QUEM CONTA UM CONTO.. ACRESCENTA UM PONTO!

O que não falta por aí são histórias, contos, lendas que nos surpreendem, paisagens que nos maravilham e pessoas com experiências de vida que nos enriquecem só por falarmos com elas.

UMA CRÓNICA SOBRE AS CRÓNICAS

Este é um ditado popular muito utilizado quando nos referimos a alguém, geralmente maldizente e propagador de boatos, que tendo tido conhecimento de uma qualquer história – referente a uma terceira pessoa e que não está presente – a reproduz acrescentando sempre uns pozinhos da sua própria criatividade. E geralmente não são abonatórios do ausente visado.

Afinal, a imagem típica daquelas vizinhas coscuvilheiras, estão a ver?

Ao longo destes quase três anos de colaboração com a Andar de Moto nos quais vos vou maçando com relatos de viagens com a regularidade mensal da tiragem da revista, tenho procurado acrescentar alguns pontos às histórias que vou contando.

Obviamente não por coscuvilhice, mas enquadrando-as na dinâmica do trajecto, por vezes dando-lhes uma interpretação própria e sempre utilizando palavras minhas.

Mas afinal como surgem estes relatos?

É o destino que me impõe a procura da história ou, ao invés, um conto ou uma lenda obrigam-me a procurar o local?

AS VIAGENS AO VIRAR DA ESQUINA

Como o nome indica, não procuro viagens longas na distância e no tempo. Não quer dizer que não as faça mas aí o propósito é diverso.

O objectivo é que possam ser simultaneamente gratificantes e facilmente exequíveis. Num fim-de-semana ou numas pequenas férias. Sem rebentar o orçamento também!

Assim sendo, fácil é constatar a primeira dificuldade: enquanto o viajante de longa distância o faz com pouca frequência (uma vez por ano, por norma), traçando um objectivo e estendendo o planeamento e a preparação ao longo do tempo até chegar o grande momento da partida, aqui estas fases são naturalmente mínimas…quase rotineiras.

Na minha opinião, qualquer viagem assenta na resposta a três perguntas que devemos fazer a nós próprios:

  • O SonhoOnde quero ir?

O destino pode ser qualquer um: um local recomendado por amigos, uma paisagem de sonho vista num programa de TV, uma estrada fantástica que alguém comentou, um restaurante perdido no meio de nenhures que tem uns petiscos divinais….ou “apenas” uma daquelas fixações que surgem não se sabe de onde mas que nos martelam a cabeça persistentemente.

A minha não é segredo: o Cabo Norte! Hei-de lá ir…brevemente, que “o tempo urge”!

  • A CapacidadeConsigo fazê-lo?

Aqui entramos no domínio da realidade: tenho orçamento? tenho condição física para o desafio? a moto é adequada? tenho o equipamento necessário? posso ir sozinho ou devo levar companhia? e nesse caso, arranjo?

Todas estas perguntas têm uma resposta em cada momento e não têm que ser todas afirmativas. Basta que o sejam à hora da partida.

  • A Vontade – Algo me impede de o fazer?

Aqui não se trata da resolução dos pontos anteriores.Tem a ver com o nosso íntimo. Se tenho vontade de o fazer, porque não o fiz ainda? Porque hesito?

Acho que todos conhecemos aquela fase geralmente no Inverno, em que nas rodas de amigos começamos a antecipar as próximas conquistas…geralmente as não concretizadas nos anos anteriores, recicladas e acrescentadas de uma ou outra novidade. E afinal o que nos impediu? A família? O trabalho? O receio?…..

As razões serão do foro estritamente pessoal e não cabe aqui explorá-las.

Por isso esta é a questão cuja resposta é mais difícil. E mais complicada de ultrapassar.

É evidente que em pequenas viagens, todas estas questões não se colocam…ou são facilmente ultrapassadas. Uma grande vantagem e o benefício evidente de as podermos fazer, repetir…e repetir!

Mas a questão fundamental é comum: onde ir?

COMO ESCOLHO OS MEUS DESTINOS

Julgo que esta é a parte mais divertida – excluindo a viagem, claro – porque no momento zero, a ideia do destino surge por vezes donde menos se espera.

Devo dizer, como nota prévia, que tenho 2 defeitos grandes (quer dizer, de certeza que tenho mais!): tenho pouco espírito aventureiro – detesto surpresas e procuro controlar os acontecimentos o mais possível – e sou um péssimo gastrónomo – quando estou a andar de moto é frequente esquecer-me das refeições e só dou por isso quando a fraqueza aperta!

Ou seja, quando saio de casa sei para onde vou. Se não souber, assim tipo ir “à sorte”, dou a volta na primeira rotunda e volto para casa. Simplesmente porque ir sem objectivo não me faz sentido.

Mas atenção! Isto sou eu. Sei de quem o faz e se diverte imenso… Chegaria a ter inveja, não fosse esta um pecado mortal. E eu acho que a vista do céu é mais bonita que a do inferno (embora haja quem sugira que este será mais divertido….) portanto vamos lá evitar este em concreto.

Quanto aos destinos “alimentares”, vou se me levarem. Sou incapaz de tomar a iniciativa de ir de propósito. Mesmo que seja para um fabuloso ensopado de enguias, um belo naco de vitela ou uma saborosa sopa da pedra. Ou uma simples bifana…

Mas então como acontece?

Vou contar-vos alguns exemplos

1. “Tem que ir a Brotas!”

Muito no início, quando os Solares de Portugal decidiram fazer o favor de me apoiar, aconteceu um diálogo que nunca mais esqueci e que vou reproduzir:

-“Tem que ir a Brotas!

Fiquei surpreendido. Conhecia terra há muito, por lá passar antigamente quando ia do Alentejo onde morava para a Beira das raizes familiares e nada me sugeria que tivesse algo digno de nota para ver. Mais uma terra anónima pelo caminho…

-“Brotas? Sei onde fica. Mas o que tem de especial?” respondi.

-”Brotas tem um santuário de culto mariano que data de há alguns séculos. Muito, mas mesmo muito, anterior a Fátima.

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Santuário de Nossa Senhora de Brotas
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Interior do Santuário de Nª Sª de Brotas

Não sou religioso mas confesso que fiquei curioso. Algo ancestral e “perdido” no meio do Alentejo?

Não perdi muito tempo a ir até lá. Na realidade, a expectativa foi amplamente superada. Chamei-lhe “Brotas – segredo escondido do Alentejo”

A história assenta, como tantas e tantas outras, numa lenda.

Conta-se que por volta de 1400, um pobre aldeão pastoreava a sua vaca quando ela despencou por um barranco, partindo uma perna. Sendo o único sustento da sua família, logo o pastor antecipou a sua desdita, pois a solução seria matar o animal para lhe poupar o sofrimento.

Foi nesse momento que lhe apareceu a Virgem Maria e lhe disse que se ele fosse chamar os outros aldeões e prometessem construir uma capela em Sua homenagem, ela curaria a vaca.

Enquanto ele foi a correr, a Virgem corta o seu próprio braço direito para substituir o membro partido do animal. Quando regressou, o pastor viu a sua vaca restabelecida. E ele e os seus vizinhos cumpriram a promessa.

Aí se iniciou a devoção a Nª Sª de Brotas. Todas as imagens da santa têm o braço direito amputado.

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Imagem de Nª Sª de Brotas

 Que tem mais três pormenores curiosos:

– o culto foi ganhando dimensão e noutras povoações mais ou menos vizinhas foram criadas confrarias de devotos que faziam romarias periódicas até Brotas. Ao ponto de cada uma construir a sua casa. Estas casas eram depois utilizadas e partilhadas pelas confrarias para reposo dos romeiros. Chama-se hoje Casas de Romaria, estão recuperadas e estão disponíveis a quem queira visitar Brotas;

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Casas de Romaria e Santuário de Nª Sª de Brotas

– ao longo do tempo e, principalmente com os Descobrimentos, devotos de Nª Sª de Brotas espalharam-se pelos quatro cantos do mundo. E levaram o culto consigo. Na Igreja – Santuário é possível encontrar imagens oriundas de paragens longínquas como o Brasil ou a Índia.

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Imagem vinda da Diáspora

– ainda hoje, os habitantes de Brotas acreditam na benção de Nª Senhora. Todos os naturais desta terra alentejana que, no Séc XX, foram mobilizados para guerras – I Grande Guerra ou Guerra Colonial – sobreviveram e apenas um chegou ferido e por acidente.

Uma das características das histórias que procuro e dos locais onde me dirijo é que sejam pouco conhecidas. Tento fugir dos clichés ou dos locais que toda a gente conhece.

Assim, nunca falei de Lisboa – a minha terra natal – ou do Porto – que mal conheço – mas que é destino de tantos. Ou também, porque nunca falei de uma terra de que gosto muito, mas sobre a qual é difícil contar algo sem cair no que todos conhecem: Évora. Ou talvez ainda não tenha encontrado aquela história escondida…

2. O Guimarães das Duas Caras

E isso recorda-me quando no início de 2020 me dirigi a Chaves para iniciar o “Portugal de Fio a Pavio” (percorrer a EN2 num só dia como desafio próprio e teste de uma nova Honda Africa Twin). Deparei-me com uma história pouco conhecida e localizada em Guimarães… e lá está! Uma daquelas terras sobre a qual é difícil falar sem recorrer ao chavão do “Berço da Nacionalidade”, às lutas de D. Afonso Henriques com sua mãe D. Teresa ou à imponência do Castelo altaneiro.

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Castelo de Guimarães

Detive-me na cidade minhota e fui à procura do Guimarães das Duas Caras. Um personagem que tem a sua estátua no topo do medieval edifício dos Paços do Concelho localizado no Largo da Oliveira.

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Largo da Oliveira – Monumento à Batalha do Salado

E a história (algo macabra…) conta-se brevemente: quando a batalha de Alcácer-Quibir se encaminhava para o seu fatal destino, alguns nobres percebendo a inevitabilidade resolveram fugir levando com eles El-Rei D.Sebastião.

Encaminharam-se para o deserto que percorreram dias a fio, sem comida nem água. A certa altura, já desesperados, resolveram tirar à sorte qual deles se sacrificaria em proveito dos restantes (a condição real já não fazia sentido nem dava privilégio) e a má sorte caiu em D.Sebastião que assim… serviu de refeição aos restantes.

Quis o destino que no dia seguinte chegassem perto do mar e um barco que por ali passava os acolhesse com a promessa de os trazer de volta (o que seria um problema e tiveram que jurar nunca contar o sucedido porque senão seriam acusados de traição!). Mas uma tempestade afundou o navio e só um sobrevivente restou: o dito Guimarães (de nome e de terra de origem).

Herói se tornou por tal feito mas o segredo ficou com ele. Não podendo mais guardar para si coisa de tal dimensão resolveu contá-lo em confissão ao Padre Inácio Laranjo.

E assim, o Guimarães viveu e morreu como herói ao ponto de a população lhe querer erigir estátua em homenagem. Não podendo revelar o segredo abjecto, restou ao padre fazer com que ela fosse o que é hoje: a figura do Guimarães mas com um segundo rosto situado na zona do abdómen. O rosto de D. Sebastião, comido pelos fugitivos da batalha perdida.

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Paços do Concelho – Estátua Guimarães Duas Caras
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O Guimarães Duas Caras

Percebem de onde vem a expressão “Ter o Rei na barriga”?

 3. “Já conhece Oriola?”

A grande vantagem das redes sociais é a capacidade de interacção com quem nos lê ou vê. Os comentários são sempre um bom feedback. E por vezes, acontecem coisas inesperadas.

Um dia, uma seguidora da minha página de Facebook, colocou o seguinte comentário numa crónica sobre o Alentejo, cujo tema em concreto já não recordo. E dizia só e simplesmente isto:

 -“Já conhece Oriola?”

Respondi ignorantemente: -“O que é Oriola? Onde fica?” (triste figura, diga-se)

Fiquei de boca aberta. Acreditem. Nunca tinha ouvido o nome de tal terra apesar de me orgulhar de conhecer bem o Alentejo onde vivi longo tempo e onde sempre regresso pois é o meu refúgio. Oriola?

Fui procurar a localização. E a história. Entretanto, a seguidora atenta enviou-me umas fotos da paisagem e restou-me prometer que lá iria logo que possível. Assim foi.

É uma pequena aldeia alentejana, entre Viana do Alentejo (onde há muito queria ir) e Portel, e que fica nas margens da barragem conhecida como do Alvito mas cujo verdadeiro nome é Barragem de Albergaria dos Fusos.

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Oriola – Monumento ao 25 Abril
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Oriola – Ruas brancas

A terra pouco mais tem do que a tipicidade do branco casario alentejano, a calma que caracteriza estas paragens e uma beleza paisagística notável.

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Oriola – Chegámos ao fim da estrada (albufeira da barragem)

Quanto à minha seguidora a quem estou grato, não cheguei a conhecê-la – ainda! – mas está combinado um encontro num destes dias. Merece relevo o facto de ter abandonado a vida citadina e hoje se dedicar a promover a sua terra – registem o nome Oriola para não fazerem a mesma figura que eu fiz – e os seus produtos típicos.

Se por caso tropeçarem na expressão tão tipicamente alentejana “Nã Te Moas!” já sabem: é de Oriola que se trata e o petisco é saboroso. Ou melhor…não tropecem e vão procurar!

4. O meu nome é Arrábida, Serra da Arrábida!
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Serra da Arrábida

Sou, desde há muito, fã incondicional dos filmes do James Bond. Vejo-os e revejo-se sempre com enorme prazer…apesar de já saber o que se vai passar ou até recitar as falas em simultâneo.

Há um filme, datado de há 50 anos, chamado “Ao Serviço de Sua Majestade” que tem algumas peculiaridades: foi o único protagonizado por George Lazenby, passa-se praticamente todo em Portugal e é nele que o agente secreto conhece a Condessa Teresa (Tracy) di Vicenzo, com ela casa…e logo fica viúvo.

O filme começa com a descida da Serra de Sintra em direcção ao Guincho, onde James Bond conhece a futura esposa, o romance e a aventura vai-se desenrolando entre o Estoril, a Baixa Lisboeta, o Ribatejo e a zona de Sesimbra e Arrábida. É precisamente aqui, na estrada da serra que percorre o seu cume e a descer já para o Convento que o carro onde o casal viajava em núpcias é baleado por uma sequaz do vilão Ernst Stavro Blofeld. E Tracy morre.

Este foi durante décadas considerado o “filme maldito” da saga Bond mas é hoje um dos que tem o epíteto de filme de culto. Escusado será referir que Ian Fleming, o criador de 007, também ele antigo espião mas na vida real, escreveu o primeiro livro em Portugal, no Estoril. Certamente inspirado pelo ambiente que aí se viveu durante a 2ª Guerra Mundial.

Bem, perguntam vocês: “o que tem isto a ver com viagens?”.

Pois outra das minhas paixões e local onde vou recorrentemente é a Serra da Arrábida. Daí a misturar as duas coisas foi um passo.

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Palácio da Comenda de Monguelas
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Palácio da Comenda- antes da reconstrução

 Depois, a crónica final foi ainda completada com a história muito curiosa e interessante do Palácio da Comenda de Monguelas (então em ruínas mas actualmente recuperado) ou do forte da 7ª Bataria de Artilharia de Costa, património deixado ao Deus dará por um Estado que muito mal cuida do que é de todos, e que tem uma vista sobre o estuário do Sado, Setúbal e Tróia de enorme beleza.

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Forte 7ª Bataria
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Vista do estuário do Sado e 7ª Bataria
A ESCOLHA DO CAMINHO

Pelos exemplos se pode ver que a escolha de um destino pode ter origem nas coisas mais variadas. Basta um detalhe que me capte a atenção e me faça ir à procura. Que me estimule a curiosidade e tenha algo para contar.

Consequência lógica é que, na minha mente, uma parte importante da história que depois contarei – seja na Andar de Moto ou nas redes sociais – já está esboçada.

Falta o segundo passo: a escolha da rota. Porque nas viagens de moto não é o caminho mais curto que interessa. Duas palavras definem o que então procuro: “sinuoso” e “montanhoso”.

Traduzindo, quero estradas com curvas e contra-curvas, com subidas e descidas. Ou seja, as nossas belas (e muito frequentemente mal tratadas) estradas nacionais e municipais.

O primeiro passo é abrir uma daquelas vetustas instituições caídas em desuso pelas novas tecnologias: o velhinho Mapa das Estradas.

O Google Maps e outras ferramentas do género são óptimas para vermos o detalhe. Mas a “big picture” só através de um belo mapa estendido na mesa da sala!

Aí se começa a esboçar a rota. Seja porque tenho o primeiro vislumbre de que estradas quero percorrer, como também quais os lugares por onde vou passar. Que também têm a sua história própria e quantas vezes tão ou mais interessante.

Quais as fontes a que recorro habitualmente, para lá dos mapas?

O Google e a Wikipédia são óptimos auxiliares para começar a delinear o roteiro.

Também a literatura portuguesa. Nos clássicos, de Ramalho Ortigão – “Pela Terra Alheia” – a José Saramago – “Viagem a Portugal – não esquecendo o “Viagens na Minha Terra” de Almeida Garrett. Ou outros autores contemporâneos, com o devido cuidado de procurar não reproduzir o que já foi feito. Revistas de viagens são também uma boa fonte de recolha de informação.

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Ferramentas para preparação de viagens – Mapas, livros, gps, computador

Mas sobretudo….estar sempre atento no dia a dia. Porque a ideia pode vir de um noticiário, de uma entrevista ou até, quem diria, de um daqueles programas “pimbas” que animam as tardes televisivas e que num momento de zapping nos podem acordar os sentidos.

Na fase em que o trajecto está esboçado, é fundamental dar-lhe um formato. Chama-se GPX e é a extensão que identifica um ficheiro pronto a ser carregado no GPS. Constrói-se passo a passo através de programas a isso destinados. No meu caso uso habitualmente o site AllTrails. No final exporto para o TomTom Rider. E pronto…

Construído o roteiro e deixando algum espaço à inspiração do momento, falta depois montar a logística: moto pronta, alojamentos se for o caso (tanto pode suceder que leve a reserva feita como fazê-la quase no momento graças às modernas tecnologias que muito facilitam neste capítulo). E a bagagem estritamente necessária, naturalmente!

A CAMINHO

Esta é a fase em que respondemos afirmativamente às três questões: sei onde quero ir, consigo fazê-lo… e nada me impede!

Como referi algures aí atrás, não gosto de surpresas. É uma questão de feitio… Por isso tento planear os timings da viagem. Sem excessos de rigor mas de forma a permitirem atingir os objectivos sem correrias.

Uma lição já aprendi: parar nos pontos de interesse, nos pré-definidos e nos que vão surgindo demora algum tempo; se lhe adicionar o tempo para fotografar (escolha de planos, da melhor luz, evitar transeuntes, etc.) a demora duplica; e se a tudo isto acrescentar filmagens, então o consumo de tempo cresce exponencialmente. Se não for devidamente antecipado…o final do dia tende a ser dramático! Falta tempo e algo vai ficar para trás….

Por outro lado, o excesso de planeamento retira espontaneidade e prejudica as interacções com as pessoas dos locais por onde passamos. E isso é demasiado prejudicial para o resultado final.

Ou seja, mais vale chegarmos ao final do dia com tempo de sobra que poderemos aproveitar para descansar ou procurarmos algo de diferente…e no fundo desfrutar também do caminho. Porque de moto, o caminho é essencial para o prazer da viagem. Por isso o escolhemos com tanto cuidado.

E DEPOIS?

Chegado a casa, “desmontada a loja”, é importante sistematizar o material recolhido – fotos, filmes, apontamentos – e passar à fase solitária da escrita. A escolha das palavras que consigam transmitir as sensações vividas. Como se o leitor tivesse viajado connosco “à pendura”…

Se se consegue? Quero acreditar que umas vezes sim e outras nem tanto. Seja como for…venham daí! Porque o importante é sair porta fora, montar a moto e seguir viagem. Pode ser só ao virar da esquina ou mais além.

O que não falta por aí são histórias, contos, lendas que nos surpreendem, paisagens que nos maravilham e pessoas com experiências de vida que nos enriquecem só por falarmos com elas.

‘Bora lá!

 

(crónica publicada originalmente na revista Andar de Moto  #42 – Novembro 2021)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ESTRADAS DE MONTANHA… AO VIRAR DA ESQUINA – PARTE 2

A Serra da Estrela não se esgota nas suas subidas e descidas. Tem muito mais que ver e é possível desenhar um percurso que a contorna, utilizando as mesmas 5 pontas da estrela que desenhámos – Covilhã, Unhais da Serra, Loriga, Seia e Manteigas – mas desta feita com recurso às Estradas Nacionais.

Na crónica anterior (ESTRADAS DE MONTANHA… AO VIRAR DA ESQUINA – parte 1 ) descrevemos as alternativas para alcançar o ponto mais alto de Portugal Continental. E como aproveitá-las numa jornada de montanha que em nada perde para outras muito famosas em paragens mais longínquas.

Descontando o facto de termos que as utilizar em alguns casos para “unir as pontas”, isto é, para depois de uma descida avançarmos para a subida seguinte este pode também ser um percurso muito interessante do ponto de vista turístico. As diferentes povoações atravessadas têm, todas elas, muitos pontos que merecem a nossa atenção.

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Volta à Serra

É bom recordar que muito deste território foi ocupado desde tempos ancestrais, servindo a Serra como elemento defensivo face a invasores externos. Foi assim com os Lusitanos perante as legiões romanas, por exemplo. Mais tarde, após a Reconquista Cristã e estabelecido o Reino de Portugal, os nossos primeiros Reis fizeram uma grande esforço de povoamento nesta região como forma de garantir a ocupação e travar as ambições dos vizinhos reinos de Leão e Castela.

Por essa razão, as terras que iremos atravessar neste roteiro têm na sua maioria, forais atribuídos no Séc XII, o da independência de Portugal. É portanto um circuito também pela nossa História. Venham daí!

Começamos pela Covilhã. Tal como na crónica anterior, a escolha é puramente casuística. Até porque sendo um circuito, terminará no local que escolhermos para início.

Covilhã:

Situada na vertente sudoeste da serra, olhando de alto para o vale do Zêzere aos seus pés, a famosa Cova da Beira, foi desde tempos remotos a capital dos lanifícios. Eram inúmeras as fábricas têxteis aqui localizadas até esta indústria ter entrado em crise e quase se ter extinto (obrigado, extremo oriente!). A superação da crise obriga à procura de alternativas e ressurge agora como cidade universitária, com a dinâmica da muita juventude que procura as faculdades da Universidade da Beira Interior. Outra área é o turismo que tem sido sempre relevante nesta região mas julgo que nem sempre convenientemente explorado, como o atestam a decrepitude de algumas infraestruturas na Serra ou os vetustos estabelecimentos comerciais que nela existem.

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Covilhã na encosta da Serra

A Covilhã é a cidade natal de Pêro da Covilhã, diplomata e explorador da época dos Descobrimentos, primeiro português a pisar terras de Moçambique e que enviou novas a D. João II sobre o modo de atingir os locais onde se produziam as especiarias, preparando o Caminho Marítimo para a Índia.

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Junto à homenagem a Pêro da Covilhã

Mas a presença humana nesta região remonta à pré-história. No tempo dos Romanos chamava-se Cava Juliana ou Sília Hermínia. O foral de vila foi-lhe atribuído em 1186 por D. Sancho I. A qualidade dos tecidos aqui feitos era já famosa quando na época dos Descobrimentos a Covilhã passou a pertencer aos domínios do Infante D. Henrique e dessa forma contribuiu para essa gesta não só através de gente mas também de tributos.

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Covilhã – Igreja da Misericórdia

Duas ribeiras descem da Serra da Estrela: Carpinteira e Degoldra. Atravessam o núcleo urbano e estiveram na origem do desenvolvimento industrial. por fornecerem a energia hidráulica que permitiam o laborar das fábricas.

Junto a essas duas ribeiras deve hoje ser visto um interessante núcleo de arqueologia industrial, composto por dezenas de edifícios em ruínas. Nos dois locais são visíveis dezenas de antigas unidades, de entre as quais se referem a fábrica-escola fundada pelo Conde da Ericeira em 1681 junto à Carpinteira e a Real Fábrica dos Panos criada pelo Marquês de Pombal em 1763 junto à ribeira da Degoldra. Esta é agora a sede da Universidade da Beira Interior na qual se deve visitar o Museu de Lanifícios, considerado o melhor núcleo museológico desta indústria na Europa.

A não perder também é o Largo do Município. Pela sua arquitectura, por ser o centro da cidade e por ser aí mesmo que começa a subida à serra.

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Covilhã – Largo do Município

Da Covilhã rumamos em direcção ao Tortosendo pela EN230, a antiga Estrada da Beira, que unia a cidade serrana a Coimbra. Como se poderá constatar, não era viagem fácil…mas bonita com certeza!

Tortosendo:

Povoação ancestral, provavelmente de fundação anterior à da nacionalidade, havendo registos desde o Séc XIII. Nela predominou a indústria de tecelagem que atingiu o seu apogeu nos anos 50 do século passado. Aí existiam, em 1955, 19 fábricas de lanifícios. Depois, tal como na sede de concelho, o declínio desta indústria fez com que também a vila perdesse grande parte da sua importância.

Reza a lenda que em tempos muito antigos, uma pobre família tinha uma filha deficiente que, enquanto os pais e o irmão iam para a labuta diária, passava os dias encostada a uma oliveira chorando o facto de ter nascido “torta”. Até que certo dia, no alto da oliveira lhe apareceu uma visão de Nossa Senhora que lhe entregou uma roca para ela passar os dias a fiar, e dessa forma também ajudar os seus pais. Ela assim fez e, de tanto fiar, essa sua arte contagiou outras gentes próximas e daí ter nascido na zona a industria da fiação e tecelagem. E também a devoção a Nossa Senhora da Oliveira.

Será que o nome da terra veio de “torta+sendo”? As lendas servem para explicar o que desconhecemos, não é?

Saímos do Tortosendo e continuamos na EN230. O destino: Unhais da Serra.

Unhais da Serra:

Localizada a uma altitude de 650 metros, situa-se na base da vertente Sudoeste da Serra da Estrela, num vale de origem glaciar, onde corre a ribeira de Unhais que resulta da confluência das ribeiras da Estrela e da Alforfa.

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Unhais da Serra vista do Miradouro do Cruzeiro

O Vale Glaciário da Alforfa foi originado por um glaciar que atingiu os 5,5 km de comprimento e se dissolveu a uma altitude de 800 metros (ou seja, a escassos 150 m em altitude de Unhais).

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Vale Glaciar da Alforfa

A presença humana remonta a épocas pré-históricas. E também o lugar já é identificado nos alvores da nacionalidade. É todavia o termalismo que lhe traz fama e algum proveito.

Existem várias nascentes que, espalhadas pela Vila, brotam violenta e abundantemente por grande parte do vale de Unhais da Serra. E há também uma nascente de águas férreas.

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Unhais a olhar a Serra

A Norte de Unhais da Serra situa-se a Estância Termal e Climática, cujas águas correm a 36.000 litros/hora com uma temperatura de 37º, sendo terapeuticamente indicadas para doenças dos aparelhos circulatório e respiratório, para o reumatismo e doenças de pele.

Unhais da Serra viveu a sua grande época turístico termal nos finais do século XIX e princípios do século XX, sendo na altura conhecida como “Pérola da Beira” ou “Sintra da Covilhã”.

À época, a conversão da residência do Conde da Covilhã, pela visão do próprio, no Grande Hotel de Unhais da Serra tendo anexo o “Casino”, com espaçosos salões de dança, bilhares, e outras diversões contribuiu para o fortalecimento do turismo local, vocacionado na altura para a classe relativamente numerosa de proprietários e industriais têxteis da região.

Ainda hoje, esta riqueza é aproveitada inclusivamente com novas instalações hoteleiras.

Também aqui a lenda nos explica o que se desconhece: reza que certo dia andando à caça pela Serra da Estrela, um jovem brasonado e rico, perdeu-se no entusiasmo da caçada. Depois de andar perdido durante muito tempo sentiu-se cansado e com fome. Nestas condições chegou até perto do local onde hoje está situada “Unhais da Serra”. Aqui encontrou um pastor que o vendo com fome, logo lhe deu leite do seu rebanho, foi à ribeira e com as suas grandes “unhas”, apanhou trutas para o jovem senhor. O jovem caçador ficou admirado pela facilidade com que o pastor apanhou as trutas com as “unhas”, e chamou ao local “Unhas da Serra” ou “Unhais da Serra”.

De Unhais da Serra continuamos por mais uns quilómetros pela Estrada da Beira. Iremos abandoná-la no cruzamento das Pedras Lavradas onde viramos à direita, em estrada que nos levará até Seia, a EN231.

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Cruzamento das Pedras Lavradas

Passadas algumas aldeias cuja toponímia nos remete para alguém que desconhecemos – Vasco Esteves de Cima e Vasco Esteves de Baixo – chegamos a Alvoco da Serra. Quem terá sido o Vasco Esteves?

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Quem foi Vasco Esteves?
Alvoco da Serra:

É a povoação da Serra mais próxima da Torre (em linha recta, claro). Localidade de fortes tradições e origens muito antigas, conserva alguns vestígios da presença dos romanos, nomeadamente uma calçada onde foram encontradas moedas da época.

