transporte de passageiros. Com as economias amealhadas a fazer o transporte de caixas de peixe numa carroça, no porto de Setúbal, fundou em 1925 a “Transportadora Setubalense” a cujo nome adicionou, 3 anos depois “…de João Cândido Belo e Companhia, Lda” ao dar sociedade aos seus dois irmãos.

A partir daí foi uma história de sucesso que só terminou, abruptamente, em 1975 com a nacionalização do sector dos transportes (entre outros) na sequência da Revolução de 25 de Abril do ano anterior.

Eram vulgarmente conhecidos por “Belos” e os seus autocarros verdes e brancos povoam o imaginário de quem viveu no sul do País por esses anos.

36 - Evocação da Transportadora Setubalense - Os Belos

Nestes 50 anos, a empresa que começou a transportar passageiros na zona de Setúbal, foi progressivamente alargando o seu raio de acção à zona sul de Lisboa, ao Alentejo e Ribatejo, às Beiras. Geralmente através da aquisição sucessiva de pequenas empresas de carácter local ou regional, foi assim crescendo, mantendo sempre elevados padrões de qualidade de serviço e de segurança. Dizia a sua publicidade em 1973, que os seus autocarros percorriam diariamente cerca de 25 mil quilómetros em terras de Portugal! Gigantesco…e as estradas nada tinham a ver com as de hoje.

37 - Evocação da Transportadora Setubalense - Os Belos

38 - Evocação da Transportadora Setubalense - Os Belos

A sua sede e as suas oficinas principais ficavam em edifícios próprios, situados à beira da EN10 e que hoje estão em processo de reformulação depois de adquiridos pela Fundação Berardo, presumindo-se que possa no futuro vir a albergar a sua colecção de arte.

O bom é inimigo do óptimo

Nesta visita faltou um dos ex-líbris de Azeitão: as adegas e o Palácio da Quinta da Bacalhôa. O tempo (medido pelo relógio) e o tempo (meteorológico) fizeram adiar esta visita. Se o primeiro era escasso e as visitas têm hora marcada e são longas de 2 horas e meia, o segundo tempo, chuvoso e cinzento, recomendava visita futura pois os jardins merecem atenção detalhada.

A visita, que já está na lista para ser feita brevemente, contempla o edifício sede (com exposições de Cultura Africana, Art Deco, Art Noveuau, a maior colecção de azulejos de Portugal (desde o Séc XVI ao Séc. XX), bem como as salas das barricas de estágio do vinho tinto e vinho moscatel), o Palácio e Quinta da Bacalhôa, edificação do séc. XVI, que no piso térreo, contém diversas peças da Colecção Berardo, o Jardim do Buxo, as vinhas e a Casa do Lago ( também conhecida como Casa do Prazer!), a Adega e Museu e finalmente, a inevitável prova de vinhos.

Lá irei…porque tem muito que contar e ver!

Uma visão diferente da Arrábida

Seria imperdoável não percorrer a Serra. Contrariamente a outras ocasiões, desta feita o percurso foi feito ao anoitecer e se a beleza se mantém intocável, a luz era muito diferente. Fica o registo fotográfico, porque para certas coisas as palavras são inúteis!

39 - Arrábida

40 - Arrábida

41 - Arrábida

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47 - Arrábida

Uma nota final: ao deambular pelas ruas de Vila Nogueira deparei-me com a Quinta do Fisco….

48 - Quinta do Fisco

Então é aqui!!!! Já sabem…

E assim se passou mais uma (breve)….VIAGEM AO VIRAR DA ESQUINA!

Duelo de irmãs ao sol da Arrábida…e arredores!

BMW F850GS vs BMW R1250GS
Aproveitar o bom tempo para ver onde acaba uma e começa a outra. Será que são complementares ou concorrentes?

BMW R1250GS vs BMWF850GS

A rainha das trails versus a sua irmã mais pequena

Contacto ocasional com a Caetano Baviera abriu a oportunidade para uma abordagem diferente.

Em vez de uma experiência de condução com uma moto específica, porque não lançar o desafio de comparar a rainha de vendas do segmento trail – a BMW R1250 GS, recém chegada ao mercado depois da última evolução que para lá do aumento de cilindrada se traduziu na introdução de um conjunto de melhorias que provam que mesmo num produto com ampla aceitação e inegável qualidade é possível sempre continuar a busca pela perfeição – com a sua irmã “mais pequena” – a F850 GS, cuja última versão também é recente e que é quase uma moto totalmente nova face à sua antecessora, também neste caso com um aumento de cilindrada mas em que a mudança foi muito mais além.

Desafio lançado e a Caetano Baviera BMW Motorrad simpaticamente correspondeu!

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Estavam portanto lançados os dados para mais uma experiência de condução das Viagens ao Virar da Esquina!

O mote lançado foi: será que onde uma acaba, a outra começa?

Porquê? Fará a questão algum sentido? Explico…

Qualquer marca (no mundo das motos ou em qualquer outro domínio) deve saber claramente a quem se dirigem os seus produtos. Quais as necessidades dos potenciais Clientes e como podem as mesmas ser satisfeitas. E, se acrescentarmos alguma dose de génio ao processo, conseguir saber quais as necessidades mesmo antes de os Clientes e o próprio mercado delas terem consciência (os apelidos Gates ou Jobs dizem-vos algo?).

Identificadas estas, porque diferentes de individuo para individuo (mas não tão diversas assim) é fundamental agrupá-las de modo a que um mesmo produto possa ir de encontro ao maior número possível de destinatários (chama-se a isto segmentar o mercado e a óbvia vantagem é poder massificar a produção tornando-a o mais acessível possível). Criados os segmentos, identificadas as características dominantes do produto, é altura de lançar a produção e fazer o teste derradeiro: a aceitação (ou não) do mercado.

Feito este arrazoado (deformação profissional, desculpem-me!) explica-se a pergunta que atrás serviu de mote. Será que o Cliente típico da 1250 é totalmente diferente do da 850? A resposta é relativamente fácil. E será que os produtos – a 1250 e a 850 – são totalmente diferentes…ou pelo contrário existem muitos pontos de intersecção?

Esta a questão a que tentarei dar resposta através da experiência de condução dos dois modelos, em dois dias consecutivos em que cada um foi dedicado a um deles. Também o percurso escolhido, similar para ambos, procurou avaliar as motos na suas diferentes vertentes de utilização: cidade e dia-a-dia, auto-estrada e estradas rápidas, estrada de montanha sinuosa e também um cheirinho de todo o terreno (apenas estradão que as competências do escriba são modestas neste domínio…mas aqui uma das grandes surpresas! Já lá iremos…).

Começámos com a 1250 e no dia seguinte a 850. Os caminhos escolhidos, para lá da cidade de Lisboa e arredores, passaram pela A2, pela praias da zona da Lagoa de Albufeira e Meco até ao Cabo Espichel. Depois Sesimbra a caminho da Arrábida onde nos deleitámos nas maravilhosas estradas desta serra. Finalmente, o regresso à base.

Na cidade e no dia-a-dia

Comecei com a 1250.

Tinha previsto fazer ao contrário: primeiro a mais pequena e depois a “mana grande”. Numa perspectiva de ir de menos a mais até porque tinha algum receio de, se fizesse ao contrário, poderia sentir alguma “desilusão” com a 850. Mas, por conveniência de momento, acabei mesmo por começar com a 1250.

