Uma viagem às arrecuas do tempo

As histórias que vou contar situam-se em pouco espaço. Para lá chegar todavia, foi necessário atravessar Portugal e quase chegar a Espanha. 

O dia estava quente, muito quente e não recomendava grandes saídas. Até porque na véspera, a viagem tinha sido longa – mais de 400km a subir o Tejo saltitando de margem em margem pelas suas 13 pontes e 2 barragens – e, acima de tudo, com uma canícula extrema, acima dos 40º na maior parte do trajecto. 

Assim, até sabia bem que a volta deste novo dia não obrigasse a grande deslocação.

Resumo da volta
“Resumo” da volta

Comecei por Castelo de Vide

Há quem lhe chame a “Provença do Alentejo” e dizem que El-Rei D. Pedro V, um apaixonado pela terra, a terá baptizado de “Sintra do Alentejo”. 

Compreendo que por vezes, para tentar transmitir uma ideia, se faça por semelhança. Mas é preciso perceber que a cópia nunca é melhor que o original. E ao fazê-lo está-se a subalternizar algo que tem o potencial de valer por si só. Castelo de Vide tem esse valor, sem qualquer sombra de dúvida. 

Antes de entrar na vila, virei à direita e subi ao Monte da Penha. Onde está a Capela de Nossa Senhora da Penha e uma vista deslumbrante para o casario.

Chegada ao Monte da Penha
Chegada ao Monte da Penha
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Escadaria para a Capela de N.S.Penha
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Capela de Nossa Senhora da Penha

Destacam-se lá em baixo, o Castelo, a grandiosa Igreja Matriz de Nossa Senhora da Devesa e o casario alvo, típico do Alentejo.

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Vista panorâmica de Castelo de Vide

Para os apaixonados da Geologia (não é o meu caso…) também este local é bastante interessante pelas formações geológicas possíveis de observar na encosta.

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Encosta do Monte da Penha – Formações geológicas

Voltei pelo mesmo caminho. Cá mais abaixo quase a entrar na vila, junto à Fonte da Mealhada, vê-se melhor o Castelo.

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Fonte da Mealhada

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Castelo

Reza a lenda que “quem bebe da água da Fonte da Mealhada há de voltar a Castelo de Vide para casar”. Fica a nota….

 O castelo data do Séc. XIII, erguido por ordem de Dom Dinis só viria a ser concluído no reinado do seu filho Dom Afonso IV.

 Subi ao centro da vila. Parei na Praça D. Pedro V. Amplo espaço dominado pela presença da Igreja de Nossa Senhora da Devesa.

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Praça D. Pedro V

 

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Igreja Matriz de Nossa Senhora da Devesa

Contornei a Praça e a Igreja. Por trás, na Rua de Bartolomeu Alves da Santa é possível ver o edifício da Câmara Municipal e também algumas esplanadas. Por um pequeno túnel é possível voltar à Praça D. Pedro V.

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Câmara Municipal de Castelo de Vide

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Para regressar à Praça D. Pedro V

Um pouco mais à frente, o Largo de Gonçalo Eanes de Abreu com cuidado jardim de um lado e mais uma das numerosas fontes de Castelo de Vide, do outro. Ao fundo, lá em cima, a Capela de Nossa Senhora da Penha.

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Largo de Gonçalo Eanes de Abreu
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Largo de Gonçalo Eanes de Abreu – Jardim
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Largo de Gonçalo Eanes de Abreu – Fonte

Este largo tem a sua toponímia ligada a este herói da terra, que participou, com bravura, na batalha de Aljubarrota, onde integrou a Ala dos Namorados que reunia os mais jovens do exército e onde se encontrava vários homens de confiança do então jovem líder militar, Dom Nuno Álvares Pereira. 

E se esta foi a batalha fundamental que assegurou a independência de Portugal contra o poderoso exército de Castela, a batalha de Valverde (Perto de Badajoz – Valverde de Mérida) veio mais tarde a consolidar a anterior vitória. 

Aí, o valente Gonçalo Eanes de Abreu lidera uma ala militar contra um exército bem mais numeroso e em condições desfavoráveis. Em plena batalha têm que atravessar um rio e conquistar a margem repleta de adversários. Entre os derrotados, figuravam personagens notórias da elite militar de Castela como os notáveis mestres das Ordens de Santiago de Castela (Pedro Muñiz de Godoy que foi decapitado no duelo) e de Calatrava, Gonzalo Núñez de Guzmán que foge quando se torna óbvio que o conflito contra os homens de Dom Nuno está, outra vez, perdido. 

Décadas depois, Dom Nuno Álvares Pereira, viúvo e após o falecimento da filha, opta por viver uma vida monástica (refugiando-se no Mosteiro de Flor da Rosa, perto do Crato e não muito longe donde estamos). Distribui a riqueza que acumulou pelos seus feitos heróicos, pelos netos e algumas entidades religiosas e aos leais irmãos de armas – a Gonçalo Eanes de Abreu oferece Alter do Chão e respectivo Castelo. 

Deste largo e da rua de onde viemos saem diversas das ruas típicas de Castelo de Vide: estreitas, íngremes, em empedrado por vezes irregular, com as suas casas brancas.

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Rua típica

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Rua típica
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Rua típica

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Rua típica
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Rua típica
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Rua típica
Castelo de Vide – a herança judaica

Outro dos aspectos que lhe dá notoriedade é o passado ligado aos Judeus. A sua Judiaria excelentemente conservada, nas ruas da encosta do Castelo é testemunha desse passado. E o que se conta também é interessante.

Da bonita Fonte da Vila saem as ruas que levam até ao Castelo e onde se situa a Sinagoga mais antiga de Portugal.

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Fonte da Vila

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Judiaria

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Judiaria

Em 1492, os Reis Católicos de Espanha, por força do Decreto de Alhambra, expulsaram os Judeus do território espanhol. Muitos, até pela proximidade à fronteira, vieram refugiar-se em Castelo de Vide.

Talvez por isso, porque os seus pais aqui procuraram refúgio, nasceu em Castelo de Vide em 1501, Garcia de Orta, médico português que viveu grande parte da sua vida na Índia e foi um autor pioneiro sobre botânica, farmacologia, medicina tropical e antropologia

 Frequentou as universidades de Salamanca e Alcalá, onde estudou gramática, artes e filosofia natural, provavelmente a partir de 1515, tendo-se licenciado em medicina em 1523. Regressou a Castelo de Vide em 1523, dois anos após a morte do pai, onde praticou clínica.

 Em 1526 obteve licença para praticar medicina e no mesmo ano mudou-se para Lisboa. Aí tornou-se médico de D. João III e conheceu o grande matemático Pedro Nunes. Foi escolhido para dar conferências de filosofia natural na Universidade de Lisboa, e em 1533 foi eleito pelo conselho para professor da cadeira.

 No ano seguinte, embarcou para a Índia, a 12 de Março de 1534, como médico pessoal de Martim Afonso de Sousa, que foi para o Oriente como capitão-mor do mar da Índia entre 1534 e 1538 e governador de 1542 a 1545. Depois de acompanhar o seu patrono durante os quatro anos em que este granjeou grande prestígio em várias campanhas militares na costa ocidental da Índia, Orta estabeleceu-se como médico em Goa, onde adquiriu grande reputação. Aí ganhou a amizade de Luís de Camões.

Graças ao seu serviço e amizade com o vice-rei Pedro Mascarenhas, cerca de 1554 foi-lhe dado o foro da ilha de Bombaim, então sob domínio português. Em Bombaim mandou construir uma quinta ou solar no local onde depois os britânicos erigiram o Forte de Bombaim (actualmente também chamado Castelo e Casa de Orta).

 Mas a história dos Judeus, em Portugal e em Castelo de Vide em Portugal tem mais que se lhe diga e ainda anterior ao nascimento de Garcia de Orta.

 No fim do século XV, o Rei Dom Manuel I pretende-se casar com a Princesa das Astúrias, Dona Isabel de Aragão e Castela.

 Não se trata de amor, mas de gerar um herdeiro legítimo. Estratégia política pura: Os Reis Católicos (Isabel de Castela e Fernando de Aragão) que pelo seu casamento já tinham unificado a maior parte do território da Península tinham aspirações a anexar o que faltava. Incluindo o reino situado a ocidente e que na altura dominava os mares, vastos territórios além mar e, principalmente, o poderoso comércio com o Oriente. Assim, esse casamento seria a forma mais linear de evitar essa anexação. Porque se no futuro viesse a acontecer…seria com um varão português! (Inteligente, D. Manuel…)

 Todavia, como vimos atrás, os Judeus tinham sido liminarmente expulsos de Castela. E era condição inegociável para o casamento que D. Manuel ambicionava, que também o fizesse em Portugal

 Dom Manuel acredita que a união é vital para a sobrevivência do reino e concede a fazer desaparecer os judeus de Portugal… Após o casamento promulga várias medidas que torna impraticável a saída voluntária ou a expulsão dos judeus – o plano é convertê-los ao cristianismo — cristão novo (cripto-judeus). D. Manuel tinha consciência da importância desta comunidade e até por força da tradição ancestral: o fundador do reino, Dom Afonso Henriques confiava a gestão das finanças a um rabi; tradição seguida por todos da sua linhagem…

 As conversões foram uma tortura psicológica, muitas vezes física, e em casos extremos culminam em mortes – uma traição aos judeus portugueses.