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Alvoco da Serra

Panoramicamente, é também de uma beleza enorme, principalmente pela encosta serrana onde se insere.

Continuamos na EN231 e alguns quilómetros depois, bem preenchidos pela beleza da paisagem, chegamos a Loriga.

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Serpenteando pela encosta serrana
Loriga:

De origem que se confunde com a antiguidade, por ela passaram os romanos (com testemunho numa calçada da época) e o seu foral é de data anterior à da nacionalidade. 

É conhecida como a “Suíça Portuguesa” devido à sua extraordinária localização geográfica. Está situada a cerca de 770 m de altitude, na sua parte urbana mais baixa, rodeada por montanhas, das quais se destacam a Penha dos Abutres (1828 m de altitude) e a Penha do Gato (1771 m), e é abraçada por dois cursos de água: a Ribeira da Nave e Ribeira de São Bento, que se unem depois para formarem a Ribeira de Loriga, um dos afluentes do Rio Alva.

Os socalcos e sua complexa rede de irrigação são um dos grandes ex-libris de Loriga, uma obra construída ao longo de centenas de anos e que transformou um vale rochoso num vale fértil.

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Loriga
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Loriga – piscinas naturais
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Loriga – piscinas naturais

Da ponte sobre a Ribeira podemos observar a pequena praia fluvial que aproveita as águas que correm desde a Serra. E também todo o vale glaciar que vindo lá de cima, tinha grande inclinação e deixou as suas marcas nos “circos glaciários”, uma espécie de escadaria onde também existe uma sucessão de lagos e covões – os designados Covões de Loriga: Boeiro, Meio, Nave e Areia.

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Loriga e o Vale Glaciar

O Bolo Negro de Loriga é a especialidade local.

Seguimos adiante, pela mesma estrada. Passamos o cruzamento da Portela do Arão e a estrada que nos levaria ao Adamastor e à Torre, e pouco depois, chegamos a Valezim.

Valezim:

Pequena freguesia do concelho de Seia, pertence à Rede de Aldeias de Montanha. Desconhece-se a origem da sua toponímia mas a hipótese mais aceite é que derive do latim “vallecinnus” que significa vale pequeno. As principais actividades económicas da população estão ligadas à agricultura e pastorícia, turismo de habitação e à construção civil.

O seu primeiro foral é atribuído em 1201, por D. João de Foyle (ou D. João Fróia), prior do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. O exemplar autógrafo deste Foral encontra-se no mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.

Em 1514 é renovado pelo Rei D. Manuel I de Portugal, e passa constituir um concelho formado apenas pela freguesia. Entre os anos de 1836 e 1855 pertenceu ao concelho de Loriga e depois foi integrada no de Seia.

O caminho na EN231 prossegue. Mais à frente, terra com nome e história curiosa: Lapa dos Dinheiros.

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A caminho pela EN231
Lapa dos Dinheiros:

Aldeia do concelho de Seia por onde o homem anda desde o neolítico, aqui podemos observar a natureza no seu estado mais puro. E essa é a maior riqueza desta Lapa, erguida a 700 metros de altitude sobre o rio Alva e a ribeira da Caniça. Terra de muitas belezas, como o Souto da Lapa, que – para além de único conjunto de castanheiros centenários – alberga espécies de fauna e flora raras no país. Ou da ribeira da Caniça, que banha a praia fluvial da Lapa dos Dinheiros, cercada de frondosa vegetação.

Mas a origem toponímica não vem desta riqueza natural. Explica-nos a lenda que andando El-Rei D. Dinis por estas paragens ali parou para pernoitar. A mesa rica e variada que lhe puseram à frente impressionou de tal forma o Rei que logo perguntou: “Como conseguiram um jantar tão farto?”. “Com os nossos dinheiros”, responderam os anfitriões. E o monarca fixou-lhes o nome: daí em diante, a singular aldeia da Lapa (construída sobre a rocha) passaria a chamar-se Lapa dos Dinheiros.

Estamos quase a chegar a Seia. Mas antes, a vila de S. Romão. Ponto de início de uma das nossas subidas e local de grande interesse histórico.

São Romão:

É a vila mais rica do concelho de Seia, não só em recursos naturais mas também em património arqueológico e arquitectónico.

O Castro, local onde foram encontrados objectos de olaria, mós manuais, pesos de tear, moldes de fundição e utensílios de bronze e de pedra, a Igreja Matriz, a capela do Santo Cristo e o Buraco da Moira, sítio arqueológico cuja ocupação remonta ao Calcolítico (1200 a.c.), são pontos de paragem obrigatórios.

Na Senhora do Desterro, aldeia pertencente a esta freguesia, é possível visualizar uma rocha com o formato de uma Cabeça de Velha, e doze capelas, uma das quais é a capela dos Doutores, única em Portugal. A Senhora do Desterro é banhada pelo rio Alva, onde existe uma praia fluvial.

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Senhora do Desterro

De salientar que nesta localidade foi construída a primeira central Hidroeléctrica do país, onde hoje é o Museu Natural da Electricidade.

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Central – Museu Natural da Electricidade

Chegamos finalmente a Seia. Famosa pelo Quijo da Serra (que não é exclusivo seu, note-se) tem muitos outros pontos de interesse a merecer visita atenta.

Seia:

É, a par da Covilhã, uma das duas principais portas de entrada na Serra da Estrela.

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Seia – porta de entrada na Serra da Estrela

A primitiva ocupação humana do local da actual Seia remonta à época pré-romana, quando da fundação de uma povoação pelos Túrdulos, por volta do século IV a.C., denominada como Senna.

Quando a se verificou a Invasão romana da Península Ibérica, os Lusitanos utilizaram a serra – a que chamavam Montes Hermínios – como seu quartel-general e principal obstáculo para os inimigos. O que não impediu que o general Galba massacrasse 30.000 montanheses lusitanos.

Os romanos transformaram então o castro ibérico de Nogueira na romana “Civitas Sena”, que foi fortificada. Foi posteriormente ocupada por Visigodos e por Muçulmanos, este últimos a partir do século VIII. O rei visigodo Vamba (já mencionado noutras crónicas) terá fixado os limites da diocese de Egitânia até aos domínios da cidade de Sena.

À época da Reconquista cristã da Península Ibérica, a povoação foi definitivamente conquistada aos mouros por Fernando Magno (1055), que mandou edificar (ou reedificar) a sua fortificação.

À época da formação da nacionalidade portuguesa, Bermudo Peres, cunhado de D. Teresa, iniciou uma revolta no Castelo de Seia em 1131. Não teve sucesso, uma vez que o infante D. Afonso Henriques tendo disto tido conhecimento, foi ao encontro dele com as suas forças e expulsou-o do castelo. Poucos anos mais tarde, o soberano passou o primeiro foral à povoação em 1136, designando-a por Civitatem Senam. Entre os privilégios então concedidos, destacam-se.

“Eu, infante Afonso Henriques, filho de D. Henrique, aprouve-me por boa paz de fazer este escrito de firmeza e estabilidade que firmo pelos séculos sem fim. A vós, habitantes da cidade de Seia, concedo que tenhais costumes muito melhores do que tivestes até aqui e isto tanto para vós como para os vossos filhos e toda a vossa descendência. E os homens de Seia que pagam jugada que não vão ao fossado nem ao moinho obrigados pelo senhor. E que nenhum venda o seu cavalo ou mula ou asno ou égua ou bens ao senhor da terra sem querer. Se um homem de Seia for mercar, se não for mais de duas vezes, não pague portagem.”

Outros forais se seguiram como o de D. Afonso II, em Dezembro de 1217, o de D. Duarte, em Dezembro de 1433, o de D. Afonso V, em Agosto de 1479, e, finalmente, o de D. Manuel I, em 1 de Junho de 1510. Em 1571, sob o reinado de Sebastião, foi fundada a Santa Casa de Misericórdia de Seia.

Até à actualidade, a cidade desenvolveu-se sendo hoje dominante o sector terciário. Todavia a indústria ligada aos têxteis, à produção de electricidade e aos famosos (e saborosos!) Queijos da Serra mantém importância significativa. Naturalmente que o Turismo tem também grande preponderância na zona. E recomendam-se vivamente as visitas aos Museus – do Pão, do Brinquedo e Natural da Electricidade (em S. Romão) – e também ao Centro de Interpretação da Serra da Estrela.

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Seia – Museu do Pão
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Seia – Museu do Pão – pormenor exterior
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Seia – Museu do Pão – Como fazer o pão d’A Moleirinha
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Seia – Museu do Pão – A distribuição…

Saímos de Seia pela EN339 até encontramos a EN232 que vem de Gouveia. Pouco depois, o desvio para o caminho que nos levará ao Vale do Rossim.

Vale do Rossim:

Situado a uma altitude de quase 1500 m, o Vale do Rossim é o maior vale glaciar da Europa e o espelho de água a maior altitude da Serra da Estrela. Era, antes da construção da pequena barragem que originou a lagoa, uma das melhores pastagens para os rebanhos de transumância.

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Vale do Rossim

Com um enquadramento paisagístico único, de uma beleza agreste, é um local para visitar mas também, para quem queira, permanecer graças ao eco-resort aí construído.

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Vale do Rossim – Eco Resort

No caminho para as Penhas Douradas, podemos encontrar a curiosa Casa da Fraga.

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Casa da Fraga
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Casa da Fraga
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Casa da Fraga

Uma história interessante que se conta:

“A Casa da Fraga foi construída no meio de nenhures, num ermo da Serra da Estrela, lugar que hoje tratamos por Penhas Douradas. Parece estranho mas não é: muito provavelmente, as Penhas Douradas, lá do alto dos seus 1500 metros, não seriam nada não fosse a Casa da Fraga existir. Ou pelo menos não seriam aquilo que são agora.

Tudo começou com uma expedição organizada pela Sociedade de Geografia de Lisboa à Serra da Estrela. O objectivo era nobre: fundar sanatórios que, como já era feito noutros países, como por exemplo a Suíça, pudessem curar doenças de foro pulmonar.

Daí se concluiu haver condições climatéricas, na encosta norte da serra, antes de chegarmos ao seu topo, para um tratamento bem sucedido às patologias.

Sousa Martins, crente nos estudos optimistas que vários cientistas davam aos ares da Serra da Estrela, enviou para lá um dos seus doentes, Alfredo César Henriques, que sofria de tísica pulmonar, que construiu uma casa lindíssima camuflada na paisagem natural que a envolvia.

Ali permaneceu dois anos e as visíveis melhorias no seu estado de saúde deram alento a outra gente, também com problemas nos pulmões, que lá foi procurar casa. E assim, de uma boa notícia, se fez aquele pedacinho encantado que hoje conhecemos como Penhas Douradas.”

in ncultura.pt/serra-da-estrela-a-incrivel-casa-da-fraga/

Saímos do Vale do Rossim, deixamos para trás a Casa da Fraga e logo retomamos a EN232, a caminho de Manteigas (esta parte do percurso está incluído no acesso 7 mencionado na crónica anterior). Antes uma paragem nas Penhas Douradas.

Penhas Douradas:

A história da Casa da Fraga fala-nos da importância antiga das Penhas Douradas. Hoje aí restam o observatório meteorológico (quase diariamente mencionado pelos “manda-chuva” das TVs), um hotel recente e algumas habitações de fim de semana.

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Penhas Douradas
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Penhas Douradas
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Penhas Douradas

Aqui a paisagem ganha, nalguns pontos novos contornos, porque se olharmos para Norte conseguimos vislumbrar uma planície a perder de vista no sentido de Gouveia ou um pouco mais longe, Celorico da Beira. A Beira Alta está à frente dos olhos!

Daqui até Manteigas temos uma das estradas mais bonitas e divertidas da Serra – a EN232 – e a oportunidade para apreciar a vista do Miradouro do Fragão do Corvo (perto das Penhas Douradas).

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EN232
Manteigas:

Localizada em pleno Vale Glaciário do Zêzere, este é um dos melhores exemplos da modelação da paisagem pelos glaciares. Com um traçado retilineo numa extensão de cerca de oito quilómetros, é o maior dos vales glaciares da Estrela, apresentando um perfil transversal em forma de U, típico destas formas de relevo. No pico da última glaciação, o glaciar do Zêzere terá atingido um comprimento de 13 quilómetros e, em alguns locais, uma espessura de 300 metros. A grande profundidade do vale é o resultado da acção fluvial durante os períodos pré e interglaciários, tendo a forma em U sido modelada pelo gelo durante a última fase glaciar.

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Manteigas e o Vale Glaciar

Também o termalismo está presente: a cerca de 775 metros de altitude, na margem esquerda do Zêzere, existe uma estância termal de águas sulfúreas, bicarbonatadas, sódicas, fluoretadas, que brotam à temperatura de máxima de 42,8ºC, indicadas para o tratamento de reumatismo, afecções das vias respiratórias e dermatoses.

Poucos vestígios subsistem da passagem por estas terras dos Romanos, dos povos bárbaros que lhes sucederam ou finalmente, dos muçulmanos. Mesmo a atribuição do primeiro foral, nos finais do Séc XII por D. Sancho I é aceite mas sem a respectiva prova testemunhal. Existe sim a sua confirmação posterior no Foral de 1514 outorgado por D. Manuel I. Mas é certo que este pedaço de território foi povoado na sequência da Reconquista Cristã.

O município de Manteigas foi, séculos mais tarde, vítima de sobressaltos administrativos, resolvidos à boa maneira portuguesa: o concelho foi extinto em 26 de Junho desse ano e anexado ao da Guarda durante cerca de ano e meio, vindo a ser restaurado em 13 de Janeiro de 1898. Para tal restauração, em tão curto espaço de tempo, muito terá contribuído o papel preponderante de Joaquim Pereira de Mattos, ilustre industrial manteiguense, que propôs adquirir e transferir para Manteigas uma importante unidade industrial de lanifícios radicada em Portalegre. Mas fortes influências ter-se-ão movido no sentido dessa transferência não se concretizar e Joaquim de Mattos impôs como condição para desistir da ideia, que o concelho de Manteigas voltasse a ser restaurado, o que veio a verificar-se a 13 de Janeiro de 1898.

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Vista de Manteigas (da estrada do Poço do Inferno)

Actualmente, a vila serrana é conhecida pelos seus têxteis, pelo Queijo da Serra e também pelos seus viveiros de trutas. Para lá da actividade turística, como é óbvio.

Merece destaque a bonita cascata do Poço do Inferno (a estrada de acesso recomenda cuidados acrescidos – estreita e com mau piso) cuja visita se recomenda na Primavera para aproveitar o maior caudal proveniente do degelo da neve.

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Poço do Inferno
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Poço do Inferno

Continuamos a contornar a Serra e agora preparamos já o regresso à Covilhã e para já, continuamos na EN232 até Belmonte. Pelo caminho, fica Valhelhas.

Valhelhas:

Freguesia que pertence ao concelho da Guarda, foi sede concelhia entre 1187 e 1855. O topónimo «Valhelhas» teve origem no latim ancestral que designava valezinho ou vale pequeno. Aliás, a formação do povoado que é hoje Valhelhas é anterior à época romana, período durante o qual se chamou Vallecula. Sobrevivem vestígios desta presença pela ponte romana, pedaços de estrada e alguns marcos miliários.

Encontramos ainda o Castelo de Valhelhas e restos da muralha, cuja origem remonta a uma fortificação romana, tendo sido conservado e remodelado pelos povos que se seguiram, até à sua destruição parcial originada pela artilharia francesa durante as invasões em 1810.

O foral de Valhelhas foi outorgado dado por D. Sancho I em 1188

O périplo está quase a chegar ao fim. A “piéce de rèsistence” é a bonita vila de Belmonte que tanto me diz.

Belmonte:

É a terra natal de Pedro Álvares Cabral, o descobridor do Brasil. Aqui está também um dos mais relevantes pilares da herança judaica em Portugal. E é de Belmonte o ramo materno da minha família. Factos que não têm qualquer relação entre si, naturalmente, excepto o de confluírem no mesmo espaço.

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Belmonte – a ladeira das minhas brincadeiras de infância nas férias

A presença humana remonta a épocas pré-históricas como atestam a Anta de Caria, os Castros de Caria e da Chandeirinha. Também os romanos deixaram a sua marca pois por aqui passava a via que ligava Mérida à Guarda. A Torre de Centum Cellas (cuja finalidade ainda hoje se discute) é um marco fundamental dessa presença.

Belmonte está situada no panorâmico Monte da Esperança (antigos Montes Crestados), em cujo morro mais rochoso foi construído nos finais do séc. XII o seu castelo. Em 1199, D. Sancho I deu-lhe foral. No século XIII, Belmonte tinha já franco desenvolvimento justificando a existência de duas Igrejas – a de São Tiago e de Santa Maria e de uma Sinagoga.

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Castelo de Belmonte

Por ser tempo de guerras contra leoneses e castelhanos, o castelo de Belmonte foi sendo melhorado nos reinados de D. Afonso III, D. Dinis e D. João I.

A bravura e a lealdade da família dos Cabrais, foi sempre lendária e temida, sobretudo a do seu primeiro Alcaide-mor – Fernão Cabral, que uma vez nomeado a título definitivo e hereditário, em 1466 por D. Afonso V, transformará o castelo numa Residência Senhorial Fortificada, onde seu filho Pedro Álvares Cabral viverá os seus primeiros anos de vida. Daí deriva a característica única do castelo ao qual foi posteriormente acrescentada curiosa janela manuelina.

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Castelo de Belmonte – pormenor da janela manuelina

Mas foi no século seguinte a época de maior destaque do Castelo e de Belmonte. Em 1510 D. Manuel I concedeu a Belmonte nova carta de foral. Nessa altura a comunidade de Belmonte era essencialmente rural, dependente da pecuária e da agricultura. A presença de Judeus favoreceu também a existência de algum comércio.

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Belmonte – Tulha

D.Manuel I renovou o foral da vila em 1510. O mesmo monarca que, em 1496, decretou a conversão forçada dos judeus ao catolicismo, sendo os que recusaram violentamente perseguidos.

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Belmonte – Torre da Igreja de Santiago, ao longe a torre da Igreja Matriz e o depósito de água

Muitos deles acabaram abandonando Portugal, por medo de represálias da Inquisição. Outros converteram-se ao cristianismo em termos oficiais, mantendo o seu culto e tradições culturais no âmbito familiar.

Um terceiro grupo de judeus, porém, tomou uma medida mais extrema. Decidiram isolar-se do mundo exterior, cortando o contacto com o resto do país e seguindo suas tradições à risca. Tais pessoas foram chamadas de Marranos, uma alusão à proibição ritual de comer carne de porco.

Durante séculos os Marranos de Belmonte mantiveram as suas tradições judaicas quase intactas, tornando-se um caso excecional de comunidade criptojudaica. Somente nos anos 70 a comunidade estabeleceu contacto com os judeus de Israel e oficializou o judaísmo como sua religião.

Só em 1989 foi criada oficialmente a comunidade judaica de Belmonte. 500 anos depois!

Passear pelas ruas da Judiaria a caminho do Castelo é imperdível. Tal como os Museus Judaico, dos Descobrimentos ou o do Azeite.

Ou recordar o achamento do Brasil na estátua de Pedro Álvares Cabral que tenho na minha memória desde sempre (até porque a casa dos meus bisavós, a dos meus avós e a que foi dos meus pais ficavam bem próximo).

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Estátua de Pedro Álvares Cabral
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Belmonte – pormenor
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De Belmonte vemos a Covilhã…lá ao fundo

Saímos de Belmonte e encontramos o Rio Zêzere, agora já no seu percurso para Oeste em direcção à foz. Desagua bastante mais à frente, no Rio Tejo, em Constância. Atravessamos a ponte e seguimos agora pela EN18 a caminho do final da volta pela Serra da Estrela.

Assim chegamos à Covilhã. Está terminado o circuito…

As estradas percorridas neste circuito são algumas das nossas mais bonitas estradas nacionais. Com os percursos genuínos. No geral estão bem cuidadas e proporcionam uma experiência de viagem diferente das escaladas que vimos na 1ª parte dedicada à Serra da Estrela. Diferente mas não menos interessante. E fica mesmo aqui pertinho!

Nota Final

Na actualidade temos inúmeras fontes de informação. Desde o omnipresente Google às agora caídas em desuso Enciclopédias. Dos roteiros que podemos encontrar por aí amiúde, das informações oficiais dos postos de Turismo locais, das memórias dos nossos amigos que por lá passaram.

Mas nenhuma substitui o conhecimento de quem lá vive e percorre aquelas estradas desde que se conhece. Por isso recomendo que se quiserem seguir as sugestões destas crónicas, a do mês passado (edição #40 da Andar de Moto) e esta, não dispensem um contacto e uma visita a quem conhece a Serra da Estrela como a palma da mão.

Foi o que fizemos: fomos conhecer o Grupo Motard “Família da Estrela” e a sua nova sede. Para lá do cafezinho matinal, que soube pela vida antes de começarmos o sobe e desce serrano, a conversa foi excelente. E o João Fonseca brindou-nos a sua amizade e alguns conselhos e sugestões fundamentais para a nossa viagem. Aqui fica expressa a nossa gratidão.

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No Grupo Motard Família da Estrela

É uma realidade que no espaço exíguo do nosso território não cabem grandes cadeias montanhosas. E por isso as procuramos lá fora. Mas é possível fazermos alguns passeios pelas nossas estradas, com tanta ou maior diversão, com paisagens que são diferentes e únicas, porque são nossas.

É só questão de as procurarmos, porque elas estão aí…AO VIRAR DA ESQUINA!

(esta crónica foi publicada originalmente na edição #41 da revista digital Andar de Moto – Outubro 2021)

ESTRADAS DE MONTANHA… AO VIRAR DA ESQUINA – parte 1

Que tal um percurso de montanha em Portugal, capaz de rivalizar com alguns célebres destinos pirenaicos ou alpinos?
Será possível?
É! Viagens ao Virar da Esquina explica onde. Venham daí!

 No mundo das duas rodas foi a bicicleta que surgiu primeiro. De tal forma que as primeiras motos mais não eram do que a tentativa de substituir os pedais por um qualquer mecanismo que evitasse o esforço humano.

Assim foi, e o aperfeiçoamento da tecnologia ao longo de décadas fez com que ambos os veículos seguissem caminhos separados. Depois de muitos anos sem alterações apreciáveis, as bicicletas sofreram nos últimos tempos mudanças radicais, quer nos materiais utilizados quer nas suas próprias formas. Já as motos, tiveram uma melhoria mais constante ao longo do tempo, seja em busca de maiores performances, de segurança acrescida ou de melhor eficiência energética.

É assim curioso que nalgum ponto os seus caminhos se comecem agora a cruzar, havendo uma fronteira ténue entre as e-bikes e as mais simples motos eléctricas. Mas essa é toda uma outra conversa….

Este arrazoado vem apenas a propósito de que, pessoalmente e para lá das motos, tenho uma grande paixão pelo ciclismo (praticando de quando em vez). Não perco as transmissões televisivas das grandes provas, em especial, as espectaculares etapas de montanha: admiro o esforço físico dos atletas, as estratégias das equipas e, sobretudo, as fabulosas paisagens. E, de forma interesseira…aproveito as mesmas para servirem de referência para umas viagens de moto por essas paragens…quem sabe um destes dias.

Uma das etapas mais célebres é a que, no seu trajecto, faz a subida do Col du Tourmalet nos Pirenéus franceses. O cimo fica a 2.115 m e culmina uma subida de 18,5 km com uma pendente de quase 8%. Geralmente nessa etapa surgem também outros “cols” célebres – du Portet ou d’Aspin – bem como estâncias de Inverno como Luz-Ardiden ou Cauterets. A distância percorrida ronda geralmente os 180 km e ultrapassa com facilidade os 5.000 m de pendente acumulada. Um esforço titânico para os ciclistas!

É evidente que em maciços montanhosos como os Pirenéus ou os Alpes não é difícil desenhar percursos semelhantes. São montanhas de apreciável dimensão e que atingem altitudes que não conhecemos em Portugal.

Mas e se no nosso País fosse possível desenhar um “etapa” dessas, não gostariam de aproveitar?

Então vamos a isso!

Um destino de montanha em Portugal!

O local óbvio para tal percurso só pode ser a Serra da Estrela. E a forma de o fazer é aproveitar ao máximo as suas estradas num roteiro que permita percorrer uma distância equivalente e com altimetria semelhante ao exemplo dado atrás.

Dir-me-ão que não tem a altitude nem a extensão daquelas montanhas. É verdade. Para chegar aos 2.000 metros teve que o Rei D. João VI mandar construir uma torre que completasse o que faltava – escassos 7 metros.

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Torre

Também não é o ponto mais alto do nosso País, que fica na Ilha do Pico e tem o seu cume vulcânico 350 metros acima da altitude máxima da Estrela. Mas aí é mais difícil chegar de moto…

Tem uma característica peculiar. A Estrela é uma serra, não é uma montanha. Não termina num pico mas sim num planalto. Neste local encontra-se o Vértice Geodésico de 1ª ordem Estrela, que marca a altitude mais elevada de Portugal continental: 1993 metros.

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Vértice geodésico

Conhecida no passado por Malhão da Serra, a Torre deve a sua designação à tal construção em pedra que D. João VI, em 1806, mandou aí erguer. Na década de 50, do século XX, a Força Aérea Portuguesa instalou na Torre uma estação de radar, que está desactivada desde 1970.

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Torre e Radares

Até tem uma rotunda, com a tal torre no meio e algumas construções cuja decrepitude não a enobrecem. Uma curiosidade administrativa: na Torre confluem os municípios de Covilhã, Manteigas e Seia. Será por isso que o aspecto já conheceu melhores dias? Afinal, saber-se-á quem manda ali no pedaço? (ou quem paga?)

A vista panorâmica deste sítio permite, em dias de céu limpo, observar locais tão distantes como as serras do Marão, a norte de Vila Real, da Boa Viagem, na Figueira da Foz, de S. Mamede, em Portalegre e de Gredos, em Espanha.

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Vista a perder de vista

E garanto-vos que aqui se vê um dos pôr do sol mais bonitos de Portugal!

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Pôr do Sol na Torre

A minha última passagem pela Serra da Estrela não foi prolongada. Mas serviu para conhecer os dois últimos acessos (sem contar com os off-road) que me faltavam conhecer.

É isso que vos proponho: um roteiro das subidas e descidas à Serra da Estrela. E como tudo o que sobe também desce, é sempre possível variar os roteiros, ora fazendo uns a subir ora depois (ou noutra ocasião) descendo-os. Fica ao critério de cada um. Mas digo-vos que há ali muito trabalhinho de condução!

E já agora…a paisagem também merece atenção. Muita mesmo!

Uma das principais características dos diferentes acessos ao alto da Serra da Estrela é a sua diversidade. Uns com perfil mais rectilíneo e íngreme. Outros revirados até mais não…e íngremes. Outros…como quiserem…e íngremes!

Vamos lá então!

A Estrela é uma estrela

Nota prévia: sendo a Torre o destino final das vulgares “idas à Serra”, a estrela das nossas serras tem muito mais a oferecer para quem se queira deleitar com umas boas horas de condução. É que o gozo está mesmo na viagem e não no destino….

Para facilitar a descrição, vou considerar a Serra da Estrela como uma estrela de 5 pontas. E em cada ponta, o local de partida de um ou mais trajectos de acesso ao topo.

As 5 pontas da estrela da Serra da Estrela são (em sentido horário se quiserem visualizar no mapa): Covilhã, Unhais da Serra, Loriga, Seia e Manteigas. E a ordem é meramente arbitrária porque qualquer uma serve igualmente o propósito de percorrer estas estradas.

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A Estrela é uma estrela

Para unir as 5 pontas da estrela podemos utilizar estradas nacionais e contornar o maciço principal da Serra através das N230, 231, 232 e 18. Disso vos falarei na próxima crónica. Porque muito há para ver e é uma outra forma de conhecer esta região.

Mas isso fica para depois. Agora vamos à nossa “etapa” de montanha.

O ataque à montanha!

Façamos o inventário das subidas e a descrição de cada uma.

Dessa forma, cada um poderá optar com pleno conhecimento e desenhar o percurso à sua conveniência: se quer começar por um mais fácil e deixar os mais difíceis para o final ou vice-versa, se, em função do local onde se encontra ou por onde chega à Serra e inicia a subida, de quanto tempo disponível tem. Fica ao critério de cada um.

No final faço uma sugestão de percurso que abrange as 5 pontas da Estrela e as 7 subidas que descrevo, procurando repetir o menos possível passagens no mesmo local (o que é quase impossível). Mas é só uma sugestão porque a imaginação de cada um desenhará certamente o melhor percurso.

Irei descrever cada uma e por simplificação todos os troços serão considerados individualmente e como tal, do ponto de partida respectivo até à Torre. Mas um roteiro que inclua sequencialmente alguns, não necessita de atingir o ponto mais alto porque as ligações far-se-ão antes.

Recordo as cinco pontas da Estrela: Covilhã, Unhais da Serra, Loriga, Seia e Manteigas. Podemos começar por qualquer uma.

No final está a sugestão. Que é só isso: sugestão!

