ESTRADAS DE MONTANHA… AO VIRAR DA ESQUINA – PARTE 2

A Serra da Estrela não se esgota nas suas subidas e descidas. Tem muito mais que ver e é possível desenhar um percurso que a contorna, utilizando as mesmas 5 pontas da estrela que desenhámos – Covilhã, Unhais da Serra, Loriga, Seia e Manteigas – mas desta feita com recurso às Estradas Nacionais.

Na crónica anterior (ESTRADAS DE MONTANHA… AO VIRAR DA ESQUINA – parte 1 ) descrevemos as alternativas para alcançar o ponto mais alto de Portugal Continental. E como aproveitá-las numa jornada de montanha que em nada perde para outras muito famosas em paragens mais longínquas.

Descontando o facto de termos que as utilizar em alguns casos para “unir as pontas”, isto é, para depois de uma descida avançarmos para a subida seguinte este pode também ser um percurso muito interessante do ponto de vista turístico. As diferentes povoações atravessadas têm, todas elas, muitos pontos que merecem a nossa atenção.

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Volta à Serra

É bom recordar que muito deste território foi ocupado desde tempos ancestrais, servindo a Serra como elemento defensivo face a invasores externos. Foi assim com os Lusitanos perante as legiões romanas, por exemplo. Mais tarde, após a Reconquista Cristã e estabelecido o Reino de Portugal, os nossos primeiros Reis fizeram uma grande esforço de povoamento nesta região como forma de garantir a ocupação e travar as ambições dos vizinhos reinos de Leão e Castela.

Por essa razão, as terras que iremos atravessar neste roteiro têm na sua maioria, forais atribuídos no Séc XII, o da independência de Portugal. É portanto um circuito também pela nossa História. Venham daí!

Começamos pela Covilhã. Tal como na crónica anterior, a escolha é puramente casuística. Até porque sendo um circuito, terminará no local que escolhermos para início.

Covilhã:

Situada na vertente sudoeste da serra, olhando de alto para o vale do Zêzere aos seus pés, a famosa Cova da Beira, foi desde tempos remotos a capital dos lanifícios. Eram inúmeras as fábricas têxteis aqui localizadas até esta indústria ter entrado em crise e quase se ter extinto (obrigado, extremo oriente!). A superação da crise obriga à procura de alternativas e ressurge agora como cidade universitária, com a dinâmica da muita juventude que procura as faculdades da Universidade da Beira Interior. Outra área é o turismo que tem sido sempre relevante nesta região mas julgo que nem sempre convenientemente explorado, como o atestam a decrepitude de algumas infraestruturas na Serra ou os vetustos estabelecimentos comerciais que nela existem.

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Covilhã na encosta da Serra

A Covilhã é a cidade natal de Pêro da Covilhã, diplomata e explorador da época dos Descobrimentos, primeiro português a pisar terras de Moçambique e que enviou novas a D. João II sobre o modo de atingir os locais onde se produziam as especiarias, preparando o Caminho Marítimo para a Índia.

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Junto à homenagem a Pêro da Covilhã

Mas a presença humana nesta região remonta à pré-história. No tempo dos Romanos chamava-se Cava Juliana ou Sília Hermínia. O foral de vila foi-lhe atribuído em 1186 por D. Sancho I. A qualidade dos tecidos aqui feitos era já famosa quando na época dos Descobrimentos a Covilhã passou a pertencer aos domínios do Infante D. Henrique e dessa forma contribuiu para essa gesta não só através de gente mas também de tributos.

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Covilhã – Igreja da Misericórdia

Duas ribeiras descem da Serra da Estrela: Carpinteira e Degoldra. Atravessam o núcleo urbano e estiveram na origem do desenvolvimento industrial. por fornecerem a energia hidráulica que permitiam o laborar das fábricas.

Junto a essas duas ribeiras deve hoje ser visto um interessante núcleo de arqueologia industrial, composto por dezenas de edifícios em ruínas. Nos dois locais são visíveis dezenas de antigas unidades, de entre as quais se referem a fábrica-escola fundada pelo Conde da Ericeira em 1681 junto à Carpinteira e a Real Fábrica dos Panos criada pelo Marquês de Pombal em 1763 junto à ribeira da Degoldra. Esta é agora a sede da Universidade da Beira Interior na qual se deve visitar o Museu de Lanifícios, considerado o melhor núcleo museológico desta indústria na Europa.

A não perder também é o Largo do Município. Pela sua arquitectura, por ser o centro da cidade e por ser aí mesmo que começa a subida à serra.

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Covilhã – Largo do Município

Da Covilhã rumamos em direcção ao Tortosendo pela EN230, a antiga Estrada da Beira, que unia a cidade serrana a Coimbra. Como se poderá constatar, não era viagem fácil…mas bonita com certeza!