 Todo o processo, macabro, foi em vão: a jovem rainha morre no parto de Miguel da Paz (herdeiro de Portugal, Castela, Leão, Aragão e Sicília) e este morrerá com 2 anos (quando se encontrava com os avós; os reis católicos de Espanha). Inevitavelmente, no fim do século XVI, Espanha e Portugal entrarão em rota de colisão.

 Como “cristãos novos” os judeus são livres para saírem, e que foi o que aconteceu com os portugueses que foram para Amesterdão e cujos descendentes assistem à anexação de Portugal pela coroa espanhola (União Ibérica). A maioria dos judeus não tinha meios para sair e cá ficaram como “cristãos novos”. Em Castelo de Vide…

 Sabemos da História, a importância que os Judeus vieram a ter, mais tarde, nos Países Baixos e no domínio que estes partilharam dos mares e das riquezas com os Ingleses. Nas terras que os Portugueses descobriram e nos caminhos por nós abertos.

Para lá de Gonçalo Eanes de Abreu ou Garcia de Orta, Castelo de Vide também viu nascer outros filhos ilustres, como sejam:

  • José Xavier Mouzinho da Silveira (Castelo de Vide, 12 de Julho de 1780 – Lisboa, 4 de Abril de 1849) foi um estadista, jurisconsulto e político português e uma das personalidades maiores da revolução liberal 
  • Fernando José Salgueiro Maia, militar português. O mais conhecido dos capitães do Exército Português que liderou as forças durante a Revolução de 25 de Abril de 1974.
A caminho do próximo destino

Deixei para trás Castelo de Vide. Terra histórica como vimos, com muito mais que contar e acima de tudo com uma beleza que nos leva sempre a voltar. Não necessariamente para casar, como reza a tradição da Fonte da Mealhada.

Dirigi-me a Marvão. Pela estrada (EN246-1) que tem um pedaço que será dos mais famosos (e fotografados) de Portugal. Dizem os locais que “é a estrada onde as árvores estão de cuecas”.

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“onde as árvores estão de cuecas”

A mim, todavia faz-me recordar muitas das estradas do Alentejo que conheci na minha meninice. Eram assim: estreitas, sem bermas, com as árvores (azinheiras, sobreiros, oliveiras) mesmo à beirinha, inevitavelmente com as pinturas brancas à cintura. Uma tentativa, inúmeras vezes infrutífera, de evitar os acidentes….

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“onde as árvores estão de cuecas”

À medida que me aproximo de Marvão, começamos a vislumbrar a majestosa escarpa da Serra do Sapoio culminada pela vila fortificada de Marvão a quase 900m de altitude.

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Marvão…lá em cima

 Sempre que aqui venho questiono-me sobre o grau de loucura que alguém terá tido para construir um castelo naquele sítio. E o esforço que terá sido fazê-lo, na época em que foi. Nem hoje seria tarefa fácil…. 

Na Mui Nobre e Sempre Leal Vila de Marvão

Foi a Rainha D. Maria II que outorgou à vila de Marvão este título. Mas a história vem de muito atrás…muitos séculos antes!

 A presença romana na zona é testemunhada pelo local que visitarei depois: a cidade de Ammaia. E estes rochedos terão feito parte das defesas dessa importante cidade à época.

 Todavia, a importância de Marvão reforça-se enquanto praça fortificada os tempos do domínio árabe na Península Ibérica (desde o Séc. VIII).

 Abd al-Rahman ibn Muhammad ibn Marwan ibn Yunus, conhecido como ibne Maruane Aliliqui (Ibn Marwan al-Yil’liqui) ou simplesmente ibne Maruane, foi um líder militar e religioso sufista do Al Andalus que, rebelando-se contra o emir omíada de Córdova Maomé I, criou um reino independente sediado em Badajoz, cidade da qual é considerado fundador, que ocupava o Médio e Baixo Guadiana e o sul do que é hoje Portugal.

 O reino duraria até à fundação do Califado de Córdova em 928.

 Ibne Maruane deu nome à vila de Marvão (Marvão pela aliteração do seu nome Maruane), cujo castelo construiu entre 876 e 877 e qe no século X já era conhecida como Amaia de ibne Maruane ou fortaleza da Amaia, referida pelo historiador hispano-muçulmano Issa Ibne Amade Razi.

 Na época da conquista de Alcácer do Sal, D. Afonso Henriques terá tomado a povoação aos mouros entre 1160 e 1166. Perdida novamente para os mouros numa contra-ofensiva de Iacube Almançor em 1190, aquando da demarcação do termo de Castelo Branco (1214), Marvão já se incluía em terras portuguesas novamente.

D. Sancho II concedeu-lhe Carta de Foral (1226), visando manter esta sentinela avançada do território povoada e defendida diante das repetidas incursões oriundas de Castela à época.

D. Afonso III doou os domínios de Marvão aos cavaleiros da Ordem de Malta (1271), posteriormente outorgados a seu filho, Afonso Sanches, juntamente com os senhorios de Arronches, Castelo de Vide e Portalegre. Por esta razão, ao se iniciar o reinado de D. Dinis , a vila e o seu castelo viram-se envolvidos na disputa entre o soberano e o infante D. Afonso, vindo a ser conquistados pelas forças do soberano em 1299. No encerramento da questão, os domínios de Marvão, Portalegre e Arronches foram trocados pelos de Sintra e de Ourém, permanecendo os primeiros na posse do soberano. Este confirmou a Marvão o foral de 1226 e empreendeu-lhe obras de ampliação e reforço das defesas, destacando-se a construção da torre de menagem, iniciada no ano de 1300.

No decurso dos séculos seguintes, Marvão teve papel importante na generalidade dos conflitos, seja com os vizinhos espanhóis, na época das invasões napoleónicas ou na guerra civil que opôs liberais e absolutistas. A este facto não é alheia a sua situação estratégica bem como o ser quase inexpugnável, seja pelas características do terreno seja pela visibilidade que alcança fazendo com que seja praticamente impossível um ataque de surpresa.

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…até onde a vista alcança

 

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Onde conseguimos ver as águias de costas

 Entro em Marvão. É impossível fugirmos à imponência do Castelo. Situado numa ponta da muralha que rodeia a vila e que está aos seus pés.

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Entrada em Marvão – Porta de Ródão

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Castelo de Marvão

 

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Castelo – Peça de artilharia

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Pormenor do Castelo

 

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Castelo

A pequena vila está toda ela dentro das muralhas. Ruas estreitas, por vezes íngremes, de calçada irregular, irrepreensivelmente conservadas. Bem como todo o casario.

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Marvão

 

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Marvão
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Marvão – Fonte do Concelho

 

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Marvão

 Um pequeno jardim encostado à muralha dá o contraste com a rudeza da pedra da muralha que segue o contorno da falésia.

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Marvão – Jardim

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Marvão – Muralha e Jardim

 

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Muralha

Logo adiante, a Igreja de Santa Maria. Retirada do culto integra actualmente o Museu Municipal. Todavia existem referências à paróquia de Santa Maria desde 1321, altura em que foi entregue à Ordem do Hospital, liderada pelo Priorado do Crato nesta região alentejana.

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Igreja de Santa Maria

Continuamos a percorrer a muralha. Ruas estreitas. E ameias onde o horizonte espreita. Mais à frente outra igreja: a de Santiago. Esta era a outra paróquia de Marvão na época do Priorado do Crato. Mais tarde, fundiram-se na actual paróquia de Santa Maria sendo a Igreja de Santiago a Matriz.

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Igreja de Santiago

 Continuei o périplo pela vila de Marvão. Agora já a caminho da saída.

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Ruas de Marvão

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Ruas de Marvão

 

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À saída

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Porta de Ródão

Foi José Saramago que disse, no seu livro “Viagem a Portugal”, que ” de Marvão vê-se a terra toda” tal não é a magnificência da vista, lá de cima do alto das suas muralhas.

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“De Marvão vê-se a terra toda”

 Fora das muralhas, fica o Convento de Nossa Senhora da Estrela.