Vejamos os 7 acessos até à Torre

1 – Da Covilhã à Torre – 20 km

Esta será, talvez, a subida mais conhecida. Principia no centro da Covilhã, no Largo do Município. E começa logo muito íngreme e sinuosa. A cidade está a cerca de 700 m de altitude pelo que os 20 km da EN339 que a separam da Torre são quase sempre bem inclinados.

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Da Covilhã à Torre

Graças à realização da competição automobilística Rampa da Serra, o piso tem muito boa qualidade a partir da saída da cidade. Por outro lado, esta é, sem dúvida, a subida mais movimentada sempre com bastante trânsito a sugerir cuidados acrescidos.

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A subir da Covilhã

Recomenda-se vivamente uma paragem na Varanda dos Carqueijais pois trata-se de um miradouro com um vista soberba para a Covilhã, logo abaixo e para todo o vale do Zêzere: a famosa Cova da Beira (já ouviram falar das cerejas do Fundão, por exemplo?).

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Varanda dos Carqueijais

Continuando a subir, pouco depois ocupa-nos a vista um imponente edifício cor de rosa. Estamos já a 1.200 m de altitude.

Construído em 1944 foi o Sanatório dos Ferroviários. Com a diminuição dos surtos de tuberculose foi perdendo relevância até que foi encerrado em 1970. Mais tarde serviu temporariamente de alojamento para retornados do Ultramar. Depois…a incúria do Estado deixou-o ao abandono e à ruína.

Até que as Pousadas de Portugal o adquiriram, restauraram com manutenção da traça arquitectónica (no exterior e no interior) preservando o desenho do Arq. Cottinelli Telmo e o transformaram numa moderna unidade hoteleira, que se recomenda.

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Pousada

Prosseguindo a subida, que continua sinuosa e íngreme, na zona chamada de Cantar-Galo, passamos o acesso ao trilho que leva à formação rochosa designada por Pedra do Urso.

Pouco mais à frente chegamos às Penhas da Saúde.

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Penhas da Saúde

Situadas a 1.500 m de altitude, aqui fica o que poderemos designar como uma estância de Inverno. Alguma oferta hoteleira e de restauração bem como muitas casas de férias (principalmente propriedade de covilhanenses). É também aqui que fica a Pousada de Juventude, ideal para quem procura alojamento económico principalmente para grupos (tem camaratas de 6 camas, mas não só). É uma excelente opção para daqui fazer o centro dos périplos serranos.

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Pousada da Juventude

Avançamos agora numa zona mais plana e com menos curvas. É um planalto que nos leva até à zona do Centro de Limpeza de Neve. E ao cruzamento com a EN338 que segue até Manteigas (acesso 6 – para ler mais adiante).

Uma ligeira descida e reiniciamos a subida. Pouco depois, na Nave de Santo António, o primeiro miradouro: o do vale glaciar da Alforfa que vai até Unhais da Serra e de onde sai a estrada que aí nos conduz (Acesso 2 – para ler a seguir).

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Nave de S. António e Cântaros

Voltamos a ter subida íngreme e sinuosa. Mais à frente, num “gancho” à esquerda, novo miradouro, desta vez para o Vale Glaciar do Zêzere. Pouco depois, um pequeno túnel de pedra e adiante, a ermida da Nossa Senhora da Boa Estrela, cavada na rocha.

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Túnel

Aproximamo-nos da Torre. Sente-se a altitude e cada vez se amplia mais o horizonte. Aqui e ali vamos vislumbrando pequenas lagoas e covões de um azul intenso que contrasta com o tom pardo do terreno e do pouco mato rasteiro. E também sentimos o baixar da temperatura….

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A caminho da Torre

Quando chegamos ao cruzamento seguinte, é altura de deixar a EN339 e voltar à esquerda para a Estrada da Torre. Falta cerca de 1 quilómetro, quase a direito mas bem inclinado. Chegámos à Torre!

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Chegámos à Torre
2 – De Unhais da Serra à Torre – 21 km
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Acessos de Unhais e de Loriga

Esta é a subida mais heterogénea: começa e termina em bom piso. Pelo meio alguns pedaços de alcatrão mais irregular e cerca de 1 quilómetro e meio em terra batida! Mas que se faz com relativa facilidade a não ser que tenha chovido e nesse caso pode tornar-se bastante perigoso…porque nada nos separa do vale lá em baixo!

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De Unhais olhamos a Serra

Para a iniciarmos temos que entrar na vila de Unhais da Serra e apontar ao Vale Glaciar. Atravessa-se a ponte sobre a Ribeira de Unhais e…começamos a subir.

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Glaciar da Alforfa

Pouco à frente, no miradouro do Cruzeiro temos uma boa vista para a vila e mais para sul.

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Unhais visto do Miradouro do Cruzeiro

As partes de bom piso coincidem com as zonas mais íngremes, nomeadamente os últimos quilómetros em que nos aproximamos da Nave de Santo António e do miradouro sobre o Vale Glaciar da Alfofra já atrás referido. Aliás, todo este percurso é feito seguindo por uma das encostas do vale. As vistas são deslumbrantes e quase nos esmagam quando, à medida que subimos, olhamos para a frente e a serra nos surge em toda a sua dimensão.

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Vindo de Unhais…

Chegados lá acima, ao cruzamento, encontramos a EN339 que vem da Covilhã (Acesso 1). Daqui até à Torre o caminho é o já atrás referido. Acreditem que esta subida (ou descida) vale a pena ser feita e é certamente a mais perigosa se não tomarmos as devidas precauções.

Em tempos recomendaram-me que a não fizesse sozinho. É capaz de ser uma boa ideia…

3 – De Loriga à Torre – O Adamastor – 22 km

Este é o acesso mais moderno. Estrada ampla, bom piso, a fazer lembrar passos alpinos e pirenaicos lá de fora…

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Subindo o Adamastor

Invoquei Loriga por ser a povoação mais próxima, mas na realidade trata-se da EN338 que já vem desde Vide. Cruza a EN231, na Portela do Arão, a cerca de 3 quilómetros de Loriga e inicia aí a subida que é, de todas, a mais íngreme! De tal forma que a comunidade ciclista lhe chama “O Adamastor”.

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Subindo o Adamastor

A sua inclinação é tal que, tanto quanto me recordo, nenhuma competição ciclista ousou percorrê-la apesar da qualidade do piso. O troço tem efectivamente pouco mais de 9 quilómetros (o resto da subida à Torre coincide com a estrada que vem de Seia e será mencionada nos seguintes acessos 4, 5 e 7) e vai da Portela do Arão (a 960 m de altitude) até pouco depois da Lagoa Comprida (já a 1.650 m de altitude).

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Continuamos a subir o Adamastor

Os primeiros 5 quilómetros têm uma inclinação de 14%. Sempre constante, com algumas curvas a 180º que unem troços quase rectos ou pouco sinuosos. Mas sempre em ascensão.

Depois atenua ligeiramente…para 12% até ao Miradouro da Rocha. Aqui desfrutamos de uma vista deslumbrante para o Vale Glaciar de Loriga, que se vislumbra lá bem ao fundo. Pouco depois, o troço final em que a pendente se atenua, para singelos 9%.

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Miradouro da Rocha – Vista de Loriga e do Vale Glaciar

Chegados lá acima, encontramos a EN339. Se virarmos à esquerda seguimos na direcção de Seia. Optamos pela direita e rumamos em direcção à Torre. Continuamos a subir durante cerca de 8 quilómetros e vamos vislumbrando a Torre cada vez mais próxima.

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Adamastor

Até que atingimos o cruzamento para a Estrada da Torre já referido anteriormente no Acesso 1. Falta pouco para atingirmos o topo da Serra.

4 – De Seia à Torre (por Sabugueiro) – 28 km
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Acessos de Seia e de S. Romão

Este é o segundo acesso mais conhecido ao cume da Serra. A estrada em si é a mesma que utilizamos para fazer a subida com origem na Covilhã: a EN339 mas no sentido contrário. Por ser mais longa tem, naturalmente menor inclinação em geral. Mas tal pode resultar enganador.

Na verdade, a saída de Seia é bastante íngreme e sinuosa, registo que se prolonga por alguns quilómetros até que começamos um pequeno troço a descer até ao Sabugueiro. É conhecida por ser a aldeia mais alta de Portugal, pois situa-se a 1.120 m de altitude (mas tal classificação não será inteiramente correcta).

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A aldeia mais alta….

A estrada atravessa-a e, a par com a construção em pedra típica da Serra, o que vemos é uma sucessão de lojas de produtos serranos (e outros) mais virados para o turista passageiro. Pouco típico mas certamente mais proveitoso para as gentes da terra que aqui encontrarão uma compensação para a aridez das encostas serranas.

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Sabugueiro

Depois do Sabugueiro, a estrada corre até encontrar a M513 que vem de S. Romão (o outro acesso de Seia de que falarei a seguir). Passamos pela pequena albufeira da Barragem Covão do Curral cujo azul das águas quase fere a vista.

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Covão do Curral

Depois prossegue até encontrarmos a Lagoa Comprida. Trata-se da maior extensão de água da Serra e é uma lagoa artificial. Aliás, o paredão da barragem é acompanhado pela nossa estrada ao longo de quase um quilómetro.

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Lagoa Comprida

 

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Paredão da Barragem da Lagoa Comprida

A subida continua e pouco mais à frente encontramos o término do Adamastor.

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À direita, para o Adamastor; à esquerda para a Torre

Daí até à Torre o percurso é comum e foi referido atrás.

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A caminho da Torre
5 – De Seia à Torre (por S. Romão) – 28 km

De Seia até à vila de S. Romão, cerca de 4 quilómetros, não poderemos falar propriamente de um acesso à Serra. Mas de S. Romão para cima…temos subida. E que subida!

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Início da subida depois de S. Romão

Estrada estreita. Inicialmente com bom piso até à Sra. do Desterro.

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Senhora do Desterro

A primeira parte da subida até pouco depois da Central Hidroeléctrica que foi a primeira de Portugal e é hoje o Museu Natural da Electricidade, faz-se em estrada que não é muito sinuosa apesar de em permanente ascensão e onde se nota a presença da água: a vegetação frondosa contrasta como que iremos encontrar mais à frente.

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Central – Museu Natural da Electricidade

 

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Aqui ainda a vegetação é frondosa

A partir da Central, o percurso passa a ser mais íngreme, pior piso e substancialmente mais sinuoso. A largura da estrada e a qualidade do piso impõem cuidados acrescidos.

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a subir…

 

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Paisagem a perder de vista

Curvas para todos os gostos e feitios, algumas delas a proporcionarem vistas deslumbrantes para poente.

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Sempre a subir

 

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a subida continua…

A aridez aumenta à medida que rapidamente galgamos altitude.

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Quase a chegar ao final

Finalmente, cerca de 12 quilómetros depois, encontramos a EN339 e aí seguimos o mesmo caminho já referido no acesso anterior.

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Encontrámos a EN339

 

6 – De Manteigas à Torre (pelo Vale Glaciar do Zêzere) – 21 km
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Acessos de Manteigas

Saímos de Manteigas e passamos ao lado de um dos ex-libris da terra: os viveiros de trutas. A parte mais sinuosa e estreita da estrada é esta. Depois, à medida que ganhamos altitude percorrendo a estrada que corre na encosta do Vale Glaciar do Zêzere. Esta tem características que a diferenciam das restantes que, de uma forma ou outra, vão contornando a orografia do terreno, esta segue quase a direito. O que não significa que seja uma recta….

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Manteigas

Devo dizer que é um percurso que prefiro fazer a descer. E aí….pode tornar-se vertiginoso. A adrenalina sobe à medida que aumenta a perigosidade. A estrada não é larga, as curvas sucedem-se encadeadas e nunca sabemos se vem alguém em sentido contrário ou encontramos piso húmido na curva. A subir, temos o aliciante de seguirmos sempre com o precipício ao nosso lado direito…e é cada vez mais fundo à medida que avançamos!

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Manteigas, vale glaciar e a estrada ao longo da encosta

Pouco depois da saída de Manteigas encontramos à esquerda, o acesso à estrada do Poço do Inferno. É um dos pontos imperdíveis da Serra. Uma cascata alta e que na Primavera atinge o seu grau máximo de espectacularidade com o degelo das neves invernais do cimo da Serra. A estrada é estreitíssima e em mau estado mas, com os devidos cuidados, vale a pena!

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Poço do Inferno

 

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Subida com Manteigas ao fundo.

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O que já subimos…

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O principio da fileira do Queijo da Serra

O cenário que temos à nossa frente é deslumbrante e esmagador à medida que nos aproximamos do cimo. Ainda antes do Covão da Ametade passámos por mais uma cascata: a Fonte Paulo Luis Martins.

À nossa frente estão três dos cumes mais altos da Serra: os 3 cântaros!

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A subida vista do Covão da Ametade

 

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Panorama – Cântaro Gordo, Cântaro Magro e Cântaro Raso

O Covão da Ametade, situado mesmo por baixo dos três picos a que alguém chamou Cântaros – o Gordo, o Magro e o Raso – dois deles acima dos 1900m – é um local frondoso, com um parque de merendas. Um recanto lindíssimo mas que lamentavelmente, por incúria dos responsáveis ou desleixo dos utilizadores, está mal estimado.

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Covão da Ametade

Aqui nasce o Rio Zêzere que depois ganha força a descer o vale glaciar até Manteigas seguindo depois o seu percurso, contornando a Serra a nascente e depois, pelo lado sul na Cova da Beira até, muito mais tarde e mais longe, vir desaguar no Rio Tejo em Constância depois de encher a albufeira de Castelo do Bode.

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Covão da Ametade

Do Covão da Ametade temos uma vista deslumbrante sobre o Vale Glaciar. Para chegarmos ao nosso objectivo falta ainda um pedaço. E este é o troço mais inclinado e sinuoso desta subida. Por ele chegaremos ao cruzamento com a nossa já conhecida EN339 que vem da Covilhã, na zona do Centro de Limpeza de Neve.

Até à Torre, o percurso é o já referido no Acesso 1 anteriormente.

7 – De Manteigas à Torre (pelo Vale do Rossim) – 49km

Em Manteigas seguimos em direcção às Penhas Douradas (sugerimos a ajuda do GPS porque as placas de sinalização apontam para uma estrada que não é aquela que pretendemos, pois embora mais curta, não tem a espectacularidade da EN232 que queremos seguir). 

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Manteigas – Penhas Douradas

A meio da subida temos uma perspectiva diferente do Vale Glaciar, com Manteigas no sopé e bem lá ao fundo, os Cântaros majestosos a contemplarem-nos.

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Vista para o Vale Glaciar do Zêzere

A subida continua, íngreme e sinuosa, sempre em regime de curva e contra curva. É daquelas estradas em que ora vamos para lá, ora para cá, outra vez para lá e assim sucessivamente. Olhamos para baixo e vemos as reviravoltas que nos trouxeram até aí. Um espectáculo!!!

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Curva e contra-curva sempre a subir

À nossa volta, arvoredo e vegetação frondosa a contrastar com a aridez que presenciamos na maioria das outras vertentes da Serra.

Cerca de 20 km de de diversão pura depois, chegamos ao planalto onde se situam as Penhas Douradas. Voltava a paisagem agreste e rude. Quando conseguimos vislumbrar um pouco mais longe, desta vez para Norte, temos uma nova realidade: uma planície a perder de vista no sentido de Gouveia ou um pouco mais longe, Celorico da Beira. A Beira Alta está à frente dos olhos!

Viramos à esquerda para o Vale de Rossim.

Logo a seguir uma construção curiosa: a Casa da Fraga. Curiosa construção que aproveita as formações rochosas. Aqui viveu durante 2 anos o seu criador (palavra mais adequada do que construtor), Alfredo de César Henriques.

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Casa da Fraga

Paciente do famoso médico Dr. Sousa Martins, padecia de tísica pulmonar. Aquele receitou-lhe a estadia, servindo os ares puros da montanha como terapêutica para o mal que o afligia.

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Casa da Fraga

As melhoras sentidas pelo doente tornaram-se conhecidas e fez com que a zona das Penhas Douradas passasse a ser procurada para fins terapêuticos. Por essa razão encontramos diversas casas espalhadas pela encosta serrana.

Pouco mais à frente surge à nossa frente o espelho de água situado a maior altitude na Serra: a barragem do Vale do Rossim. Aqui existe um eco-resort que usufrui da albufeira. Paisagem agreste mas de profunda beleza.

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Vale do Rossim

 

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Vale do Rossim

Do Vale do Rossim seguimos em direcção ao Sabugueiro. E neste caso, vamos descer. A estrada recomenda alguns cuidados pois não está no melhor estado. Sem declives muito pronunciados não oferece dificuldade de maior mas não convém descurar a atenção. A paisagem é a que já estamos habituados: agreste, mato rasteiro aqui e ali salpicado com alguns pequenos conjuntos de árvores. Será talvez a parte menos interessante de todos os percursos.

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A descer para o Sabugueiro

Chegados ao Sabugueiro, encontramos a EN339 e resta-nos segui-la até à Torre, passando pela Lagoa Comprida (ver o acesso 4 já descrito).

Uma sugestão?

Aqui vai:

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Uma sugestão

Da Covilhã seguir até aos Piornos-Centro de Limpeza da Neve (acesso 1). Aqui vira à direita em direcção a Manteigas com passagem – e paragem no Covão da Ametade. Antes de chegar a Manteigas, um saltinho ao Poço do Inferno – (acesso 6)

Em Manteigas subir às Penhas Douradas e daqui até ao vale do Rossim (acesso 7) . Descer para o Sabugueiro e daqui até Seia (acesso 4). Seguir até S. Romão e subir com passagem pelo Museu da Electricidade (acesso 5).

Terminada a subida, virar à direita, rumo à Lagoa Comprida que merece uma paragem, Seguir até à Nave de Santo António e aqui descer até Unhais da Serra (acesso 2).

Finalmente seguir pela Estrada da Beira (N230), virar à direita para Alvoco da Serra, passar Loriga e pouco depois virar à direita rumo à Torre (acesso 3 – Adamastor).

Última sugestão: sincronizar a chegada à Torre com o pôr-do-sol. É imperdível!

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Por do sol na Torre

Lá chegados, saboreando uma “sandocha” mista de queijo da serra com presunto, é possível rever o percurso total: cerca de 180 quilómetros e um declive acumulado superior a 7.000m. Digno de uma travessia pirenaica que incluísse cols famosos como o Tourmalet, o Aspin, o Portet e outros da zona…e fica aqui mesmo, ao virar da esquina!

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Por do sol na Torre

P.S.: Após o pôr do sol, a noite e a temperatura caem de repente. Recomenda-se o máximo cuidado na descida até porque é natural encontrarmos humidade na estrada.

(esta crónica foi publicada originalmente na edição #40 da revista digital Andar de Moto – Setembro 2021)

O MAFARRICO DEIXOU A PORTA ABERTA

Esperava ser recebido pelo Mafarrico.
Afinal, o Diabo é personagem integrante do imaginário do Inferno. Sendo o locatário da coisa, deveria estar à nossa espera.
Mas nada!…

Tal como a generalidade dos vertebrados, temos um chassis a que chamamos esqueleto e à volta deste, para lhe dar as formas que nos caracterizam, uma camada variável de chicha! O que nos diferencia dos restantes e torna únicos é o lado espiritual: o raciocínio, os sentimentos e aquilo a que alguns chamam “alma”.

Quando a parte física e a espiritual se separam, geralmente por fadiga do material ou outra razão ponderosa, aquela é remetida para as cinzas e a alma inicia um novo percurso: vai fazer um estágio não remunerado por tempo indeterminado numa instituição chamada Purgatório que, como o nome indica, a liberta de impurezas.

No final, submete-se a um exame final de admissão. Se aprovada, sobe aos Céu. Se reprova desce ao Inferno! Algumas há que nunca chegam ao exame, vá-se lá saber porquê…são as chamadas almas penadas!

E o meu ponto é este: se por tradição se diz que se “desce ao Inferno”, porque razão nesta viagem, para chegar à entrada do Inferno é preciso subir?

(Atenção: era apenas uma visita para ver as vistas…. nada de mais definitivo, embora a dado passo a coisa não tenha sido fácil, como explicarei).

O facto é que subimos até ao Portal do Inferno. E não é que estava aberto? O Mafarrico, que seria suposto ser o porteiro, baldou-se!

Entrámos…. mas, já vos conto o resto mais adiante, porque até aqui chegar ainda houve caminho a fazer.

O aquecimento: do Caramulo a São Pedro do Sul

A manhã ia adiantada quando saímos do Caramulo. Na crónica anterior – “Fui visitar a D. Elvira” contei-vos a história do trajecto até aqui. E agora, seríamos apenas dois a prosseguir viagem.

O objectivo era, para já, chegar a S. Pedro do Sul. Saindo da vila do Caramulo continuámos a subir a serra pela EN230.

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Serra do Caramulo – Pormenor da estrada

Pouco depois, já a descer, toponímia curiosa – Monteteso – indicava-nos que pouco mais à frente teríamos que virar à direita e seguir por estradas municipais – as CM 1285 e 1310 – que nos levariam a passar pela Torre Medieval de Alcofra. 

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Pormenor toponímico…

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Serra do Caramulo

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Torre Medieval de Alcofra

Depois, já pela M619 passámos em Vilharigues e pela EN 333 chegámos a Vouzela.

Foi aí que o Zé disse de sua justiça:

” – Vouzela! Temos que ir provar os pastéis de Vouzela….”

Perguntei:

” – O que são?”

Resposta imediata:

”-São como os de Tentúgal…mas melhores!”

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Igreja Matriz de Vouzela

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Vouzela

Não quero ofender ninguém de Tentúgal, até porque não tinha ali nenhum para fazer a comparação imediata. Mas que são óptimos os pastéis de Vouzela isso é inegável. E justificaram a breve paragem. Lá teremos que ir a Tentúgal um destes dias, para tirar a prova dos nove…

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Vouzela

Seguiu-se S. Pedro do Sul onde chegámos pela EN16. A cidade merece visita pormenorizada, até porque o seu passado histórico é bem evidente no balneário termal construído no ano 1 da nossa era pelos Romanos. E que foi sendo sucessivamente utilizado desde há 2.000 anos. É exemplar único. A última vez que por aqui passei, ainda a actual cidade era vila. E mais pequena… De passagem, pudemos ver que está bem arranjada, que tem muito movimento e que terá certamente boa qualidade de vida.

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Antigo edifício das Termas de S. Pedro do Sul

Mas o nosso destino não era uma cura de águas mas sim a visita ao Inferno. E a demanda começou mesmo à saída da cidade.

Começa a subida até ao Inferno!

S. Pedro do Sul é atravessada pela EN 16. À saída viramos à esquerda pela Avenida da Ponte tomamos o rumo da EN227…e começamos a subir em direcção à Serra da Arada. Por enquanto, a estrada ainda é larga, com algum trânsito. Mas…rapidamente chegamos à rotunda que nos manda virará direita para a R326, E aqui começa de verdade a subida. Passamos Sá e entramos na CM1123. A estrada que nos vai conduzir até ao Portal do Inferno.

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Igreja de Sá

A estrada estreita bastante, com vegetação à volta, predominantemente eucaliptal (ups…já percebo porque razão há por ali tantos incêndios). Ainda assim o verde é “sol de pouca dura” porque depois de uma curva da estrada vislumbramos o maciço da serra. E esta é completamente careca!

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Inicio do caminho para a Serra da Arada

E aqui deixo uma nota pessoal: desde há alguns anos que padeço de episódios de forte ansiedade quando estou próximo de precipícios ou declives acentuados. Não são vertigens nem a “atração do abismo” mas chego ao ponto de ficar bloqueado. É evidente que tento controlar a ansiedade e acima de tudo não deixar de fazer o que quero fazer. Mas o esforço é grande, acreditem.

Por esta razão, subir uma estrada de montanha em que esta está rodeada de arvoredo e vegetação ou, ao contrário, nada havendo que me evite a visão do declive é totalmente diferente. E isto independentemente da inclinação ou sinuosidade do traçado. Quando, olhei em frente e vi o que me esperava tive plena consciência que ia ser duro. A luta comigo próprio seria exigente. Mais do que o esperado….

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Subindo a Serra da Arada

O caminho faz-se em frente e assim avançámos. À medida que subimos o panorama crescia à frente dos nossos olhos e a fronteira do horizonte era cada vez mais longínqua: serranias e mais serranias. Por aquelas zonas, dá a sensação que mão poderosa amarfanhou o terreno, porque planície é coisa que não há.

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Serra da Arada- em frente para onde vamos à direita de onde vimos

Actualmente, ribeiro sem passadiço e miradouro sem baloiço é coisa que não existe. Como aqui. Ainda não tínhamos parado de subir e num gancho à esquerda lá está, do outro lado da estrada um improvisado miradouro – um pedaço de terreno plano com uma vista magnífica – e o inevitável baloiço.

Parámos!

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Miradouro e baloiço

Balancé para cá, balancé para lá, fotos para mais tarde recordar e siga a viagem.

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Balancé, balancé…

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As motos e a vista!

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Uma preciosidade que vinha a descer a serra…

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Vista do miradouro do baloiço

Pouco depois, a maior pendente da subida: 27%. As características da estrada mantiveram-se: estreita, muito sinuosa, com raras protecções nas bermas quase inexistentes e sem marcações, com um piso bastante rugoso mas em estado razoável e sem armadilhas.

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A subida continua

No Portal do Inferno

Rondávamos os 1.000 m. E foi a essa altitude que encontrámos o Portal do Inferno. Subimos para “descer ao Inferno”. A vida tem destas contradições! Desde S. Pedro do Sul tínhamos percorrido 20 km.

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O caminho é por ali…

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Rumo ao Inferno…

Esperava ser recebido pelo Mafarrico. Afinal, o Diabo é personagem integrante do imaginário do Inferno. Sendo o locatário da coisa, deveria estar à nossa espera. Mas nada! Assim, só nos restava seguir por este caminho – M567 – que dizem ser infernal.

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Começa o Portal do Inferno

A parte inicial segue por um pequeno planalto. À nossa frente percebemos a existência de um vale e logo depois, a marcar a linha do horizonte, a Serra de S. Macário.

As curvas continuam e seguimos pela linha das cumeadas dos montes.

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Os primeiros passos no Portal do Inferno

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Pelas cumeadas dos montes

De vez em quando, uma depressão. Lá vai uma descida e mais umas curvas. Logo a seguir, sobe-se e mais curvas.

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Portal do Inferno

A altitude continua a rondar os 1.000 m e andamos pelos cumes da serra. Sem vegetação, vemos bem o que nos espera se houver uma distracção.

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Portal do Inferno

 Mas também vemos ao longe, ora a Serra da Freita, ora a de S. Macário. Afinal todas fazem parte do mesmo conjunto.

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Portal do Inferno

O percurso do Portal do Inferno (entre as placas que o assinalam) tem cerca de 9 quilómetros – desde o cruzamento para S. Macário até ao cruzamento para Regoufe – e é uma sequência de sobe e desce constante, de curta duração cada um, mas em que encontramos por vezes pendentes bastante acentuadas.

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A provação tinha terminado. Do Mafarrico nem sombras…

Mais ou menos a meio, quando estamos próximos de Drave – uma aldeia abandonada situada à cota dos 650 m – encontramos as pendentes máximas: cerca de 27% ascendente e aproximadamente 35% descendente! São pequenos troços mas ainda assim a justificarem muita atenção….até porque a paisagem também merece ser contemplada.

Do Inferno ao Paraíso (leia-se, uma Posta Arouquesa)

Chegados ao final, restava-nos optar: ou à direita, pela encosta da Serra de S.Macário em direcção a Janarde e assim seguiríamos no mesmo registo até Castro Daire, ou em frente, até Arouca onde nos esperava uma belíssima Posta Arouquesa. Atendendo ao adiantado da hora….seguimos em frente!

Mas até Arouca, pela M510 – ainda tínhamos bastante “mão de obra” porque à medida que descíamos, a paisagem também mudava, agora já bastante arborizada e verdejante e a estrada passava a ser muito mais sinuosa, com curvas e contra-curvas sucessivas.

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Começamos a descer

Passámos em Ponte de Telhe, com uma vista paradisíaca e pouco depois, estávamos em Arouca.

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Ponte de Telhe

Lançámo-nos à Posta como se não houvesse amanhã.

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Reabastecimento com a Posta Arouquesa

Nesta altura estávamos ainda bem longe do nosso destino! E o cansaço (no meu caso, aumentado pelo motivo atrás referido) destes cerca de 60 km pela Serra da Arada e também um pedaço da Freita, justificavam a paragem. 

A caminho de Castro Daire

Depois de reabastecermos as máquinas e consolarmos o estômago, fizemo-nos novamente à estrada. Seguimos pela R326-1 até Alvarenga (cerca de 20 km), a auto denominada Capital do Mundo (uma história curiosa: parece que nos anos 60 do século passado, um grupo de jovens da terra mas que viviam no Brasil veio aqui passar férias. Como jovens portugueses, estavam abrangidos pelo recrutamento obrigatório devido à guerra colonial. Restava-lhes uma de duas opções: ficar e serem recrutados ou regressarem rapidamente ao Brasil. Escolheram esta última, não sem antes inscreverem a expressão “Capital do Mundo” nas placas toponímicas da terra. Que assim ficaram…). Esta é  uma estrada bastante sinuosa e interessante não fosse ter imensa procura: é por ela que se acede aos famosíssimos Passadiços do Paiva e à nova Ponte Suspensa que dizem ser a maior do mundo (esta nossa mania de termos que ser os maiores do mundo…em minudências!).