Tortosendo:

Povoação ancestral, provavelmente de fundação anterior à da nacionalidade, havendo registos desde o Séc XIII. Nela predominou a indústria de tecelagem que atingiu o seu apogeu nos anos 50 do século passado. Aí existiam, em 1955, 19 fábricas de lanifícios. Depois, tal como na sede de concelho, o declínio desta indústria fez com que também a vila perdesse grande parte da sua importância.

Reza a lenda que em tempos muito antigos, uma pobre família tinha uma filha deficiente que, enquanto os pais e o irmão iam para a labuta diária, passava os dias encostada a uma oliveira chorando o facto de ter nascido “torta”. Até que certo dia, no alto da oliveira lhe apareceu uma visão de Nossa Senhora que lhe entregou uma roca para ela passar os dias a fiar, e dessa forma também ajudar os seus pais. Ela assim fez e, de tanto fiar, essa sua arte contagiou outras gentes próximas e daí ter nascido na zona a industria da fiação e tecelagem. E também a devoção a Nossa Senhora da Oliveira.

Será que o nome da terra veio de “torta+sendo”? As lendas servem para explicar o que desconhecemos, não é?

Saímos do Tortosendo e continuamos na EN230. O destino: Unhais da Serra.

Unhais da Serra:

Localizada a uma altitude de 650 metros, situa-se na base da vertente Sudoeste da Serra da Estrela, num vale de origem glaciar, onde corre a ribeira de Unhais que resulta da confluência das ribeiras da Estrela e da Alforfa.

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Unhais da Serra vista do Miradouro do Cruzeiro

O Vale Glaciário da Alforfa foi originado por um glaciar que atingiu os 5,5 km de comprimento e se dissolveu a uma altitude de 800 metros (ou seja, a escassos 150 m em altitude de Unhais).

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Vale Glaciar da Alforfa

A presença humana remonta a épocas pré-históricas. E também o lugar já é identificado nos alvores da nacionalidade. É todavia o termalismo que lhe traz fama e algum proveito.

Existem várias nascentes que, espalhadas pela Vila, brotam violenta e abundantemente por grande parte do vale de Unhais da Serra. E há também uma nascente de águas férreas.

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Unhais a olhar a Serra

A Norte de Unhais da Serra situa-se a Estância Termal e Climática, cujas águas correm a 36.000 litros/hora com uma temperatura de 37º, sendo terapeuticamente indicadas para doenças dos aparelhos circulatório e respiratório, para o reumatismo e doenças de pele.

Unhais da Serra viveu a sua grande época turístico termal nos finais do século XIX e princípios do século XX, sendo na altura conhecida como “Pérola da Beira” ou “Sintra da Covilhã”.

À época, a conversão da residência do Conde da Covilhã, pela visão do próprio, no Grande Hotel de Unhais da Serra tendo anexo o “Casino”, com espaçosos salões de dança, bilhares, e outras diversões contribuiu para o fortalecimento do turismo local, vocacionado na altura para a classe relativamente numerosa de proprietários e industriais têxteis da região.

Ainda hoje, esta riqueza é aproveitada inclusivamente com novas instalações hoteleiras.

Também aqui a lenda nos explica o que se desconhece: reza que certo dia andando à caça pela Serra da Estrela, um jovem brasonado e rico, perdeu-se no entusiasmo da caçada. Depois de andar perdido durante muito tempo sentiu-se cansado e com fome. Nestas condições chegou até perto do local onde hoje está situada “Unhais da Serra”. Aqui encontrou um pastor que o vendo com fome, logo lhe deu leite do seu rebanho, foi à ribeira e com as suas grandes “unhas”, apanhou trutas para o jovem senhor. O jovem caçador ficou admirado pela facilidade com que o pastor apanhou as trutas com as “unhas”, e chamou ao local “Unhas da Serra” ou “Unhais da Serra”.

De Unhais da Serra continuamos por mais uns quilómetros pela Estrada da Beira. Iremos abandoná-la no cruzamento das Pedras Lavradas onde viramos à direita, em estrada que nos levará até Seia, a EN231.

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Cruzamento das Pedras Lavradas

Passadas algumas aldeias cuja toponímia nos remete para alguém que desconhecemos – Vasco Esteves de Cima e Vasco Esteves de Baixo – chegamos a Alvoco da Serra. Quem terá sido o Vasco Esteves?

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Quem foi Vasco Esteves?
Alvoco da Serra:

É a povoação da Serra mais próxima da Torre (em linha recta, claro). Localidade de fortes tradições e origens muito antigas, conserva alguns vestígios da presença dos romanos, nomeadamente uma calçada onde foram encontradas moedas da época.