A moto impõe respeito. Por duas razões: a dimensão (a mota é grande, naturalmente) e o facto de ser a rainha do mercado! Ainda por cima recém melhorada. O top das trails. A versão que me foi confiada foi a HP. E a mota é verdadeiramente bonita! Não foi amor à primeira vista (já não tenho idade para essas coisas…) mas nunca deveremos omitir e deixar de realçar a beleza. Mesmo sendo um conceito discutível… Deixando as emoções de parte, a análise será o mais imparcial possível, como é óbvio.

Feito o primeiro contacto à moto, às suas características e modus operandi, comecei e… três coisas ressaltam desde logo: o excelente “encaixe” na moto (banco na posição mais elevada para o meu 1,82m) com uma correcta ergonomia dos punhos e todos os comandos disponíveis, um painel de bordo, melhor dito um ecrã de 6,5” excelente – visibilidade impecável em qualquer situação de iluminação, informação excelentemente distribuída, menus facilmente acessíveis a partir do punho esquerdo e …bonito! – e uma sensação de leveza na condução surpreendente para a envergadura da moto. A adaptação foi quase imediata. Comecei aqui a perceber a razão do sucesso…

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A condução no trânsito citadino matinal é fácil (convém ter cuidado que o ponto mais largo são as cabeças dos cilindros opostos, localização pouco habitual para quem não conduz estas motos) e convém realçar que não tinha atrás o kit de malas (que impõe outros cuidados). A moto conduz-se com muita facilidade – será que aqui fica bem o conceito de flexibilidade? Parece que ondeia à medida que vamos ultrapassando os infelizes enlatados enfileirados – e convém não esquecer: são 136cv no punho direito com um binário de 143Nm; esta é uma moto a sério! E a resposta é a condizer.

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A moto estava equipada com os diferentes modos de condução que podem ser alterados em andamento através de um botão no punho direito: Rain (que não experimentei), Road, Dynamic Pro e Enduro Pro. Em cidade rodei sempre no modo Road, o mais adequado à partida (embora nalgumas zonas se calhar o Enduro Pro faria sentido, face ao estado em que algumas vias estão. Mas essa é outra conversa…).

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No segundo dia, aguardava-me a 850. A versão destinada foi a Rallye e a sua decoração muito semelhante à da “mana grande”: tricolor azul, branco e vermelho com jantes douradas. Coerente!

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Obviamente bonita para mim (já referi antes que gosto desta escolha cromática mas aceito qualquer outra opinião…), a primeira impressão foi que também aos comandos as parecenças são grandes. Pela ergonomia perfeita (os comandos dos punhos são iguais) e pelo ecrã igual. Acho que outras marcas deveriam dar uma vista de olhos neste ecrã. Já o banco me pareceu ligeiramente baixo mas a polivalência tem o seu preço (provavelmente escolheria um um pouco mais alto…mas como se verá adiante, foi pormenor rapidamente esquecido). Quanto ao tamanho, naturalmente mais pequena que a antecessora. Diria que uma moto, à partida, muito adequada para o dia-a-dia.

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A primeira impressão não foi extraordinária. Leveza na condução, verdadeiramente fácil a adaptação, boa maneabilidade sem dúvida, agradável mas…faltava ali alguma coisa. Seria potência? Os 95cv não são assim tão poucos. Nem os 92Nm. A ideia que depois confirmaria de certo modo é que o motor parece “pouco cheio”. É linear no subir de rotação e talvez lhe falte um pouquinho de alma a baixas rotações. Adiante…

A moto tinha dois modos de condução: Rain e Road. Obviamente foi este o escolhido para toda a jornada.

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A circulação nas vias atascadas da capital é fluída, natural, despachada, muito fácil. A moto corresponde perfeitamente.

Uma nota sobre uma característica comum a ambas as motos: o sistema keyless! Levamos a chave no bolso. Quando chegamos à moto é só dar ao botão. Afastamo-nos e está em segurança. Extremamente prático, confortável, conveniente. Não é original mas é muito bom!

Outra característica comum (e, em geral a todas as trails): a condução em cidade é muito facilitada e mais segura porque conseguimos ver por cima dos tejadilhos dos automóveis e antecipar o que vai acontecer lá mais à frente. Também os espelhos passam por cima dos dos automóveis o que facilita imenso mas, cuidado…estão mesmo à altura dos das Transits desta vida!

Auto estrada e estradas rápidas (ou não…)

De novo na 1250!

Saí rumo a Sul. Ponte 25 de Abril e a dúzia de quilómetros até à saída para Sesimbra. Aqui, estrada nacional sem grandes constrangimentos, piso bom, em ritmo rápido (e modo Road) até à Lagoa de Albufeira.

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Duas referências que confirmaria ao longo do dia: a primeira para a protecção aerodinâmica. Ecrã na posição mais elevada (regulação manual muito fácil) e apenas a sentir algum fluxo de ar (um ligeiro turbilhão e não propriamente o ar a fluir) na zona do peito. Muito confortável mesmo a velocidades um pouco mais elevadas… E esta é outra nota: a moto acede com toda a naturalidade a velocidades de cruzeiro acima do legal. Se não olharmos para o velocímetro somos frequentemente surpreendidos! E confirmei isto em todos os terrenos pisados!

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O dia estava óptimo e a quantidade de gente na praia sugeria que se calhar…. Fotos tiradas e regresso ao caminho. Deixe-mo-nos de tentações! Até porque a companhia merecia toda a minha atenção!

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Da Lagoa até Alfarim, nada a apontar mas quando inflecti para as praias e a qualidade do asfalto se degradou substancialmente a primeira nota de destaque negativa. No modo Road transmitia uma sensação de estar a navegar ao sabor das ondas, algo ondulante (pouco confortável e a tirar confiança). Mais tarde passei para o modo Enduro Pro e melhorou substancialmente.

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Mais umas fotos agora na Praia das Bicas, que isto também requer algum sentido estético e segui viagem…por outro pisos!

24 horas depois, repeti o trajecto, agora com a F850GS.

Naturalmente as sensações foram completamente diferentes. E o primeiro destaque, neste caso negativo: a protecção aerodinâmica que elogiei na 1250 é aqui quase inexistente. De facto esta versão tem um ecrã reduzido e a velocidades acima de 100km/h é desagradável. A 120 então….

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Soube depois, que noutras versões existe um ecrã um pouco maior e que, melhor, tem duas posições de altura, que acredito quase resolverem esta situação.

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Em andamento, a moto sobe de rotação e velocidade com toda a naturalidade, muito disponível e dar a entender que são possíveis ritmos de viagem bem interessantes.

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Quando cheguei ao piso degradado, uma agradável surpresa. Nada de parecer um “barco”. Pelo contrário, absorvia naturalmente as irregularidades do asfalto, transmitindo segurança e até algum conforto (o possível nas circunstâncias).

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E aqui comecei a mudar a minha opinião! Esta moto tinha qualquer coisa…. Acho que duas palavras viriam a resumir esta impressão: confiança e divertida. Veremos adiante que era mesmo isto.