E se a moda dos passadiços alastrou (já falei dos baloiços…) prevejo que em breve teremos pontes suspensas um pouco por todo o lado…

Em Alvarenga fizemos nossa a EN225.

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EN225

Recomendo vivamente esta estrada (que começa em Castelo de Paiva), nos 40 km que vão de Alvarenga até Castro Daire. Lindíssima pelo enquadramento paisagístico, com recantos com quedas de água e divertidas sequências de curvas que acompanham em largos momentos o curso do Rio Paiva.

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Queda de água – EN225

Peca apenas pelo estado do piso. Descuidado e certamente negligenciado por quem dele é responsável (nada de novo, infelizmente).

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EN225

A caminho do final da jornada

Já os restantes 20 km que percorremos na EN225, até Vila Nova de Paiva, são o contrário: bom piso e estrada “a direito”. Pouco interessantes e sem história. Aqui já a decisão estava tomada: o final da jornada seria em Fornos de Algodres.

Pelo caminho ainda uma breve paragem em Penalva do Castelo – do Castelo nem sombra… – e foi seguir viagem que a hora ia adiantada e já nos aguardavam para o merecido jantar.

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Penalva do Castelo

Termino com uma recomendação: o Solar dos Cáceres em Casal Vasco – Fornos de Algodres. Excelentes condições, onde o velho solar está enquadrado por moderna arquitectura e uma convidativa piscina com a envolvente do espaço verde que a rodeia, tudo condimentado com a simpatia no acolhimento que nos deixa vontade de voltar.

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Solar dos Cáceres

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Solar dos Cáceres- Piscina

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Fontanário em Casal Vasco

Este percurso que fizemos não era o inicialmente planeado. Mas uma das características de um bom plano é o poder ser adaptado à realidade do momento. De facto, optámos pela Posta Arouquesa em vez de continuar pelo caminho serrano. O desvio a Penedono e Sernancelhe ficou para melhor oportunidade…até porque o tempo não seria suficiente.

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Em ordem de marcha…

Chegámos ao final, com plena satisfação sobre as opções tomadas. E fartinhos (não exageremos…cansados sim, fartos não!) de curvas. De tal forma que no dia seguinte…. a D. Estrela acolheu-nos!

Mas essa é outra história…ao virar da esquina.

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Fornos de Algodres

Agradecimentos

Para lá dos meus amigos e companheiros desta e de outras viagens, o Jaime Fernandes e o José Serra, quero deixar um especial reconhecimento ao Jorge Casais. Não nos conhecemos pessoalmente mas vamo-nos acompanhando nas nossas deambulações mototurísticas.

O Jorge será uma das pessoas que mais e melhor conhece as estradas, estradinhas e caminhos desta nossa terra (de certeza melhor que as Infraestruturas de Portugal…). A ele recorri e das suas sugestões nasceu uma grande parte do caminho feito (outras ficaram em carteira à espera de nova oportunidade). Por isso o reconhecimento e um grande bem haja! Sigam-no aqui: Rides in my country and also beyond borders

(este texto agora revisto, foi originalmente publicado no #39 da revista Andar de Moto – Agosto/21)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FUI VISITAR A D. ELVIRA

Há muito que esta visita estava prometida.

Costumamos dizer “Um destes dias vou lá…”. Mas, por estas ou por outras razões, acaba por nunca ser.

Desta vez foi!

A vetusta senhora estava à espera, já o sabia. Fui encontrá-la com excelente aspecto. Idosa é certo, vestida à moda da sua época, mas conservada como se ainda estivesse no alvor da sua juventude.

Verdade seja dita que também está muito bem instalada. Amplo salão, com muita luz natural (mitigada por grandes persianas) e impecavelmente limpo. A D. Elvira estava à espera, confortavelmente instalada na mezzanine de onde podia observar a maioria dos seus companheiros. Aqueles que não estavam ao lado dela no piso superior.

Deixem-me apresentar-vos a D. Elvira: um espectacular Ford T de 1906 , veículo dos primórdios da História do Automóvel.

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A D. Elvira

O local? O Museu Automóvel do Caramulo.

Mas vamos por partes, porque o caminho para lá chegar foi longo (e divertido, muito divertido!).

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Gentlemen, start your engines!
A caminho do Caramulo – o prelúdio da jornada

Pelo caminho mais fácil, nunca aquele que um motociclista deseja, por auto-estrada e outros bons caminhos, são cerca de 280 km e 3 horas de viagem. Mas que piada tem isso, quando podemos divergir um pouquinho e abraçar as serranias que ficam ao lado?

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A caminho…

Assim fizemos. Mesmo que para maximizar o tempo de diversão fosse necessário percorrer uns ainda longos 170 km pela A1, A23 e A13 até ao nó de Alvaiázere. Aí saímos em direcção a Figueiró dos Vinhos (a obrigatória paragem para reforço de cafeína).

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Venha a diversão

E qual não foi a nossa surpresa, porque depois de tanta monotonia, assim que deixámos o asfalto pago…encontramos uma estreita estrada, com alguma inclinação, ganchos à direita e esquerda, para apanharmos a M517 que no conduziria a Figueiró.

3 km chegaram para abrirmos a pestana… e demos connosco em Venda do Henrique. Nome que me soou a estranho, vá-se lá saber porquê! Bem, selfie da praxe e a caminho do ansiado cafezinho.

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Venda do Henrique

Mas para lá chegarmos, ainda desfrutámos de uns 20 km bem interessantes…assim a modos que um aperitivo para o que nos aguardava no resto do dia.

Convém aqui referir que desta feita não estava sozinho. O Jaime e o Zé são, para lá de amigos de longa data, parceiros habituais de tertúlias, passeios e convívios motociclísticos.

Todos tínhamos vontade de visitar o Museu do Caramulo e fazer com que o caminho até lá fosse memorável.

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Amigos da vida e companheiros da estrada
Em modo sobe e desce, curva e contra-curva

 De Figueiró dos Vinhos até Castanheira de Pêra são pouco mais de 15 km. Por estrada nacional…claro! Fizemos mais do dobro.

O primeiro ponto de passagem foi uma aldeia com um nome curioso: Ana de Aviz. Aqui virámos à esquerda, para a M525, que nos levou até às Fragas de S. Simão.

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Aldeia de Ana de Aviz

 À beira da estrada, fica o miradouro de onde conseguimos vislumbrar uma paisagem extraordinária: duas graníticas paredes rochosas verticais onde, bem lá no fundo, corre a Ribeira de Alge.

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Fragas de S. Simão

Deste miradouro sai um passadiço que desce até lá abaixo, ao longo de cerca de 2 km até à aldeia de xisto de Casal de S. Simão. Pelo caminho, passa pela praia fluvial das Fragas de S. Simão. Não era nosso objectivo caminhar…até porque o destino estava ainda longe.

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Passadiços de S. Simão

Prosseguimos sem mais paragens até Castanheira.

Sem paragens mas com muita “mão de obra”: a M525, as CM1447, CM1131, CM1130, CM1128, a M521 e finalmente a EN347 deixaram-nos às portas de Castanheira de Pêra com um enorme sorriso no rosto. E mal tinha começado a festa…porque vinha aí em pleno a Serra da Lousã.

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Castanheira de Pêra
Rumo ao almoço, na Lousã

A Serra da Lousã é linda. Arvoredo frondoso e uma estrada espectacular. Mais “trabalhinho” para as nossas meninas.

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Vista da Serra da Lousã para sul

 

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Cromos….

Ainda não tinha falado das nossas companheiras mas aqui vai: uma V-Strom 650, uma Multistrada 950 e a Africa Twin do escriba.

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As maravilhosas máquinas voadoras

As armas perfeitas para nos divertirmos com segurança, algum conforto (até porque levávamos bagagem) e desfrutarmos de bons momentos de condução.

Para lá de repetir que a paisagem é fantástica, as curvas e contra-curvas são deleite puro, passámos ainda, ao longo destes 30 km que nos separavam do reabastecimento alimentar, pela bonita aldeia de xisto do Candal.

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Panorâmica do Candal

 

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Candal

Se fosse esse o objectivo – as aldeias de xisto – teríamos muito para ver: não só a já falada Casal de S. Simão, o Candal onde passámos, também Talasnal e Cerdeira ficavam aqui próximo.

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Serra da Lousã

 

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Serra da Lousã

 

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Serra da Lousã

 

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Serra da Lousã

Chegámos finalmente à Lousã. A jornada ia longa. Cerca de 4 horas de viagem até agora e muito havia ainda a percorrer. Era tempo de almoço. Foi o que fizemos.

Começa o meio dia da tarde

Com motos e condutores devidamente atestados, Lousã ficou para trás.

O que não abandonámos foi o traçado sinuoso do percurso escolhido. Até Vila Nova do Ceira, onde apanhámos e depois seguimos pela Estrada Nacional 2, percorremos a EN342 e depois a M554. Em Serpins, seguimos junto ao Rio Ceira pela EN342-3 durante um pedaço, até Candosa. Depois, a estrada afasta-se do rio. Prosseguimos até V. N. do Ceira e à EN2.

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Vila Nova do Ceira

Nesta altura tínhamos um objectivo concreto: estávamos aqui e impunha-se uma visita ao nosso amigo Rogério Lima e ao seu Central Bar em Vila Nova de Poiares. Um local já célebre para quem percorre a EN2 e que no dia seguinte viveria um momento alto: o Portugal de Lés-a-Lés aqui fez a sua paragem obrigatória.

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Com o Rogério Lima no Central Bar – V. N. Poiares

Breve descanso, pusemos a conversa em dia pois tinha aqui estado em Janeiro do ano passado (este malfadado ano e meio!) e não tinha voltado.

Seguimos viagem, deixámos a EN2 e rumámos ao Mosteiro de Lorvão. Sempre no registo de estradas secundárias, tão sinuosas quanto possível.

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Lorvão…é para ali
Até ao Mosteiro do Lorvão

Não foi fácil dar com o Mosteiro. Alguma confusão entre o que víamos na estrada e o que o GPS nos dizia. E pelos vistos não fomos só nós. Lá chegados, outro visitante veio-nos perguntar por onde deveria ir para sair dali…

Lorvão é uma pequenina aldeia, ao ponto de a rua principal até ter circulação alternada. Quando deparamos com o edifício que foi Mosteiro primeiro e Hospital mais tarde, ficamos surpreendidos pela sua dimensão rodeado de serrania com frondosa vegetação. E água a correr por todo o lado! Diversas fontes, dá ideia que entre quaisquer duas pedras brota água, límpida e fresca.

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Lorvão

A origem perde-se no tempo. Lorvão derivará de “Lurbine”, nome da paróquia suevo-visigótica cuja lenda diz que aqui terá sido localizada, no Séc VI. Os primeiros documentos escritos em que é referido são de 878. Aqui existia uma comunidade que teve papel fundamental no povoamento e no fomento agrário. São os Monges de Cluny que vão fundar o Mosteiro e dedicá-lo a S. Mamede e S. Pelágio.

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Mosteiro de Lorvão

O Mosteiro e a comunidade cresceram e desenvolveram-se e no Séc. X tinha relevância na região, até porque os domínios se tinham estendido devido a muitas doações de fiéis. No final deste século, todavia, com a conquista muçulmana, este esplendor vai decair.

Mas foi período que durou menos de um século. A partir de 1064, a par com a reconquista cristã, a comunidade laurbanense recuperou o seu prestígio, esplendor e em redor do Mosteiro cresceu uma população atraída pelo trabalho oferecido pelos monges nas suas vastas propriedades.

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Mosteiro de Lorvão

Depois de uma fase inicial na posse dos monges eremitas de Santo Agostinho ou sem regra fixa, em 1109, o Conde D. Henrique fez doação do Mosteiro ao Bispo de Coimbra, tendo o mesmo adoptado, em meados do séc. XI, a Regra Beneditina, que se manteve até 1200, quando passou para a Ordem de Císter. Nesta data, não apenas se adoptou a nova reforma cisterciense, como o Mosteiro passou a ser feminino, tendo por invocação Santa Maria.

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Mosteiro de Lorvão

Deve-se esta profunda mudança que, naturalmente implicou também adaptações nos espaços, a D. Teresa, filha do rei D. Sancho I. Esta, vendo anulado o seu casamento com Afonso XI de Leão, veio para Lorvão e aqui introduziu a congregação feminina, expulsando os monges.

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Mosteiro de Lorvão

Até aos Séc. XVII e XVIII, em que por via de sucessivas obras o Mosteiro veio a ter a configuração que hoje podemos ver, passou por diversos momentos de esplendor e outros nem tanto, mas sempre com notória importância e que foram também acrescentando dimensão ao edificado.

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Mosteiro de Lorvão – Entrada da Igreja

Entre 1748 e 1761, procedeu-se a nova remodelação. E a definitiva que veio até à actualidade. A igreja foi reconstruída e o seu traçado denota a forte influência do barroco joanino de Mafra. Para além da arquitetura, são nela merecedores de especial atenção, os túmulos de prata das Santas Teresa e Sancha, da autoria do ourives portuense Manuel Carneiro da Silva, datados de 1715; as grandes telas de Pascoal Parente, representando São Bento e São Bernardo, nos altares sob o zimbório; e a porta de entrada de pau-preto, com aplicações de bronze dourado. Paralelamente a esta campanha, procedeu-se à mobilação litúrgica e artística. 

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Mosteiro de Lorvão – interior

A separação entre a Igreja e o Coro é feita por uma grade de ferro forjado com aplicações de bronze dourado, a melhor obra de rococó do seu género, em Portugal. Sobre ela ergue-se o órgão de duas fachadas em sóbrio, mas gracioso, neoclássico. A particularidade das duas fachadas se encontrarem opostas uma à outra, tornam-no único no país. Foi feito por António Xavier Machado Cerveira em 1795 e tem 61 registos.

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Mosteiro de Lorvão – interior

Destaca-se, num dos altares do coro, a formosa imagem de Nossa Senhora da Vida, do séc. XIV. Mas, o que naquele espaço, mais desperta a admiração é, sem dúvida, o grandioso cadeiral em jacarandá preto do Brasil e nogueira, construído entre 1742 e 1747, pela delicadeza dos ornatos, pela espiritualidade tocante dos santos mártires esculpidos sobre as cadeiras e pela nota de fantasia dada pelas máscaras existentes na parte inferior dos assentos.

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Mosteiro de Lorvão – cadeiral

É o mais espectacular cadeiral português e o mais magistral, sob o ponto de vista técnico.

A Revolução Liberal de 1820 e a extinção das Ordens Religiosas em Portugal, em 1834, deram início à depredação de todas as riquezas acumuladas durante séculos. Espoliadas dos seus bens, as últimas freiras de Lorvão acabaram na mais degradante miséria. Tendo sido proibido ao Mosteiro de Santa Maria de Lorvão receber noviças, a última monja faleceu a 8 de Julho de 1887.

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Mosteiro de Lorvão – orgão

Abandonado durante a primeira metade do séc. XX, o Mosteiro viria a ser restaurado pelo Estado, tendo então ficado com três dormitórios, noviciaria, hospício, coro, igreja, dois claustros, refeitório, botica, cartório, oficinas, celeiro e outras dependências. A generalidade destas instalações foi, até 2012, ocupada por uma unidade hospitalar para doentes de foro psiquiátrico, o Hospital Psiquiátrico de Lorvão.

Visitámos a Igreja e sem dúvida que o cadeiral nos deixou impressionados. Lindíssimo!

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Mosteiro de Lorvão – interior

Veja-se o que José Saramago referiu em 1981, no seu livro “Viagem a Portugal”:

…Estes caminhos são fora do mundo. Estando o céu aberto e o sol fulgindo, talvez a paisagem se torne amável, mas o viajante (nota: assim ele se refere a si próprio, Saramago) duvida. Tudo por aqui é grave, severo, um pouco inquietante. As árvores escuríssimas, as encostas quase verticais,a estrada que tem de ser acautelada.

De Lorvão não viu muito. Levava a cabeça cheia de imaginações, e poertanto só se pode queixar de si próprio. Da primitiva construção, no século IX, nada resta. Do que no século XII se fez, uns poucos capitéis. Pouco relevantes as obras dos séculos XVI e XVII.De maneira que aquilo que mais avulta, a igreja, é obra do século XVIII, e este século não é dos que o viajante mais estime, e em alguns casos desestima muito. Vir a Lorvão á espera de um mosteiro que corresponda a sonhos românticos e responda à paisagem que o rodeia, é encontrar uma decepção. A igreja é ampla, alta, imponente, mas de arquitectura fria, traçada a tira-linhas e escantilhão de curvas. E as três gigantescas cabeças de anjos que enchem o frontão por cima da capela-mor, são, no franco entender do viajante, de um atroz mau gosto. Belo é porém o coro, com a sua grade que junta o ferro e o bronze, belo o cadeiral setecentista. E aqui aproveita para verificar que o século XVIII, que tão mal se entendeu com a pedra, soube trabalhar a madeira como raras vezes antes e depois. E é também belo o claustro seiscentista, da renascença coimbrã. E se o viajnate está de maré de não esquecer o que estimou, fiquem também notadas as boas pinturas que na igreja estão.…”

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Mosteiro de Lorvão

Que da nossa modesta apreciação ou da ilustre escrita do nosso Nobel, fique a vontade de visitar estas paragens. Julgo que os viajantes não ficarão desapontados. pelo contrário. Escolham um dia bonito (como o que encontrámos) e talvez o vosso olhar seja como o nosso, mais benevolente.

A caminho do Caramulo

 A tarde ia adiantada e a perspectiva inicial de nos embrenharmos de novo nas estradinhas mais secundárias foi revista. Importava chegar ao destino ainda com dia aberto. Tínhamos a subida da Serra do Caramulo, pelo percurso tornado célebre pela Rampa Automobilística, e a visita ao Caramulinho: uma daquelas vistas a 360º que nos espandem os horizontes.

Assim, apontámos para um percurso mais rápido pelo IP3 até Tondela, passando por Penacova.

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Penacova

Com a curiosidade de em grande medida seguir paralelo à Estrada Nacional 2 o que nos possibilitou ter uma outra perspectiva desta: não a de quem nela vai mas sim de quem vê os que lá vão!

Pequena paragem para reabastecimento alimentar e rumámos ao Caramulo. Que estava bem à nossa frente. Cerca de 20km pela EN230, com passagem por Campo de Besteiros .

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Já a subir para o Caramulo

E foi precisamente a partir daqui que tivemos a parte final de diversão do dia.

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Diversão…

A subida até ao Caramulo, em excelente estrada, com curvas e contra-curvas sucessivas foram a melhor forma de concluir a jornada que ia bem longa.

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Caramulo

Faltava só a “piéce de resistence”: a subida ao Caramulinho! Passámos em frente do Museu do Caramulo (e do hotel onde recuperaríamos forças) e seguimos por mais 3 km a subir.

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Caramulinho

 

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Caramulinho

 

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Caramulinho

 

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Caramulinho

 

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Caramulinho

 

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Caramulinho

Por falar nisso, o Golden Tulip Caramulo Hotel & SPA onde ficámos revelou ser uma excelente opção. Com 4 estrelas, preço em conta, serviu na perfeição, até porque fica em frente do Museu o que é bastante conveniente.

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Golden Tulip Caramulo Hotel & SPA

Algo datado na decoração é verdade, mas com excelentes condições de conforto e um acolhimento extra-simpático, só teve um senão: porque não nos apetecia andar às voltas, resolvemos marcar o jantar no respectivo restaurante. Azar!

Reserva feita para as 21h, cardápio na mão às 22.15h, manjar nitidamente de recurso (sopa salgada com aroma a cenoura, potas à lagareiro, para mais aquecidas no micro-ondas…excesso de sal? potas? francamente!). Se fosse no Hell´s Kitchen tinha havido bernarda da grossa!!! E no final…convite para levantar ferro porque já estávamos a ultrapassar a “hora de recolher da pandemia”.

O preço foi a condizer com a casa, manifestamente exagerado para a qualidade do repasto ou do atendimento. O restaurante ganhou uma cruz! E esta referência, claro…

A visita ao Museu seria na manhã do dia seguinte.

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Caramulinho – por-do-sol e final de jornada

 

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As máquinas gozam o merecido descanso
Museu Automóvel do Caramulo

O Caramulo (a localidade) nasceu do espírito empreendedor da família Lacerda.

Jerónimo Lacerda, médico com grande espírito empreendedor, vindo dos campos de batalha da 1ª Grande Guerra, resolve lançar uma estância termal e turística do melhor que havia por esse mundo fora.

Aproveitando os ares e as águas da Serra do Caramulo, era esta infraestrutura virada para o combate ao flagelo da época: a “peste branca” como lhe chamavam, ou seja, a tuberculose.

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Museu do Caramulo

Da página do Museu do Caramulo retiramos este texto que muito bem resume a história do Caramulo:

“Magnífica obra urbanística dotada de infra-estruturas únicas em Portugal, naquela data. Em 1938 já possui água canalizada ao domicílio, uma exemplar rede de esgotos urbanos e respectiva estação de tratamento, sistema de recolha de lixos com forno crematório, energia eléctrica produzida a partir de central hídrica própria, bem como um planeamento urbanístico invulgar, com estradas largas com passeios, espaços verdes e jardins públicos de beleza incomparável e numa proporção nunca vista. É neste cenário que, em 1921 e 1923, nascem dois filhos do Dr. Jerónimo de Lacerda, Abel e João.

Cientes de que o progresso da medicina ditaria o fim do Caramulo enquanto centro de tratamento, Abel, que enveredara pela carreira de economista, e o seu irmão João, médico, iniciam a procura de ideias que assegurem a sobrevivência da sua terra e a continuação da obra herdada. Decidem programar a transformação das estruturas existentes em turismo de altitude e retirar ao nome Caramulo o epíteto de doença, convertendo o cenário serrano em pólo de atracção cultural e artística.

É com esta ideia em mente que Abel e João de Lacerda fundam, nos anos cinquenta, um invulgar museu, situado numa montanha no centro de Portugal, com luxuriante vegetação, virada a Sul, sobre um vale extenso de 80 Km: o mais vasto panorama do país. Abel de Lacerda, apaixonado pela arte, constrói um edifício, com os mais modernos conceitos de museologia, para expor uma invulgar colecção de objectos de arte constituída por 500 peças de pintura, escultura, mobiliário, cerâmica e tapeçarias, que vão do antigo Egipto até Picasso.

João de Lacerda, apaixonado por automóveis, constrói outro edifício anexo ao primeiro, vocacionado para expor 100 automóveis e motos, dentro do princípio de que todos os veículos pudessem sair facilmente, para exibição e conservação.

Com a morte prematura de Abel de Lacerda em 1957, criou-se a Fundação Abel de Lacerda – hoje Fundação Abel e João de Lacerda – detentora do Museu do Caramulo. Aberto ao público todo o ano, o Museu do Caramulo já recebeu mais de um milhão e meio de visitantes desde a sua criação. O edifício planeado por Abel Lacerda, para albergar as preciosas antiguidades doadas, foi inaugurado pelo Presidente da República em 1959, tendo sido um dos primeiros museus concebidos e realizados em Portugal, com todos os requisitos modernos da museologia.

Depois de uma excelente noite de sono, sentidos todos alerta para uma viagem à história dos motores – sim, o Museu também tem motos.

A expectativa era elevada. E foi confirmada!

Vamos por partes:

A visita principia no edifício central onde tivemos oportunidade de apreciar uma magnífica colecção de miniaturas. Merecedora talvez de um espaço mais amplo em que fosse possível uma maior separação das peças e uma arrumação temática mais detalhada. Mas não há dúvida que vela a pena determo-nos um pedaço a apreciar brinquedos….que não são brincadeira.

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Museu do Caramulo – colecção de miniaturas

 

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Museu do Caramulo – colecção de miniaturas

 

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Museu do Caramulo – colecção de miniaturas

 

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Museu do Caramulo – colecção de miniaturas

 

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Museu do Caramulo – colecção de miniaturas

Passámos depois ao edifício lateral, onde está a D. Elvira que referi no início em muitíssimo boa companhia. Convém esclarecer que escolhi o Ford T para “a” D. Elvira por ser um modelo que marcou profundamente toda a História do Automóvel. Mas a outros que lá estão também assentaria bem.

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Museu do Caramulo – Ford T – A D. Elvira

Já agora, não consegui descobrir – e tentei mesmo – porque razão se utiliza o termo para designar estas preciosidades. No dicionário fica bem definido que uma D. Elvira não é uma velharia ou uma carripana.

O significado é: ”um automóvel de modelo muito antigo, mas que poderá estar muito cuidado e a funcionar relativamente bem.”

Mas porquê D. Elvira e não uma outra Dona qualquer? Alguém sabe? Adiante…

Este edifício amplo – e onde também está a loja que tem alguns artigos de memorabilia bem interessantes – irrepreensivelmente limpo, com temperatura adequada apesar das grandes janelas envidraçadas de um dos lados, com a luz solar temperada por persianas, reúne no piso térreo e na mezzanine um conjunto relevante de veículos que marcaram de uma forma ou de outra a história do automóvel, nomeadamente em Portugal: desde o Chrysler Imperial que transportou Álvaro Cunhal na sua fuga da prisão de Peniche, o Mercedes blindado de Salazar, o desportivo Alba de fabrico nacional, tal como o pequeno IPA, ou o Reynard de Fórmula 3 que levou Michael Schumacher à vitória no Grande Prémio de Macau de 1990, derrotando (como viria a fazer inúmeras vezes depois na F1) Mika Hakkinen.

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Museu do Caramulo – panorâmica

 

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Museu do Caramulo – panorâmica

Não faltam os Bugatti, Ferrari, Mercedes, Alfa Romeo, Rolls Royce, BMW, Cadillac. Um Pegaso também.

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Museu do Caramulo – Lion

 

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Museu do Caramulo – Delahaye 43 PS

 

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Museu do Caramulo Rolls-Royce Silver Ghost

 

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Museu do Caramulo – Renault 20HP

 

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Museu do Caramulo – Abadal 25HP

 

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Museu do Caramulo – Rolls-Royce Silver Ghost

 

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Museu do Caramulo – De Dion Bouton A1

 

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Museu do Caramulo – Hispano-Suiza H6B

 

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Museu do Caramulo Chrysler Imperial

 

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Museu do Caramulo – Mercedes-Benz 770 Grosser

E as verdadeiras D. Elvira: Benz, De Dion-Buton, Panhard Levassor, Hispano-Suiza, Abadal, Delahaye, Peugeot (de 1899), Darracq, Unic.

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Museu do Caramulo – Cadillac Series 75

 

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Museu do Caramulo Panhard & Levassor 16 18HP

 

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Museu do Caramulo – Rolls-Royce Phantom II Sports Coupé

 

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Museu do Caramulo – Mercedes-Benz 380K

 

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Museu do Caramulo – Bugatti Type 57C Atalante

 

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Museu do Caramulo – Bugatti Type 35B

 

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Museu do Caramulo – Peugeot Bébé

 

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Museu do Caramulo – Unic Type A1

 

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Museu do Caramulo – Benz 20HP Grand Landaulet

 

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Museu do Caramulo – Fiat 12 15HP

 

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Museu do Caramulo – Ford T

Ou os mais recentes, Mercedes Silverwing, Jaguar Type E, Lamborghini Miura, Maserati Merak e os Lancia 037 e Delta HF que tantas vitórias conquistaram nos ralis por esse mundo fora. Nem sequer falta um VW Carocha artilhado com uns skis, um Triumph, um Simca ou até uma Fiat 600 Multipla…ou um VW Kubelwagen da 2ª guerra mundial.

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Museu do Caramulo – Ferrari 195 Inter

 

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Museu do Caramulo – VW Kubelwagen

 

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Museu do Caramulo – Reynard 903 – M. Schumacher

 

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Museu do Caramulo – IPA 300

 

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Museu do Caramulo – Alba

 

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Museu do Caramulo – VW Carocha Typ 11 Export

 

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Museu do Caramulo – Fiat 600 Multipla

 

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Museu do Caramulo – Simca 1000 Rallye 2

 

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Museu do Caramulo – Lancia 037

 

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Museu do Caramulo – Lancia Delta Integrale HF

 

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Museu do Caramulo – Maserati Merak

 

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Museu do Caramulo – Jaguar E-Type 4.2 OTS

 

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Museu do Caramulo – Lamborghini Miura P400 SV

 

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Museu do Caramulo – Mercedes-Benz 300 SL

 

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Museu do Caramulo – Pegaso Z102 B Touring Berlinetta

Devo dizer que quando saí, tinha um leve “sabor a pouco”. Estava à espera de ver mais carros.

Depois, digerida a visita, revista a colecção de fotos, é um facto que estão lá representados praticamente todos os emblemas que num ou noutro momento foram verdadeiramente relevantes. E alguns dos modelos que deixaram a sua marca na História do Automóvel.

E motos? Já referi que não sendo o foco principal do museu, também lá estão representadas: várias Indian, Vellocette, Matchless, Norton, BSA, Rudger, Wanderer-Werke, Peugeot… E até as mais recentes Honda CX650 Turbo ou NR750!