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Alvoco da Serra

Panoramicamente, é também de uma beleza enorme, principalmente pela encosta serrana onde se insere.

Continuamos na EN231 e alguns quilómetros depois, bem preenchidos pela beleza da paisagem, chegamos a Loriga.

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Serpenteando pela encosta serrana
Loriga:

De origem que se confunde com a antiguidade, por ela passaram os romanos (com testemunho numa calçada da época) e o seu foral é de data anterior à da nacionalidade. 

É conhecida como a “Suíça Portuguesa” devido à sua extraordinária localização geográfica. Está situada a cerca de 770 m de altitude, na sua parte urbana mais baixa, rodeada por montanhas, das quais se destacam a Penha dos Abutres (1828 m de altitude) e a Penha do Gato (1771 m), e é abraçada por dois cursos de água: a Ribeira da Nave e Ribeira de São Bento, que se unem depois para formarem a Ribeira de Loriga, um dos afluentes do Rio Alva.

Os socalcos e sua complexa rede de irrigação são um dos grandes ex-libris de Loriga, uma obra construída ao longo de centenas de anos e que transformou um vale rochoso num vale fértil.

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Loriga
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Loriga – piscinas naturais
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Loriga – piscinas naturais

Da ponte sobre a Ribeira podemos observar a pequena praia fluvial que aproveita as águas que correm desde a Serra. E também todo o vale glaciar que vindo lá de cima, tinha grande inclinação e deixou as suas marcas nos “circos glaciários”, uma espécie de escadaria onde também existe uma sucessão de lagos e covões – os designados Covões de Loriga: Boeiro, Meio, Nave e Areia.

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Loriga e o Vale Glaciar

O Bolo Negro de Loriga é a especialidade local.

Seguimos adiante, pela mesma estrada. Passamos o cruzamento da Portela do Arão e a estrada que nos levaria ao Adamastor e à Torre, e pouco depois, chegamos a Valezim.

Valezim:

Pequena freguesia do concelho de Seia, pertence à Rede de Aldeias de Montanha. Desconhece-se a origem da sua toponímia mas a hipótese mais aceite é que derive do latim “vallecinnus” que significa vale pequeno. As principais actividades económicas da população estão ligadas à agricultura e pastorícia, turismo de habitação e à construção civil.

O seu primeiro foral é atribuído em 1201, por D. João de Foyle (ou D. João Fróia), prior do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. O exemplar autógrafo deste Foral encontra-se no mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.

Em 1514 é renovado pelo Rei D. Manuel I de Portugal, e passa constituir um concelho formado apenas pela freguesia. Entre os anos de 1836 e 1855 pertenceu ao concelho de Loriga e depois foi integrada no de Seia.

O caminho na EN231 prossegue. Mais à frente, terra com nome e história curiosa: Lapa dos Dinheiros.

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A caminho pela EN231
Lapa dos Dinheiros:

Aldeia do concelho de Seia por onde o homem anda desde o neolítico, aqui podemos observar a natureza no seu estado mais puro. E essa é a maior riqueza desta Lapa, erguida a 700 metros de altitude sobre o rio Alva e a ribeira da Caniça. Terra de muitas belezas, como o Souto da Lapa, que – para além de único conjunto de castanheiros centenários – alberga espécies de fauna e flora raras no país. Ou da ribeira da Caniça, que banha a praia fluvial da Lapa dos Dinheiros, cercada de frondosa vegetação.

Mas a origem toponímica não vem desta riqueza natural. Explica-nos a lenda que andando El-Rei D. Dinis por estas paragens ali parou para pernoitar. A mesa rica e variada que lhe puseram à frente impressionou de tal forma o Rei que logo perguntou: “Como conseguiram um jantar tão farto?”. “Com os nossos dinheiros”, responderam os anfitriões. E o monarca fixou-lhes o nome: daí em diante, a singular aldeia da Lapa (construída sobre a rocha) passaria a chamar-se Lapa dos Dinheiros.

Estamos quase a chegar a Seia. Mas antes, a vila de S. Romão. Ponto de início de uma das nossas subidas e local de grande interesse histórico.

São Romão:

É a vila mais rica do concelho de Seia, não só em recursos naturais mas também em património arqueológico e arquitectónico.

O Castro, local onde foram encontrados objectos de olaria, mós manuais, pesos de tear, moldes de fundição e utensílios de bronze e de pedra, a Igreja Matriz, a capela do Santo Cristo e o Buraco da Moira, sítio arqueológico cuja ocupação remonta ao Calcolítico (1200 a.c.), são pontos de paragem obrigatórios.