Em 1445, pela bula “Fidelium vota“, do papa Nicolau V, de 7 de Junho, a pedido do infante D. Henrique, foi concedida autorização para a fundação do Convento. Foi edificado fora dos muros da vila de Marvão, próximo do local onde, segundo a piedade popular, a Virgem tinha aparecido e feito alguns milagres, recebendo, por isso, uma invocação mariana.

De acordo com outra lenda local, a imagem de Nossa Senhora foi oculta por D. Rodrigo, último rei dos visigodos, quando da invasão muçulmana da península Ibérica (711), sendo descoberta apenas quando a vila de Marvão foi libertada do domínio islâmico, à época da Reconquista. Dai a origem da devoção a Nossa Senhora.

De Marvão desce-se pelo mesmo caminho da chegada. Estrada sinuosa e íngreme que nos leva até à Portagem. Pequena povoação atravessada pelo Rio Sever e intersecção de estradas.

Desde a que nos trouxe de Marvão, à esquerda em direcção a Espanha (onde a uma dúzia de quilómetros, depois da fronteira, podemos atestar a viatura com o precioso líquido que a faz trabalhar a um preço substancialmente mais barato. Nome do fornecedor?….GALP, pois claro!). Se por outro lado apontarmos a poente, regressamos a Castelo de Vide.

Seguimos em frente e vislumbramos o maciço da Serra de S. Mamede. Parque natural e a mais alta elevação a sul do Tejo. 3 km adiante, estamos em S. Salvador da Aramenha. É aí que se situa o próximo destino.

A cidade romana (quase) esquecida!

Ammaia – fundada no início da Cristandade, provavelmente no Séc I (contemporânea portanto da Ponte de Trajano em Chaves), no tempo de Augusto.

Foi elevada a Civitas por volta do ano 44/45 d.C. durante o reinado de Cláudio. A florescente cidade em breve receberia o estatuto de município (Mvnicipivm – “terminus ante quem“) sob o reinado de Lúcio Vero – mais provavelmente durante a época de Vespasiano -, e viria a desenvolver-se como um importante núcleo urbano devido à sua localização e à exploração dos recursos minerais e naturais da região, como o quartzo e o ouro.

Um outro factor determinante terá sido a sua localização num ponto de cruzamento de vias romanas que uniam importantes núcleos urbanos na altura, ligando uma dessas vias a de “Ammaia” à capital da província, “Emerita Augusta” (atual Mérida).

Durante o século IV, houve uma reconstrução e restauração dos espaços de Ammaia. No entanto, entre os séculos V e IX, Ammaia caiu em declínio e ficou despovoada. Quando esta parte da península ibérica já estava sob o domínio árabe, a cidade parece ter sido completamente abandonado em favor da fortificação de Marvão. Ibne Maruane (cujo nome terá originado o de Marvão, como vimos atrás), começou a usar o título de estilo próprio de capitão de Ammaia e suas ruínas no século IX.

Ammaia era uma cidade importante com cerca de 2.000 habitantes. Ocupava uma área de 21 hectares e tinha uma planta regular de ruas paralelas e perpendiculares que dividia os muitos quarteirões. Era rodeada de uma muralha granítica com cerca de 7m de altura.

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                Ammaia

Nas redondezas abundava a água. Isso permitiu a construção de uma barragem, de um aqueduto e de um complexo sistema de canalização que alimentava a cidade de água potável durante todo o ano.

Tinha 4 portas principais, orientadas segundo os pontos cardeais.

A mais importante, a única que é possível vislumbrar actualmente (num dos três pólos arqueológicos visíveis) era a Porta Sul.

A esta porta, com duas torres circulares e um pátio interior, chegava a importante estrada proveniente da capital da província: Emérita Augusta – a actual Mérida.

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Ammaia – Porta Sul

 

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Ammaia – Porta Sul

 

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Ammaia – Porta Sul

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Ammaia – Porta Sul

 Sendo a porta principal, era daí que saía a principal rua da Ammaia: o Cardo Maximus.

Uma via comercial, rodeada de lojas e edifícios com pórticos. A meio (o que seria também o centro da cidade) ficava a entrada para o mais relevante núcleo de edifícios da cidade: o Fórum! Este é o segundo pólo arqueológico visível.

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Forum

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Forum
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Forum
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Forum
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Forum

No seu interior, um grande largo, rodeado de pórticos e lojas, com pavimento granítico e onde se situava o mais importante templo de Ammaia: um edifício rodeado de colunas, com um imponente pórtico, provavelmente dedicado a Júpiter ou eventualmente ao próprio Imperador. Existem vestígios desta edificação no sub-solo.

 No outro lado da praça, ficava outro edifício relevante: a Basílica. Aí se situava o Tribunal e seria também utilizado para reuniões políticas ou comerciais.

 Saindo do Fórum, do outro lado da rua, ficavam as Termas. Um conjunto de diversas salas com vestiários e banhos de diferentes temperaturas, quentes e frias. Teria também uma piscina e uma área de repouso no exterior. Este é o terceiro pólo arqueológico que está visível.

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Termas

 

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Termas
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Termas

Conseguimos ter um vislumbre da dimensão da cidade pelas distâncias que percorremos entre os 3 pólos arqueológicos. Mas mais relevante é percebermos como há 2 mil anos, uma civilização fortíssima colonizou este território deixando marcas indeléveis…e não me refiro a estes conjuntos de pedras que restaram dos edifícios que não resistiram ao tempo e aos homens. Falo da língua que nos deixaram, da cultura e de uma organização social, económica e política que é difícil imaginar decorridos 20 séculos.

 No final da visita, é recomendável passar pelo núcleo museológico que tem um relevante acervo de peças, naturalmente da época romana.

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Museu Ammaia
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Museu Ammaia

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Museu Ammaia

 

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Museu Ammaia

 

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Museu Ammaia

 

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Museu Ammaia

 

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Museu Ammaia

 

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Museu Ammaia

Uma curiosidade final sobre Ammaia: apesar de se saber da sua existência, durante séculos não se conhecia a localização. Porque muitas das suas pedras foram utilizadas na construção de diferentes edifícios nas redondezas. Diz-se que muitas serviram para a edificação dos conventos de Portalegre, sendo que à época, era apelidada de “Pedreira dos Padres”. Há também registo de um arco em pedra ter sido levado para Castelo de Vide. Mais recentemente, no Séc. XX a construção da estrada (que nos trouxe até aqui) e que se prolonga rumo à Serra de S. Mamede destruiu uma parte significativa da zona pois corta o perímetro da cidade quase a meio. 

Uma viagem às arrecuas do tempo

O título desta crónica deve-se a um facto que não sei se repararam: à medida que avançava a viagem recuava o tempo.

 Falámos de Garcia de Orta e da história dos Judeus em Castelo de Vide (Séculos XV e XVI).

 Visitámos Marvão e a fortaleza quase inexpugnável a tocar o céu. Contámos a sua história na época do domínio muçulmano e subsequente conquista no início da nacionalidade.

 Finalmente, recuámos ainda mais no tempo, ao inicio da contagem do tempo, ao Séc I e à passagem do Império Romano nesta parte do território.

 Por falar em andar para trás no tempo, a minha companheira de viagem também merece uma palavra neste domínio: a Suzuki Katana, gentilmente cedida pelo representante português da marca, a Moteo Portugal SA.

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Esta “nova” Katana, para lá de ser muito bonita, mostra à evidência o seu património genético: recorda sem sombra de dúvida a “moto mais rápida do mundo” como nos anos 80 foi apresentado o modelo que iniciou a nomenclatura. E aqui, mais um ir para trás, à procura do tempo passado.

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A marca e o símbolo…

Esta não será a moto ideal para estas viagens porque não tem capacidade de carga…e será quase pecado mortal adaptar-lhe sistemas de malas. Francamente…ela não merece que lhe estraguem a beleza das linhas. E digo isto porque ao natural é muito mais bonita do que as fotos mostram. Opinião subjectiva, eu sei!

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Ponte de Belver

A posição de condução poderia ser incómoda mas não. O encaixe é perfeito, muito ajudado pela posição elevada do guiador que transmite confiança e naturalidade na postura. A protecção aerodinâmica é suficiente para as velocidades praticadas. O pequeno deflector por cima da óptica cumpre a sua missão. A velocidades para lá dos máximos legais (em autoestrada, por exemplo)…não há milagres.

VVEz015O principal defeito que lhe encontrei foi a autonomia. Não porque seja esbanjadora do líquido precioso (a média da minha experiência, cerca de 700km, foi de 5,1l/100) nada disso, mas sim porque o depósito é pequeno. 12 litros dizem, mas o máximo que lhe consegui meter foram 10l e tinha autonomia para 20 km nessa ocasião. Torna-se incómodo estar a fazer paragens para reabastecimento e é aconselhável planear o percurso para não haver azar.