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Museu do Caramulo – Motos – panorâmica

 

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Museu do Caramulo – Motos – panorâmica

 

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Museu do Caramulo – Indian 101 Scout

 

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Museu do Caramulo – Honda CX 650 Turbo – Honda NR750

Ainda assim, achei que havia algumas lacunas que não esperava (meros exemplos):

  • uma representação da indústria nacional mais recente – os UMM e Portaro, por exemplo. Seja nas suas versões normais, seja naquelas que brilharam no Paris-Dakar;
  • alguns dos carros que marcaram o panorama dos ralis (nacionais e internacionais) como sejam os Ford Escort, Fiat Abarth ou Audi Quattro.

Mas o facto é que no Museu Automóvel do Caramulo conseguimos ver a História do Automóvel desde o seu início. O primado da qualidade versus a quantidade.

E um elogio que merece ser destacado: todos os automóveis e motos em exposição estão irrepreensíveis!

Nota final: depois da visita, surgiram-me algumas questões que achei valeriam a pena ser esclarecidas. Enviei um e-mail ao Museu em que questionava o seguinte:

  • se os veículos expostos representavam o total do acervo do Museu ou outros existem que não estariam expostos (eventualmente para assegurar alguma rotatividade)?
  • em condições normais, realizam exposições temporárias com outros veículos do acervo do museu ou de outros coleccionadores? Com que frequência?
  • todos os veículos do acervo pertenciam à colecção do Dr. João de Lacerda ou foram doados, com está expresso num texto à entrada do Museu? Ou algumas viaturas têm sido adquiridas?

Mais de 1 mês depois….nem resposta!

Lamentável…mas algo que tenho constatado ser uma constante em muitas empresas e instituições nacionais.

A mim ensinaram-me que uma carta, qualquer carta, merece sempre uma resposta. Outros tempos…

Conclusão

E pronto! O objectivo estava concluído. Uma excelente jornada motociclística, complementada com uma visita ao Museu Automóvel do Caramulo, um desejo já de longa data.

Veja aqui o filme que está no Canal Youtube de Viagens ao Virar da Esquina e fique a conhecer melhor o Museu do Caramulo. 

E a seguir?  Pois…a seguir foi o Inferno! Mas essa é outra história ao virar da esquina…

 

 

 

 

 

 

 

 

 

À procura de uma estrada…para a Multistrada!

Quando projectamos o olhar para o horizonte temos tendência a não ver…onde pomos os pés! Quero com isto dizer que, ao procurarmos o longínquo, esquecemos por vezes o que está perto. Foi o caso…

Precisava de uma estrada sinuosa, não muito longe porque o tempo disponível era escasso, que me permitisse explorar algumas das imensas capacidades da Ducati Multistrada V4S. E ao mesmo tempo fugir ao habitual…

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Ducati Multistrada V4S

Nada como recorrer ao velhinho (velhos são so trapos!) mapa das estradas. E recordar que aquela que costumamos chamar de região saloia é tudo menos plana. Apesar de não ter características montanhosas (a altitude mal chega aos 400 m) a morfologia do terreno é um permanente sobe e desce, com alguns declives pronunciados.

Como muito bem souberam aproveitar os resistentes exércitos portugueses e ingleses, quando as tropas napoleónicas resolveram vir até cá… As famosas Linhas de Torres, 3 perímetros quase concêntricos de defesa da cidade de Lisboa, compostos por mais de uma centena de fortificações que têm pouco de engenharia de construção mas têm imenso de estratégia militar e aproveitamento daquilo que o próprio terreno oferece. Mas já lá iremos.

Se o terreno é acidentado estão reunidas as condições para encontrarmos estradas sinuosas. Foi isso que procurei…e encontrei. A Estrada Nacional 116! 

Descrição da EN116

Quando o Plano Rodoviário de 1945 estruturou aquilo que viria a ser a rede viária nacional e “criou” as Estradas Nacionais, definiu a necessidade de uma estrada que fosse uma via circular de Lisboa, a norte, tal como a EN10 a sul, cuja história vos contei há algum tempo. É a Estrada Nacional 116 que principia na Ericeira e termina em Alverca.

E neste caso, o termo rede aplica-se com toda a propriedade. O seu início situa-se hoje numa rotunda na Ericeira, onde entronca com a EN247. (Peniche-Cascais), cruza sucessivamente a EN9 (Cascais-Alenquer) com a qual se sobrepõe durante todo o atravessamento de Mafra e até a Carapinheira.

Mais à frente encontra a EN8 (Lisboa-Alcobaça) com a qual também se sobrepõe entre Malveira e Freixieira, Pouco mais adiante, cruza a EN374 (Carvoeira-Loures) que passou pouco antes pelo Cabeço de Montachique.

Em Bucelas, é a vez da EN115 (Caldas da Rainha-Lisboa) e durante cerca de 100 m os seus trajectos coincidem. E finalmente chegamos a Alverca, onde termina na EN10 (Lisboa(Cacilhas)-Setúbal-Vila Franca de Xira; também já vos contei a história desta inclusivamente a história do seu prolongamento até Sacavém).

E durante todo este trajecto, cruza várias auto-estradas que são mais recentes como sabemos e não estavam contempladas no PNR já idoso de 76 anos: A21, A8, A9 e A1.

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Mapa EN116

O número que a designa está explicado: 1 passeio, 1 estrada e 6 cruzamentos. EN116!

Uma jornada na EN116
1. De Alverca a Bucelas

A extensão desta estrada é curta. Pouco mais de 40 km. Insignificante, pensarão. A rolar, sem pressas, demora-se cerca de 1 hora…um pouco mais porque tem algum trânsito e as travessias das localidades são lentas. Mas se lhe acrescentarmos alguns pontos de interesse que estão nas proximidades, este poderá ser um agradável passeio de 1 dia. Com tempo para uma paragem para almoço … locais não faltam e esta é zona onde se come bem (em Portugal, qual não é?).

Por conveniência e porque é mais agradável terminar o passeio de frente para o mar, fiz o percurso “ao contrário”. Afinal, a estrada tem 2 sentidos pelo que o começo ou o final é mero formalismo. Sabemos que o quilómetro 0 é na Ericeira. E chega.

Chegado a Alverca, começo a percorrer a EN116 na rotunda que também dá acesso à Base Aérea e ao pólo do Museu do Ar. Cruzo a EN10 apenas para aceder às vias que levam aos nós da A1. Aí, mais uma rotunda na qual foi inserido um avião caça em posição de flic-flac à retaguarda, homenagem às OGMA – Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, aqui situadas e um exemplo de excelência na manutenção aeronáutica.

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Monumento OGMA

 Nessa rotunda sigo em frente e passo por cima do viaduto sobre a auto-estrada. Entrei definitivamente na EN116.

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Início da jornada na EN116

Para começo de conversa, não está nada mal. Uma subida com algumas curvas em cotovelo, boas para fazer o aquecimento. É a zona de A-dos-Potes (mais uma curiosa toponímia). Para trás ficou a zona ribeirinha do Tejo, que de vez em quando se vislumbra pelos espelhos retrovisores, lá ao longe.

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Curva e contra curva

Até Bucelas, o percurso continua sempre muito sinuoso, bom piso e rodeado de arvoredo frondoso. Esta freguesia do concelho de Loures, é terra muito antiga, tendo sido há alguns anos identificados vestígios da presença romana junto à Igreja Matriz, situada no centro da vila e que originaram escavações arqueológicas no local.

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Centro de Bucelas – Igreja Matriz

Mas o principal factor de notoriedade de Bucelas tem a ver com a excelência da produção de vinhos, sendo região demarcada. Foi essa aliás umas das principais razões para a sua promoção a vila em 4 de Dezembro de 1927.

Também em Bucelas, temos um Centro de Interpretação das Linhas de Torres. Importante para conhecermos um pouco mais sobre estas fortificações que tão importantes foram em dado momento da nossa História.

A EN116 entra na vila de Bucelas pelo lado nascente. No centro, junta-se à EN115 que tem o rumo sul-norte, por cerca de 100 m. Aí, num semáforo que ordena o tráfego num cruzamento estreito e assimétrico, voltamos à esquerda. Abandonamos a EN115 e retomamos a nossa rota rumo a oeste.

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Bucelas – voltamos à EN116
2. De Bucelas à Malveira

A estrada mantém a toada sinuosa até que chegamos ao Freixial. É aqui que vamos (por um pedaço) sair da nossa estrada.

Viramos à esquerda, seguindo a placa que indica “Cabeço de Montachique” e Ribas. A estrada chama-se precisamente Estrada de Ribas.

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À esquerda para a Estrada de Ribas

Bom piso, predominantemente a subir, é por aí que vamos. A diversão está garantida, com curvas bem lançadas, ora à direita, ora à esquerda, mas com os necessários cuidados porque estamos em zonas com alguma população.

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Estrada de Ribas

A ideia é fazermos toda a Estrada das Ribas, passando por Ribas de Baixo e, inevitavelmente, Ribas de Cima (como disse, a estrada é a subir, neste sentido). São cerca de 4 km até ao cruzamento onde termina. Antes do final, à direita, o acesso ao Parque Municipal do Cabeço de Montachique, local muito aprazível e bem arranjado.

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Estrada de Ribas

Mesmo antes do final, um caminho de terra leva-nos até ao Forte ou Reduto do Mosqueiro (“Obra Militar n.º 57”). Esta fortificação (a 57ª a ser construída) inseria-se na 2.ª Linha do sistema defensivo das Linhas de Torres Vedras. Cobria o lado direito do desfiladeiro de Montachique, controlando os desfiladeiros de Montachique, Ribas e São Gião.

Terminada a Estrada de Ribas (no cruzamento com a EN374) era imperioso subirmos ao Cabeço de Montachique. É o ponto mais alto do concelho de Loures, com 409 m de altitude. Dali temos uma vista espectacular a 360º, com todo o estuário do Tejo e ao fundo o recorte da Arrábida. Olhando para norte, conseguimos vislumbrar Montejunto e para oeste a orla marítima.

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Cabeço de Montachique

 

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Cabeço de Montachique – Baloiço

Quando descemos observa-se curiosa construção em estado de ruína avançada. É o Sanatório Grandella….cuja obra, do início do Séc XX, nunca foi concluída! O Sanatório Albergaria – era este o nome que Francisco de Almeida Grandella pretendia dar ao hospital que idealizou – começou a ser construído em 1919, mas não chegou a ser acabado. Na altura, a tuberculose atingia proporções epidémicas em toda Europa e Portugal não era excepção, pelo que o próprio Estado tomou a seu cargo a criação de uma rede de infraestruturas de tratamento que inviabilizaram a rendibilidade daquele investimento.

Tornei à Estrada das Ribas. À entrada de Ribas de Cima, viro à direita. Descida pronunciada e sinuosa leva-me a uma pequena ponte. Do outro lado, subida igualmente íngreme. Vislumbro as pás de algumas eólicas e quase no cimo da subida, está um bonito miradouro com um dos elementos da actual moda ecológica: o Baloiço das Portelas.

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A caminho do Baloiço das Portelas

 

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Baloiço das Portelas

Voltei para trás porque o objectivo se mantinha. Mas, se tivesse prosseguido, iria passar em Fanhões e Pintéus. Também vale a pena fazer este pequeno troço, principalmente se o objectivo for regressar pois deixa-nos perto de Loures.

Feita a Estrada de Ribas e o que está à sua volta, regressei à EN116 para prosseguir a jornada. Daqui até à Malveira, o trajecto é maioritariamente sinuoso. Passa-se por Chamboeira e Vale de S.Gião.

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Cruzamento com EN374

Continuamos a desfrutar da condução numa estrada razoável e com encadeamento de curvas bastante interessante. Até que, antes de entrarmos na Venda do Pinheiro….a estrada está interrompida! (Convém dizer que anteriormente havia sinalização a avisar e a indicar um desvio, mas que nos levaria para fora da EN116, razão pela qual resolvi seguir e tentar perceber como resolver).

A solução é fácil: no local da interrupção vira-se à direita por umas ruelas e 200 m à frente encontro a EN8. Viro à esquerda, entro na Venda do Pinheiro e vejo o local onde a estrada está interrompida deste lado. Estou novamente na EN116! Problema resolvido.

A partir daqui entro em área urbana, porque a Malveira surge logo que termina Venda do Pinheiro. Todo este percurso sobrepõe-se à EN8 até ao final da Malveira.

A Malveira é uma vila tradicional, uma das principais referências da dita “Região Saloia”, com um rico património cultural e histórico. Tem uma das mais famosas feiras do país – a Feira da Malveira – cujo início remonta a finais do século XVIII e à feira anual, a primeira “livre de direitos”, por foral de D. Maria I.

Outro destaque, muito saboroso diga-se, está na doçaria: as famosas Trouxas da Malveira, uma receita que tem mais de um século de existência, e que consiste numa pequena torta recheada com um creme delicioso.

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Fábrica das Trouxas da Malveira
3) Da Malveira a Mafra

À saída da Malveira, podia ter optado por uma variante para chegar à Ericeira: pela EM549 (seguir pela estrada que passa em frente à Fábrica das Trouxas) em direcção a Gorcinhos, Quintal e Zambujal. Estradinha municipal. muito bonita.

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Malveira – EN116 e EN8

No Zambujal merece visita o Forte. Mais uma obra das Linhas de Torres – a Obra Militar nº 95 – mas esta bastante mais imponente que a maioria das restantes, o que atesta a sua importância

Situa-se na extremidade Oeste da segunda linha, na Serra Gorda, em posição sobranceira ao rio Lisandro e à sua afluente, a ribeira da Vidigueira. Aproveitando uma elevação do terreno, dominava a região envolvente e a estrada que ligava Ericeira a Belas, passando pela Carvoeira.

Tinha como função a defesa das praias da foz do rio Lisandro e de São Julião apoiando a frota inglesa e o controlo da estrada entre Ericeira e Sintra. Em articulação com os restantes redutos da Carvoeira, deveria cobrir uma eventual retirada luso-britânica pela foz do Lisandro e a estrada da Carvoeira.

Como o objectivo era a EN116, desta vez não passei pelo Zambujal mas fica a sugestão. Merece visita (quem sabe, no regresso da Ericeira). Sigamos para Mafra. São só 10 km que, diga-se, não têm grande interesse e a minha atenção prende-se mais com o trânsito que é aqui mais intenso.

Em Mafra, a sucessão de rotundas e vias rápidas fazem jus ao nome. Rapidamente estou no centro da vila e perante a dimensão gigantesca do Convento.

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Palácio Nacional de Mafra

Retirei este resumo do site oficial:

 “O Convento de Mafra (ou Palácio Nacional de Mafra), uma obra monumental, com uma escala assombrosa, é um Convento franciscano, um Palácio do Rei, um Palácio da Rainha, uma Biblioteca, uma Basílica e uma Tapada. Incorporam este património um complexo Hospitalar do século XVIII, dois Carrilhões monumentais do século XVIII, um conjunto (único) de Seis Órgãos de tubos e uma das que, por muitos, é considerada como sendo a mais bonita Biblioteca histórica do mundo.

O Paço Real ocupa todo o andar nobre do edifício de Mafra e os dois torreões, sendo o do Norte destinado a Palácio do Rei e o do Sul à Rainha, ligados por uma longa galeria de 232 m – o maior corredor palaciano na Europa – usada para o “passeio” da corte, tão ao gosto do séc. XVIII. Aqui se esperavam as audiências reais, se exibiam as joias e os vestidos ou se teciam as intrigas políticas e amorosas…

Concebido inicialmente como um pequeno convento para 13 frades, o projecto para o Real Convento de Mafra foi sofrendo sucessivos alargamentos, acabando num imenso edifício de cerca de 40.000 m2, com todas as dependências e pertences necessários à vida quotidiana de 300 frades da Ordem de S. Francisco.

A Basílica ocupa a parte central do edifício, ladeada pelas torres sineiras. Foi feita segundo o desenho de João Frederico Ludovici ourives de origem alemã que, após a sua longa permanência em Itália, a concebeu ao estilo barroco italiano.

A Biblioteca Monástico-Real do Palácio Nacional de Mafra é uma das mais importantes bibliotecas europeias, com um valioso acervo de c. de 36.000 volumes, um “ex libris” da ilustração esclarecida do séc. XVIII.

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Palácio Nacional de Mafra

O Real Convento de Mafra possui um conjunto de dois carrilhões ou seja uma série de sinos afinados musicalmente entre si. No caso de Mafra são noventa e oito sinos, o que os torna uns dos maiores carrilhões históricos do mundo.

O acervo do Palácio Nacional de Mafra integra peças provenientes do Convento de Nossa Senhora e Santo António e peças originárias do Paço Real.

As primeiras, predominantemente do século XVIII, incluem pintura, escultura, metais, paramentos etc., encomenda de D. João V nos principais centros artísticos europeus

As peças de origem palaciana são essencialmente do século XIX, e reflectem a funcionalidade que o palácio tinha como residência de descanso ligada à prática da caça.”

Segui caminho…

4) De Mafra à Ericeira

À saída de Mafra (mais uma rotunda…) surge a opção de seguir para Paz. A Paz é sempre um bom destino. Neste caso também, porque é por ali que se segue para a Tapada Real. Essa estrada, que passa no Gradil e termina mais à frente na EN8 foi em tempos o troço do Gradil do Rali de Portugal….não é preciso dizer mais nada, pois não? (e ali nas imediações há mais umas estradas bem giras!).

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Rumo à Ericeira

Mas não segui para Paz. Segui a indicação Ericeira que fica a 9 km. Os últimos quilómetros da EN116.

À medida que me aproximo do litoral, o cheiro a mar invade-nos. O trânsito é intenso e atravessamos uma zona de Olarias.

Na povoação de Sobreiro, encontro a Aldeia Típica de José Franco. Nascido em 1920, desde miúdo que José Franco conviveu com a arte da olaria que foi também a sua. Nos anos 60 do século passado deu corpo ao sonho de retratar uma aldeia típica saloia, que fosse simultaneamente uma reprodução da vida das gentes dessa época e uma homenagem à sua terra. Merece a paragem e uma visita atenta, porque a riqueza de pormenores que podemos encontrar é magnífica.

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Aldeia Típica José Franco

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Aldeia Típica José Franco

Finalmente, cheguei à Ericeira. À minha frente, o mar. Para a direita e esquerda, a EN247. Se seguisse para sul, chegaria à Foz do Lisandro e iria a caminho de Sintra e depois Cascais.. Se virasse para norte, passaria em Ribeira d’Ílhas, a capital do Surf, e iria até Peniche.

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Chegamos ao fim da EN116

Fiquei na Ericeira.

Presume-se que tenha sido porto do tempo dos Fenícios. O seu nome julgou-se que derivaria de “ouriço” e teria origem nos muitos ouriços-do-mar que por ali apareciam na praia. Mais tarde se provou, quando se descobriu o antigo selo-brasão da vila, que a origem estava correcta…mas derivava sim dos ouriços-cacheiros.

Foi, desde sempre importante porto, não só de pesca mas também de mercadorias, tendo chegado a ser, no Séc. XIX, o mais importante da Estremadura, inclusivamente dotado de Alfândega.

O primeiro foral remonta a 1229 e foi confirmado novamente em 1513 por D. Manuel I. Por herança, chegou a Ericeira à posse de D. António Prior do Crato. E foi aqui que ele tentou, sem resultado, um desembarque militar na luta contra o domínio da coroa espanhola.

Muito mais tarde, às 15h do dia 5 de Outubro de 1910, que chegaram à Praia dos Pescadores os veículos que transportavam a Família Real. Foi aqui que embarcaram no iate real D. Amélia a caminho do exílio. Era o final do Regime Monárquico em Portugal.

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Ericeira – Praia dos Pescadores

 

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Ericeira

Actualmente, para lá da pesca, é o Turismo que anima e contribui para a riqueza da vila da Ericeira. E para o seu cosmopolitismo.

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Ericeira – Turismo

 

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Ericeira – Cosmopolita

A jornada estava terminada. Concluí a Estrada Nacional 116. Pequena é certo, mas ainda assim muito interessante. E com alguns pedaços de condução divertida.

Faltava só um pequeno detalhe. Tinha que ir saborear os pastéis típicos da terra – os Ouriços da Ericeira.

Especialidade da “Casa da Fernanda”…que estava fechada! Era terça-feira.

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Ericeira – Ouriços…não havia

Já sabem…não vão lá nesse dia da semana. Porque os Ouriços são imperdíveis!

Referi no início que quando olhamos para longe, se nos escapa o que está perto. É verdade. Esta EN116 está perto. E porque é que não a estava a ver? Porque estava a olhar para mais longe. E essas são as histórias que vos contarei nos próximos tempos! Não percam…

E sobre a Ducati Multistrada 1250 V4S não há nada a dizer?

Na realidade, considerando tudo o que tem sido dito nas revistas da especialidade, nacionais e estrangeiras, e tem sido bastante, pouco mais poderei acrescentar.

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Ducati Multistrada V4S

Esta Ducati é, provavelmente, a moto (de série) com a maior concentração de tecnologia existente no mercado. E sendo discutível dizê-lo, talvez a melhor do segmento.

Ao referir tecnologia, não estou só a pensar no motor V4 Granturismo que nos entrega sem qualquer hesitação 170 cv e um binário de 125 Nm.

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Motor V4S Granturismo

Nem nos 4 modos de condução parametrizados mas completamente personalizáveis – Urban, Touring, Sport ou Enduro – que gerem a entrega de potência, o controlo de tracção, o ABS, o anti-cavalinho, a regulação da suspensão electrónica (frente e traseira separadas) e da pré-carga, o quick-shift.

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Modos de Condução

Ou até no ecrã TFT colorido onde tudo se passa através dos comandos do punho esquerdo de fácil utilização, o botão específico que acerta a suspensão consoante vou sozinho, com pendura, com carga…ou se deixo isso a cargo da “inteligência” da moto.

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Regulação electrónica da suspensão

Estou a pensar também em dois dos aspectos mais inovadores:

a) se muitas motos têm hoje cruise-control (para quem viaja e é obrigado a longas sessões de auto-estrada, é utilíssimo), esta Ducati tem controlo adaptativo. Isto é, em função de regulação prévia da distância a que queremos que actue, o sistema reduz automática e progressivamente a nossa velocidade em função da velocidade do veículo da frente. Em termos de segurança, julgo ser um avanço significativo. Carece todavia de alguma habituação, para que não fiquemos a dado momento a olhar para a moto sem perceber porque razão “não desenvolve”…

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Cruise Control Adaptativo em funcionamento

b) os avisadores de ângulo morto são umas luzes laranja, uma em cada espelho retrovisor, que nos alertam para a presença de um qualquer veículo naquele ângulo de visão em que nem nós nem o espelho o vemos.

Achei fantástico e o que posso dizer é que deveria ser obrigatório em todos os veículos motorizados (com a possibilidade de ser desligado se circularmos numa via engarrafada, pois aí então estaria sempre acesso e não produziria o efeito pretendido). Fiquei rendido a este elemento que é verdadeiramente de segurança. Parabéns e obrigado, Ducati!

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Detector de ângulo morto

Em andamento, sem ser brusca, esta moto é um foguete. Tem potência e força para dar e vender, suspensões e travões de excelência, um comportamento excepcional em todas as circunstâncias.

Provavelmente por ter o centro de gravidade algo alto, “sente-se” o seu peso. Os duzentos e muitos quilos estão lá e impõem respeito. Mas depois de habituados, a moto assenta que nem uma luva.

0002Hell'sGate
Multistrada V4S

Encontrei-lhe 2 defeitos: um, o já habitual confronto com o algoritmo de gestão da autonomia e consumo de combustível. Quando nos aproximamos das últimas gotas…é um susto. No curto espaço de um percurso com 20 km, vi surgir 117 km de autonomia, 63 km e 32 km….

O segundo defeito, não é bem…. defeito. É feitio!

Um tal concentrado de tecnologia, para mais com a qualidade que a Ducati põe nos seus produtos, nunca poderia ser barato. A Ducati Multistrada 1250 V4S não será para todos os bolsos.

Mas é pena…porque esta Ducati é fantástica!


Para ler a análise completa de Viagens ao Virar da Esquina à Ducati Multistrada V4S: Experimentei a Ducati Multistrada V4S…. Sport!”

E o filme deste passeio pela EN116: “À procura de uma estrada…”

(Este texto foi originalmente publicado no número 37 da revista Andar de Moto – Edição de Junho 2021)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Já conhece Oriola?

Foi assim. Desta forma simples que os meus cinco sentidos ficaram alerta.
Uma atenta seguidora de Viagens ao Virar da Esquina lançou assim, de chofre, a inquietação. Até porque fez acompanhar a interpelação com algumas fotos magnifícas.
“Oriola? O que é? Onde Fica?” – respondi, perguntando da mesma forma directa.

A expressão “Já conhece…” tem o poder mágico de me colocar a curiosidade em estado de alerta máximo. Por vezes não conheço mas já ouvi ou li algo. E acalmo. Neste caso, nada disso!

Enquanto aguardava a resposta fui à Enciclopédia Universal dos nossos dias: o Google. Oriola é uma pequena aldeia, situada a meio caminho entre Viana do Alentejo e Portel (a cujo município pertence).

A conversa prosseguiu mas o “mal” estava feito. Até porque há muito que queria também visitar Viana do Alentejo.

E os astros estavam mesmo de feição. Por esses dias tinha-me sido cedida para uma experiência de condução uma bonita Ducati Supersport 950. As estradas alentejanas seriam óptimas para tal finalidade e até para perceber se esta seria uma boa solução para viajar, tão diferente das configurações da moda.

Como disse Júlio César ao atravessar o Rubicão: “Alea Jacta Est”. Os dados estão lançados!

A viagem começa com com um cafézinho…

Sendo destino final Oriola, queria deter-me antes em Viana do Alentejo. Para lá chegar, e porque um amigo me fazia companhia desta vez, a volta tinha que ter um pouco mais de tempero.

Assim começámos por um cafézinho matinal numa esplanada em Alcácer do Sal, defronte para a tranquilidade das águas do Rio Sado e da magnífica ponte metálica, que depois de restauro recente voltou a ter a sua funcionalidade basculante perfeitamente operacional.

Ponte de Alcácer do Sal
Ponte de Alcácer do Sal

Rumámos a nordeste apenas para mais à frente tomarmos a estrada de S. Catarina. A M1071 que nos levaria até Alcáçovas, primeiro ponto de interesse da jornada.

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Planície alentejana

Para mim, era o regresso ao banco de jardim onde a tradição dos últimos anos e das diversas passagens por aqui, manda que tire uma foto (desta feita com companhia). Começou quando aqui passei a primeira vez que percorri a EN2. E pertencer à nossa estrada maior está bem sinalizado à entrada da vila.

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Foto tradicional em Alcáçovas

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Alcáçovas na EN2

Mesmo ao lado desse banco de jardim fica a imponente Igreja Matriz (em bom rigor deveria dizê-lo ao contrário por ordem de importância óbvia). Cujo rico património interior está bem protegido pelas paredes meias com o posto de GNR local (gente simpática, mas essa é outra história…).

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Igreja Matriz de Alcáçovas

Em Janeiro do ano passado, na “Opinião” da Andar de Moto #20, falei sobre Alcáçovas e sobre a importância histórica desta vila alentejana. Foi aqui que em 1479, Portugal e Espanha começaram a divisão do Mundo pelo Tratado que lhe leva o nome.

Esse tratado foi assinado no Paço dos Henriques (de Transtâmara), obra do Séc. XIII que recentemente foi alvo de importantes obras de restauro e que agora está inteiramente disponível para os visitantes.

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Paço dos Henriques

Essa divisão do Mundo foi a primeira pedra para a estratégia dos Descobrimentos de ambos os países nas décadas futuras. Foi a partir daí que ficou verdadeiramente redondo e portanto, como defendi, começou a Globalização. Convido-vos a reverem esse texto.

Mesmo ao lado fica a curiosa Capela das Conchas ou Capela de Nossa Senhora da Conceição. Construída nos séculos XVII e XVIII, apresenta a particularidade de ostentar a fachada e o altar decorados com conchas. Também adornam o jardim adjacente, onde é possível entrar através de uma torre com o interior coberto de conchas e cacos de porcelana antiga. Uma das paredes da capela, no espaço do jardim, encontra-se completamente revestida com um invulgar painel de desenhos coloridos feitos com conchas.

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Capela das Conchas

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Capela das Conchas – pormenor

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Capela das Conchas – jardim

Em Alcáçovas existe uma arte ancestral que é o fabrico de chocalhos. Desde 1 de Dezembro de 2015, que esse fabrico é considerado “Património Cultural Imaterial com Necessidade de Salvaguarda Urgente”, título atribuído pela UNESCO. O Museu do Chocalho é também um ponto de visita obrigatório.

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Arte Chocalheira

Foi em Alcáçovas que começou a chover. Os ameaços já tinham sucedido mas daqui até Viana, escassos 18 km, seguimos sempre abençoados pela água vinda do céu. Assim voltaria a acontecer ao longo do dia!

…e continua com chuva!