Em todo o terreno (mais ou menos…)

Novamente com a “big thing”

Saído da Praia das Bicas (não contem a ninguém…é segredo…uma das praias mais bonitas da zona a sul de Lisboa!) rumo ao Cabo Espichel passando pela Praia da Foz (selvagem e linda), o caminho passou a ser de terra batida. Estradão em bom estado e a permitir uma experiência de condução em terrenos que não me são familiares, por uma dúzia de quilómetros.

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Opção pelo modo Enduro Pro (que já vinha de trás) e vamos a isto. Com extremo cuidado, pois nem a perícia é muita nem a envergadura da moto recomendava afoiteza em excesso. Além de que a moto não era minha…se não gosto de estragar o que é meu, muito menos o alheio!

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E bem….a confiança que a moto transmite, absorvendo correctamente todas as imperfeições do terreno (garanto, melhor do em qualquer dos modos de condução no anterior alcatrão degradado), com uma segurança na pilotagem quer sentado quer em pé (posição correctíssima) que me foi inspirando ao ponto de a certa altura já circular a velocidade pouco recomendável…que quando constatei, reduzi! Sem dúvida a BMW sabia por demais o que estava a fazer. Uma moto com este peso, envergadura significativa e a conduzir-se com uma facilidade e um prazer imenso, deixando uma nuvem de poeira para trás. Palavra muito positiva para a polivalência, pois se em estrada já tínhamos constatado a competência (conforto, rapidez, segurança) aqui ficou comprovado o excelente trabalho realizado.

Chegado ao Cabo Espichel, algumas fotos e rumo à Arrábida com uma breve passagem por Sesimbra, agora já só por alcatrão.

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Depois da boa experiência da véspera era a vez da 850!

E começa o divertimento!!!

A caminho da Praia da Foz (como no dia anterior) primeiro contacto com a terra! E que surpresa.

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A leveza da moto, a disponibilidade do motor, sem qualquer reacção brusca ao acelerador, inscrevendo-se com facilidade nas curvas, rapidamente se transformou no momento mais divertido do dia que depois se prolongou. Já lá irei.

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Se na 1250 sempre tive algum cuidado pelo tamanho e potência da moto e a perfeita consciência que qualquer reacção inesperada poderia dar azo a uma surpresa desagradável, com a 850 veio ao de cima a minha experiência em BTT. Em vez de dar ao pedal, aqui era só enrolar punho e desfrutar. Em pé ou sentado dei por mim a desfrutar imenso da condução da 850 neste piso. Será por se chamar Rallye?

De tal forma assim foi que, depois da visita ao Cabo Espichel e até Sesimbra, dei por mim a procurar estradas laterais em terra por onde pudesse continuar a diversão. O que aconteceu na zona da Serra da Azóia. Soube depois que poderia ter explorado um pouco mais porque há por ali umas praias escondidas… Mas uma coisa foi certa: o divertimento continuou!

Cheguei a Sesimbra e desta vez resolvi parar. Tempo para recuperar forças, alimentar e lavar as vistas. Dia espectacular, demasiado quente para quem tinha que andar a fazer quilómetros, mais a convidar à praia…mas tão divertido até aqui!

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A 850 estava claramente a cativar-me.

Pelas curvas e contra curvas da Arrábida

Aos comandos da 1250, a aproximação à Arrábida feita por Aldeia de Irmãos (nome curioso…), era tempo de começar a explorar outro modo de condução: o Dynamic Pro. Suspensões mais rígidas, resposta do motor mais rápida, nitidamente outro aprumo na condução. Comparei com o Road e a diferença sente-se. Como era natural que acontecesse! Afinal está lá para isso…

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A característica que realça já a mencionei atrás. Em nenhum momento temos qualquer sensação mais negativa devido à dimensão da moto. Pelo contrário. O bom conhecimento da estrada levou-me a ensaiar um ritmo nalguns pontos, mais elevado que o que seria normal (sem exageros…). Não era nitidamente ritmo de passeio…mas fiquem a saber, quer num dia quer noutro, aquela paisagem estava verdadeiramente deslumbrante!

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A moto, fruto certamente da sua geometria e do baixo centro e gravidade, inscreve-se nas curvas com uma leveza extraordinária que contrasta com a explosão (perfeitamente controlada!) à saída da curva em que o binário mais que mostrar presença, diz-nos claramente para que serve.

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Um deleite puro!

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E não tenho dúvidas que, com tal conforto e segurança, poucas “R” conseguiriam mostrar tal nível de serviço. Terão outros predicados, como é óbvio. Mas neste patamar, do utilizador comum, sem especiais dotes “artísticos”, que quer um veículo para viajar e desfrutar, tirando prazer quer dos locais por onde passa quer da condução, sempre confortável e seguro, a R1250 GS cumpre o seu papel na perfeição.

Afinal, para quem acredita na realidade e poder do mercado, a prova está dada. Por alguma razão, nas suas sucessivas evoluções, é há 20 anos a referência do segmento (ainda voltarei a este termo) e líder de vendas.

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No dia seguinte, e depois de alguns quilómetros divertidíssimos, era tempo de repetir a Arrábida.

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Sensações muito diferentes relativamente à véspera. O que antes era potência e binário, ritmo quase a roçar o vertiginoso, aqui…suavidade e um aprumo notável a fluir de uma direita para uma esquerda e vice-versa. Parece-me que o termo correcto é precisamente esse: fluir. Saímos de uma curva com toda a naturalidade a preparar já a trajectória para a próxima, sem sobressaltos nem qualquer desconfiança. Nas pequenas rectas…o punho enrola e a resposta está lá para alcançar a velocidade que na curva seguinte nos vai obrigar a utilizar o travão, sempre sem comprometer nem de qualquer forma assustar.

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É evidente que a forma de conduzir uma e outra neste ambiente, não é o mesmo. Pelas diferenças de dimensões, potência e geometria das motos. Na 1250, reservava o travão dianteiro para alguma correcção mais rápida e de pormenor, mas a entrada na curva era feita com o travão traseiro. Entrada controlada na trajectória, moto estabilizada e progressivamente acelerar aliviando o pé direito. Comportamento fantástico. Equilibrado e rápido. A posição de condução perfeita para este exercício diga-se.

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Já na 850, talvez por menor binário o exercício não resultava tão bem. A inserção em curva feita da mesma forma, mas mais em cima e com algum apoio do travão dianteiro e depois uma saída com um enrolar de punho mais entusiasta. Condução um pouquinho mais brusca, talvez. Mas atenção… foi a minha forma de entender a condução de ambas as motos…não necessariamente a única, nem sequer eventualmente a mais adequada, admito. Cada um dança a música tal como a sente…

E em momento algum, a 850 me desiludiu neste ambiente. O que a 1250 tem em poder, esta tem em leveza e isso, inclinando para a direita e depois para esquerda, sente-se principalmente na inserção do corpo na moto. Balançamos como se fossemos só um. Já vos tinha dito que esta moto é mesmo divertida?

Notas finais

Para lá do que já foi dito ao longo do texto, há alguns pontos a realçar para finalmente procurar a resposta à questão inicial.

O consumo! Uma verdadeira surpresa. Acredito que, em ritmo mototurístico (que será sempre bastante rápido) a 1250 apresente consumos na fronteira dos 5 litros/100, eventualmente poucas décimas acima. Notável para um motor com 136cv, um binário fantástico e pesada. Com pendura e carga, aproximar-se-á dos 6. Excelente na mesma.