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Em andamento? Talvez pelo seu comprimento ou pela diferença de largura dos pneus (atrás um ambicioso 195) a inserção nas curvas não será a mais linear mas, com o hábito, não constituiu qualquer problema. Agora à saída…meus amigos!!! Os 150cv, um pneumático daqueles e um motor com binário que nunca mais acaba é absolutamente fantástico. O 4 cilindros sobe desde as 3000rpm sem qualquer hesitação até quase ao infinito, sendo que o infinito – o red line – está nas 11500! Nas mudanças superiores provoca aquela adrenalina que gostamos. E nas mudanças baixas, saímos das curvas que nem um foguete…e com uma banda sonora a sair do escape a condizer.

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Não tenho dúvidas em afirmar que esta Suzuki Katana ficava muito bem na minha garagem…assim fosse possível!

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A Katana e o Castelo de Almourol 

Em conclusão: seja pela viagem em que andámos para trás no tempo, seja pela companhia da Suzuki Katana que recorda com alguma nostalgia a mítica Katana dos anos 80 do século passado, andámos às arrecuas do tempo em mais uma Viagem ao Virar da Esquina.

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Suzuki Katana

Por Este Rio Acima

Há uns anos que acalentava o desejo de voltar a percorrer as 15 travessias do Tejo.

A primeira vez foi há 5 anos mas tinha faltado qualquer coisa…que importava completar: unir a foz do rio até ao ponto onde passa a ser exclusivamente português.

Assim nasceu o “POR ESTE RIO ACIMA”.

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NOTA PRÉVIA:

“POR ESTE RIO ACIMA” foi o regresso às 15 travessias do Tejo. Curiosamente, cerca de duas semanas depois, descobri que afinal há uma 16ª. Original e diferente…mas está lá! É isso que vos conto no final da crónica deste desafio.

 – A ESTRADA AGUARDAVA… –

8.30h da manhã! À minha frente, na outra margem, a Cova do Vapor. Um pouco à direita (a jusante, em linguagem de rio…) o ilhéu do Bugio. Para o outro lado (a montante), lá ao longe e ainda envolta por alguma neblina matinal, a Ponte 25 de Abril. A primeira da viagem…

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Foz do Tejo – 25 Abril lá longe

Esperavam-me mais de 400km. Não era distância que assustasse…mas o ritmo seria lento pelo tipo de estradas a percorrer e por nelas atravessar inúmeras localidades. A expectativa seria de cerca de 8 horas de condução, às quais teria que adicionar as óbvias paragens para fotografias, reabastecimento de homem e máquina, etc. No total, foram quase 12 horas. Ainda assim, por este prisma, o desafio não era assim tanto.

Desafio que é desafio tem que ter uma componente de imprevisibilidade. Não alinho na basófia que “desistir não é opção!”. Aliás, aqui só existem duas opções: é fazer ou desistir. Porque não procuro riscos que se sobreponham ao prazer de viajar e de conduzir moto. Cumprir o desafio é…fazer!

Para apimentar a coisa, a data escolhida antecipava uma das maiores canículas deste Verão. Promessa cumprida pelo S. Pedro, esse meu inimigo figadal! A partir de Santarém, o termómetro não baixou dos 40º, com um largo período nos 42º….

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42º em Vila Nova de Barquinha

E, para que a coisa ainda tivesse mais piada, nada como levar uma moto improvável. Nada de maxi-trails. Nem de turísticas preparadas para palmilhar milhares de quilómetros. Nada disso. A moto improvável foi uma Suzuki Katana! 

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Suzuki Katana

Assim já tinha condimentos para o desafio. Só não lhe antecipava a dificuldade…

Esperavam-me as 15 travessias que o Rio Tejo tem: 13 pontes e 2 barragens.

Dessas 13, 10 foram construídas para a finalidade rodoviária, sendo a mais antiga a de Abrantes – inaugurada em 1870 – e a mais recente a das Lezírias – de 2007. Outras 3 eram de inicio ferroviárias e, depois de desactivadas, passaram a servir o trânsito automóvel: a das Mouriscas de 1881, a de Constância de 1888 e a de Muge de 1904. Passaram para rodoviárias respectivamente em 1992, 1988 e 2001. No total, 5 pontes do Sec XIX, 6 do Séc XX e 2 já no novo milénio.

As barragens cujo paredão permite a passagem, as únicas do Rio Tejo em território nacional, são as de Belver e Fratel, construídas respectivamente em 1952 e 1973. 

– A CAMINHO –

Saida às 8:30, como referi, tomei o caminho mais rápido para a primeira travessia: a Ponte 25 de Abril. Podendo fazê-lo junto ao Tejo, pela Marginal, optei pela A5 junto ao Jamor. Evitava portagens (algo a que só recorri quando não havia alternativa) e também a maior densidade de trânsito que, por ser dia de semana me poderia atrasar logo ao início.

Assim foi. Passado pouco tempo estava a passar a 25 de Abril. O panorama visto do seu tabuleiro é deslumbrante. Inaugurada em 1966 – 6 de Agosto – une as duas margens no ponto do estuário chamado “gargalo do Tejo”. Obra fundamental para toda a região que antes estava limitada à travessia fluvial, desde logo se tornou um dos ex-líbris da capital. Muitos anos mais tarde (embora o previsse desde o início) tornou-se também ferroviária. Com uma extensão de 2,3km e 190m de altura é uma das maiores do mundo com a sua tipologia: ponte suspensa.

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25 Abril – margem direita
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25 de Abril – margem esquerda

Segui pela A2 até ao Casal do Marco e tomei a EN10 até à Quinta do Conde onde virei para a A33 que me conduziu até à travessia seguinte: a Ponte Vasco da Gama.

A reentrada em Lisboa valeu atravessar aquela que é a mais extensa ponte da Europa – 17km – e uma das maiores do mundo e…pagar a primeira portagem do dia. Inaugurada a tempo da Expo98, tenho o privilégio de a ver todos os dias da janela de casa. Quase faz parte da família…

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Ponte Vasco da Gama
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Ponte Vasco da Gama 

Daqui, IC2, A1 e EN10 (novamente … esta estrada tem um percurso muito sui generis) até Vila Franca de Xira.

Esperava-me a Ponte Marechal Carmona. Inaugurada em 30 de Dezembro de 1951, teve a primeira portagem em Portugal, pois o Governo de então assumiu que deveria ser paga pelos seus utilizadores. Assim que ficou paga…a portagem extinguiu-se! Estranho…. 

Tem pouco mais de 1,2km de extensão e custou, à época, o que hoje seriam 650 mil euros. Teve um papel fundamental nos acessos entre o sul e o norte do País e o acesso a Lisboa (a 25 de Abril surgiu 15 anos depois!).

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Ponte Marechal Carmona

Aqui terminou a primeira parte do percurso ao longo do Tejo. Pelas suas características, chamar-lhe-ei “Urbano”, porque na realidade, o rio banha nas suas margens parte significativa da malha urbana da área metropolitana de Lisboa.

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Rio Tejo

Atravessado o rio para a margem esquerda, iniciei o percurso que designarei “Lezírias” e que se prolonga até Constância….lá chegarei!

Em Samora Correia apanhei a EN118 que me irá acompanhar até ao final do dia de forma intermitente, pois dela sairei e depois voltarei sucessivamente. Começa no Montijo, termina em Alpalhão e acompanha a margem esquerda do Rio Tejo. Não sendo particularmente interessante do ponto de vista de condução (exceptuando as curvas do Tramagal) tem pormenores de paisagem muito bonitos.

Poucos quilómetros adiante, o acesso à A10 que me levaria até à Ponte das Lezírias, a mais recente de todas que percorri.

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Ponte das Lezírias

Com 12km de extensão é a 3ª maior da Europa e, curiosamente, faz a travessia sucessiva de 2 rios: o Tejo e o seu afluente Sorraia. Neste pequeno percurso paguei a 2ª portagem do dia.

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Ponte das Lezírias

Saí de imediato no nó do Carregado, rumo a Vila Nova da Rainha e Azambuja, e um pouco mais à frente virei em direcção a Valada do Ribatejo. O objectivo situava-se 3 km mais à frente desta simpática povoação ribeirinha: a Ponte Rainha D. Amélia. 

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Ponte Rainha D. Amélia

Também conhecida como Ponte de Muge, datada do início do século passado como ferroviária e convertida à rodovia em 2001, tem sentido único alternado e foi o primeiro exemplar típico da “Arquitectura do Ferro” que atravessei. Outras se seguiram a partir daqui.

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Ponte Rainha D. Amélia

Pouco adiante, em Muge retomei a EN118 até à A13 e à Ponte Salgueiro Maia. Com 4,3km, inaugurada em Junho de 2000, fica situada a jusante de Santarém. Tem a curiosidade de não ser iluminada para não interferir com um aeródromo nas proximidades….