Debaixo de chuva mas bem protegidos, entrámos em Viana do Alentejo. Motos estacionadas no centro da vila, tréguas feitas com o S. Pedro (por enquanto…) e, como eram horas de repor energias, procurámos umas migas. Lá nos indicaram um sítio onde seriam boas. E digo seriam porque …não havia! Só no dia seguinte. Pois…

Lá almoçámos (quando a expectativa é elevada, o bom torna-se banal) que a hora ia adiantada e ainda faltava ver o principal.

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Rua típica de Viana do Alentejo

De Viana se diz que rivalidade regional a terá feito mudar da anterior designação, Viana a par d’Alvito ou Viana de Alvito, para a actual “do Alentejo” (certamente para a destacar de outra bem mais a norte). A razão de não terem preferido a ainda mais ancestral nomenclatura – Viana de Foxem (ou Fochem) – desconheço. E também não será relevante. Fiquemos com a mera referência histórica.

Tinha 3 pontos de referência em Viana do Alentejo: o Castelo com a Igreja Matriz no seu interior, o Santuário de Nossa Senhora d’Aires e a lenda de uma moira encantada e o Píncarinho de S. Vicente.

Começo por esta última.

Moiras encantadas e as suas lendas são inúmeras Alentejo fora. Reminiscências românticas – porque de amores desencontrados entre cristãos e mouros geralmente se tratam e com finais trágicos também amiúde – de muitos séculos de permanência mourisca no nosso território e das muitas lutas que no final lhe puseram termo. Contudo, desta não lobriguei história.

Fiquei de mãos a abanar e acabei por nem procurar o dito Píncarinho. É uma elevação relevante, 374 m no meio da planície, mas em dia cinzento e chuvoso … Apenas referir a curiosa expressão “píncarinho”, muito frequente no Alentejo (principalmente no Baixo, onde quase tudo merece este carinhoso sufixo diminutivo) quando se quer destacar um ponto de maior altitude.

A visita ao Castelo

A primeira curiosidade é o facto de esta fortaleza não ficar propriamente num alto – aqui ficaria apropriado utilizar novamente o termo “pincarinho”! – mas sim integrada em plena urbe. Lá se chega por rua estreita e quase conseguimos imaginar o carteiro a bater à porta para aí entregar uma carta. Certamente que o endereço terá nº de polícia e tudo…

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Entrada do Castelo

A fortaleza tem uma planta pentagonal, com 5 torreões cilíndricos e de telhado em bico a marcarem os 5 lados do polígono. No seu interior, um pequeno jardim, um pátio e duas igrejas: a Matriz de Nossa Senhora da Anunciação e a da Misericórdia.

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Castelo – Muralha e torreão

Diz-se sem certeza absoluta que a origem deste castelo estará no reinado de D. Dinis (1279-1325),sendo assim da mesma altura da outorga do primeiro foral da vila alentejana (1313). Alguns dados mais recentes poderão sugerir para uma construção mais tardia. Abrigou na sua disposição os primitivos Paços do Concelho, o primeiro cemitério da vila e a primitiva Igreja Matriz, consagrada a Santa Maria de Foxem.

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Castelo – pormenor do Jardim

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Castelo – Jardim, Torreão e Igreja Matriz

Sob o reinado de João II de Portugal (1481-1495), esta fortaleza foi remodelada, uma vez que o soberano, tendo reunido as Cortes em Évora a 12 de Novembro de 1481, depois as transferiu para Viana, onde vieram a encerrar-se a 7 de Abril de 1482.

Na ocasião, o soberano utilizou o Castelo de Viana como residência temporária. Fato semelhante repetiu-se em 1489, tendo a então Viana de Alvito sido escolhida como palco para as grandes festividades realizadas por ocasião das bodas de seu filho, o príncipe D. Afonso, com a infanta D. Isabel de Castela, em Janeiro e Fevereiro de 1491, para o que foram também promovidas remodelações na Igreja Matriz.

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Castelo – Pátio

Esses trabalhos prosseguiram no reinado de seu sucessor, D. Manuel I (1495-1521), com obras sob a direcção dos arquitectos Martim Lourenço, Diogo e Francisco de Arruda (o arquitecto da Torre de Belém). No castelo, destaca-se a construção de um novo pano de muralhas devidamente ameado.

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Castelo – Torreão

A Igreja Matriz de Nossa Senhora da Anunciação é preponderante neste conjunto pela sua matriz Manuelina, conjugando vários elementos de um gótico final e do Renascimento, despontando ainda numa clara influência mudéjar.

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Igreja Matriz

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Igreja Matriz

Na fachada principal encontramos um lindíssimo portal manuelino, exuberantemente decorado e com as divisas régias de D. Manuel: a cruz de Cristo, o escudo das quinas e as esferas armilares. Lindíssimo!

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Igreja Matriz – Portal manuelino

No interior majestoso, os fechos das abóbadas repetem as divisas do Rei. Subsistem no transepto dois belos vitrais quinhentistas representando São Pedro e São João Baptista. O altar da capela que é panteão de Vasco Godinho (m. 1525) é forrado com belos azulejos sevilhanos do séc. XVI.

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Igreja Matriz – interior

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Igreja Matriz – interior

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Igreja Matriz – interior.

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Igreja Matriz – interior

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Igreja Matriz – interior – pormenor do tecto

No recinto do castelo, um cruzeiro renascentista mostra duas comoventes figuras, uma Pietá e uma Virgem do Leite.

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Castelo – Cruzeiro renascentista

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Castelo – Cruzeiro – Pormenor

A Igreja da Misericórdia de Viana, também no estilo Manuelino, apresenta uma planta rectangular de dimensões mais recatadas, fruto de alterações arquitectónicas que o edifício sofreu ao longo do século XX. Tem um altar magnífico e a nave revestida de azulejos oriundos do século XVIII.

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Igreja da Misericórdia – Interior

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Igreja da Misericórdia – Altar

Sem dúvida que o Castelo de Viana merece uma visita. E se tiverem a mesma sorte que nós ainda melhor. O senhor do turismo local que estava na recepção, foi de uma simpatia extraordinária e brindou-nos com uma lição de História sobre aquilo que depois visitámos. E também conversámos sobre a vila e a vida. As conversas são como as cerejas (estamos quase no seu tempo) e é assim que se promove o Turismo e a riqueza da terra. Merece um aplauso!

Foi também ele que nos informou que o nosso terceiro ponto de destaque estava em fase de conclusão de obras: o Santuário de Nossa Senhora d’Aires. A sua reabertura já se terá realizado quando lerem este texto. Aprazado para 16 de Maio, veremos se os arruamentos e acessos ficam prontos, porque quanto ao edifício está terminado. E é magnífico. Imponente, destaca-se na paisagem e segundo nos foi referido, será o terceiro maior santuário mariano de Portugal (depois de Fátima e Lamego).

Santuário de Nossa Senhora d’Aires

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Santuario N S Aires

Pelo que refiro atrás, obviamente não foi possível visitar o seu interior. Ainda assim, fica o registo.

Aqui se venera a imagem em pedra de Ançã da antiga padroeira, Nossa Senhora da Piedade.

Essa imagem, em que Nossa Senhora está sentada com Jesus morto nos braços, é objecto de grande fé, pois segundo a tradição nunca deixou de socorrer os crentes, como o confirmam os inúmeros ex-votos expostos na Casa dos Milagres, uma colecção de arte popular única e singular que inclui objectos de diversas épocas como fotografias antigas, vestidos de noiva e tranças de cabelos.

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Santuário N S Aires

O santuário em estilo barroco foi construído entre 1743 e 1804, segundo o projecto do Padre João Baptista, no local onde existia uma anterior ermida quinhentista.

Na portada, uma inscrição em latim relata que após a expulsão dos mouros destas terras, um lavrador arava o campo quando encontrou dentro de um pote de barro a imagem que se vê no altar.

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Santuário N S Aires – Portada

O edifício tem uma planta de cruz latina, composta por uma única nave, com cobertura em abóbada de berço. No interior, destaca-se o altar de talha em estilo rococó.

Fazem parte do santuário também a fonte de Nossa Senhora d’Aires, situada no Terreiro dos Peregrinos e casas de romeiros.

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Fonte de N S Aires

Dois dos eventos mais emblemáticos de Viana do Alentejo estão relacionados com este local: a feira franca de Nossa Senhora D’Aires, que desde 1751 decorre no quarto fim-de-semana de Setembro; e a Romaria a Cavalo, que percorre os 120 kms da antiga canada real, entre a Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, na Moita do Ribatejo, e este santuário, em Viana do Alentejo, que costuma realizar-se no quarto fim-de-semana de Abril. Por motivos dos tempos que correm, desde o início de 2020 que estão suspensas.

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Santuário N S Aires

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Santuário N S Aires – arranjos exteriores (em conclusão)

Finalmente…Oriola!

Desta terra disse José Saramago em “Viagens a Portugal” (1981):

“O viajante gosta de nomes, está no seu direito. Não tendo motivos para parar em Oriola, povoação no caminho de Viana do Alentejo, saboreou-lhe as sílabas italianíssimas ou geminalmente mais próximas da Orihuela valenciana.”

O viajante era, no texto, o próprio escritor, e a referência ainda que breve, ficou. Pouco simpática, qualidade que, julgo eu que o não conheci, também o caracterizava. Mas tinha razão. Oriola tem uma sonoridade que nos desperta.

Pequena terra que terá agora uns 200 habitantes, talvez, chegou a ter o triplo nos idos de 1800. Era então vila e sede de concelho, que o foi de 1282 e 1836. E é verdade que o seu nome derivará da palavra árabe que também está na raiz da Orihuela citada por Saramago.

O seu primeiro donatário foi João Moniz, clérigo e tesoureiro-mor do rei Afonso III, e o seu último, D. Luís Lobo da Silveira, 7º Barão de Alvito. No ano de 1282 recebeu foral dado por D. Dinis, e ampliado em 1516 por D. Manuel I.

Em 2006, Oriola recebeu a visita do primeiro-ministro da época (J. Sócrates) para comemorar o facto de a sua Escola Básica ter sido a última escola a receber banda-larga da Internet. Não sei se ser o último deve ser motivo de comemoração…mas seja como for, mais vale tarde que nunca!

O que hoje destaca verdadeiramente Oriola, para lá da sua traça genuinamente alentejana – casas térreas de branco caiado, ruas direitas, planas, perpendiculares e imaculadamente limpas – é a proximidade à barragem e albufeira de Albergaria dos Fusos (também chamada do Alvito…que fica mais longe!).

Quando seguimos na EN384 entre Viana do Alentejo e Portel, mais ou menos a meio caminho, cortamos à direita para Oriola. Uma pequena recta leva-nos à entrada e aí encaramos com um monumento ao 25 de Abril.

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Quase em Oriola

 

A escala é um pouco exagerada face à cércea dos edifícios da terra (acredito que esse sobre dimensionamento terá paralelo no sentimento da população, legítimo e justificado portanto) e hoje talvez um pouco kitsch, mas a simbologia está lá. E no final, é isso que interessa. A pomba branca com o cravo vermelho (único elemento cromático) assinala a entrada em Oriola.

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Oriola – Monumento ao 25 Abril

Logo de seguida podemos constatar que aqui se dá verdadeira importância aos detalhes…

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Oriola – a importância dos detalhes

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Oriola – Ruas brancas

Seguimos a direito, percorremos o casario e lá bem mais à frente uma placa indica-nos “barragem”. para o lado esquerdo.

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Oriola – A caminho da barragem

Viramos e uma centena de metros depois…a estrada afunda nas águas da albufeira da barragem. Logo ali!

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Oriola – Onde a estrada afunda

Essa estrada que ligava Oriola a Santana (e que curiosamente ainda hoje encontramos em mapas actuais e até no Google Maps) está completamente submersa. Como submersa também está uma ponte romana.

E aí parámos para umas fotos. Garanto-vos que a paisagem, o silêncio dos campos apenas quebrado pelo cantar dos pássaros ou o marulhar do ventos na superfície da água, tornam este local belíssimo e transmitem-nos calma. Muita calma!

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Oriola – Barragem de Albergaria dos Fusos

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Oriola – Uma Ducati na paisagem.

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Oriola – Uma Ducati na paisagem

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Oriola – Barragem – panorâmica

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Oriola – Panorâmica

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Oriola – Chegámos ao fim da estrada

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Oriola – Chegámos ao fim da estrada

E sim! Já conheço Oriola.

E a Oriola (e também a Viana) hei-de voltar em breve.

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Oriola: Até já….

No Verão…com sol e calor. Porque é a melhor forma de sentir o Alentejo. Se calhar, para muitos não será a mais agradável mas, para mim, é a mais genuína!

E a Ducati? Perguntam vocês…

A primeira impressão é notável: a Ducati Supersport 950 é muito bonita. Apesar de não ter o vermelho característico da marca, este branco pérola mate fica-lhe a matar! É linda, qualquer o ângulo em que para ela olhamos. Mas lá está….os gostos são subjectivos…

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Ducati Supersport 950

Dispenso-me de comentários mais técnicos que não têm aqui o seu lugar. Para saber tudo sobre a Ducati Supersport 950S, lerQuanto è bella questa machina!

Mas tinha muita curiosidade em perceber como se comportava uma moto do Século XXI, com todo o requinte de uma marca premium, a elegância do design italiano e um coração que herda o que de melhor a Ducati sabe fazer. Já agora, no final comparar com a memória da minha antiga CBR 600….mesma potência mas os cavalos eram de 1999!

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Ducati Supersport 950

A tendência actual – uns chamam-lhe moda… – é a de utilizarmos motos mais encorpadas, com um perfil a que o marketing chamou trail, para viagens. Postura mais direita, mais confortável e menos exigentes para outras partes da anatomia humana como sejam os pulsos (algo que me levou a optar por esta fórmula). A Supersport 950 é uma moto, neste domínio, à antiga. Será que funciona?

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Ducati Supersport 950

Direi que no final de quase 400 km de viagem, alguns deles debaixo de chuva e outros poucos no meio de engarrafamentos em Évora e Montemor (até já aqui há horas de ponta…), os meus pulsos já se queixavam. A postura, principalmente no meio do trânsito, castiga-os sobremaneira. Já em estrada livre…não há queixas! Nem os pulsos sofrem por aí além – mérito dos avanços serem em posição mais alta face à mesa de direcção – muito menos as costas que ficaram impecáveis nesse e nos dias seguintes.

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Ducati Supersport 950

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Ducati Supersport 950

Em andamento é o que se esperava. Temos máquina para andar e andar. E “chegamos lá” enquanto o diabo esfrega um olho. Uma única preocupação: os fotógrafos à la minuta que por estes tempos se dedicam ao passatempo do voyeurismo velocimétrico. As fotos não ficam nada de jeito, as carteiras mais aliviadas e o cartão de fidelização de condutor ganha rapidamente pontos adicionais.

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Ducati Supersport 950

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Ducati Supersport 950

Os diferentes modos de condução adequam-se às condições de utilização, as suspensões são magníficas – filtram as irregularidades do terreno de forma notável para o tipo de moto que é – e os travões devem ter sido extrapolados do TAV – Treno Alta Velocità (o TGV por paragens transalpinas).

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Ducati Supersport 950

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Ducati Supersport 950

Comparativamente à CBR 600? 22 anos depois até os 110 cavalos parecem diferentes (os antigos “respiravam” melhor, mas isso podemos agradecer aos Euros 5 e anteriores). Mas no resto…os 20 anos parecem 2 séculos.

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Ducati Supersport 950

Que vos posso dizer mais? A moto é linda!!!

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Ducati Supersport 950

Agradecimentos:

Em primeiro lugar, à Ducati pela cedência desta espectacular Supersport 950.

Em segundo lugar, a duas pessoas importantes para esta viagem ter acontecido:

  • a fiel seguidora que me lançou na intranquilidade de não conhecer Oriola;
  • ao meu Amigo Carlos que me acompanhou e tornou a viagem muito mais divertida!

(crónica também publicada na revista Andar de Moto #36 de Maio de 2021)

 

 

 

Por terras do Priorado do Crato

Os tempos não recomendam grandes aventuras. Estava perto. Fui até ao Crato. E, porque fica mesmo ao lado, a Flor da Rosa.

É território que me é familiar. Mas como se costuma dizer, “santos de casa não fazem milagres”!

Uma aventura à porta de casa

Para mim (e julgo que para muitos que foram aprendendo História na base do empinanço e das mnemónicas…) sempre associo Crato a D. António Prior do Crato. Juro que em miúdo julgava que era o nome do senhor… Mais tarde percebi que o Prior tinha a ver com o facto de ser eclesiástico. E era, mas de uma forma sui generis. E o Crato seria a terra onde foi padre…

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D. António Prior do Crato

Conhecendo o Crato, pequena vila nos confins do nordeste alentejano, sempre estranhei de onde viria tal notoriedade e como era possível ter tido notável protagonismo, em certos momento da nossa História.

Devo confessar que me relaciono com a História, como um informático diria, na “óptica do utilizador”. A ela recorro quando necessito e em ocasiões concretas. Esta é uma delas.

A História do Crato, de Flor da Rosa e da Ordem dos Hospitalários

Segundo parece, o Crato terá sido fundado há cerca de 2.500 anos pelos Cartagineses. A sua notoriedade é mais recente. Mas não muito…

Teria como designação inicial Castraleuca ou Castra-Leuca. No decorrer dos séculos, e por alterações sucessivas, passou a ser Ucrate ou Crate e, por fim, Crato.

Como sabemos, o início do segundo milénio, ficou marcado pela Reconquista Cristã da Península Ibérica. Os Mouros aqui chegaram por volta dos anos 700 e só daqui saíram quando o Séc. XVI estava prestes a começar, com a queda do reino de Granada.

O movimento de reconquista, vindo de norte (começou nas Astúrias) para sul, teve a ajuda de muitos nobres guerreiros da Europa e também a participação de Ordens Religiosas que se dedicavam a combater os Infiéis (as Cruzadas à Terra Santa são o maior exemplo).

Assim, cá chegou, entre outros, D. Henrique de Borgonha a quem pelos seus feitos foi oferecido o Condado Portucalense. E também vieram as Ordens dos Templários e dos Hospitalários.

Esta última, chamada Ordem de São João Baptista de Jerusalém foi fundada em 1093, nesta cidade, para socorro dos peregrinos que se dirigiam à Terra Santa. Também conhecida por Ordem Soberana Militar e Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta. Muito mais tarde, já no Séc. XVI passaria a ser designada apenas por Ordem de Malta (onde passou a estar sediada).

Entre 1122 a 1128, a Ordem estabeleceu-se no Condado Portucalense fixando a sua sede no antigo Mosteiro de Leça, situado nos arredores do Porto. A localidade converteu-se em cabeça do priorado da Ordem em Portugal.

Em 1194, D. Sancho I doou-lhes um vasto território na margem Norte do Tejo, com a obrigação de aí erguerem um castelo, que tomou o nome de Belver. Mais tarde, em 1232, D. Sancho II doou o Crato à Ordem do Hospital, concedendo-lhe o primeiro foral, sendo então Mem Gonçalves, Prior da Ordem.

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Crato – Placa comemorativa do 775º aniversário do Foral

Em 1340, D. Afonso IV transferiu a sede da Ordem para o Crato, onde se manteve até 1354. Nesta data, D. Álvaro Gonçalves Pereira, prior do Crato e pai de D. Nuno Álvares Pereira mandou construir o Mosteiro de Santa Maria de Flor da Rosa para instalação da sede da Ordem.

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Mosteiro de Flor da Rosa


Em 1439, a sede da Ordem regressou ao Crato, vulgarizando-se a designação de Priorado do Crato. Este possuiu 23 comendas e as seguintes 12 terras e seus termos: Amieira, Belver, Cardigos, Carvoeiro, Crato, Envendos, Gáfete, Oleiros, Pedrógão Pequeno, Proença-a-Nova, Sertã e Tolosa.

Ou seja, um vasto território que abraçava ambas as margens do Rio Tejo. A extensão de tais domínios marcava então a enorme importância desta Ordem. Recorde-se que imperava o regime feudal e portanto a Ordem recebia a sua parcela de tudo o que era aí produzido, bem como tinha o poder de mobilizar os homens disponíveis para combater e reforçarem os exércitos reais sempre que tal era necessário. O que acontecia com muita frequência.

Aqui nasceu, diz-se, D. Nuno Álvares Pereira

Referi atrás que o Mosteiro de Santa Maria situado em Flor da Rosa (a escassos 3km do Crato) foi mandado construir pelo pai de D. Nuno Álvares Pereira. E terá sido (embora não seja certo) que aqui nasceu o futuro Santo Condestável.

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Flor da Rosa – Estátua de D. Nuno Álvares Pereira

Como sabemos, D. Nuno, Condestável do Reino, foi o braço direito de D. João, Mestre de Avis, nas lutas dinásticas que garantiram a continuidade da independência de Portugal – vitorioso nas batalhas de Atoleiros, Aljubarrota e Valverde – e que deram início à segunda dinastia da realeza portuguesa. Tal era o seu engenho militar que os Espanhóis tinham verdadeiro pavor de o enfrentarem.

E se temos aqui a ligação ao início da Dinastia de Avis, aquela que representou até hoje o apogeu da presença de Portugal no mundo, é também aqui que vamos encontrar a ligação ao facto que representou o seu fim e, pior ainda, a perca da independência nacional.

D. António, Prior do Crato, Rei de Portugal

Encaminhava-mo-nos para o final do Séc XVI e Portugal tinha uma posição de domínio no mundo. Com os Descobrimentos, o domínio das rotas marítimas da Índia e o ainda inexplorado Brasil, éramos a potência dominante a par da Espanha (unificada à menos de 100 anos). Mas alguma decadência já se pressentia

Quando D. Sebastião ascende ao trono, para lá da sua juventude e impreparação, a imaturidade que o levava a sonhar com batalhas e conquistas heróicas, impele-o a uma improvisada incursão a terras de Marrocos. Seguiu-se Alcácer-Quibir (1578) e a sua morte, lançando Portugal para uma crise de sucessão, pois o Rei não deixava descendência. Sucedeu-lhe seu tio o Cardeal D. Henrique, que viria a morrer em 1580 em plenas Cortes de Almeirim onde iria ser coroado.

Agrava-se a questão sucessória. As principais alternativas eram Filipe II, soberano de Espanha, ou D. António, Prior do Crato, cargo que tinha herdado de seu pai.

D. António era filho bastardo de D. Luís de Portugal e neto do Rei D. Manuel I, pelo que a sua legitimidade à sucessão era discutível, o que reforçava a ambição do rei de Espanha.

Sendo aclamado Rei de Portugal pelo povo de Santarém, viria todavia a perder as sucessivas batalhas perante a maior força e poder do inimigo espanhol.

Assim, fica o Crato, na infeliz pessoa do seu Prior, ligado ao final da Dinastia de Avis e à perda da independência nacional.

No Crato

A vila é pequena. Terá cerca de 2 mil habitantes para um total de aproximadamente 3,5 mil no município. Dos seus tempos áureos resta pouco mas ainda assim relevante.

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Castelo do Crato – ao fundo a Serra de S. Mamede

O castelo medieval, tinha formato trapezoidal com as muralhas reforçadas por 5 torres nos ângulos, sendo a Norte a de menagem. Por sua vez, a cerca da vila, da qual subsistem alguns troços, era amparada por seis torres: do Sino, da Seda, de São Pedro, da Porta Nova, de Beringal e de Santarém.

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Castelo do Crato – Muralha

Em meados do século XVII, foi transformado num fortim abaluartado, com planta poligonal irregular no formato de uma estrela com quatro pontas.

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Castelo do Crato – Pormenor da muralha

Os séculos seguintes acentuaram o estado de ruína do conjunto, tanto das estruturas medievais como das modernas, desaparecendo a Casa do Governador (da qual subsistem algumas arcadas), a ponte levadiça, baluartes e outros, tendo chegado aos nossos dias apenas alguns trechos de muralha, uma guarita, a cisterna, duas torres arruinadas e algumas canhoneiras.

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Castelo do Crato – Muralha

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Crato – Pedaço da muralha

Encontrei toda a área do Castelo fechada. De fora é possível antever a construção de algo no seu interior…com pilares de betão. Não sei se poderemos ficar optimistas quanto à eventual recuperação do património….

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Castelo do Crato – Obras

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Castelo do Crato – Obras

A Igreja Matriz do Crato ou de Nossa Senhora da Conceição data do século XIII, embora com sucessivos acréscimos, subsistindo da época a estrutura imponente da torre sineira. Quanto ao estilo, denotam-se alguns traços góticos. Possui três naves e cinco tramos, separados por quatro pares de arcos ogivais e um arco de volta perfeita.

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Igreja de N. Senhora da Conceição

Na Praça do Município é possível ver o que resta do Palácio do Grão-Prior do Priorado do Crato: um janelão e a imponente varanda sustentada por arcos de volta perfeita.

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Crato – Varanda do Palácio do Grão Prior

Para lá dos Paços do Concelho e do Palácio Sá Nogueira encontramos o tradicional pelourinho onde era exercida a justiça. Outros tempos…

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Crato – Paços do Concelho

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Crato – Pelourinho e Palácio Sá Nogueira

Em tempos de maior liberdade, o Museu Municipal é um local de visita obrigatória para melhor conhecer os testemunhos desta tão longa história.

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Crato – Museu Municipal

Também ao percorrer as ruas da vila é possível encontrar em muitos edifícios e placas toponímicas, as cruzes da Ordem de Malta.

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Crato – placa toponímica com Cruz de Malta

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Crato – aqui as efemérides são multi-centenárias

Mais recentemente, o Crato tornou-se famoso junto da juventude portuguesa pelos seus Festivais de Verão que trazer enorme afluência de gente de fora e bastante notoriedade à vila, com os naturais benefícios para a sua população.

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Crato – Antiga Escola Primária

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Crato – Centro de Saúde

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Crato – Reminiscências industriais

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Crato – rua típica

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Crato – Jardim e imagem de N. Sª Conceição

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Crato – rua típica

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Crato – Filarmónica do Crato

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Crato – encontro de ruas

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Crato – Rua típica com edifícios seculares

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Crato – Arte urbana

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Crato – Arte urbana

Também as pequenas unidades de alojamento turístico, na zona urbana ou em meio rural são uma forma de trazer a quem procura estas terras uma aproximação às tradições e à cultura destas gentes.

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Crato – Turismo – Casa do Largo

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Crato -Turismo – Casa do Crato

Em Flor da Rosa

Obviamente que o grande destaque desta pequena povoação, até pela grandeza que o faz destacar do resto do casario, é o Mosteiro de Santa Maria, considerado o maior exemplo de mosteiro fortificado da Península Ibérica.

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Mosteiro de Flor da Rosa

Este mosteiro é composto por três edificações distintas: a igreja-fortaleza de estilo gótico, um paço-acastelado gótico, já com alterações quinhentistas, e as restantes dependências conventuais com traça renascentista e mudéjar.

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Mosteiro de Flor da Rosa

O conjunto sofreu alterações ao longo dos séculos, nomeadamente nos século XVI e XVII. No tempo do Rei D. Manuel I o espaço monástico é alargado para um maior número de aposentos, transformando-o num Paço Real.

O grande terramoto de 1755 e um temporal devastador em 1897 afectaram toda a estrutura e levaram-na muito perto da ruína.

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Mosteiro de Flor da Rosa – Claustros

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Mosteiro de Flor da Rosa – Pormenor

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Mosteiro de Flor da Rosa – Claustros

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Mosteiro de Flor da Rosa – Pormenor das abóbodas

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Mosteiro de Flor da Rosa – Túmulo de D. Álvaro Gonçalves Pereira (pai de D. Nuno Álvares Pereira e fundador do Mosteiro)

Mais tarde, jé em 1940 começaram as tentativas de restauro que foram retomadas em 1991 com a planeada transformação em Pousada de Portugal.

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Mosteiro de Flor da Rosa – pormenor da renovação

Apesar da polémica inicial, veio a revelar-se uma notável recuperação em que a simbiose entre o antigo e o moderno casam na perfeição. Com a vantagem de poder dispôr na sua função turística de todas as valências necessárias e simultâneamente ter sido possível preservar a essência do edificado monumental. Merece assim aplauso a obra do Arq. Carrilho da Graça.

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Mosteiro de Flor da Rosa – pormenor da renovação

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Mosteiro de Flor da Rosa – pormenor da renovação

Não há terra em Portugal que não tenha para si, uma lenda que justifique o seu nome. Flor da Rosa não é excepção.

Vem de tempos muitos antigos e ali existiria um pequeno lugarejo onde vivia um fidalgo cavaleiro de mui ilustre nome e bem amado por toda a gente. Certo dia, o cavaleiro adoeceu gravemente. Poucos dias de vida teria segundo os médicos que o acompanharam.

Os seus amigos visitivam-no amiúde. E também a sua noiva de nome Rosa. Certo dia, numa dessas visitas, Rosa levou-lhe uma flor. Perante a estupefação de todos, e quando era esperada a morte do fidalgo, eis que quem morre é Rosa.

Desde então, todos os dias era possível ver o cavaleiro chorar o seu amor perdido junto do túmulo de Rosa. Até que certo dia, ele próprio acabou por morrer de desgosto.

Antes de morrer, o fidalgo cavaleiro fez dois últimos pedidos: que a flor que Rosa lhe oferecera o acompanhasse à sepultura e o nome de Flor da Rosa fosse dado aquele lugar. E assim foi!