Na Senhora do Desterro, aldeia pertencente a esta freguesia, é possível visualizar uma rocha com o formato de uma Cabeça de Velha, e doze capelas, uma das quais é a capela dos Doutores, única em Portugal. A Senhora do Desterro é banhada pelo rio Alva, onde existe uma praia fluvial.

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Senhora do Desterro

De salientar que nesta localidade foi construída a primeira central Hidroeléctrica do país, onde hoje é o Museu Natural da Electricidade.

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Central – Museu Natural da Electricidade

Chegamos finalmente a Seia. Famosa pelo Quijo da Serra (que não é exclusivo seu, note-se) tem muitos outros pontos de interesse a merecer visita atenta.

Seia:

É, a par da Covilhã, uma das duas principais portas de entrada na Serra da Estrela.

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Seia – porta de entrada na Serra da Estrela

A primitiva ocupação humana do local da actual Seia remonta à época pré-romana, quando da fundação de uma povoação pelos Túrdulos, por volta do século IV a.C., denominada como Senna.

Quando a se verificou a Invasão romana da Península Ibérica, os Lusitanos utilizaram a serra – a que chamavam Montes Hermínios – como seu quartel-general e principal obstáculo para os inimigos. O que não impediu que o general Galba massacrasse 30.000 montanheses lusitanos.

Os romanos transformaram então o castro ibérico de Nogueira na romana “Civitas Sena”, que foi fortificada. Foi posteriormente ocupada por Visigodos e por Muçulmanos, este últimos a partir do século VIII. O rei visigodo Vamba (já mencionado noutras crónicas) terá fixado os limites da diocese de Egitânia até aos domínios da cidade de Sena.

À época da Reconquista cristã da Península Ibérica, a povoação foi definitivamente conquistada aos mouros por Fernando Magno (1055), que mandou edificar (ou reedificar) a sua fortificação.

À época da formação da nacionalidade portuguesa, Bermudo Peres, cunhado de D. Teresa, iniciou uma revolta no Castelo de Seia em 1131. Não teve sucesso, uma vez que o infante D. Afonso Henriques tendo disto tido conhecimento, foi ao encontro dele com as suas forças e expulsou-o do castelo. Poucos anos mais tarde, o soberano passou o primeiro foral à povoação em 1136, designando-a por Civitatem Senam. Entre os privilégios então concedidos, destacam-se.

“Eu, infante Afonso Henriques, filho de D. Henrique, aprouve-me por boa paz de fazer este escrito de firmeza e estabilidade que firmo pelos séculos sem fim. A vós, habitantes da cidade de Seia, concedo que tenhais costumes muito melhores do que tivestes até aqui e isto tanto para vós como para os vossos filhos e toda a vossa descendência. E os homens de Seia que pagam jugada que não vão ao fossado nem ao moinho obrigados pelo senhor. E que nenhum venda o seu cavalo ou mula ou asno ou égua ou bens ao senhor da terra sem querer. Se um homem de Seia for mercar, se não for mais de duas vezes, não pague portagem.”

Outros forais se seguiram como o de D. Afonso II, em Dezembro de 1217, o de D. Duarte, em Dezembro de 1433, o de D. Afonso V, em Agosto de 1479, e, finalmente, o de D. Manuel I, em 1 de Junho de 1510. Em 1571, sob o reinado de Sebastião, foi fundada a Santa Casa de Misericórdia de Seia.

Até à actualidade, a cidade desenvolveu-se sendo hoje dominante o sector terciário. Todavia a indústria ligada aos têxteis, à produção de electricidade e aos famosos (e saborosos!) Queijos da Serra mantém importância significativa. Naturalmente que o Turismo tem também grande preponderância na zona. E recomendam-se vivamente as visitas aos Museus – do Pão, do Brinquedo e Natural da Electricidade (em S. Romão) – e também ao Centro de Interpretação da Serra da Estrela.

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Seia – Museu do Pão
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Seia – Museu do Pão – pormenor exterior
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Seia – Museu do Pão – Como fazer o pão d’A Moleirinha
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Seia – Museu do Pão – A distribuição…

Saímos de Seia pela EN339 até encontramos a EN232 que vem de Gouveia. Pouco depois, o desvio para o caminho que nos levará ao Vale do Rossim.

Vale do Rossim:

Situado a uma altitude de quase 1500 m, o Vale do Rossim é o maior vale glaciar da Europa e o espelho de água a maior altitude da Serra da Estrela. Era, antes da construção da pequena barragem que originou a lagoa, uma das melhores pastagens para os rebanhos de transumância.

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Vale do Rossim

Com um enquadramento paisagístico único, de uma beleza agreste, é um local para visitar mas também, para quem queira, permanecer graças ao eco-resort aí construído.

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Vale do Rossim – Eco Resort

No caminho para as Penhas Douradas, podemos encontrar a curiosa Casa da Fraga.