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Ponte Salgueiro Maia

E assim cheguei à “Capital do Gótico”, Santarém!

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Rio Tejo e Santarém lá ao fundo

Sobranceira ao Tejo, com a vista das “Portas do Sol”, tão magnífica quanto famosa , atravessei a cidade e rumei à ponte que leva o seu nome…mas que de facto se chama Ponte D. Luis I.

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Ponte D. Luís I

Mais uma ponte de ferro. Inaugurada em 17 de Setembro de 1888, tem o comprimento de 1.263m.

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Rio Tejo em Santarém

E como gostamos muito de nos “posicionar” no mundo…cumpre dizer que à data da sua construção era a maior da Península, a 3ª da Europa e a 6ª do mundo… Esta tendência para “o melhor” ou “o maior” da nossa rua não justificaria um Livro de Recordes com marca de cerveja nacional? Fica a sugestão!

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Santarém ficou para trás

Alpiarça e Chamusca ultrapassadas, cheguei à Ponte da Chamusca (famosa por uns “achamentos” recentes…). De seu nome Ponte Dr. João Joaquim Isidro dos Reis, fica a meio caminho entre aquela vila e a Golegã.

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Ponte da Chamusca
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Ponte da Chamusca – pormenor
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Ponte da Chamusca

Na Golegã esperava-me um companheiro que simpaticamente se ofereceu para me acompanhar neste pedaço do percurso. Residente em Vila Nova da Barquinha, o António Rebelo foi o meu companheiro no almoço ligeiro, na sua terra. Umas belas bifanas, num local muito recomendável:

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E depois, foi o meu cicerone até ao espectacular Castelo de Almourol. E no final acompanhou-me até ao Tramagal.

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Castelo de Almourol

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Castelo de Almourol

Daqui seguímos para Ponte de Constância, ele na sua Africa Twin preta (algo familiar esta moto…) e eu na Katana.

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As motos…
– POR FALAR EM MOTOS –

 Neste ponto já tinha percorrido mais de 200km e faltavam 7 travessias. E ainda não falei da minha companheira.

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Quando surgiu a oportunidade de levar esta moto fiquei algo apreensivo. A sua configuração poderia ser algo dolorosa para as minhas costas que já conheceram melhores dias. Puro engano! O encaixe foi perfeito, a posição elevada do guiador transmite confiança na condução e acima de tudo, naturalidade na postura, que não castiga nem a “espinha” nem os pulsos.

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Suzuki Katana

A protecção aerodinâmica é suficiente para as velocidades praticadas. Efectivamente o pequeno deflector por cima da óptica cumpre a sua missão. A velocidades para lá dos máximos legais (em autoestrada, por exemplo)…não há milagres.

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A Katana e o Castelo de Almourol

Esta não será a moto ideal para estas viagens porque não tem capacidade de carga…e será pecado mortal adaptar-lhe malas ou caixotes. Fracamente…ela não merece que lhe estraguem a beleza das linhas. E digo isto porque ao natural é muito mais bonita do que as fotos mostram. Opinião subjectiva, eu sei!

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Suzuki Katana

O principal defeito que lhe encontrei foi a autonomia. Não porque seja esbanjadora do líquido precioso – fiz no total da experiência mais de 700km e média de 5,1l/100 – nada disso, mas sim porque o depósito é pequeno. 12 litros dizem, mas o máximo que lhe consegui meter foram 10l e tinha autonomia para 20 km nessa ocasião. Torna-se incómodo estar a fazer paragens para reabastecimento e é aconselhável planear o percurso para não haver azar.

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Um gesto frequente

Em andamento? Talvez pelo seu comprimento ou p ela diferença de largura dos pneus (atrás um ambicioso 195) a inserção nas curvas não será a mais linear mas, com o hábito, não constituiu qualquer problema. Agora à saída…meus amigos!!! Os mais de 130cv, um pneumático daqueles e um motor com binário que nunca mais acaba é absolutamente fantástico. O 4 cilindros sobe desde as 3000rpm sem qualquer hesitação até quase ao infinito, sendo que o infinito – o red line – está nas 11500! Nas mudanças superiores provoca aquela adrenalina que gostamos. E nas mudanças baixas, saímos das curvas que nem um foguete…e com uma banda sonora a sair do escape a condizer.

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A marca e o símbolo…

A análise completa à Suzuki Katana está em: SUZUKI KATANA – Por fim a lenda voltou a ser realidade

– DE VOLTA À ESTRADA –

A travessia que se seguiu foi a Ponte de Constância (ou da Praia do Ribatejo). Mais uma antiga ponte ferroviária, datada de 1888 e onde os comboios passaram até 1959. O seu mau estado de então, levou à construção de uma nova ao lado.

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Descida para a Ponte de Cosntância

Mais tarde, as autarquias de Barquinha e Constância aproveitaram-na para o trânsito rodoviário em 1988. Tem um único sentido alternado e é mais um exemplar da “Arquitectura do Ferro”.

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Ponte de Constância
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Ponte de Constância

O semáforo passou a verde e seguimos rumo ao Tramagal.

Em Constância terminou a parte do percurso que designei por “Lezírias”. A partir daqui, a orografia do terreno torna as estradas mais sinuosas e em permanente sobe e desce. Chamar-lhe-ei “Percurso Serrano”, sendo certo que não alcançamos grandes desníveis a não ser já mais perto do final.

Antes do Tramagal um pequeno aperitivo das curvas e contra curvas que depois me levaram até ao Rossio ao Sul do Tejo. As famosas curvas do Tramagal, que eram em décadas atrás, antes da era das autoestradas, o terror dos viajantes automobilizados.

À saída da cidade do Tramagal, um miradouro dá-nos uma vista magnífica do Tejo e ao longe vislumbra-se a próxima travessia. Foi tempo de despedidas.

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O Rio Tejo no Tramagal
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No Tramagal a selfie da praxe

Fiz-me a caminho, novamente a solo pois o António regressou a casa.

Muito obrigado Amigo! Até à próxima…

A verdadeira diversão começou aqui e só iria terminar (com um pequeno interregno) mesmo no final da jornada. As curvas do Tramagal fazem justiça ao nome. E com bom piso são uma delícia.

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As curvas…da estrada e do rio!

 Assim cheguei ao Rossio ao Sul do Tejo e quando parei para a foto da ponte, encontrei 2 companheiros que estavam em breve descanso. Percorriam a EN2.

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Os dois companheiros da Benedita que estavam a fazer a EN2

Já vos disse atrás que o calor era verdadeiramente tórrido. Os 42º faziam-se sentir ao parar e quando na moto, o “bafo” era diabólico. Não havia água que resistisse (agravado com o facto de não ter muito onde a levar).  

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A caminho do chuveiro…

Surpresa minha, os rapazes, oriundos da Benedita, estavam ensopados. Tive pena deles, pensei. Devem estar a levar uma sova, nos seus fatos. Engano!!! À boa maneira portuguesa, um deles tinha uma habilidade quase milagrosa: sabia ligar a rega do pequeno jardim onde estávamos. Tinham estado a tomar duche…vestidos! Segui o exemplo…2 vezes! Abençoados…

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Duche refrescante e…inesperado!

Quando à ponte de Abrantes, é a mais antiga desta viagem. Inaugurada em 1870, tem um comprimento de 339m. Foi construída por um consórcio francês que a conservou sob exploração até 1945, quando passou para o Estado.

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Ponte de Abrantes
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Ponte de Abrantes
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Ponte de Abrantes
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Abrantes vista da outra margem

Contornei Abrantes até Alferrarede e aqui, uma das surpresas do dia pois cheguei a um troço de estrada que não conhecia. A EN3 que me conduziria até Mouriscas.

 A EN3, como o nome indica, foi estabelecida pelo Plano Rodoviário de 1945 e era, neste, a terceira estrada de Portugal por ordem de importância depois da EN1 (Lisboa-Porto) e EN2 (Chaves-Faro). Começa no Carregado e termina em Castelo Branco. Percebe-se bem a lógica desta estrada projectada como sendo a principal via transversal do País (por curiosidade, a EN 4 vai de Lisboa a Elvas). As autoestradas e a falta de visão levaram a que esta estrada esteja hoje toda desmembrada e em alguns troços desapareceu mesmo (mais à frente falarei nisso).

Mas se toda a EN3 fosse como este pedaço que percorri…só vos digo: um deleite de condução!

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Ponte das Mouriscas

Em Mouriscas, tomei a EN358 e fiz a 11ª travessia da jornada: a Ponte das Mouriscas. Também apelidada de Ponte do Pêgo ou Ponte Rodoferroviária de Alvega. A ponte actual, com dois tabuleiros paralelos, rodo e ferroviário, data de 1992. Mas a ponte original, para comboios, foi construída em 1881.