Já a 850, em utilização normal em estrada, com cidade pelo meio, algo a rondar os 4 litros/100 é excelente. Mais uma vez, carregada poderá ultrapassar os 4,5 mas será certamente por pouco.

Não é certamente pelo consumo que estas motos, uma e outra, deixarão de recolher as simpatias do mercado.

Algo que tardo em perceber é a utilidade do quick shift nestas motos. Em competição é outra coisa, mas aqui? Principalmente quando temos que salvaguardar que nas mudanças mais baixas (até 3ª) temos que continuar a utilizar a manete esquerda. Ou seja, umas vezes sim…outras não. Experimentei para ver o seu funcionamento. E rapidamente uniformizei o procedimento…sempre com embraiagem.

E a propósito, por falar em caixas de velocidades, não daria nota máxima a qualquer uma delas. Obviamente que o maior grau de exigência vai para a 1250. Nunca chegando ao nível de “prego” mas nalguns momentos notei uma certa falta de rigor na engrenagem…algo “folgada”. Já na 850, notei algumas vezes uma certa imprecisão para achar o ponto morto. Todavia o engrenar da mudança pareceu-me mais rigoroso (com melhor encaixe…) o que resultava numa utilização mais agradável. Mas atenção, estamos a falar de pequenos detalhes em motos que estão a um nível muito alto, e portanto também com expectativas lá em cima. O que aqui parece “defeito”, em motos menos ambiciosas seria virtude…

Será que onde uma acaba, a outra começa?

É evidente que uma resposta rigorosa e literal seria sempre negativa. Porque nunca podemos dizer que uma moto “acaba”…ela servirá sempre para o seu dono cumprir os seus sonhos ou satisfazer as suas necessidades de deslocação, atendendo às respectivas capacidades. Se não vai mais depressa, vai mais devagar. Se vai menos confortável, fará menos quilómetros de cada vez. Mas irá e fará!

A questão coloca-se no plano que no inicio falei. São motos destinadas ou não a segmentos diferentes?

A resposta é clara: Sim!

A R1250GS é uma moto claramente vocacionada para as longas tiradas. Confortável, polivalente, rápida. Com potência e binário mais que suficiente para alcançar o outro lado do mundo! E sem massacrar o físico do seu feliz condutor.

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Na minha experiência fiz cerca de 240km. Com algum grau de exigência pois tentei diversos tipos de piso, algum empenho na condução, estradas reviradas e acima de tudo muita concentração para conseguir captar as sensações correctas. Cheguei ao final do dia (bastante quente por sinal) preparado para outros tantos…ou mais ainda. Diria que os 1000km que nos separam da Europa, são para fazer de uma só vez e “com uma perna às costas”.

E, será que não serve para o dia-a-dia? Claro que sim. A sua “leveza” e facilidade de condução traduzem-se numa agradável utilização quotidiana. E não será expectável que muitos consigam ter 2 motos na sua garagem… por isso, a polivalência da 1250 garante essa utilização sem qualquer constrangimento (nem sequer o consumo se ressente por aí além).

Coisa diferente é assumir que esta é uma boa moto para o dia-a-dia. E pode ser…pode ser… que um dia…até vá até ao deserto…nem que seja ali para os lados de Beja, por exemplo. Nesse caso diria, que desperdício.

Mas atenção! Quando se analisam os critérios que ponderam uma segmentação, o status pode ser um deles…e até nada despiciendo! Por isso vemos tantas GS “das grandes” com utilização quase exclusivamente citadina…

Até aqui a BMW sabe o que faz!

E quanto à 850?

Falei em divertimento mais que uma vez a propósito dela. É a minha melhor definição. Uma moto excelente para as viagens do quotidiano que cumpre confortavelmente e de forma económica todos os requisitos de quem a utiliza no seu dia-a-dia.

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E depois…ao fim de semana, vai curtir umas estradas – e uns caminhos, pois claro! – em viagens de curta duração. Diria que o limite da agradibilidade andará na casa dos 300/350km por dia. A partir dai, o corpo do condutor é capaz de começar a queixar-se…

Mas uma distância dessas cobre a quase totalidade do território nacional…e quantas vezes por ano o motociclista médio vai até paragens para lá da fronteira? Com etapas diárias a raiar os 500 ou mais quilómetros? É que ela também os faz. E ligeira…mas o nível de conforto não é comparável com a “mana maior”.

Pode ser ousadia dizê-lo (quem sou eu afinal?) mas…a BMW fez um excelente trabalho na segmentação do mercado, identificando os seus clientes alvo e dotando os seus produtos das características adequadas a cada perfil!

Há dúvidas? De certeza que não. Os resultados de vendas estão aí a prová-lo.

Outras marcas seguem estratégias diferentes, quer na concepção dos seus modelos (com segmentação parecida) quer na escolha de perfis de Clientes com outro tipo de anseios e portanto dotando as suas motos de características diferentes. É normal. É assim que funciona o mercado. Os volumes de negócio face às próprias expectativas identificam as mais bem sucedidas e as outras. Umas mais bem sucedidas, outras nem por isso. É a beleza da coisa….

Agradecimentos

A minha imensa gratidão vai para a Caetano Baviera BMW Motorrad que tão gentilmente correspondeu ao desafio, cedendo as duas motos que serviram para mais esta experiência de condução das Viagens ao Virar da Esquina. Muito obrigado!

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E quem sabe…algum novo desafio surge no futuro?

As principais protagonistas desta experiência foram, pois claro, as motos:

BMW R1250 GS HP (para os amigos e conhecidos, popularizada como a “GS”…o que diz muito)

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BMW F850 GS Rallye
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Da Lagoa de Albufeira à Comenda de Monguelas

Começar novo ano com um passeio de moto num dia frio mas cheio de sol é excelente.
Se as paisagens são magníficas,melhor.
E condimentado com histórias surpreendentes…que mais pedir?

Ainda agora o ano começou. Nada como dar-lhe as Boas Vindas!

Manhã cedo, o sol radioso convidava a um passeio. Brilhava intensamente num céu tão limpo a fazer lembrar dias de outras estações. Mas a temperatura não mentia: é Inverno…e está frio! Nada que atemorize o motociclista, até porque frio é questão apenas de agasalho.

Por outro lado, o sol de Inverno (isto faz lembrar memórias do Festival da Eurovisão…era o nome da canção que Simone de Oliveira interpretou em 1965, naquela que era a segunda participação portuguesa no certame e que trouxe o primeiro – e único na altura – ponto do concurso obtido por Portugal!) é fantástico para a fotografia. O astro está mais baixo e a inclinação dos raios solares traz cambiantes de cor que não se conseguem obter noutras estações do ano.

Dito isto, moto em marcha, equipamento quentinho e “pé na estrada”, que nesta altura o dia acaba cedo.

1ª parte – Da Lagoa a Sesimbra

A saída de Lisboa fez-se pela Ponte 25 de Abril. Já não era cedo e as últimas neblinas matinais começavam a desaparecer. Excelente…até porque passar a ponte de moto é sempre espectacular. Depois, A2 até ao Fogueteiro, N378 (Estrada de Sesimbra) até à Rotunda da NATO e depois à direita para a N377 rumo ao ponto inicial do périplo: Lagoa de Albufeira. Depois de passarmos pela Herdade da Apostiça, cruzamento à direita e uma longa avenida até à margem da Lagoa.