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Casa da Fraga
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Casa da Fraga
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Casa da Fraga

Uma história interessante que se conta:

“A Casa da Fraga foi construída no meio de nenhures, num ermo da Serra da Estrela, lugar que hoje tratamos por Penhas Douradas. Parece estranho mas não é: muito provavelmente, as Penhas Douradas, lá do alto dos seus 1500 metros, não seriam nada não fosse a Casa da Fraga existir. Ou pelo menos não seriam aquilo que são agora.

Tudo começou com uma expedição organizada pela Sociedade de Geografia de Lisboa à Serra da Estrela. O objectivo era nobre: fundar sanatórios que, como já era feito noutros países, como por exemplo a Suíça, pudessem curar doenças de foro pulmonar.

Daí se concluiu haver condições climatéricas, na encosta norte da serra, antes de chegarmos ao seu topo, para um tratamento bem sucedido às patologias.

Sousa Martins, crente nos estudos optimistas que vários cientistas davam aos ares da Serra da Estrela, enviou para lá um dos seus doentes, Alfredo César Henriques, que sofria de tísica pulmonar, que construiu uma casa lindíssima camuflada na paisagem natural que a envolvia.

Ali permaneceu dois anos e as visíveis melhorias no seu estado de saúde deram alento a outra gente, também com problemas nos pulmões, que lá foi procurar casa. E assim, de uma boa notícia, se fez aquele pedacinho encantado que hoje conhecemos como Penhas Douradas.”

in ncultura.pt/serra-da-estrela-a-incrivel-casa-da-fraga/

Saímos do Vale do Rossim, deixamos para trás a Casa da Fraga e logo retomamos a EN232, a caminho de Manteigas (esta parte do percurso está incluído no acesso 7 mencionado na crónica anterior). Antes uma paragem nas Penhas Douradas.

Penhas Douradas:

A história da Casa da Fraga fala-nos da importância antiga das Penhas Douradas. Hoje aí restam o observatório meteorológico (quase diariamente mencionado pelos “manda-chuva” das TVs), um hotel recente e algumas habitações de fim de semana.

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Penhas Douradas
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Penhas Douradas
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Penhas Douradas

Aqui a paisagem ganha, nalguns pontos novos contornos, porque se olharmos para Norte conseguimos vislumbrar uma planície a perder de vista no sentido de Gouveia ou um pouco mais longe, Celorico da Beira. A Beira Alta está à frente dos olhos!

Daqui até Manteigas temos uma das estradas mais bonitas e divertidas da Serra – a EN232 – e a oportunidade para apreciar a vista do Miradouro do Fragão do Corvo (perto das Penhas Douradas).

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EN232
Manteigas:

Localizada em pleno Vale Glaciário do Zêzere, este é um dos melhores exemplos da modelação da paisagem pelos glaciares. Com um traçado retilineo numa extensão de cerca de oito quilómetros, é o maior dos vales glaciares da Estrela, apresentando um perfil transversal em forma de U, típico destas formas de relevo. No pico da última glaciação, o glaciar do Zêzere terá atingido um comprimento de 13 quilómetros e, em alguns locais, uma espessura de 300 metros. A grande profundidade do vale é o resultado da acção fluvial durante os períodos pré e interglaciários, tendo a forma em U sido modelada pelo gelo durante a última fase glaciar.

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Manteigas e o Vale Glaciar

Também o termalismo está presente: a cerca de 775 metros de altitude, na margem esquerda do Zêzere, existe uma estância termal de águas sulfúreas, bicarbonatadas, sódicas, fluoretadas, que brotam à temperatura de máxima de 42,8ºC, indicadas para o tratamento de reumatismo, afecções das vias respiratórias e dermatoses.

Poucos vestígios subsistem da passagem por estas terras dos Romanos, dos povos bárbaros que lhes sucederam ou finalmente, dos muçulmanos. Mesmo a atribuição do primeiro foral, nos finais do Séc XII por D. Sancho I é aceite mas sem a respectiva prova testemunhal. Existe sim a sua confirmação posterior no Foral de 1514 outorgado por D. Manuel I. Mas é certo que este pedaço de território foi povoado na sequência da Reconquista Cristã.

O município de Manteigas foi, séculos mais tarde, vítima de sobressaltos administrativos, resolvidos à boa maneira portuguesa: o concelho foi extinto em 26 de Junho desse ano e anexado ao da Guarda durante cerca de ano e meio, vindo a ser restaurado em 13 de Janeiro de 1898. Para tal restauração, em tão curto espaço de tempo, muito terá contribuído o papel preponderante de Joaquim Pereira de Mattos, ilustre industrial manteiguense, que propôs adquirir e transferir para Manteigas uma importante unidade industrial de lanifícios radicada em Portalegre. Mas fortes influências ter-se-ão movido no sentido dessa transferência não se concretizar e Joaquim de Mattos impôs como condição para desistir da ideia, que o concelho de Manteigas voltasse a ser restaurado, o que veio a verificar-se a 13 de Janeiro de 1898.