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Ponte das Mouriscas

Novamente na EN118, passei Alvega (sempre a memória do famoso Major Alvega…) e Casa Branca onde virei para a primeira Barragem a atravessar: a de Belver.

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Rio Tejo. A caminho da Barragem de Belver

Construída em 1952 e, conjuntamente com a do Fratel que atravessei depois, são as únicas do Tejo em Portugal. Destinada à produção eléctrica, está dotada de uma pequena eclusa para a passagem dos peixes que irão desovar mais a montante mas que consta não ser verdadeiramente eficaz.

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Barragem de Belver
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Barragem de Belver

Na sua albufeira, num pequeno braço de rio logo a seguir ao paredão e na margem direita, está a Praia Fluvial da Ortiga. Aprazível com vegetação frondosa foi uma tentação…

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Praia Fluvial de Ortiga

Continuei em registo de curva e contra curva até chegar a Belver. O Castelo é imponente.

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Castelo de Belver

Situado num monte fronteiro à vila, dum lado, e com o Tejo aos seus pés. Magnifica paisagem.

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Belver e o seu Castelo

Belver tem a característica única de, por pertencer ao concelho de Gavião, ser a única parcela do Alentejo na margem direita do Tejo. Percorridas as ruas estreitas e em empedrado, inicia-se a descida para a Ponte de Belver. O cenário é fantástico.

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Belver
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Ponte de Belver

Inaugurada em 1907 e recentemente restaurada, tem no seu final um acesso ao passadiço em madeira que ao longo de quase 2km na margem do rio, nos leva até à Praia Fluvial do Alamal.

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Rio Tejo – Albufeira de Belver – Praia Fluvial do Alamal e passadiço
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Belver e o Tejo em contraluz

O troço de estrada que vai da Ponte de Belver até à sede de concelho, sinuoso e a subir, deixou-me novamente na EN118. O pedaço que se seguiu, ao longo de quase 20km é sempre a direito. Com rapidez encontro o IP2 perto de Arez.

Hora de decisões!

– O FINAL DA JORNADA –

Um pouco antes de Arez, a EN118 entronca no IP2. Em frente, para Nisa e a EN18, à direita rumo a Portalegre e à esquerda, para a Barragem do Fratel, a penúltima travessia. O final estava próximo.

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Barragem do Fratel

Esta Barragem, construída em 1973, é fundamental tal como a de Belver que passei antes, para o controlo do caudal do Tejo para lá da produção de electricidade. E talvez tenha sido, na época da sua construção, este o aspecto principal para o projecto ir em frente porque submergiu um núcleo importante de pinturas rupestres e ainda um troço do muro de sirga do Rio Tejo.

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Depois da Barragem do Fratel, o Tejo segue o seu curso…

É também um ponto de passagem obrigatório para quem vem de norte, Beira Alta e Beira Baixa, pela A23 e aqui inflecte rumo a sul.

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Barragem do Fratel

Neste ponto decidi reflectir sobre o caminho a seguir. O objectivo era a última travessia, a Ponte de Ródão. Tinha duas formas de lá chegar:

– a primeira, que era o caminho previsto, implicava seguir pela A23 (porque esta se sobrepôs à antiga EN3 que desapareceu em alguns troços não deixando alternativa), sair para Fratel (obviando o pagamento de portagens), retomar a EN3 até esta encontrar a EN241 perto do Cerejal e então descer em diracção a Vila Velha de Ródão  e ao rio. Seriam cerca de 30 km, não muito interessantes, diga-se.

– a segunda, subverter o principio da alternância de margens, regressar até ao cruzamento de Arez, aqui virar para Nisa e de seguida pela EN18 até à Ponte de Ródão. Percurso  por estrada, com a enorme vantagem de percorrer integralmente o troço de 18k da EN18 da Serra de Nisa (um dos bons pedaços de estrada de curvas que conheço) até à Ponte de Ródão. 34km no total, um pouco mais que a primeira opção, mas muito mais divertido.

Já perceberam, optei pela segunda. E não me arrependi como vos contarei. 

Deleitado com a EN18 cheguei ao espectacular cenário da Ponte de Ródão.

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Ponte de Ródão
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Ponte de Ródão

Inaugurada em 1888, mais uma ponte centenária e que sempre foi essencial na ligação da Beira ao Alentejo e vice-versa.

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Ponte de Ródão

Acresce ainda a magnífica vista do rio e da garganta natural que ali o aperta no seu curso: as Portas de Ródão.

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Portas de Ródão

As 15 travessias estavam concluídas!!!

Faltava apenas o troço final até ao ponto onde o Tejo é exclusivamente nosso: a Barragem de Cedillo.

A tarde ía já avançada, o cansaço atacava e somava-se também alguma desidratação. O calor, que ainda permanecia nesta altura, tinha sido violento ao longo de quase toda a jornada. O que implicava cuidados redobrados na condução pois a forma fisica já não era a melhor.

Alguns minutos de descanso, até porque tinha que atravessar a passagem de nível da Linha da Beira Baixa e esta estava fechada para o Intercidades rumo a Lisboa. 

Caminho desimpedido, regressei por onde tinha vindo: EN18. Mas desta feita apenas até metade do caminho pois virei à esquerda em direcção a Vinagra, Pé da Serra, Salavessa e Montalvão. Estradas municipais, estreitas mas em bom estado. Sinuosas, pelo meio da serra de Nisa. E sem trânsito. A desertificação do interior é uma realidade. Quase não se vê vivalma.

A partir de Montalvão, 7km a descer até à Barragem de Cedillo.

Esta é uma barragem curiosa. É totalmente espanhola, mas as suas duas extremidades estão assentes em território português. Situa-se no preciso local em que o Rio Sever desagua no Tejo, pelo que a albufeira se espraia pelas bacias dos dois rios. Estamos na fronteira com Espanha e parte do tabuleiro é atravessável, permitindo a entrada no país vizinho….mas só ao fim de semana!

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Barragem de Cedillo
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Barragem de Cedillo

Estava concluído o desafio. O POR ESTE RIO ACIMA chegava ao fim.

Eram quase 20h e ainda fazia calor. O dia tinha sido tórrido, o que tornou a jornada que no papel não era complicada, num verdadeiro desafio à minha resistência física. Se durante o dia bebi bastante água…depois de concluído, à chegada a casa (aqui ainda me faltavam 30km) bebi muito mais. estava verdadeiramente desidratado.

Mas um desafio só o é, se for difícil. E as coisas fáceis não têm o mesmo sabor.

Quando à minha fiel companheira? Pois, como se nada fosse com ela! Impávida e serena, como quem pede mais…

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A Katana junto à Barragem de Cedillo (para lá do portão é Espanha)

A Suzuki Katana foi uma belíssima opção pois o seu conforto tornou o percurso muito mais suportável. Diga-se que a maior parte do percurso teve asfalto em bom estado. Porque quando fica irregular e saltitante, a moto tem mais dificuldade pois as suspensões são bastante firmes. Um pequeno senão que é mais que compensado com a segurança e aprumo com que se lança às estradas mais sinuosas.

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A Suzuki Katana no final de Por Este Rio Acima

Quando passado uns dias a entreguei…deixou saudades!

E pronto! …Está concluído este desafio de Viagens ao Virar da Esquina!

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O Tejo e as suas travessias: POR ESTE RIO ACIMA
NOTA

Este é o texto original que, depois de editado e resumido por limitações óbvias de espaço, foi publicado a 31 de Julho na Revista Motojornal. Pode ser lido em“VVE na Imprensa”

Motojornal#1488
Motojornal #1488 – 31 de Julho 2020
– A 16ª TRAVESSIA –

Duas semanas depois do POR ESTE RIO ACIMA, descobri por mero acaso a 16ª travessia do Tejo.  Fica no sítio apropriadamente chamado Barca do Tejo, junto à aldeia de Amieira do Tejo.

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A Amieira é uma terra ancestral com muita história, com um orgulhoso castelo que desempenhou papel fundamental na defesa do Tejo e também de Portugal.

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Por ruas estreitas chegamos ao Castelo da Amieira

É monumento nacional e foi mandado construir pelo Prior do Crato no século XIV , o pai de Nuno Álvares Pereira.

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Castelo de Amieira do Tejo
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Castelo de Amieira do Tejo

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Amieira do Tejo – Igreja do Calvário

Descemos cerca de 3km de estrada asfaltada mas estreita, em que a aproximação ao Tejo tem enorme beleza.

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Rio Tejo
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A descer para o Rio Tejo
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Rio Tejo

Lá chegados a travessia faz-se…por barca!