Vista da Lagoa de Albufeira. Ao fundo, o mar. No meio da lagoa, os viveiros de mexilhões.

A Lagoa é alimentada pela água doce das ribeiras da Apostiça, Ferraria e Aiana, e pela água salgada do oceano Atlântico, quando o cordão dunar é aberto oficialmente na primavera. É constituida por três lagoas: a Grande, a Pequena e a da Estacada. Com 15 metros de profundidade máxima, a Lagoa de Albufeira é considerada a mais funda de Portugal. Desde 1987 que faz parte da Reserva Ecológica Nacional e em plataformas no meio da lagoa são visíveis bastantes viveiros de mexilhão. O vento bastante frequente torna este local belíssimo, excelente para a prática de desportos como sejam o windsurf, kitesurf, etc.

Lagoa de Albufeira
Lá ao fundo…Espichel

Regressamos à N377 até à aldeia de Alfarim, onde viramos logo na primeira rotunda à direita. As placas indicando “Praias” não enganam. É mesmo por aí. Descemos alguns, poucos, quilómetros e estamos na conhecida Praia do Meco.

Chegada à Praia do Meco

Inicialmente conhecida pela prática do naturismo, mais tarde pela realização de concertos de Verão, mas acima de tudo pela excelência da sua praia. Apesar de já dotada de alguma infraestrutura, adivinha-se caótica nas épocas balneares pois o afluxo supera em muito a capacidade de estacionamento (como aliás sucede na Lagoa de Albufeira).

Já referi que a manhã estava espectacular? Não só o brilho do sol como também o magnífico azul do mar, que estava surpreendentemente calmo.

Regressando pelo mesmo caminho, o único de acesso à praia, pouco acima, um cruzamento: à esquerda leva-nos novamente a Alfarim, seguindo à direita acompanhando as indicações de “Praias”, a estrada que levámos.

Esta estrada, inicialmente de alcatrão com crateras, depois de crateras com alcatrão e finalmente, em terra batida (para o caso em estado muito razoável, permitindo a motas de estrada percorrê-la sem grandes preocupações, a não ser os cuidados necessários à pouca aderência).

Por aí seguimos até à Praia das Bicas.

Praia das Bicas

Praia rodeada por dunas altas, com uma escadaria bem lançada até ao areal e frequentada por uma boa dúzia de surfistas. O mar estava de feição, com algumas ondas a favorecer a prática. Nem imagino a temperatura da água….

Praia das Bicas

Mas o destaque vai para a sua beleza. Sem dúvida uma pérola…ao virar da esquina. Destacar o facto de nela existir uma Aldeia SOS. Excelente para os miúdos, sem dúvida.

Praia das Bicas: areal que se estende até à Caparica e lá ao fundo, o recorte da Serra de Sintra.

Proseguindo o caminho pelo estradão , rumo a sul e ao Cabo Espichel, mais uns poucos quilómetros e é a vez da Praia da Foz.

Praia da Foz

Pequena, entre arribas e até algo intimidante, seja pela imponência da arriba, seja pelo facto de ser algo “acanhada”.

Praia da Foz

A partir daqui…seguir o estradão. Ainda faltava meia dúzia de quilómetros para o Cabo Espichel. A cerca de 2 km do cabo, deixamos o estradão e tomamos a N379 que une Sesimbra à ponta mais a sudoeste da Península de Setúbal. De salientar que ao longo do percurso desde o Meco até aqui, algumas praias existem para lá das referidas. Mas aqui aconselhava-se talvez a utilização de moto com características mais trail.

A caminho do Cabo Espichel

Quase à chegada passamos pelo Aqueduto do Cabo e à nossa frente vislumbramos 2 edifícios de características completamente diversas: à esquerda o imponente farol e à direita o não menos impressionante Santuário de Nossa Senhora da Pedra Mua, com a igreja da Nª. Srª. do Cabo.

Lá ao fundo, ao centro o Farol e à direita o Santuário

Fomos primeiro até ao Farol. Imponente a vista e impressionantes as arribas do Cabo. Lá muito embaixo, o mar bastante calmo…mas de meter respeito! Olhando a norte, toda a costa marítima até às praias da Caparica e em segundo plano, a margem norte do Tejo e a Serra de Sintra.

As arribas do cabo Espichel

“Já em 1430 a irmandade de N.S.ª do Cabo tinha instalado um farolim predecessor do actual farol. A torre actual foi inaugurada em 1790, em 1865 era alimentado por azeite, mudando de combustível em 1886, quando a sua luz passou a ser alimentada por incandescência de vapor de petróleo e, muito mais tarde em 1926 por electricidade.

Em 1983 este farol tinha instalado um aparelho iluminante chamado de primeira ordem que emitia luz em grupos de quatro clarões brancos, em vez do antigo sistema de luz fixa. Com este novo sistema passou a ter um alcance luminoso de vinte e oito milhas náuticas (quarenta e cinco quilómetros).

A estrutura de apoio ao farol foi aumentada para os lados por volta de 1900. Em 1947 entrou numa nova era no que diz respeito à iluminação. Foi montado um aparelho óptico aeromarítimo, que já tinha estado ao serviço do Farol do Cabo da Roca. Esta nova óptica dióptica – catadióptica chamada de quarta ordem, um modelo de grandes dimensões, apresenta trinta centímetros de distância focal, produzindo lampejos simples, agora com um alcance luminoso de quarenta e duas milhas náuticas (cerca de sessenta e sete quilómetros)”

in Wikipédia

Farol do cabo Espichel

Depois, um passeio pelo Santuário. Linda toda a zona fronteira à Igreja, com a edificação do Santuário de um e de outro lado. Pena o seu não aproveitamento, mas pelo menos já não ao abandono como há alguns anos atrás. É um dos casos em que as imagens são mais eloquentes que as palavras.

Santuário
Igreja de Nª. Srª. do Cabo

No início da escrita deste Blogue, afirmei que o meu sonho é ir ao Cabo Norte, mas que para já, ficava pelo Espichel. O possível faz-se já…e guardamos o impossível para amanhã. Aí está a imagem que ilustra este desejo:

E eram horas de nos encaminharmos para o final desta primeira etapa do dia: Sesimbra.

Regressámos pela N379. No Zambujal, uma rua à direita de inclinação pronunciada – 20% – conduz-nos à Rua da Assenta. Nesta viramos à esquerda e começamos a subir rumo ao Castelo de Sesimbra (se tivéssemos virado à direita, iríamos até à Praia da Ribeira do Cavalo).

Pequena pausa nos 20% de inclinação…

O Castelo, em excelente estado de conservação, ergue-se em posição dominante no cimo de uma falésia, tendo a seus pés a vila de Sesimbra e a sua baía. Dentro do perímetro da muralha, encontra-se a Alcáçova de planta quandrangular dominada por duas torres, uma das quais a Menagem (e que no seu interior tem uma pequena exposição com o historial do castelo e da vila que domina).

Desde tempos imemoriais, foi esta zona ocupada, principalmente derivada da sua localização estratégica, na foz do rio Sado, abrigada pela baía e protegida pela serras onde se situa o monte ocupado pelo Castelo. A primitiva fortificação data da época de domínio muçulmano, tendo a praça de Sesimbra sido conquistada por D. Afonso Henriques, 18 anos depois da tomada de Lisboa, em 1165.