Outro edifício que se destaca, não pela sua antiguidade pois tem pouco mais de 100 anos, é a Igreja Paroquial dedicada a Nossa Senhora das Neves. Também ligada à sua construção há uma lenda.

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Flor da Rosa – Igreja de Nº Sª das Neves

Parece que certa tarde, os pedreiros que iam trabalhar na construção deixaram as ferramentas no local onde se pretendia fazê-la. As mesmas desapareceram e vieram a ser encontradas noutro local…aquele onde a igreja acabou mesmo por ser construída.

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Flor da Rosa – Igreja de Nº Sª das Neves

Esta pequena aldeia em tamanho, mas grande em costumes e saberes é também conhecida como a terra dos oleiros, pela grande tradição que aqui existe de trabalhar o barro de forma singular.

Existe actualmente uma escola de olaria, que faz com que esta tradição se mantenha viva, apesar de ainda existirem dois oleiros que trabalham e vendem as peças em barro por conta própria.

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Turismo – Palácio de Flor da Rosa

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Flor da Rosa – casario típico

Como chegar ao Crato e a Flor da Rosa

Para quem venha de sul ou genericamente da margem sul do Tejo, as estradas não são particularmente interessantes. Tipicamente estradas alentejanas, pouco sinuosas. A não ser que nos queiramos aventurar pelas muitas estradas municipais, estreitas e nem sempre nas melhores condições.

Já para quem venha de norte a coisa muda de figura. A EN18 entre Vila Velha de Ródão e Nisa é um pedaço de diversão com 18 km e um bonito enquadramento paisagístico. De Nisa ao Crato é um pulinho.

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Crato – o que vemos à chegada

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Crato – Panorâmica

De qualquer forma, para uns e outros, a Serra de S. Mamede e o triângulo Portalegre, Marvão e Castelo de Vide estão à mão de semear. Ou melhor dizendo, à distância de um breve enrolar de punho. E aí…há estradas retorcidas para todos os gostos!

E termino com uma sugestão: porque não um brinde ao encontro do passado com o presente, olhando para o futuro?

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Um brinde!

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Mosteiro de Flor da Rosa

(texto publicado na edição de Abril/2021 da revista Andar de Moto)

Uma viagem de 2 anos a Andar de Moto

Desde Fevereiro de 2019 até agora, são dois anos a viajar nas páginas da Andar de Moto.
Em 21 etapas, fica aqui o resumo de cada uma delas…ao Virar da Esquina.

Parte 1:  In Andar de Moto #33 – Fevereiro de 2021

 Ainda o ano de 2019 tinha a placa “Pintado de Fresco” e já o telefone tocava.

 Do outro lado do fio (era um telemóvel, mas adoro a expressão!), às 15h previamente combinadas, estava o editor da Andar de Moto. Não nos conhecíamos, mas na sequência da conversa surgiu a pergunta: “será que eu gostaria de partilhar nas páginas da revista algumas das histórias das minhas viagens ao virar da esquina?”. A resposta só podia ser afirmativa.

 Gosto de desafios. E no caso era um grande. A minha experiência de contador de histórias de viagens era curta (ainda é). O ano anterior tinha sido “o primeiro do resto da minha vida” e só então tinha aparecido a disponibilidade para dar umas voltas de moto com maior frequência. Partilhá-las tinha surgido naturalmente, primeiro no circulo de amigos e depois, por alturas de Setembro, com o blogue, cujo nome – Viagens ao Virar da Esquina – traduzia o objectivo: dar a conhecer os recantos desta realidade próxima que é Portugal e assim inspirar quem me lesse a ir por aí fora, nos breves momentos que a vida de cada um permite para lá das normais férias.

 Apenas 3 meses decorridos mas o suficiente para alguém ter reparado. Vencida a primeira barreira, o vir a público com escritos próprios, surgia novo desafio. Mal sabia eu então, que a viagem já leva 2 anos e a contar…

 Até agora, Fevereiro de 2021, são estas as 21 etapas de uma viagem por Portugal, que agora vos conto!

 1ª Etapa – Olivença é nossa, dizem…

 Fui com um grupo de amigos até Olivença, animados da intenção quixotesca de reconquistar aquela que os espanhóis dizem sua. Pelo caminho, visitámos o interessante e muito original Castelo de Evoramonte, onde foi assinado em Maio de 1834, o tratado que pôs fim à guerra civil entre miguelistas e liberais. Fratricida como qualquer uma, opôs dois irmãos com visões diferentes do mundo: D. Pedro e D. Miguel. Ganhou o primeiro e a História de Portugal conheceu novo rumo.

 O poiso seguinte foi em Juromenha e aqui tivemos a primeira grande surpresa: a majestosa fortaleza, a Sentinela do Guadiana, lamentavelmente deixada ao desleixo e incúria de quem dela deveria cuidar. Paisagem lindíssima e uma fortificação que nos seus tempos áureos impunha respeito certamente. Do outro lado, na outra margem do Guadiana, é Espanha. Ou não…

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Juromenha-Fortaleza-panorâmica

Finalmente chegámos a Olivença. Na fronteira que não devia ser, vimos a ruína da bonita Ponte d’Ajuda, pelos castelhanos rebentada à bomba em mais um dos muitos episódios de “boa” vizinhança de antigamente.

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A caminho de Elvas – Ponte da Ajuda

Olivença que Portugal reinvindica por direito desde o Congresso de Viena de 1815, não foi reconquistada. Mas conquistou-me: desde as ruas, com toponímia nas duas línguas, tipicamente estremenhas mas com calçada portuguesa, ao carinho e orgulho que os seus habitantes têm, sendo espanhóis, pela herança lusa. E muitos têm dupla-nacionalidade.

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Olivença-Praça central com calçada portuguesa
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Olivença – Toponímia

 

2ª Etapa – Estrada Nacional 2 – Um guia prático

Depois de percorrida a EN2 e antes que chegasse a Primavera, altura ideal para a percorrer, achei que valia passar alguma informação resultante da experiência e do estudo feito na sua preparação.

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EN2

Havia (e ainda há) muito a fazer nesta estrada que percorre Portugal de norte a sul e une as suas duas metades: o litoral e o interior. Uma espécie de “manual do utilizador” destinado a facilitar a vida aqueles que se propõem fazê-la.

3ª etapa – Um dia na Serra dos Candeeiros

Situada a cerca de 100km a norte de Lisboa, esta serra tem como principais ex-líbris as grutas. Umas bem conhecidas e visitáveis – S. António, Alvados, Mira d’Aire – e muitas outras que o não são, resultantes da formação geológica predominantemente calcária e na qual a água das chuvas encontrou os mais diversos caminhos transformando-a num verdadeiro “queijo suíço”.

 Daí também resultaram outros fenómenos com designações um pouco mais estranhas como a Fórnea e o Polje de Minde, que visitámos, num percurso iniciado nas salinas de Rio Maior, passando por Porto de Mós e findo na nascente do Alviela, nos Olhos d’Água.

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Polje de Minde
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Fórnea

Desfrutámos também de bons momentos de condução nas estradas que de uma ponta à outra percorrem esses montes, como não poderia deixar de ser.

4ª etapa – Um dia na Arrábida com mistério, crimes, amores e vistas deslumbrantes

Vou com muita frequência à Arrábida. Sítio único, com fantásticas estradas e paisagens deslumbrantes que não me canso de percorrer. Desta vez, aproveitei para cruzar esses dois aspectos com algumas histórias muito curiosas.

O passeio começou na Lagoa de Albufeira com passagem nas praias da zona do Meco e paragem obrigatória no Cabo Espichel. Passei pelo imponente farol e pelo Santuário de Nossa Senhora da Pedra Mua (a merecer um melhor tratamento por quem vela pelo nosso património).

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Cabo Espichel

Depois Sesimbra onde no Castelo desfrutei da magnífica vista para a baía.

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Sesimbra

Finalmente, Arrábida. Na prática tem duas estradas que a percorrem longitudinalmente: uma que segue junto às praias, desde Setúbal até ao Portinho e outra que percorre a cumeada. Comecei pela primeira e pelas praias: Portinho, Creiro, Coelhos, Galapinhos, Galápos e Figueirinha. Depois, passei o Sanatório – no Forte de Santiago do Outão – e a fábrica do cimento (uma ferida aberta no coração da paisagem).

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Portinho da Arrábida
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Arrábida
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Hospital do Outão- Tróia

Um pouco mais à frente, junto a uma pequena enseada, fica o Palácio da Comenda de Monguelas. A sua ruína e as histórias que misturam nobres endinheirados dos loucos anos 20 (do século passado) com retiros de celebridades como a viúva Kennedy e sua irmã, Truman Capote e o que mais não se sabe. E que ainda serviu de cenário para literatura contemporânea. Parece que agora finalmente está a ser recuperado…

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Palácio da Comenda

A meia encosta encontramos um baluarte, a fortaleza da 7ª Bataria da Artilharia de Costa. O pequeno Forte Velho do Outão (a merecer cuidados, como não podia deixar de ser) com uma vista deslumbrante para Setúbal, Tróia e o estuário do Sado. No exterior ainda podemos ver o que resta de 3 peças de artilharia Vickers de 152mm. E as cassamatas que lhes serviam de apoio.

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7a Bataria

A viagem prossegue. O enquadramento é espectacular mas a exigir cuidados redobrados que a estrada é sinuosa e íngreme por vezes. Alguns quilómetros à frente, já a descer, temos numa pequena recta um miradouro (dos muitos que a estrada tem) e uma rampa de parapente. No final dessa recta, antes da curva à direita, um local celebrizado no único dos filmes de James Bond passado em Portugal…. segundo consta estava Ao Serviço de Sua Majestade!

5ª etapa – Sobe e desce na Serra da Estrela

O maciço da Estrela é o único pedaço de Portugal em que temos um vislumbre de montanhas a sério. Percorrer as suas estradas é garantia de muitas curvas, contra-curvas e paisagens magníficas. Que por vezes nos fazem sentir a nossa pequenez.  

O roteiro escolhido é relativamente simples e foi, desta vez, percorrido em dois dias. No primeiro, com pernoita na Pousada da Juventude das Penhas da Saúde, comecei pela subida da Covilhã até aos Piornos. Aquela onde a inclinação e a sinuosidade melhor se combinam. Depois, pequena descida até ao Covão d’Ametade, onde nasce o Zêzere com a água das muitas fontes do alto da serra. O cenário esmaga-nos com os 3 Cântaros (todos acima dos 1800m): Raso, Magro e Gordo. Dali, a vertiginosa descida pela encosta do vale glaciar até à vila de Manteigas.

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Cântaros
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Vale Glaciar

Da vila serrana e até às Penhas Douradas, uma subida mais a jeito alpino, com alguns “ganchos”, sempre a ganhar cota até terminar no Vale do Rossim. Continuei viagem em direcção ao Sabugueiro, depois Lagoa Comprida e finalmente, a Torre, onde cumpri um dos objectivos desta viagem: ver o pôr do sol no ponto mais alto de Portugal (continental). Deslumbrante!

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Lagoa Comprida
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Por do Sol na Torre

No segundo dia, desci até à Covilhã e segui, pelo Tortozendo em direcção a Unhais da Serra. Depois, Alvoco da Serra, Loriga e, antes de Valezim, virei à direita, novamente em direcção à Torre. Fantástica escalada! Estrada recente, bom piso, sinuosa e íngreme, à qual os ciclistas chamam “Adamastor”. Ao epíteto não será estranha a inclinação: cerca de 1/3 da subida a 14% é obra…. e o resto não baixa dos 9%!

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Adamastor

Cheguei perto da Torre mas não voltei lá. Desci de novo à Covilhã e …era tempo de regresso.

 6ª etapa – Virámos a esquina e fomos até ao Lago Azul

 A albufeira de Castelo de Bode – o Lago Azul – situa-se mesmo a meio de Portugal, e a barragem trava o percurso do Zêzere (cuja nascente vimos na etapa anterior) quase junto à foz onde se dissolve no Tejo.

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Albufeira Castelo de Bode

Circundámos a albufeira, visitámos algumas das suas praias fluviais: Aldeia do Mato, Trízio, Alcanim e Castanheira (também chamada de Lago Azul…).

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Lago Azul (praia fluvial)

Detive-mo-nos na templária Dornes, com a sua original torre de planta pentagonal. Povoação que está presente na História de Portugal desde o seu nascimento, passando pela Lenda de Nª Sª do Pranto, até aos alvores do republicanismo. Ali perto, em Carril, na Sociedade Filamónica Carrilense, foi tocado pela primeira vez “A Portuguesa” de Keil do Amaral, no ano de 1890. Vinte anos depois passaria a ser o Hino Nacional.

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A caminho de Dornes
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Albufeira de Castelo de Bode

As estradas que rodeiam a albufeira são excelentes para a prática do mototurismo. Foram elas que também nos levaram até ao Picoto da Melriça e ao Penedo Furado, alternando paisagens magníficas do plano de água com outras de vegetação exuberante.

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Estrada Panorâmica
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Albufeira e Ponte Ferreira do Zêzere

 

7ª etapa – Brotas, o segredo escondido do Alentejo

Quem diria que, perdida no meio do Alentejo, meia dúzia de quilómetros antes do célebre km500 da EN2, entre Mora e Montemor-o Novo, fica uma pequena vila, outrora sede de concelho e onde desde os idos de 1400 se professa a fé em Nossa Senhora? Muitos anos, séculos, antes de Fátima!

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Brotas (vista panorâmica)

A aparição e o milagre da Nª Sª de Brotas aí fizeram nascer o bonito e singelo Santuário.

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Santuário de Nª Sª de Brotas

Uma fé que fez com que a terra recebesse confrarias de romeiros que aí vinham prestar o seu culto a Maria. Aí construíram as chamadas Casas de Romaria (que hoje estão muito bem recuperadas e adaptadas ao turismo rural). E levaram o culto consigo nos Descobrimentos, razão pelo qual ele se estende às mais longínquas paragens da diáspora lusitana.

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Casas de Confraria

Nas imediações, a justificar um passeio pelas calmas estradas alentejanas, Mora – o Fluviário e o Parque Ecológico do Gameiro ou o Cromeleque do Monte das Fontaínhas Velhas – Pavia e Arraiolos, com o seu típico castelo de muralha circular e o património cultural das Tapeçarias, merecem também uma visita.

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Cromeleque do Monte das Fontaínhas Velhas
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Arraiolos-Homenagem às Tapeçarias e Castelo

 

8ª etapa – Atouguia da Baleia – quando o mar recua

Chamava-se Tauria e foi, por alturas da fundação da nacionalidade, um importante porto de abrigo na baía da S. Domingos. Fruto do assoreamento e do recuo do mar, hoje as ondas situam-se a alguns quilómetros a poente. Do porto resta a memória e S. Domingos é o nome da pequena ribeira que por ali passa. À época, Peniche e Baleal eram ilhas…

 De Tauria (porque era terra de muitos touros bravios) se foi, com o correr dos tempos, passando a Atouguia. E a baleia surgiu porque, segundo reza a lenda, um enorme cetáceo com cerca de 15 metros, ali perto terá dado à costa. Na Igreja de S. Lourenço, que também tem história curiosa até pelo facto de este não ser santo de devoção habitual no nosso País, está uma costela petrificada que seria, diz a lenda, dessa baleia.

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Atouguia – Largo da Igreja Matriz

S. Leonardo era um nobre gaulês do Séc V que dedicou a sua vida a Cristo. Santo de devoção por aquelas paragens, era o padroeiro de navio que alguns séculos depois por ali passou. Forte tempestade os fez buscar abrigo na baía de S. Domingos. Vieram a terra e por aí ficaram até que a borrasca passasse. Só que, cada vez que o temporal acalmava e se tentavam lançar ao mar…logo a intempérie recrudescia e os obrigava a recolher ao abrigo. De tal forma foi, que por ali ficaram definitivamente….

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Igreja de S. Leonardo

E na Atouguia também nos cruzamos com a história trágica de Pedro e Inês (Séc XIV).

Consta que por aqui procuraram refúgio. D.Pedro no Paço da Serra da Atouguia que por tal se veio a chamar mais tarde Serra d’El Rei. O Paço ainda lá está, como testemunho. E D. Inês em Coimbrã (talvez pelo facto dos apaixonados virem de Coimbra), logo ali ao lado da Atouguia.

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Paço Real em Serra D’El Rei

Peniche é visita obrigatória. Imperdíveis são o Cabo Carvoeiro e a Papôa, onde o mar e o vento teceram curiosas esculturas.

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Peniche – Papôa
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Cabo Carvoeiro

Mais à frente, o típico e bonito Baleal. Depois, a caminho da Lagoa de Óbidos, as praias D’El Rei e do Cortiço.

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Lagoa de Óbidos e Foz do Arelho.j

Finalmente, Óbidos, a vila literária. Perdermo-nos nas suas ruas e nas ameias do castelo é vivermos um regresso à idade medieval.

9ª etapa – A globalização começou na EN2

Como é que um termo tão característico do Séc XXI estará relacionado com a Estrada Nacional 2?

Porque a verdadeira globalização, aquela que deu a conhecer “novos mundos ao mundo”, teve um marco fundamental na forma como se desenvolveu, por algo que ocorreu em 1479….na vila alentejana de Alcáçovas!

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Igreja Matriz de Alcáçovas

Aqui foi celebrado entre as coroas Portuguesas e Castelhana, no recém restaurado Paço dos Henriques, um tratado que nas suas disposições estabelecia as bases para a divisão do mundo entre os dois países. Essa divisão seria finalmente consagrada na versão definitiva em Tordesilhas. Mas sem Alcáçovas, este não teria existido.

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Paço dos Henriques

O Tratado de Alcáçovas foi também fundamental porque veio por termo a uma crise na sucessão da Coroa de Castela, permitindo o casamento entre Isabel de Castela e Fernando de Aragão, mais tarde conhecidos como Reis Católicos, e que iria resultar na união de estados que originou Espanha.

E Alcáçovas fica na Estrada Nacional 2! Ou seja, a globalização começou ali, na EN2.

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Marco simbólico dos 551km em Alcáçovas

 

10ª etapa – Pelos caminhos de Ibn Darraj al-Qastalli

O período da nossa história que antecede a Reconquista Cristã e a fundação de Portugal está um pouco escondido na penumbra dos tempos. Durante cerca de 8 séculos, os muçulmanos permaneceram na Península Ibérica. No território que agora é Portugal foram cerca de 400 anos…impossível não terem deixado uma forte herança, da qual a maioria das palavras do vocabulário começadas pelo prefixo “Al” não será a menor das evidências. Afinal…era o Al- Andaluz! Mas vai muito para lá disso.

Nesses tempos, o culto das letras era muito forte. E um dos principais poetas muçulmanos dessa época foi Ibn Darraj al-Qastalli. Nasceu no ano de 958 e chamaram-lhe Ibn Darraj. Por ter nascido em Cacela lhe deram o apelido de al-Qastalli.

Cacela Velha foi pois o destino! Situada à beira da Ria Formosa, perto de Tavira, a sua fundação perde-se na memória dos tempos. Seria certamente terra de passagem de comerciantes – gregos, fenícios – ou alvo de pilhagens de piratas que atacavam esta costa. Os romanos reconheceram-lhe importância mas foi com os muçulmanos que atingiu o seu apogeu, principalmente no Séc X e chamar-se-ia Hishn Kastala, Qastallat Dararsh, Cacetalate ou Cacila (donde virá o actual Cacela).

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Forte de Cacela

Foi conquistada pelos Cristãos em 1240 e teve foral outorgado por D. Dinis em 1283. Muito destruída pelo Terramoto de 1755, deixou de ser sede de concelho nessa época.

Ibn Darraj tinha tal prestígio que integrava a corte na qualidade de poeta oficial e escritor redactor do Estado Califal do poderoso Almançor pelos finais do Séc X. Percorreu os domínios árabes da Península Ibérica e veio a morrer em 1030, tendo deixado vasta obra que abrange 3 períodos fundamentais da história do Al-Andalus: o esplendor do Estado Califal, a guerra civil que se lhe seguiu e o período dos reinos taifas. Foi um dos grandes viajantes medievais do Gharb al-Andalus devido à posição que ocupava na Corte, relatando, através da sua escrita, as adversidades e dificuldades que enfrentara ao viajar. A sua memória está bem presente em Cacela.

Cacela Velha está edificada no cimo de uma pequena arriba fóssil, antiga de 1 milhão de anos, que domina este extremo da Ria Formosa e está separada da ondulação do mar pela ilha-barreira que nos dá uma praia maravilhosa.

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Ria Formosa e Forte de Cacela.
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Cacela Velha – Igreja Matriz (sec XVI)

Destaca-se a pequena fortaleza e as muralhas que albergam no seu interior meia-dúzia de casas, uma igreja, um poço e uma riquíssima história. Que mais do que batalhas passadas recorda sim um passado e presente intimamente ligado à poesia. Talvez a beleza da paisagem seja a inspiração….

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Homenagem a Ibn-Darraj

Muito mais recentes são as presenças de Sophia de Mello Breyner Andresen ou Eugénio de Andrade entre muitos outros.

Uma pequena localidade mas que serviu e serve de alfobre de inspiração para poetas que por sua vez, também a consagram. É possível observar em muitas das paredes, azulejos com poemas a ela dedicados e que evocam esta fonte de inspiração.

11ª etapa – EN 124 – A outra estrada do Algarve

Todos conhecemos ou já ouvimos falar da famigerada Nacional 125, no Algarve. Uma estrada nacional que é, na grande maioria do seu trajecto uma via urbana, perigosa nas suas armadilhas e lenta para quem pretende deslocar-se com maior celeridade.

Mas, no Algarve existe uma outra estrada. que a antecede na numeração do Plano Rodoviário: a EN124.

E foi esta que percorri. Formalmente começa em Portimão e termina a meia dúzia de quilómetros de Alcoutim no outro extremo do Algarve. Resolvi alargar um pouco o âmbito: iniciei a jornada na Praia da Rocha e terminei-a novamente junto ao mar, no local mais a sudeste de Portugal: na Ponta da Areia em Vila Real de Santo António.

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Praia da Rocha

Da Praia da Rocha rumei a norte até Silves. Daqui, a nossa EN124 vira para poente e começa a ser um pouco mais interessante. Vamos-nos progressivamente afastando do Algarve turístico e entramos no Algarve rural.

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Barranco do Velho – EN124 cruza a EN2

Até S. Bartolomeu de Messines a estrada, sob o ponto de vista de condução, não nos desafia. Mas a partir de Alte, entramos na Serra do Caldeirão e a partir daí, outro mundo surge aos nossos olhos.

À nossa frente uma estrada em bom estado, com pouco movimento, numa sucessão quase infinita de curvas e contra-curvas. São cerca de 90 km de puro deleite. Que não se esgotam no prazer motociclístico. Porque a paisagem do Barrocal Algarvio é deslumbrante. Quando paramos, o silêncio é quase absoluto. Digo quase, porque a natureza tem o seu fundo musical.

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Barrocal Algarvio

Antes de Alcoutim, em Pereiro, encontrei uma tradicional feira, com os seus vendedores de banha-da- cobra, as tendas de atoalhados ou de especialidades típicas, as barracas das bifanas… Era a feira de S. Rafael, o nosso padroeiro. Não podia ser melhor!

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Pereiro- Feira de S. Rafael

Alcoutim marca o final da EN124 (na verdade termina 8km antes). À nossa frente, o Guadiana e a espanhola San Lúcar de Guadiana.

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Alcoutim e Guadiana

Virei para sul em direcção ao final da jornada. Esperava-me a Marginal do Guadiana. Uma estrada municipal que vai de Alcoutim até um pouco abaixo de Odeleite. Sempre junto à margem direita do rio que aqui se começa a espraiar. Passo o Montinho das Laranjeiras, Guerreiros do Rio e Foz do Odeleite. e finalmente a EN122 por Castro Marim até Vila Real.

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Marginal do Guadiana

A Ponta da Areia é só um pouco mais adiante, depois de passado o farol mais oriental de Portugal. Dali em frente, só água: ou a foz do Guadiana e Ayamonte ou o Atlântico com sabor a Mediterrâneo.

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Ponta da Areia – Foz do Guadiana

(Continua…)

Estas foram as 11 primeiras etapas da minha viagem de 2 anos a Andar de Moto, publicadas no número de Fevereiro da “Andar de Moto”.

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2 anos a andar de moto – parte 1

 

Parte 2: in Andar de Moto #34 – Março de 2021

Recordo que (no mês passado) terminei a primeira parte desta viagem de 2 anos, no extremo sudoeste de Portugal. Dali…só por água: para Espanha cruzando a foz do Guadiana ou então, perder-me nas águas do Atlântico, quem sabe para onde…

De moto não tinha saída. Regressei….

12ª Etapa – Pelos caminhos do Alto Tejo

Lembram-se do Major Alvega das revistas de aventuras aos quadradinhos? E da posterior série televisiva? Os mais velhos certamente. Pois este percurso começa na vila de Alvega (que inspirou o nome português daquele herói imaginário), situada nas margens do Tejo alguns quilómetros acima de Abrantes. É aqui que o leito do rio se começa a alargar.

Pois a ideia é percorrer as margens para montante, quase até Espanha.

Pouco depois de Alvega, atravesso o Tejo pelo paredão da Barragem de Belver. Logo a seguir, passo pela praia fluvial de Ortiga. Não é a única nesta albufeira. Mais à frente a vila que lhe dá nome: Belver.

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Belver visto do Alamal

Com o seu castelo medieval imponente no monte fronteiro ao casario, com facilidade descortinamos a sua importância noutras era. Na outra margem, a praia fluvial do Alamal. Recanto magnífico, muito aprazível em alturas estivais (que por aqui quando faz calor, faz mesmo). Atravesso a ponte metálica a caminho de Gavião. Um pequeno percurso mas com umas curvas simpáticas. Até Nisa a estrada (EN118) não tem história…rectas e bom piso. Um bom aperitivo para o troço de 18km que une Nisa, a última do Alentejo, a Vila Velha de Ródão, a primeira da Beira Baixa. Puro deleite motociclístico.

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Ponte de Ródão
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Portas de Ródão e Linha da Beira Baixa

Última travessia do Tejo e oportunidade para olhar para o monumento natural das Portas de Ródão. magnífico! No topo da encosta, uma singela torre, mas com uma lenda antiquíssima que nos remete para o tempo dos Visigodos: é o Castelo do Rei Wamba.

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Castelo do Rei Vamba – Tejo rumo à foz

13ª Etapa – Borba, a filha alentejana de um deus menor

 O título deixa antever o desfavor que brinda esta terra alentejana: a sua mais pequena cidade. Borba.

Fui até lá pelo caminho mais longo: passei por Mora, Pavia, Vimieiro…detive-me a contemplar de longe o Castelo de Evoramonte (chovia e já lá tinha estado quando fui até Olivença – ver a história da 1ª etapa). Passei pelo Redondo e detive-me no Alandroal. Interessante vila, tipicamente alentejana e com um Castelo a merecer visita (e melhor conservação…mas já vi muito pior). Regressei a Juromenha. A Sentinela do Guadiana deixou-me maravilhado mais uma vez (rever a 1ª etapa desta viagem de 2 anos). Daqui fiz finalmente agulha para o meu destino.

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Fortaleza de Juromenha

Borba fica a 3 quilómetros da Princesa do Alentejo: Vila Viçosa. E essa é também a sua desdita. Porque parece que tudo de bom ficou na vila, hoje cidade, da Casa de Bragança e da Santa Padroeira de Portugal, Nª Sª da Conceição. Conta-se que Borba tem uma fonte…apenas porque já não cabia em Vila Viçosa….

Em Vila Viçosa, são imperdíveis o Paço Ducal – magnífico e a justificar a visita guiada: uma lição de História de Portugal! – o Castelo, a Igreja de Nª Sª da Conceição. E as ruas da bonita terra alentejana.

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Paço Ducal
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Castelo de Vila Viçosa

Borba perde em beleza para a sua vizinha. Casario típico da região e recorte urbanístico que deixa antever a sua ancestralidade: foi tomada aos Mouros em 1217. E se da vila pouco mais há a destacar, a não ser a excelência dos seus mármores (mas cujo contraste é evidente na terra esventrada e nos montes de escória resultantes da extracção da preciosa pedra), daqui levei a gratidão da forma como fui acolhido na Casa do Terreiro do Poço e dos amigos que aí fiz.

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Pormenor da muralha de Borba
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Borba

O regresso foi por Estremoz e Évora. Em ambas não me detive. terminei o périplo no Cromeleque dos Almendres, monumento pré-histórico que pede meças em antiguidade ao famoso Stonehenge inglês.

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Cromeleque dos Almendres

 

14ª Etapa – Para lá do virar da esquina, a lenda das duas chaves

Por duas vezes estive em Chaves. Em ambas para no dia seguinte me lançar estrada abaixo pela EN2. Pouco tempo para desfrutar da cidade mas suficiente ainda assim, no somatório das duas, para absorver a sua ancestralidade, os seus monumentos e o ser das suas gentes. 

Há um monumento em particular que é um dos meus favoritos em Portugal e que não me canso de contemplar: a Ponte de Trajano. Construida pelos Romanos no século I da nossa era, reparada e restaurada ao longo do tempo, aí está ela: formosa e segura! E ao serviço… dois mil anos depois. Obra magnífica.