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A nova Barca d’Amieira
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A nova Barca d’Amieira

A barca (esta é moderna pois a nova travessia, que evoca uma muito antiga, foi inaugurada em Setembro de 2019) permite o tráfego entre a Barca de Amieira e S. José das Matas, na outra margem. E a importância desta travessia é maior do que à primeira vista pode parecer: Em S- José das Matas fica o apeadeiro de Amieira do Tejo – Envendos da linha de caminho de ferro da Beira da Baixa.

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Linha da Beira Baixa (aproximação ao apeadeiro de Amieira do Tejo – Envendos)

Tenho que lá voltar numa próxima oportunidade e experimentar a travessia na barca. Mas fica o registo para quem queira aproveitar.

AGRADECIMENTOS

Para terminar, um agradecimento ao representante da Suzuki em Portugal, a MOTEO PORTUGAL, SA que me permitiu experimentar a Suzuki Katana. Foi uma espectacular companheira no “Por Este Rio Acima”!

Devo ainda referir e agradecer a simpatia do concessionário JPM Motos em Frielas.

Finalmente, muito obrigado pelo apoio e a publicação na Motojornal (revista #1488 de 31 de Julho). Pode ser lido em “VVE na Imprensa”

Suzuki Katana – Por fim a lenda voltou a ser realidade

A “Katana” é uma espada tradicional japonesa que era usada pelos samurais no ancestral Japão feudal. Caracteriza-se por ter uma lâmina curva de um só fio, com um protector e um cabo longo para acomodar as duas mãos.

Tive a oportunidade de experimentar a Suzuki Katana, versão 2020. A curiosidade era enorme, pois trata-se de um nome mítico da história do motociclismo nos últimos 50 anos.

Coincidindo com o desafio “Por Este Rio Acima”, a oportunidade foi ideal. Com sinceridade digo que estava um pouco apreensivo, pois à partida a configuração da moto não seria a indicada para uma viagem longa. Puro engano!

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Suzuki Katana

A actual tendência, a que alguns chamam neo-retro, está aqui bem evidenciada. As suas linhas agressivas e modernas não deixam, ainda assim, de nos remeter para o modelo original num trabalho de design muito bem conseguido.

O modelo ensaiado era totalmente preto e devo dizer que a primeira (não última) surpresa foi que é muito mais bonita na realidade do que podemos antever pelas fotos. Naturalmente que é uma afirmação subjectiva. Mas pelas reacções que fui presenciando, há muito quem concorde comigo.

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Um pouco de história – como nascem as lendas

Em primeiro lugar situemo-nos: a “Katana” é uma espada tradicional japonesa que era usada pelos samurais no ancestral Japão feudal. Caracteriza-se por ter uma lâmina curva de um só fio, com um protector e um cabo longo para acomodar as duas mãos. Surgiu no período do domínio do Xogunato Ashikaga, designado por Período Muromachi, que decorreu entre 1336 e 1573. A Katana era a arma típica dos samurais sendo que uma sua variante mais curta, a Wakisashi era utilizada pelos Ninjas. Normalmente a Katana era usada em campo aberto e a Wakisashi para combate no interior de edifícios.

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Katana – a espada dos Samurais

Pois bem, a Katana era uma arma de combate utilizada em campo aberto. Tem tudo a ver com o que se segue!

A indústria motociclística japonesa (e não só) gosta de atribuir designações “agressivas”, principalmente para os seus produtos mais radicais. No caso da Suzuki, para lá da Katana, recordemos também a Hayabusa – nome japonês do falcão peregrino, não só a ave mais rápida mas também um predador letal (com especial predilecção por melros – blackbirds – mas isso é outra história…).

Por isso, quando no início da década de 80 do século passado, a Suzuki lança “a moto de série mais rápida do mundo” (assim ela era designada pelo fabricante japonês), o seu nome tinha que ser igualmente acutilante. Katana foi o escolhido.

LOGOTIPO

Nesta altura ainda eu não tinha acordado para o mundo das motos. Cheguei tarde, eu sei! Por isso, vou recorrer à minha “biblioteca” e tentar contar um pouco da história que julgo interessante. Até porque se trata de uma moto lendária.

Nos últimos anos da década de 70, uma empresa alemã de seu nome Target Design tentava sobreviver no mundo motociclístico. Não com grande sucesso, diga-se. De notório, apenas um protótipo para a MV Agusta mas que não passou disso mesmo. Era composta por 3 elementos que mal sabiam que iriam ser responsáveis pelo desenho de uma moto mítica.

MVAgustaTarget
Protótipo MV Agusta por Target Design

Eram eles, Hans-Georg Kasten, Jan Fellstrom e Hans Muth. Até que o importador Suzuki na Alemanha lhes cedeu uma GSX1100. E foi sobre esta que construíram o primeiro protótipo. Saiu tão bem que o importador resolveu apresentá-la na Feira de Colónia de 1979. E tão bem correu, quer junto do público, quer principalmente junto dos representantes da casa-mãe japonesa, que resolveram avançar para o seu desenvolvimento visando a produção.

Desenho Katana
Suzuki Katana – Desenho de Target Design
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Suzuki Katana – Desenho de Target Design

Foi apresentada nos salões de 1980 e chegou ao público em 1981 mantendo-se em catálogo até final da década.

Katana by Target Design
Suzuki Katana por Target Design

Nos EUA, a gama GSXF, com a introdução dos motores refrigerados a óleo, continuou a utilizar a designação Katana até 2006. Mas tal não aconteceu na Europa. E convenhamos…não era a mesma coisa. Nem a motorização nem, muito menos, as linhas.

Tal como a Suzuki Katana AY50. Uma scooter de 50cc, produzida a partir de 1997. Um sacrilégio! Ou uma forma excelente de estragar um nome mítico…ainda bem que a coisa se manteve discreta.

Publicidade Katana
Suzuki Katana – Publicidade

A Suzuki Katana original não era revolucionária do ponto de vista mecânico (diga-se que a actual também não) aproveitava o quadro e a motorização da GSXR 1100. Mas o que foi verdadeiramente inovador para a época está no design. Foi a primeira moto cujo desenho dos seus diversos elementos – semi-carenagem frontal e óptica, depósito, banco e traseira – foi tratado de forma integrada, como um todo, e não, como até aí era prática, de forma separada que depois se procurava conjugar na montagem (o mesmo depósito ou a mesma óptica podiam servir para distintos modelos).

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Esta foi a revolução trazida pela Katana. A partir daí, o desenvolvimento de novos modelos passou a ter um novo paradigma.

Em resumo, tinha um motor tetracilíndrico de 1.074cc. refrigerado a ar com dupla arvore de cames à cabeça e 16 válvulas. Debitava 111cv às 8.500rpm e 96Nm às 6.500rpm – nada mau para a época!. A caixa era de 5 velocidades, quadro duplo berço em aço, suspensão dianteira com sistema “anti-dive” e traseira com duplo amortecedor reguláveis. A travagem estava entregue a duplo disco dianteiro e mono disco traseiro, todos com 275mm de diâmetro.

Pesava 232kg e, curioso, tinha roda de 19” à frente (17” na traseira). Faz lembrar algumas trails actuais. Só que esta…tinha avanços e bastante chegados ao centro da moto. Uma posição de condução sui generis, com o assento a 790mm. Não devia primar pelo conforto. E para justificar o qualificativo de “moto de série mais rápida do mundo”, velocidade de ponta a rondar os 222km/h.

Ao longo da década de 80, surgiram outras versões com menores cilindradas. Beneficiavam do aspecto…mas não da performance. Talvez por aí não tenham tido o sucesso da irmã maior. Estas variantes tiveram 550, 650 ou 750cc.

Catálogo Katana

A potência e a velocidade, magníficas para a época mas, principalmente, as suas linhas que nada tinham a ver com o que até aí existia, fizeram da Suzuki GSX 1100S Katana, de seu nome completo, uma moto mítica.

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Suzuki Katana – Publicidade

Foi esse misticismo – ou saudosismo – que fez com que a Suzuki pensasse aproveitar a tendência de recuperar antigas linhagens e dar-lhes uma roupagem moderna e dessa forma, recuperar o nome Katana. E desta feita sem mais nada. Simplesmente Suzuki Katana!

A Suzuki Katana do Século 21

Para um designer, a melhor encomenda é aquela que parte de uma folha em branco e um briefing pequenino: muito espaço para criatividade e poucas restrições. O ideal.

Pois. Para recuperar uma imagem mítica, fazer renascer uma lenda…e ser bem sucedido, é precisa muita imaginação para encaixar todas peças, as antigas e as novas, no novo puzzle. Na Suzuki tentaram, apesar das restrições para obedecer herança genética do modelo antigo, e conseguiram.

A primeira tentativa visível, foi em 2005 no Salão de Tóquio com o protótipo Stratosphere. Apesar do acolhimento positivo e de alguma manifestação de vontade de passar a produção, tal não aconteceu. Depois em 2017, no Salão de Milão, o protótipo Katana 3.0 Concept voltou a colher aplausos. E relevantes, porque desta feita a promessa concretizou-se: aí esta a Suzuki Katana. Chegou aos stands em 2019.