Vista de Sesimbra
Muralha do Castelo de Sesimbra
O castelo e a vila

Ainda no interior das muralhas está a capela de Nª. Srª. do Castelo, muito bem conservada e com interessantes painéis de azulejos.

Capela de Nª. Srª. do Castelo
Interior da Capela

Obviamente, a vista das muralhas, principalmente para a baía de Sesimbra é deslumbrante!

Sesimbra vista lá do alto!

Estava concluída a primeira parte do passeio. Agora era tempo de rumar à Arrábida, onde paisagens deslumbrantes e algumas histórias curiosas nos aguardavam…

Sesimbra ficou para trás.

A luz dos dias de Inverno é magnífica mas também um bem precioso. Porque os dias brilhantes não abundam e, principalmente, porque são curtos. Por isso era fundamental chegarmos rápido aos próximos destinos.

E o que terão em comum a viúva de um presidente americano, um espião inglês que segundo consta tem licença para matar, trágicos amores e desamores literários, um “Processo Revolucionário em Curso” ou palácios e fortes abandonados, praias maravilhosas e umas estradas que são uma delícia para fazer de mota?

O ponto comum é…a Arrábida!

2ª parte – Do Portinho à Comenda

Saí de Sesimbra em direcção a Azeitão pela mesma N379 que já nos tinha trazido do Cabo Espichel. Pouco antes de Aldeia de Irmãos viramos à direita seguindo as indicações “Arrábida”. Não tem que enganar.

A principio sem grandes inclinações mas já com curvas e contra curvas, uma constante a partir daqui, avançamos para sul em direcção ao contorno montanhoso da Serra. Depois de Casais da Serra, a estrada começa a empinar. Chegados mais acima, eis que surge, lá em baixo, o mar. Azul! Profundamente azul!

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O mar e Tróia, lá ao fundo

Um pouco mais à frente encontramos uma bifurcação. Para simplificação, chamarei “Estrada de Baixo” à que segue pela direita. Esta é a estrada que nos leva às praias e que depois de uma descida pronunciada segue sempre junto ao mar. À outra estrada, a que segue em frente, chamarei “Estrada de Cima” (para o caso é a N379-1, desde Aldeia de Irmãos até à Fábrica de Cimento do Outão).

Virei à direita, pela Estrada de Baixo. Descida pronunciada e no final, novamente à direita para o acesso ao primeiro ponto de paragem, visita obrigatória, a espectacular praia do Portinho da Arrábida.

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Portinho da Arrábida

Uma pequena enseada com um areal diminuto que progressivamente vai crescendo para leste até chegar à Praia do Creiro, em frente à grande referência paisagística: a Pedra da Anicha. Um pequeno rochedo que sobressai do mar a cerca de 100m da praia e que é reserva ecológica integrada no Parque Natural da Serra da Arrábida.

A meio da estreita estrada que conduz à praia e à meia dúzia de vivendas e aos 2 restaurantes que ficam praticamente em cima do mar, encontra-se o Forte de Santa Maria da Arrábida onde está localizado o Museu Oceanográfico. A destacar ainda a Estação Arqueológica do Creiro. Referir ainda que o acesso à praia é altamente condicionado: quer por semaforização alternada, quer ainda, na época estival por restrições mesmo de acesso. E o estacionamento? algo simplesmente….residual. Vantagem clara das motos!!!!

Regresso pelo mesmo caminho até encontrar novamente o cruzamento da Estrada de Baixo. Viro à direita, em direcção às outras praias. Sucedem-se o Creiro (cujo acesso pode ser pelo areal a partir do Portinho, ou por um caminho que desce até à praia). De referir que todas as praias por onde passamos se situam num plano inferior à estrada (que vai perdendo cota progressivamente) até se chegar à Figueirinha que essa sim está ao nível da estrada e já tem algumas infraestruturas mais adequadas a uma (muito pequena) estância balnear.

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A costa vista de Galápos. Destaca-se na esteira do Sol, a Pedra da Anicha

Depois do Creiro, passámos sucessivamente pela Praia dos Coelhos, por Galapinhos (recentemente coroada como uma das mais belas praias do mundo), por Galápos (alguém ainda se lembra do saudoso Seagull?…) e finalmente a Figueirinha.

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Galápos
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Praias. Portinho ao fundo
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Costa da Arrábida vista das proximidades da Figueirinha
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Praia da Figueirinha

Se o azul forte tingia o mar até aqui, junto às rochas que o bordejam encontramos outras cores e tonalidades que muito contribuem para a beleza deslumbrante de toda esta costa.

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Policromia marítima

E quando falamos de beleza, temos também que mencionar a sua antítese: a Fábrica de Cimento que tanto desfeia todo este enquadramento. Mas ainda antes de lá chegarmos, passamos por uma edificação que quase passa despercebida não fora ter um pequeno farol: o Forte de Santiago do Outão. Tendo origem no Séc. XIV, nele fica hoje o Hospital Ortopédico do Outão, depois de no início do Séc.XX ter tido a valência de Sanatório. Dele falaremos adiante quando mencionarmos o Forte Velho do Outão.

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Vista parcial do Hospital do Outão. Ao fundo: Tróia
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Forte de Santiago do Outão (Hospital Ortopédico)

Passado o Forte e ultrapassada a Fábrica de Cimento, cerca de 1km à frente, numa curva à esquerda, começamos a vislumbrar entre o arvoredo que envolve a estrada, um edifício imponente, mesmo à beira-mar… que aqui ainda é rio.

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Palácio da Comenda

Imponente pela sua volumetria, pela sua arquitectura e pela sua localização, com uma pequena enseada privativa e rodeado de frondosa mata (que vista mais em detalhe denuncia o abandono a que está votada…). Para lá chegarmos, ainda uma volta de estrada, passamos pelo parque de Merendas da Comenda e depois …o portão de acesso à Comenda de Monguelas!

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Comenda – Vista aérea

A Comenda é uma propriedade situada na encosta sul da serra, sendo as suas origens anteriores a 1800. Foi a mesma, incluíndo o luxuoso palacete e praia privada, vendida por D. Maria – Rainha de Portugal, em hasta pública, pelos idos de 1848. Fica a cerca de 2 km de Setúbal, banhada pelo estuário do Sado, com uma praia privada e de olhos postos em Tróia. Maravilhoso!

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Palácio da Comenda
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Palácio da Comenda. Vista para o mar

Conta a história que a construção neste local começou no período romano, com um complexo industrial de salga de peixe, passou por uma torre de vigia medieval, que, no século XVII, dá origem à plataforma de S. João da Ajuda, um baluarte situado estratégicamente à entrada do estuário do Sado.

E é sobre esta plataforma abaluartada que, no século XIX, é construída uma primeira casa de habitação. E era a que existia no local quando Ernest Armand, ministro de França em Lisboa, compra a propriedade, no dia 9 de Março de 1872, por cinco contos de reis. Mais de 20 anos após a aquisição da propriedade, o Conde d’Armand doou-a ao seu únco filho varão, Abel Henri Georges Armand. Com 5 filhos e querendo usufruir na plenitude da localização magnífica, o já conde por morte de seu pai, decide-se pela reconstrução da casa e adapta-a à sua condição aristocrática e às necessidades impostas pelo seu relacionamento com as melhores famílias europeias.