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Vista de Manteigas (da estrada do Poço do Inferno)

Actualmente, a vila serrana é conhecida pelos seus têxteis, pelo Queijo da Serra e também pelos seus viveiros de trutas. Para lá da actividade turística, como é óbvio.

Merece destaque a bonita cascata do Poço do Inferno (a estrada de acesso recomenda cuidados acrescidos – estreita e com mau piso) cuja visita se recomenda na Primavera para aproveitar o maior caudal proveniente do degelo da neve.

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Poço do Inferno
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Poço do Inferno

Continuamos a contornar a Serra e agora preparamos já o regresso à Covilhã e para já, continuamos na EN232 até Belmonte. Pelo caminho, fica Valhelhas.

Valhelhas:

Freguesia que pertence ao concelho da Guarda, foi sede concelhia entre 1187 e 1855. O topónimo «Valhelhas» teve origem no latim ancestral que designava valezinho ou vale pequeno. Aliás, a formação do povoado que é hoje Valhelhas é anterior à época romana, período durante o qual se chamou Vallecula. Sobrevivem vestígios desta presença pela ponte romana, pedaços de estrada e alguns marcos miliários.

Encontramos ainda o Castelo de Valhelhas e restos da muralha, cuja origem remonta a uma fortificação romana, tendo sido conservado e remodelado pelos povos que se seguiram, até à sua destruição parcial originada pela artilharia francesa durante as invasões em 1810.

O foral de Valhelhas foi outorgado dado por D. Sancho I em 1188

O périplo está quase a chegar ao fim. A “piéce de rèsistence” é a bonita vila de Belmonte que tanto me diz.

Belmonte:

É a terra natal de Pedro Álvares Cabral, o descobridor do Brasil. Aqui está também um dos mais relevantes pilares da herança judaica em Portugal. E é de Belmonte o ramo materno da minha família. Factos que não têm qualquer relação entre si, naturalmente, excepto o de confluírem no mesmo espaço.

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Belmonte – a ladeira das minhas brincadeiras de infância nas férias

A presença humana remonta a épocas pré-históricas como atestam a Anta de Caria, os Castros de Caria e da Chandeirinha. Também os romanos deixaram a sua marca pois por aqui passava a via que ligava Mérida à Guarda. A Torre de Centum Cellas (cuja finalidade ainda hoje se discute) é um marco fundamental dessa presença.

Belmonte está situada no panorâmico Monte da Esperança (antigos Montes Crestados), em cujo morro mais rochoso foi construído nos finais do séc. XII o seu castelo. Em 1199, D. Sancho I deu-lhe foral. No século XIII, Belmonte tinha já franco desenvolvimento justificando a existência de duas Igrejas – a de São Tiago e de Santa Maria e de uma Sinagoga.

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Castelo de Belmonte

Por ser tempo de guerras contra leoneses e castelhanos, o castelo de Belmonte foi sendo melhorado nos reinados de D. Afonso III, D. Dinis e D. João I.

A bravura e a lealdade da família dos Cabrais, foi sempre lendária e temida, sobretudo a do seu primeiro Alcaide-mor – Fernão Cabral, que uma vez nomeado a título definitivo e hereditário, em 1466 por D. Afonso V, transformará o castelo numa Residência Senhorial Fortificada, onde seu filho Pedro Álvares Cabral viverá os seus primeiros anos de vida. Daí deriva a característica única do castelo ao qual foi posteriormente acrescentada curiosa janela manuelina.

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Castelo de Belmonte – pormenor da janela manuelina

Mas foi no século seguinte a época de maior destaque do Castelo e de Belmonte. Em 1510 D. Manuel I concedeu a Belmonte nova carta de foral. Nessa altura a comunidade de Belmonte era essencialmente rural, dependente da pecuária e da agricultura. A presença de Judeus favoreceu também a existência de algum comércio.

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Belmonte – Tulha

D.Manuel I renovou o foral da vila em 1510. O mesmo monarca que, em 1496, decretou a conversão forçada dos judeus ao catolicismo, sendo os que recusaram violentamente perseguidos.

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Belmonte – Torre da Igreja de Santiago, ao longe a torre da Igreja Matriz e o depósito de água

Muitos deles acabaram abandonando Portugal, por medo de represálias da Inquisição. Outros converteram-se ao cristianismo em termos oficiais, mantendo o seu culto e tradições culturais no âmbito familiar.