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Vamos lá falar da nova Katana! Já disse que é muito bonita? Acho que sim…

Não há qualquer dúvida que o espírito está lá. A lenda renascida. Mas também lá estão os toques de modernidade, sem exagero.

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Comecemos pelas entranhas: o motor é o 999cc da GSX-R 1000, versão de 2005-2008 (por ter maior curso e daí melhor resposta a regimes mais baixos – acho que resulta, porque a resposta é excelente), naturalmente tratado de acordo com as novas normas Euro: 150cv às 10.000rpm e 108Nm às 9.500. Não está mal para começo de conversa.

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A Suzuki optou pela simplicidade. Não carregou a moto com electrónicas sofisticadas. Apenas o controlo de tracção (3 níveis e desligado). E facilmente alterável a partir do punho esquerdo.

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A linha esguia e angulosa característica da irmã mais velha está lá. Como também o farol quadrangular. Já o quadro é um dupla trave em alumínio. O braço oscilante no mesmo material é também oriundo de uma GSX-R 1000, mas de 2016. E por falar em heranças, lá estão as pinças radiais Brembo de 4 êmbolos utilizadas na geração actual da…pois claro, GSX-R 1000!

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Os 825mm de altura do banco, associados a um guiador alto e ao correcto posicionamento das pézeiras , resultam numa posição de condução muito confortável e natural.

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O cansaço sentido no final do “Por Este Rio Acima” teve a ver com o extremo calor encontrado. Não com o efeito da Katana 400 e tal quilómetros depois. Pelo contrário. É uma excelente viajante. Com dois reparos fundamentais:

  1. O minúsculo écran, para lá de esteticamente perfeito, dá uma protecção eficaz se respeitarmos os limites legais de velocidade. Até para lá disso…mas não faz milagres. Esta não é moto para grandes tiradas em auto-estrada. Já em estradas sinuosas…a protecção é adequada, vemos tudo à nossa frente e a moto dá um gozo fantástico.
  2. A autonomia… a moto é razoavelmente económica. Se respeitarmos os tais limites, é perfeitamente plausível uma média a rondar os 5l/100, mesmo se nos entusiasmarmos um pouco nalgum troço mais sinuoso e “divertido”. Se lhe apertarmos as goelas…bem, tal como qualquer outra vai reflectir o que fizermos no punho direito na média de consumo. O problema grande é outro. A capacidade do depósito anunciada é 12 litros. O máximo que consegui meter foram 10 litros e tinha cerca de 20km de autonomia. Ou seja, em andamento normal, teremos cerca de 200km, mas…para os parâmetros actuais é curto. Acresce que o indicador de autonomia, mesmo com ela atestadinha até ao gargalo só dá cerca de 190km, mas depois podemos fazer 20 ou 30 antes que comece a reduzir…. Nada com que não se consiga viver. Pelo contrário. Basta habituarmo-nos. E se a tirada for longa, jogar com alguma cautela para não ficarmos agarrados no meio de alguma serra…

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Apontados os defeitos, tarefa despachada, vamos aos elogios:

Dá uma prazer tremendo a conduzir. Diria que a posição de condução não é relaxada mas sim tranquila. Os travões são eficazes e a embraiagem deslizante…faz o seu papel: passagens de caixa sem qualquer problema, fácil e precisa. Nem se dá por ela!

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Na condução em estrada, senti alguma necessidade de adaptação nas entradas em curva. Convém referir que 2 dias antes tinha conduzido uma super desportiva com poucos mais cavalos que esta Katana. Obviamente, a forma de conduzir é totalmente diferente e isso sente-se por exemplo, na abordagem às curva. Mas foi questão de com os quilómetros, ir mudando o chip.

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Ainda assim, julgo que a moto também tem características que contribuem para esta peculiaridade. Tal se deverá ao conjugar de 3 factores: a potência e o binário muito disponíveis na roda de trás desde baixas rotações, um gigantesco 195 na roda de trás (feito de propósito para a Katana) e o comprimento da moto. E deverá ser este comprimento associado ao facto de a roda da frente ser “normal” que necessitou de alguma aprendizagem na entrada das curvas. Mas nada de muito complicado. Apenas a necessitar de uma adaptaçãozinha (se calhar devida também à moto anteriormente conduzida…isto de mudar o chip de um dia para o outro tem que se lhe diga).

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O banco tem uma textura adequada e para a minha envergadura estava perfeito, com reflexo no tal conforto já referido. A suspensão é firme, ou seja, se o piso for demasiado irregular isso sente-se. Por outro lado, em estrada, nas mudanças de inclinação, nas acelerações ou travagens, tudo faz sem que sintamos qualquer insegurança ou reacção menos própria. Irrepreensível é o termo.

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Contrariamente à sua antecessora, não será moto muito conveniente para pendura. Além de não ter pegas o tamanho do banco também é reduzido. A vantagem é que dessa forma temos uma traseira da moto muito limpa, agressiva e com o pequeno guarda lama traseiro a sair do braço oscilante a acentuar esse toque radical.

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Apesar de não ter muitos dos gadgets da moda – acelerador ride-by-wire, unidade de inércia – IMU, modos de condução, quick-shifter, cornering ABS ou chave contactless, etc. – tem os 4 níveis de controlo de tracção já referidos, tem o sistema de apoio a baixa rotação (que visa evitar que a moto “vá abaixo” nestas condições) e ainda o sistema de apoio ao arranque (basta um pequeno toque no starter para que o motor fique a trabalhar).

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O painel de instrumentos é de fácil leitura e está bem arrumado (muito na linha do da V-Strom que experimentei algumas semanas atrás). Teria sido uma excelente ideia (na minha opinião, claro!) se tivessem feito uma réplica do da antiga Katana no LCD.

A imagem inicial, quando ligamos a moto, contém o símbolo da Katana.

A operação parte do simples comando no punho esquerdo. Um botão “Mode” e as opções “Up” e “Down”.

Clicando no “Mode” podemos regular o nível pretendido do controlo de tracção: 1 a 3 ou desligado.

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Se clicarmos no “Up”, fazemos rodar as duas primeiras linhas de informação (do lado esquerdo inferior do ecran. Obtemos alternadamente o odómetro e a autonomia ou uma escala com o consumo instantâneo.

No “down” fazemos rodar sequencialmente a informação nas duas linhas abaixo: Trip A + consumo médio, Trip B + consumo médio e indicação da carga da bateria e a escla para regulação da iluminação do écran.

Simples, não é?

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A Suzuki Katana foi uma fantástica companheira de viagem. Nunca se negou a nada, manteve a compostura em todas as circunstâncias e, meus amigos….aquele motor a sair de baixa rotação até quase ao infinito – há quem lhe chame red-line – é impressionante.

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Em mudanças baixas, sente-se um pontapé nas costas e a rapidez com que chegamos lá acima e passamos de caixa é entusiasmante.

Se for em mudanças mais altas, bem aí diria que pode assustar os mais incautos…. Não é só pela potência. É a forma como ela passa à roda de trás. E a configuração da moto (a volumetria e a posição em que estamos sentados) ajuda a amplificar estas sensações. E não é de sensações fortes que gostamos?

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Em resumo, a Suzuki Katana é uma moto que me deixou impressionado, surpreendido face à expectativa inicial e…agora, já com alguma saudade.
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Para terminar convém responder à questão: a quem se destina uma moto como esta Suzuki Katana?

Claramente a quem pretenda uma moto muito divertida, potente, com um motor redondo e sempre disponível, fiável (mecânica experimentada e pouca intervenção electrónica) e muito bonita. Com uma herança genética bem assumida, permitindo ter uma moto moderna mas com um forte apelo à história do motociclismo. E a quem serve?

– para grandes viagens? Não será a melhor;

– para o trânsito citadino? Se tiver que ser;

– é uma moto utilitária? De modo algum (e se alguém lhe meter uma top case ou malas laterais comete um grave crime!);

– para levar pendura? Pode ser…mas vão sofrer os dois;

Então a quem? Para quem a queira levar numas voltas de fim de semana, com estradas a sugerir empenhamento na condução, em que saímos de manhã cedo e chegamos já de noite, daquelas que terminamos com um sorriso de orelha a orelha, aí está a Katana no seu habitat.

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E, convenhamos, dá um grande look quando chegamos junto do nosso grupo de amigos!

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Para terminar, um agradecimento ao representante da Suzuki em Portugal, a MOTEO PORTUGAL, SA que me permitiu experimentar a Suzuki Katana. Foi uma espectacular companheira no “Por Este Rio Acima”!

E também devo referir e agradecer a simpatia do concessionário JPM Motos em Frielas.

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