E para tal, chamou um jovem arquitecto português que posteriormente faria carreira prestigiada: Raúl Lino. Fundador e Presidente da Academia de Belas Artes, projectou entre mais de 700 obras, a Casa dos Patudos em Alpiarça, o Cinema Tivoli em Lisboa, o Cine-Teatro Curvo Semedo em Montemor-o-Novo ou os Paços do Concelho de Setúbal.

O aristocrata francês fez uma curiosa exigência ao então jovem arquitecto Raul Lino, quando lhe atribuiu o trabalho: que antes de iniciar o projecto gozasse de uma noite de luar no sítio onde planeava implantar a casa, como forma de melhor apreender o espírito do local para conceber um projecto em harmonia com a luxuriante paisagem. E assim foi! O projecto data de 1903 e a obra foi concluída em 1908.

Depois da morte do pai, e após os tempos difíceis da I Guerra Mundial, a casa passa para o novo conde, Roger Ernest Armand.

Nos anos 80, a quinta foi adquirida por um empresário do sector imobiliário, António Xavier de Lima que lhe terá feito algumas alterações que desvirtuaram a herança arquitectónica de Raul Lino, até aí inalterada. Após a morte deste, ficou ao abandono, exposta à degradação e ao vandalismo. Hoje, para a “visitarmos” temos que utilizar o expediente pouco legal de “pular o muro”.

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Palácio da Comenda
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Palácio da Comenda

Mas o Palácio da Comenda tem outras histórias para contar.

A Casa da Comenda foi cenário de verões repletos de glamour. Fosse na presença da própria família Armand e do círculo da melhor aristocracia europeia e portuguesa, fosse como estância de veraneio de outras famílias a quem cediam a casa, fosse a personalidades mais mediáticas, como a princesa Lee Radziwill, irmã da viúva do presidente norte-americano J. F. Kennedy, e do seu inseparável amigo Truman Capote, que no verão de 1965 ali terão passado uma temporada

Mas, ainda antes, terá sido uma mulher frágil e de luto que chegou ao Palácio da Comenda, na Serra da Arrábida, em Setúbal, logo após o assassinato do marido, John F. Kennedy, em Dallas 22 de Novembro de 1963.  Jacqueline Kennedy veio para Portugal com os dois filhos pequenos, Caroline e John-John, a convite dos condes D’Armand. Não há registos que assim tenha sido, de facto. Mas esse terá sido também o objectivo do isolamento pretendido…

Em 3 de Agosto de 1975, nova tragédia aparece associada ao palácio da Comenda. Nesse dia, um duplo assassinato ocorre na mansão: Madalena e seu cunhado Miguel aparecem assassinados a tiro, num dos quartos do 1º andar, aparentemente durante um encontro amoroso. No andar térreo, ao fundo da escadaria, Julieta, irmã mais velha de Madalena e mulher de Miguel jaz tombada com uma pistola na sua mão. A queda deixa-a longas semanas em coma e quando retoma o conhecimento, está cega e sem memória do que terá acontecido. Todos eram membros de uma família de posses, o que no Verão Quente de 1975 em Portugal não tornou a situação menos complicada. Justiça (politicamente) apressada condenou Julieta à prisão, acusada de ter morto o marido adúltero e a sua irmã. Afinal todas as evidências apontavam para ela, mas…

Assim começa a história que 28 anos mais tarde acaba por ser desvendada! Obviamente que nada disto ocorreu na realidade. Trata-se de um romance do escritor Domingos Amaral, editado em 2012, no qual o Palácio da Comenda serviu de cenário inspirador da maior parte da trama. Quer à época dos “factos”, o Verão Quente – precisamente o título da obra – de 1975, quer no posterior desenvolvimento do mistério, 28 anos mais tarde.

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Ainda hoje é possível aceder ao caminho que leva ao ancoradouro.

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Palácio da Comenda. Ancoradouro e praia privativa

Mas já não o é ao primeiro andar dos quartos, pois a escadaria onde Julieta tombou está completamente em ruínas. Assim como parte do tecto, quase todas as janelas e portas também. De facto a ruína apodera-se lamentavelmente deste edifício que hoje está completamente vandalizado.

Uma curiosidade: se por aí andar algum premiado com um jackpot do euromilhões, a Comenda de Monguelas está à venda por 50 milhões de euros (admito que uma boa negociação permita economizar uns trocos…). A localização é fabulosa, a paisagem não tem preço e a recuperação … enfim, é capaz de exigir algum investimento!

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Palácio da Comenda. Exterior

Daqui, voltámos pela mesma estrada, à zona da Fábrica onde viramos à direita, para a N10-4, vulgarmente conhecida por Estrada da Rasca (porque passa na aldeia com este nome). Pouco mais à frente, viragem à esquerda, e retomamos a nossa N397-1, a Estrada de Cima, desta feita em sentido contrário. Se primeiro percorremos a estrada que bordeja o mar, desta feita iríamos pela estrada que sobe a serra e corre pelo seu cume.

A próxima paragem não demora. Subida íngreme, em regime de curva e contra-curva, o mar à esquerda e, à medida que subimos, vislumbramos toda a magnificência do estuário do Sado: Tróia à direita, Setúbal à esquerda, ao fundo a zona industrial da Mitrena e no meio, um pequeno mar interior onde com frequência são visíveis as brincadeiras da comunidade de roazes que por aí vão andando.

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Estuário do Sado

Numa curva apertada à direita, temos à nossa frente a Porta de Armas da 7ª Bataria de Artilharia de Costa. Os portões abertos e o estado de abandono indiciam aquilo que iríamos encontrar uma fortificação ao abandono bem como os postos de tiro ainda com o que resta das respectivas peças de artilharia. Apesar do abandono, quer o forte quer a instalação de artilharia permite-nos ter uma boa ideia de como eram, quando em actividade. Entrámos!

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7ª Bataria – Porta de Armas

O forte, chamado de Forte (velho) do Outão fica no cimo de um promontório que tem aos seus pés, à beira mar, o já referido Forte de Santiago (Hospital Ortopédico do Outão) bem como uma das mais bonitas vistas da Serra da Arrábida.  A  construção do Forte Velho do Outão (também desigando por Forte do Zambujal, Forte do Facho ou Atalaião da Serra da Arrábida) ter-se-á iniciado cerca de 1649, quando João de Saldanha de Oliveira recebe a incumbência de construir um atalaião no alto da serra para colocação de peças de artilharia. Terá ficado concluído em 1655, quando uma carta do Rei D.João IV ordena ao Governador de Setúbal que entregasse o comando do Atalaião ao capitão Agostinho Cardos com uma guranição de 6 soldados. Esta fortificação complementava a posição bélica e defensiva do Forte de Santiago.

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Forte Velho do Outão
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Forte Velho do Outão – Ameias e vista para Tróia
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Forte Velho do Outão. Vista para Setúbal
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Forte Velho do Outão

O forte está, devido ao abandono, em estado adiantado de degradação, muito ajudado pela vandalização que ao longo do tempo tem sofrido – com os omnipresentes grafittis. Resiste apenas pela solidez da construção.