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Ponte de Trajano

Percorridas as suas ruas, tive a oportunidade de ver a cidade na sua amplitude do bonito Miradouro situado num monte que a protege do lado nascente. Vista fantástica.

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Vista panorâmica do Miradouro

Denominada Acqua Flaviae pelos Romanos graças à excelência medicinal das suas águas – algo que os Romanos prezavam e cultivavam – foi nessa época que se passaram os factos (serão factos?…acreditemos nisso) que deram origem à Lenda das Duas Chaves e mais tarde deram nome à cidade: as chaves da Saúde e do Amor.

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Torre de Menagem.

 

15ª Etapa – A lenda das duas caras

 Visitar Guimarães é um desafio se a quisermos descrever sem cair nos clichés habituais do “berço da nacionalidade” ou das desavenças entre D. Afonso Henriques e sua mãe. Sem dúvida que foi a primeira capital de Portugal. Fundamental na fundação da Nacionalidade e preponderante na Reconquista Cristã.

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Castelo de Guimarães

Para evidenciar esse riquíssimo passado, lá estão o magnífico e imponente Castelo, a Igreja de S. Miguel onde o nosso primeiro rei foi baptizado, ou logo ao lado o majestoso Paço dos Duques de Bragança (construído no Séc. XV e único na Península sob o ponto de vista arquitectónico), Percorrer as ruas que descem do Castelo, com um casario típico e bem conservado é ter a certeza de estarmos a percorrer os caminhos da nossa História.

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Paço Duques de Bragança

Mas a história que me atraiu a Guimarães foi outra: a do Guimarães das Duas Caras!

No Largo da Oliveira, ponto fulcral do Centro Histórico de Guimarães, com uma secular oliveira que lhe dá o nome e um monumento gótico celebrando a vitória na Batalha do Salado. Atrás deste a Igreja de Nª Sª da Colegiada (ou da Oliveira). Do outro lado, o edifício medieval dos antigos Paços do Concelho onde, no cimo da sua fachada principal, figura a curiosa estátua de um personagem com uma característica única: tem duas caras. Uma, no local natural e uma outra no abdomén! É o Guimarães das Duas Caras.

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Largo da Oliveira – Monumento à Batalha do Salado

A história, ou lenda, remonta aos tempos de D. Sebastião e da Batalha de Alcácer Quibir. E dessa fatídica ocorrência veio a nascer a lenda de um natural desta terra, que curiosamente lhe levaria o nome (ou a alcunha), da sua fuga e regresso à terra natal numa aventura de múltiplas peripécias e que, presumo, tenha vindo a originar a famosa expressão “tem o Rei na barriga”.

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Estátua Guimarães Duas Caras

Curioso? A lenda está contada com todos os detalhes na edição de Julho de 2020.

E se não perdi a oportunidade de ver um espectacular pôr-do-sol na Penha, também trouxe a memória da pernoita na Casa do Ribeiro. Magnífico solar tipicamente minhoto, bem conservado graças aos seus proprietários que foram os meus anfitriões. O serão em amena conversa foi excelente e enriquecedor. A deixar saudades, sem dúvida.

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Pôr do Sol na Penha

 

16ª Etapa – Fui andar de carrossel

 Recordam-se daqueles carrosséis das feiras, que giram e giram, num sobe e desce como se tivessem uma ondulação? Com cavalos e motos, carros de bombeiros e carruagens? Normalmente têm uns caldeiros onde cabem algumas pessoas e rodam sobre o seu próprio eixo, para a direita e para esquerda, à medida que o carrossel evolui. Essa foi a inspiração para esta volta.

Diz-se habitualmente que o Alentejo é plano. E que as estradas são monotonamente a direito. É verdade. Na sua essência assim é. Mas não há regra que não tenha as suas excepções. Uma delas é certamente a zona que percorri e um conjunto de estradas que nos permitem fazer de seguida, cerca de 70km de curvas e contra-curvas, para a direita e para a esquerda, em sobe e desce permanente. Recordam-se do carrossel?

A viagem começou em Alcácer do Sal. A marginal desta cidade da margem direita do Sado é lugar aprazível para começar estas digressões. O cafézinho matinal numa esplanada com aquele enquadramento é excelente para marcar o início de qualquer jornada.

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Alcácer do Sal.

Daí, em direcção à Comporta, a primeira paragem no Cais Palafítico da Carrasqueira e a oportunidade para ver como o engenho humano resolve os seus problemas, tantas vezes da forma mais simples. E a paisagem…deslumbrante: o estuário do Rio Sado, estreitado entre Tróia e Setúbal com a Arrábida em pano de fundo. Imperdível.

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Cais Palafíticos da Carrasqueira

Segui até Melides para “apanhar” o Carrossel Alentejano: a estrada que dali me levou até Grândola (EN261-2) e daqui até Santiago do Cacém (EN120) atravessa e volta a atravessar a Serra de Grândola. Depois, na mesma EN120, a Serra do Cercal até à pequena povoação de Sonega, foi a continuação deste trajecto sinuoso e um verdadeiro deleite de condução. Verdade se diga que a novíssima Suzuki V-Strom 1050XT foi a companhia ideal.

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Estrada Nacional 120

Acabado o festim…rumei em direcção ao litoral. Era agora tempo de reviver algumas reminiscências deste pedaço de território onde vivi a minha infância: Porto Côvo, S.Torpes, Sines, Lagoas de Santo André e Melides.

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Porto Côvo
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Sines – Praia Vasco da Gama

Vivi até à adolescência em Grândola e estas foram as praias onde passei férias tantas vezes. Obviamente que o terreno desta volta não me era desconhecido. Pelo contrário…mas já não o percorria há muitos, muitos anos. Foi bom voltar. 

17ª Etapa – Uma viagem às arrecuas do tempo

Se na etapa passada regressei ao Alentejo da minha infância, nesta continuei por estas terras mas do outro lado, junto à fronteira e mais para norte. Por onde costumo andar mais frequentemente nas últimas décadas.

 Porquê uma viagem às arrecuas do tempo? Pelas simples razão que a minha primeira paragem foi em Castelo de Vide. E aí, naquela a que chamam Sintra do Alentejo (o que eu detesto estas fórmulas! Sintra é Sintra. Para mais inigualável. Castelo de Vide não precisa de comparativo. tem personalidade, beleza, ancestralidade própria. O mesmo raciocínio se aplica a muitos outros locais…minimizam-se porque acabam por ser entendidos como segunda escolha.Adiante!). Neste caso o responsável do epíteto foi D. Pedro V. Palavra de El-Rei!

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Vista panorâmica de Castelo de Vide

Aqui recordei Gonçalo Eanes de Abreu, distinto membro da Ala dos Namorados de D. Nuno àlvares Pereira, na Batalha de Aljubarrota. Falei do passado judaico de Castelo de Vide, que se projectou até à actualidade e de Garcia de Orta, filho de judeus e distinto médico do início do Séc. XVI. Outros filhos da terra mencionados foram Mouzinho da Silveira, político e jurisconsulto do Séc. XIX e Fernando Salgueiro Maia, militar do 25 de Abril.

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Largo de Gonçalo Eanes de Abreu
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Judiaria

De Castelo de Vide, rumei a Marvão. Pela famosa estrada (EN246-1) em que as “árvores estão de cuecas” no prosaico dizer das gentes daqui.

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A estrada onde as árvores estão de cuecas

Situada no cimo de imponente escarpa da Serra do Sapoio, a 900m de altitude, é impressionante guardiã destas terras. E certamente foi um baluarte na defesa destes territórios ao longo dos séculos mais remotos.

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Marvão…lá em cima

Ou seja, ao visitar Marvão, andamos para trás no tempo relativamente a Castelo de Vide.

Nos tempos do Romanos fez parte da estrutura defensiva da vizinha cidade de Ammaia e na época do domínio mouro atingiu maior relevo. Terá sido Ibne Maruane, líder militar e religioso sufista do Al Andalus, que deu nome à vila de Marvão (Marvão pela aliteração do seu nome Maruane), cujo castelo construiu entre 876 e 877. 

Na Reconquista, seria tomada e perdida aos Mouros. No início do Séc. XIII já portuguesa recebeu foral em 1226 outorgado por D. Sancho II. A pequena e bem conservada vila está integralmente situda no interior das muralhas.

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Marvão – Castelo e Jardim

E é das ameias desta que podemos vislumbrar o horizonte. É uma visão deslumbrante, qualquer que seja a época do ano. Dada a altura a que estamos, dizem que daí “podemos ver as águias de costas”. Não foi desta vez…mas confirmo!

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De Marvão vê-se a terra toda

Saí de Marvão e continuei a viagem às arrecuas. Ainda mais para trás no tempo.

 Fui até às ruínas da cidade romana de Ammaia. Ficam em S. Salvador da Aramenha, meia dúzia de quilómetros a sul de Marvão. Foi nesse tempo um importante núcleo, situado no trajecto entre Emérita Augusta (a espanhola Mérida na designação actual) e os mais importantes locais no território mais ocidental onde hoje se situa o nosso País. Fundada no Séc. I, teve o seu apogeu nos tempos seguintes, entrando em declínio por volta do Séc. V. Depois, foi sendo sucessivamente saqueada. Perdida no tempo e soterrada, só mais recentemente veio a ser alvo de escavações que a pouco e pouco no vão trazendo a memória do seu brilhantismo…há 2000 mil anos.

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Ammaia -Porta Sul

Comecei na actualidade e fui até ao Séc. XV em Castelo de Vide. Em Marvão se fala da herança moura e da Reconquista Cristã. Na Ammaia, recorda-se o nosso passado civilizacional com os Romanos. Andei às arrecuas do tempo. 

18ª Etapa – Do Cabo à Póvoa pelas Aldeias Avieiras

 Esta etapa é um regresso ao Rio Tejo. Em concreto a algo que é do mais típico que nas suas margens podemos encontrar: as aldeias avieiras.

 Nas primeiras décadas do Séc. XX, os pescadores de Vieira de Leiria, pela impossibilidade de se fazerem ao mar no Inverno, migravam para a lezíria do Tejo e prosseguiam a sua faina por aqui. Se no início, essas migrações eram sazonais, muitos foram por aqui ficando. Por outro lado, as habituais cheias do Tejo, obrigavam a que recorressem a cais palafíticos e as casas onde residiam ficassem também sobre estacaria. Daí a sua muito típica construção em várias aldeias que podemos encontrar de um e outro lado do Tejo. Desde as imediações de Lisboa até um pouco para lá de Santarém. E avieiras pela origem desses migrantes: vinham de Vieira.

 Começámos a jornada, no Cabo, defronte de Vila Franca de Xira, onde antigamente (antes de 1951) se fazia a travessia do rio em embarcações denominadas “gasolinos”. Prossegui e em Salvaterra de Magos, fiz breve visita à Falcoaria Real com a promessa de lá voltar com mais tempo.

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Cabo – Vila Franca do outro lado

Dali, passei no Bico da Goiva onde começa a Vala Real de Salvaterra e pela Praia Doce. Nome simpático o desta praia fluvial. Depois detive-me no Escaroupim. Talvez a mais conhecida das Aldeias Avieiras.

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Escaroupim

Prossegui o caminho e detive-me em Muge. Paragem obrigatória para reabastecimento nas bifanas do Silas. Aqui fica a Casa de Cadaval e pude ainda ver uma pequena ponte romana votada quase ao esquecimento. Porto de Sabugueiro foi a aldeia avieira seguinte.

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Porto de Sabugueiro

Regressei a Muge e passei para a margem direita pela centenária Ponte Rainha D. Amélia.

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Porto de Muge e Ponte Rainha D. Amélia

Seguiu-se Valada do Ribatejo, famosa pela sua resistência habitual às cheias do Tejo. Muito aprazível a zona ribeirinha com pequeno ancoradouro e um parque de merendas agradável com árvores frondosas propiciadoras de sombras convidativas em dias de maior canícula. Tranquilidade absoluta por aqui.

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Valada

De Valada visitei sucessivamente Palhota – onde viveu Alves Redol que bem descreveu a vida destas gentes e onde foi realizado em 1975 o documentário “Avieiros” – e Porto da Palha, situada na Quinta do Lezirão.

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Palhota – casa típica
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Palhota – Cais palafítico
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Porto da Palha – Canoa do Tejo

Mais à frente, a praia fluvial da Casa Branca. Ou melhor, o que dela resta, pois está votada ao abandono. Também ao abandono e em ruínas está, um pouco mais à frente, o Palácio das Obras Novas (nome irónico!).

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Palácio das Obras Novas

Atravessei a Vara Real da Azambuja e passada esta terra ribatejana, o destino final ficava no Bairro dos Pescadores junto à Póvoa de S. Iria. Apenas para recordar o antigo cais palafítico que recentes obras de “melhoramentos” eliminaram, perdendo-se essas memórias.

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Rio Tejo na Póvoa de Santa Iria – Memória de 2017

 

19ª Etapa – Romeiro, Romeiro, quem és tu?…Ninguém!

 Esta jornada é sobre uma estrada: a Estrada Nacional 10, que percorri. Porquê esta estrada em especial? Ela começa em Cacilhas e termina, do outro lado da capital, em Sacavém. Ou seja, faz um percurso circular pela Península de Setúbal, vai atravessar o Tejo em Vial Franca de Xira e depois regressa a Lisboa em percurso paralelo ao rio. Sempre achei curioso estar numa fila para entrar em Lisboa, na margem sul e ouvir dizer na rádio, que também havia fila a norte…na EN10, a mesma estrada e por onde eu tinha vindo.

 Visitei Cacilhas e o cais onde ainda me recordo de apanhar o barco para Lisboa (em miúdo, daí vi a construção da Ponte 25 de Abril). Foi aqui que encontrei a inspiração para o título: no Frei Luis de Sousa de Almeida Garrett, é aí que se situa o Palácio de D. João de Portugal, aonde este regressa depois de 20 anos de cativeiro resultante da derrota em Alcácer Quibir (isto passa-se em 1600). E aí é feita a célebre pergunta….

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Cacilhas

Depois segui com um pequeno desvio até à Ponta dos Corvos, defronte do Seixal. aí fica também a ruína da fábrica de secagem de bacalhau Atlântica. Reminiscências de uma indústria quase desaparecida. Como também tinha visto anteriormente ao passar no que resta da Lisnave.

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Fábrica Atlântica

Tempo ainda para breve visita ao Moinho de Marés de Corroios.

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Moinho de Marés de Corroios

Segui em direcção a Azeitão, com a Arrábida a ganhar dimensão no cenário. Em Setúbal, subi à Fortaleza de S. Filipe (Pousada) para usufruir da vista espectacular para a cidade de Bocage, o estuário do Sado e a Península de Tróia.

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Setúbal – panorâmica

Até à Marateca segui rumo a nascente e ainda passei pelo Moinho de Marés de Mouriscas. Aí inflecti para norte, sempre seguindo a EN10.

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EN10 – Marco

Visitei S. Isidro de Pegões, local de interessante obra de colonização interna promovida nos anos 50 do século passado.

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S. Isidro de Pegões

Novamente na EN10, passei sucessivamente Samora Correia, Porto Alto e entrei em Vila Franca pela Ponte Marechal Carmona. Subi ao Monte Gordo para apreciar a ampla vista da lezíria ribatejana, com a cidade aos pés.

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V. Franca de Xira

Depois de Vila Franca, à saída de Alhandra, um pequeno desvio: subi durante cerca de 1 km, e num frondoso parque com uma vista magnífica, imponente monumento aos Heróis das Linhas de Torres.

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Monumento Linhas de Torres

Pouco mais adiante, no Sobralinho, oportunidade para visitar o Palácio e Parque que leva o nome da terra.

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Palácio do Sobralinho

E Sacavém estava logo ali a seguir. O final da EN10. Uma estrada que acaba quase onde começou

20 – As estradas esquecidas da Beira Baixa

Vivi 2 anos em Castelo Branco. Todavia esta volta é por uma zona que não conhecia. E que pelo que apreciei, está quase votada ao esquecimento. Se as modernas auto estradas rasgam a paisagem, conseguem ter quase o mesmo efeito na coesão do território. Quem por lá passa em alta velocidade busca o destino e nem se apercebe da realidade que, neste caso, vai da A-23 até à fronteira com Espanha.

 Comecei em Vila Velha de Ródão depois do aquecimento no troço da EN18 que percorre a Serra de Nisa.

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EN18 Serra de Nisa – Casa de Cantoneiros

Como sempre, parei na ponte defronte das Portas de Ródão. Daí, até à primeira paragem, em Malpica do Tejo, passei por Perais, Alfrivida e pela Ponte de Lenticais (com um muito bonito parque de merendas ao seu lado).

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Ponte de Lentiscais

Em Malpica tentei aceder ao seu porto fluvial…mas a estrada estava cortada. Não percebi… Voltei para trás e tive um “encontro imediato”…

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Perto de Malpica do Tejo

A partir daqui, estava a percorrer o Parque Natural do Tejo Internacional (a margem esquerda do rio nesta zona, pertence a Espanha). Próxima paragem, Monforte da Beira e depois rumo ao Rosmaninhal. Se olharmos para o mapa percebemos o recanto do nosso País onde estava. Esta terra foi sede de concelho entre 1510 e 1836.

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Rosmaninhal – Igreja Matriz e Torre do Relógio

Era tempo de rumar a norte. O destino era Termas de Monfortinho. Até lá chegar passei por Zebreira. 

As Termas ficam mesmo junto a Espanha (separada aliás por um pequeno rio, quase à distância de um salto…mas não vale a pena. É só atravessar a ponte!). Conhecidas pelos Romanos, nunca chegaram a conhecer o esplendor de outros locais termais devido à dificuldade de acessos. Tempos houve, não muito para trás, que este era um destino remoto.

55-E20-Termas de Monfortinho.jpg_8.99_jpg Das Termas saí em direcção a duas terras que são bem conhecidas: Penha Garcia e Monsanto. Com características diferentes mas são parecidas por ficarem ambas no cimo de montes e rodeadas do agreste de formações rochosas graníticas com formatos que a erosão do tempo esculpiu. Não é por acaso que são presença frequentes em promoções turísticas pois a beleza agreste destas terras deixa-nos reduzidos à nossa pequena dimensão

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Penha Garcia – vista panorâmica
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Penha Garcia – Pelourinho
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Monsanto – Panorama com a Torre do Lucano ao fundo
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Monsanto – rua

Terminei o percurso na antiquíssima Idanha-a-Velha. Fundada no Séc I aC à época do Imperador Augusto. Segundo algumas teorias, terá sido aqui que, em 305, terá nascido o Papa Dâmaso I. Mais tarde, conheceu grande esplendor na época visigótica. Os Mouros arrasaram-na em 713. Foi definitivamente conquistada por D. Sancho I.

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Idanha a Velha – Fortaleza – Porta Norte

Terras esquecidas estas. A que a situação sanitária ainda mais agrava. Locais houve onde passei que não se via vivalma. E a que encontrei olhava-me como se questionasse “o que anda este aqui a fazer”. Se calhar, com razão….

21 – A demanda pela Esperança

O mote foi tentar encontrar (simbolicamente, claro) algo que no presente é fundamental para todos: Esperança.

 Serviu para completar uma zona ainda por desvendar nestas minhas viagens ao virar da esquina. Portalegre e, naturalmente visitar uma pequena povoação que tem esse nome tão grande: Esperança.

 A cidade do norte alentejano, que se espalha a meia encosta da Serra de S. Mamede, tem um belíssimo enquadramento paisagístico. E percorrer as ruas do seu centro histórico é um bom exercício físico. Ora se sobe, ora se desce, em ruas de empedrado por vezes irregular. As 4 torres que restam do Castelo marcam a linha do horizonte bem como a imponente Sé em estilo maneirista. Muito bonita.

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Panorama de Portalegre

Quando entramos em Portalegre, todos os caminhos vão dar ao Rossio. É aqui o coração da cidade. E também onde fica o imponente e secular plátano (considerado a mais bela árvore de Portugal em 2020) que marca o inicio do agradável Jardim do Tarro. O Museu das Tapeçarias é um marco a merecer entrada noutra época em que possamos visitar estes espaços.

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Rossio e Plátano
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Castelo de Portalegre
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Sé de Portalegre

Depois do périplo por Portalegre, era tempo de prosseguir na minha demanda. A rumo foi em direcção a Arronches. Pequena vila sede de concelho e que faz fronteira com Espanha, tem o ponto central no largo onde se situam os Paços do Concelho, a Igreja Matriz e a Igreja da Misericórdia, cada uma com a sua torre que marcam de forma distinta o recorte urbano de Arronches. E Esperança estava perto…

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Arronches – panorama e Rio Caia
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3 torres – Igrejas Matriz e da Misericórdia e Câmara Municipal

Efectivamente, a pequena aldeia sede de freguesia, fica a meia dúzia de quilómetros em direcção ao país vizinho. Pouco tem a registar para lá do seu nome e do facto de quase parecer deserta.

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Esperança!
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Entrada de Esperança

A demanda estava concluída. Mas sabia que ali perto ficava uma ponte muito curiosa. Tão curiosa que é considerada a mais pequena ponte internacional do mundo. Une duas povoações de nome igual em diferentes línguas: Marco do lado de cá do Arroyo Abrilongo (o pequeno ribeiro que as separa e faz fronteira) e El Marco do lado de lá.

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O caminho que leva à fronteira
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A mais pequena ponte internacional do mundo

Antes de regressar, voltei a Esperança e fiz um pequeno desvio para visitar as pinturas rupestres da Lapa dos Gaivões. Foi a forma perfeita para terminar esta jornada…em demanda da Esperança.

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Lapa dos Gaivões

E foi com pinturas rupestres terminei esta fase de 2 anos da minha viagem a Andar de Moto. Espero que tenham gostado e que estas voltas e reviravoltas ao virar da esquina possam servir para vos inspirar a melhor conhecer os recantos deste nosso País. Afinal, as aventuras são onde nós quisermos que sejam. Assim possamos rapidamente ultrapassar os constrangimentos que nos prendem e possamos dar asas à liberdade.

Para terminar, porque a segunda metade destes dois anos foi passada num enquadramento pouco propício, devo salientar que todas as viagens realizadas durante este período foram feitas em estrita obediência às regras sanitárias e de mobilidade vigentes ao momento.

Estas foram as 10 restantes etapas da minha viagem de 2 anos a Andar de Moto, publicadas no número de Março da “Andar de Moto”.

2 anos a andar de moto-2

 O meu desejo é que possamos continuar estas Viagens ao Virar da Esquina convosco.

 Entretanto, podem ler as histórias completas que estão à vossa disposição no site da Andar de Moto. Se quiserem começar pela primeira é só seguir o link (as restantes estão lá também):

https://www.andardemoto.pt/opinioes/41741-olivenca-e-nossa-dizem/

 

Obrigado por nos acompanharem.

Boas curvas…com muita saúde!

E acompanhe Viagens ao Virar da Esquina em:

As Viagens…

…de 2021:

QUEM CONTA UM CONTO…ACRESCENTA UM PONTO!

O que não falta por aí são histórias, contos, lendas que nos surpreendem, paisagens que nos maravilham e pessoas com experiências de vida que nos enriquecem só por falarmos com elas.

ESTRADAS DE MONTANHA … AO VIRAR DA ESQUINA – PARTE 2

A Serra da Estrela não se esgota nas suas subidas e descidas. É possível desenhar um percurso que a contorna, que nos permite absorver toda a sua beleza paisagística e conhecer as terras e as gentes serranas.

ESTRADAS DE MONTANHA… AO VIRAR DA ESQUINA – parte 1

Que tal um percurso de montanha em Portugal, capaz de rivalizar com alguns célebres destinos pirenaicos ou alpinos?
Será possível?

O Mafarrico deixou a porta aberta!

Esperava ser recebido pelo Mafarrico.
Afinal, o Diabo é personagem integrante do imaginário do Inferno. Sendo o locatário da coisa, deveria estar à nossa espera.
Mas nada!…

FUI VISITAR A D. ELVIRA!

Há muito que a visita estava prometida. Foi desta…

À procura de uma estrada… para a Multistrada!

Ao procurarmos o longínquo, esquecemos por vezes o que está perto…

Oriola – Monumento ao 25 Abril

Já conhece Oriola?

Foi assim. Desta forma simples que os meus cinco sentidos ficaram alerta.
Uma atenta seguidora de Viagens ao Virar da Esquina lançou assim, de chofre, a inquietação…

Mosteiro de Flor da Rosa

POR TERRAS DO PRIORADO DO CRATO

Os tempos não recomendam grandes aventuras. Estava perto. Fui até ao Crato. E, porque fica mesmo ao lado, a Flor da Rosa.

Uma viagem de 2 anos a Andar de Moto!

2 anos e 21 capítulos de uma longa viagem que ainda só vai no começo…

Em demanda da Esperança

A esperança que precisamos ter foi o mote para esta busca. De Portalegre a Arronches e daqui até…Esperança!

Fomos à Sopa da Pedra

Para começar o ano, nada como uma pitada de camaradagem, outra de estrada e uma sopa da pedra para aquecer! 

…de 2020:

As estradas esquecidas da Beira Baixa

Viagem por territórios quase votados ao esquecimento. 

Romeiro, Romeiro quem és tu?… Ninguém!

Um passeio na qual a chegada é (quase) o ponto de partida e onde a paisagem e as memórias se vão cruzando no nosso caminho…

A Globalização começou na EN2

A globalização começou há mais de 500 anos, dizem alguns. E se assim foi…o marco inicial está ao km 551 da EN2!

Pelos caminhos de Ibn Darraj al-Qastalli

Uma pequenina povoação que nos traz a história ancestral de um dos maiores poetas árabes, antes de Portugal ser nação.

Do Cabo à Póvoa, pelas Aldeias Avieiras

Esta é uma história sobre o Rio Tejo. De pescadores que para moldarem a sua vida…moldaram a face do rio

SOLARES DE PORTUGAL – Viajar no tempo, habitar o património (2020)

Uma viagem às arrecuas do tempo

À medida que os quilómetros avançavam, a linha do tempo recuava e íamos revendo o passado cada vez mais longínquo.

Por este rio acima

O desafio de subir o Rio Tejo, saltando de margem para margem pelas suas 15 travessias…que afinal não são 15!

O carrossel alentejano

A planicie que devia ser plana e não é! E o que devia ser a direito…também não é…  Um regresso ao passado com alguma nostalgia!

Guimarães e a Lenda das Duas Caras

Um encontro com a mais remota História de Portugal, ao tempo da fundação da nacionalidade…e também da sua perda. 

Para lá do virar da esquina… a Lenda das Duas Chaves

Como uma história de amor e umas águas milagrosas dão o nome a uma cidade que já os romanos admiravam.

EN2 – Portugal de Fio a Pavio

O desafio de percorrer a EN2 num dia. E ainda, o percurso e um manual prático para quem a queira conhecer.

… de 2019:

Solares de Portugal – Viajar no tempo, habitar o património (2019)

Azeitão – Uma música (pouco) escondida

Terra com muitas histórias para acompanhar com um cálice de Moscatel e uma Torta de Azeitão…

Certo, certo…. é o tempo incerto

Até Tauria e depois até Abdegas, do nevoeiro ao sol caloroso das memórias da História

A Royal Enfield Himalayan a caminho das planuras alentejanas

Uma viagem pela História – Alcácer do Sal, Mértola, Minas de São Domingos – e um regresso a matar saudades da EN2.

O que é (Estrada) Nacional é bom!

Estrada Nacional 120 de Alcácer a Lagos e Estrada Nacional 124 de Portimão a Alcoutim

Pyrenaeos 2019

Do Cabo Higuer ao Cap de Créus, do Cantábrico ao Mediterrâneo.

Borba

A filha alentejana de um deus menor

Brotas

O segredo escondido do Alentejo

Uma volta pelos nossos terrenos de caça

Passeio pela região saloia num dia magnífico

À volta do Lago Azul

Pelos caminhos retorcidos da albufeira de Castelo de Bode

Da Lagoa de Albufeira à Comenda de Monguelas

Uma volta pelas praias até Sesimbra e depois algumas histórias curiosas na maravilhosa paisagem da Arrábida

… de 2018:

Em demanda das terras usurpadas

Olivença, Juromenha e Evoramonte, pelos caminhos da nossa História.

EN2 – foi há 6 meses

A recordação da viagem em filme.

Devagar…para chegar mais rápido

Sempre, sempre a aprender.

A Fórna, o Polje de Minde e o final nos Olhos d’Água

Um dia na Serra dos Candeeiros

Serra da Estrela e algo mais

Uma viagem pela memória com final num castelo amaldiçoado.

EN118 – do Montijo a Alpalhão

De um lado ao outro de Portugal, por uma estrada que outrora foi importante.

Estrada Nacional 2 – de cima a baixo

A espinha dorsal de Portugal, na mais longa das estradas. Uma aventura a 3 inesquecível.

Volta saloia por Montejunto e Bombarral

Serra, curvas e a Real Fábrica do Gelo

Birthday ride

 Azenhas do Mar, Cabo da Roca e Lagoa Azul em manhã de aniversário

… de 2015:

Coser o Rio Tejo como se um pano fosse

 De Lisboa a Vila Velha de Rodão, subir o Tejo e as suas 15 travessias

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