Um terceiro grupo de judeus, porém, tomou uma medida mais extrema. Decidiram isolar-se do mundo exterior, cortando o contacto com o resto do país e seguindo suas tradições à risca. Tais pessoas foram chamadas de Marranos, uma alusão à proibição ritual de comer carne de porco.

Durante séculos os Marranos de Belmonte mantiveram as suas tradições judaicas quase intactas, tornando-se um caso excecional de comunidade criptojudaica. Somente nos anos 70 a comunidade estabeleceu contacto com os judeus de Israel e oficializou o judaísmo como sua religião.

Só em 1989 foi criada oficialmente a comunidade judaica de Belmonte. 500 anos depois!

Passear pelas ruas da Judiaria a caminho do Castelo é imperdível. Tal como os Museus Judaico, dos Descobrimentos ou o do Azeite.

Ou recordar o achamento do Brasil na estátua de Pedro Álvares Cabral que tenho na minha memória desde sempre (até porque a casa dos meus bisavós, a dos meus avós e a que foi dos meus pais ficavam bem próximo).

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Estátua de Pedro Álvares Cabral
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Belmonte – pormenor
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De Belmonte vemos a Covilhã…lá ao fundo

Saímos de Belmonte e encontramos o Rio Zêzere, agora já no seu percurso para Oeste em direcção à foz. Desagua bastante mais à frente, no Rio Tejo, em Constância. Atravessamos a ponte e seguimos agora pela EN18 a caminho do final da volta pela Serra da Estrela.

Assim chegamos à Covilhã. Está terminado o circuito…

As estradas percorridas neste circuito são algumas das nossas mais bonitas estradas nacionais. Com os percursos genuínos. No geral estão bem cuidadas e proporcionam uma experiência de viagem diferente das escaladas que vimos na 1ª parte dedicada à Serra da Estrela. Diferente mas não menos interessante. E fica mesmo aqui pertinho!

Nota Final

Na actualidade temos inúmeras fontes de informação. Desde o omnipresente Google às agora caídas em desuso Enciclopédias. Dos roteiros que podemos encontrar por aí amiúde, das informações oficiais dos postos de Turismo locais, das memórias dos nossos amigos que por lá passaram.

Mas nenhuma substitui o conhecimento de quem lá vive e percorre aquelas estradas desde que se conhece. Por isso recomendo que se quiserem seguir as sugestões destas crónicas, a do mês passado (edição #40 da Andar de Moto) e esta, não dispensem um contacto e uma visita a quem conhece a Serra da Estrela como a palma da mão.

Foi o que fizemos: fomos conhecer o Grupo Motard “Família da Estrela” e a sua nova sede. Para lá do cafezinho matinal, que soube pela vida antes de começarmos o sobe e desce serrano, a conversa foi excelente. E o João Fonseca brindou-nos a sua amizade e alguns conselhos e sugestões fundamentais para a nossa viagem. Aqui fica expressa a nossa gratidão.

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No Grupo Motard Família da Estrela

É uma realidade que no espaço exíguo do nosso território não cabem grandes cadeias montanhosas. E por isso as procuramos lá fora. Mas é possível fazermos alguns passeios pelas nossas estradas, com tanta ou maior diversão, com paisagens que são diferentes e únicas, porque são nossas.

É só questão de as procurarmos, porque elas estão aí…AO VIRAR DA ESQUINA!

(esta crónica foi publicada originalmente na edição #41 da revista digital Andar de Moto – Outubro 2021)

Serra da Estrela…e algo mais (2)

A segunda parte do périplo pela serra maior de Portugal.
Pelo interior da Serra cheguei à Torre, depois de passar pelas Penhas da Saúde, Manteigas, Penhas Douradas, Sabugueiro e Lagoa Comprida.

Já na Serra – sobe e desce pelo lado oriental

Em Belmonte fechámos o baú das memórias.

Montada e cavaleiro reabastecidos, era tempo de por o pé na estrada que a segunda metade deste dia antevia-se longa, desafiante e cansativa. O objectivo para o final do dia era desfrutar do pôr-do-sol no ponto mais alto de Portugal continental: a Torre.

Assim, pela EN18 já habitual, dirigimo-nos para a Covilhã com o fito de subir até às Penhas da Saúde. Constatámos algo que pudemos confirmar no dia seguinte: a sinalização na Covilhã é sofrível. Algo confusa (a configuração da cidade não ajuda, é certo) e com sinais que aparentemente fogem ao que é normal e em nada ajudam, pelo contrário. Apesar de haver regras para a sinalização rodoviária, parece que sempre existem uns criativos que julgam ser capazes de fazer melhor…Fica feita a nota e assim escusamos de a repetir mais à frente.