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Forte Velho do Outão. Escadaria interna

Um pouco mais à frente, acedemos à zona onde estão 3 peças de artilharia de médio alcance (10 a 20km) Vickers de 152mm. Eram elas que, quando em actividade, faziam a defesa da entrada da barra do Sado.

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Peças de artilharia

Funcionavam de forma coordenada, no âmbito do Regimento de Artilharia de Costa, com outras peças que asseguravam a defesa de Lisboa e Península de Setúbal, segundo o plano luso-britânico definido pelo general inglês Barron no pós 2ª guerra mundial. O objectivo era criar uma força especializada em impedir o desembarque de uma força convencional apoiadas por unidades navais naquela região. O plano foi desenhado em 1939, a construção desta 7ª Bataria decorreu entre 1944 e 1954 e cessou a actividade (pela obsolescência deste tipo de defesa) em 1998. O RAC foi extinto em 2001.

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Canhão Vickers 152mm

Esta 7ª Bataria funcionava em ligação com a 6ª sediada na Raposa próximo da Fonte da Telha e com a 8ª em Albarquel (Setúbal). Todas faziam parte do Grupo Sul do RAC que também incluía a 5ª Bataria da Raposeira (Caparica). Para lá das peças de artilharia é possível apreciar o esquema montado à volta (e por baixo) delas, maioritariamente subterrâneo, com casamatas para os militares, paióis para as munições e os sistemas de elevação destas para alimentarem as necessidades de tiro.

Das varandas e janelas do Forte, para lá da magnifica vista, vislumbramos também em pormenor o Forte de Santiago. Este é o resultado de sucessivas construções feitas naquele local estratégico da barra de Setúbal, a primeira das quais, uma torre de vigilância mandada edificar por D. João I em 1390.

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Forte Velho do Outão – Vista panorâmica

Ao longo do tempo foi sendo beneficiada e ampliada (um pouco também à medida do crescimento da importância marítima de Portugal e do porto de Setúbal em particular. As principais que resultaram numa ampliação significativa ocorreram no reinado de D. Sebastião. Mais tarde, durante a dinastia filipina, a Casa do Corpo Santo (importante instituição de Setúbal) solicitou ao rei a instalação neste forte de uma torre de farol para auxílio à navegação que ficou concluida em 1625 e tendo essa construção sido custeada por aquela instituição.

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Foz do Sado. Forte de Santiago em primeiro plano. Península de Tróia, ao fundo

Depois da Restauração da Independência, voltou o forte a receber importantes obras de modernização e reforço, cuja conclusão ocorreu em 1657. O forte manteve a valência bélica até ao Séc. XIX, quando foi desactivado. Foi depois, durante algum tempo utilizado como prisão. Em 1890 recebeu obras de adaptação e passou a ser utilizado até ao início do Séc. XX como residência de veraneio do Rei D. Carlos.

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Forte de Santiago (visto do Forte Velho)

Entretanto, a sua localização foi reconhecida como sendo valiosa no tratamento de doenças do foro pneumológico pelo que até 1908 foi utilizado como Sanatório. A partir dessa data, passou a ser um Hospital Ortopédico, função que ainda hoje conserva.

Concluida a visita à 7ª Bataria, o dia ia já muito avançado e era importante alcançar o ultimo ponto de destaque do périplo antes de anoitecer. Assim, seguimos em direcção ao alto da Serra, sempre com uma paisagem extraordinária a desfilar na frente dos nossos olhos, ainda mais realçada pela luz de final de dia. Passámos a zona das antenas, diversos miradouros e pontos de paragem que se sucedem à beira da estrada, tantos são os locais com vistas de deixar qualquer um de queixo caido.

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Panorâmica da encosta sul da Arrábida
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A caminho do cume
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Pedra da Anicha
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Panorâmica do Portinho da Arrábida

Ultrapassado o cume da Serra (no que à estrada diz respeito), iniciámos a descida. Um pouco à frente, quando já vislumbramos a vista para o Portinho da Arrábida e antes de passarmos pelo Convento (já falaremos dele), temos uma pequena reentrância do lado esquerdo, servindo de referência o facto de lá estar construida uma rampa para os praticantes de parapente que depois de sobrevoarem toda esta magnífica encosta, vão aterrar no areal do Portinho.

Foi precisamente neste ponto, à entrada da curva à direita logo a seguir ao miradouro, que em 1968, o agente secreto de Sua Majestade com licença para matar – Bond, James Bond (George Lazenby, no seu único filme da saga) – parou o seu inevitável Aston Martin. Estava acompanhado da sua noiva, Teresa (Tracy) di Vicenzo (Diana Rigg). Tinham acabado de celebrar o seu casamento na Herdade do Zambujal (Palmela) e este era o início da lua-de-mel. A paragem serviu também para o noivo retirar do Aston as flores que o ornamentavam desde a cerimónia do casamento. Mas 007 nunca está descansado! Um grande Mercedes 600, conduzido pelo vilão Ernst Stavro Blofeld (Telly Savallas) aproxima-se e ultrapassa-os. No banco de trás, à janela, Irma Blunt (Ilse Steppat), a diabólica ajudante de Blofeld dispara uma rajada de  metralhadora. Quando James Bond entra no carro verifica que Tracy estava morta…

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Cena do filme 007 – Ao Serviço de Sua Majestade
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O mesmo local…50 anos depois

Este é o relato dos 3 minutos finais de um filme que este ano comemora o seu cinquentenário e foi por muitos considerado o pior da saga sendo bastante menosprezado pela crítica de então. O filme é “007 – Ao Serviço de Sua Majestade” e estreou em Londres no final de 1969. De facto, a transição de intérprete principal não foi pacífica e isso penalizou Georges Lazenby, com um registo bastante diferente do carismático Sean Connery que tinha protagonizado os anteriores 5 filmes de James Bond. Mas para nós, será certamente um dos principais, pois nele podemos ver a Serra de Sintra e o Guincho, o Casino Estoril e a Baixa Lisboeta, para lá da Arrábida, obviamente!

Lá ao fundo vislumbra-se, numa curva da estrada, uma das guaritas de veneração dos mistérios da Paixão que fazem parte do chamado Convento Velho, uma das componentes do Convento da Arrábida. Este, construído no século XVI, abrange, ao longo dos seus 25 hectares, o Convento Velho, situado na parte mais elevada da serra, o Convento Novo, localizado a meia encosta, o Jardim e o Santuário do Bom Jesus.

Dessa guarita, temos uma visão excelente para o Convento Novo bem como mais uma lindíssima panorâmica de toda a Costa da Arrábida. Para acabar em beleza…

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Convento da Arrábida
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Guarita de veneração
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Arrábida – panorâmica

Estava concluído o passeio. Agora era tempo de regresso!

E a promessa inicial estava cumprida: falámos de uma viúva de um presidente americano, de um espião inglês , de trágicos amores e desamores literários, de um “Processo Revolucionário em Curso”, de palácios e fortes abandonados, de praias maravilhosas e de umas estradas que são uma delícia para fazer de mota!

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Pôr do Sol – a caminho de Azeitão

Tudo isto, numa Viagem ao Virar da Esquina…pela Arrábida!

Da Lagoa de Albufeira à Comenda de Monguelas – mapa do passeio:

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