A partir do Largo do Municipio, começa-se desde logo a subir e de forma pronunciada pela EN339. Passamos o Parque de Merendas, o Parque de Campismo do Pião e chegamos à Varanda dos Carqueijais.

Miradouro em local privilegiado com uma vista magnífica para a Covilhã logo abaixo e para toda a Cova da Beira com a Gardunha em fundo.

Varanda dos Carqueijais - Vista panorâmica

Prosseguimos a subida e passamos pelo antigo Sanatório dos Ferroviários, majestoso edifício que tendo sido no antigamente uma unidade hospitalar, esteve abandonado durante décadas e recentemente foi restaurado de forma brilhante, seguindo a traça original e mantendo-a também no interior, numa Pousada (Grupo Pestana) com muito requinte. O edifício e os jardins fronteiros merecem uma visita, até porque a vista é também espectacular.

Sanatório dos Ferroviários - Pousada Pestana

Continuando a subir, passamos por mais uma unidade hoteleira já tradicional – a Pousada da Serra da Estrela – e mais um pouco, já a 1600m de altitude chegamos às Penhas da Saúde.

Era tempo de breve paragem. Efectuar o registo, alijar carga desnecessária para o passeio, verificar as instalações, na Pousada da Juventude. Uma estreia que se revelou insuperável na relação qualidade/preço. De facto, se o objectivo for a economia, sem luxos e com o conforto estritamente necessário para quem se propõe jornadas algo cansativas, não há dúvida que é uma solução convincente. Acresce a extraordinária simpatia do pessoal, o ambiente informal a convidar ao convívio, os pequenos requisitos hoje habituais como sejam o wi-fi gratuito em todo o edificio e com boa performance. Na manhã seguinte, o pequeno almoço também muito agradável, com tudo o que é habitual numa unidade hoteleira. Excelente!

Pousada da Juventude - Serra da Estrela

Tudo tratado, seguimos viagem. Até aos Piornos, onde depois da foto da praxe para a Nave de santo antónio, virámos à direita em direcção a Manteigas pela EN338. Começava verdadeiramente a parte espectacular da viagem.

Nave de Santo António e Cântaros

O sinal para “Teste de travões” não enganava. A descida seria pronunciada. Íamos a caminho da primeira paragem, num sítio que é para mim obrigatório: o Covão da Ametade. Aqui nasce o Rio Zêzere que depois ganha força a descer o vale glaciar até Manteigas seguindo depois o seu percurso, contornando a Serra a nascente e depois, pelo lado sul na Cova da Beira até, muito mais tarde e mais longe, vir desaguar no Rio Tejo em Constância depois de encher a albufeira de Castelo do Bode.

O Covão da Ametade, situado mesmo por baixo dos três picos a que alguém chamou Cântaros – o Raso, o Gordo e o Magro – dois deles acima dos 1900m – é um local frondoso, com um parque de merendas.

Lindíssimo, não fora o facto de estar ao abandono… culpa das entidades oficiais que dele não cuidam, dizem uns, culpa dos utilizadores que o degradam e mal estimam, dizem outros. Uma pena!

Foi aqui também que tive o privilégio de encontrar e trocar algumas palavras com um simpatiquíssimo pastor serrano que cuidava do seu rebanho de cabras – o início da fileira do saboroso queijo da serra! Conhecedor profundo e muito orgulhoso da sua Serra da Estrela, numa profissão que se calhar caminha para o desaparecimento pois duvido que haja pretendentes a calcorrear os caminhos abruptos e perigosos da Serra.

À minha frente vislumbrava-se agora um dos cenários mais monumentais de Portugal: o vale glaciar de Manteigas. O antigo glaciar há muito desaparecido cavou este vale profundo por onde corre o (ainda) pequeno Zêzere a caminho, bem lá ao fundo, de Manteigas.

Vale Glaciar Zêzere

A estrada corre quase (um quase muito relativo!) rectilínea sempre a descer pela encosta sul do vale. Estrada estreita, bom piso, a convidar a algum empenho na condução…mas cuidado, que a aparente visibilidade para as curvas seguintes não iluda: a estrada não tem escapatórias!

Vale Glaciar - descida para Manteigas

Vale Glaciar - Manteigas

Entrámos em Manteigas, vila serrana conhecida pelos seus têxteis, pelo Queijo da Serra e também pelos seus viveiros de trutas. Um pouco antes, o desvio para o Poço do Inferno. Local que merece obviamente uma visita pela beleza da sua cascata. Optei por não fazer o desvio: no final do Verão, terá um caudal mínimo que lhe retira espectacularidade e também a estrada recomenda cuidados acrescidos – estreita e mau piso. Estivémos lá recentemente pelo que desta feita passámos… mas a recomendação fica: merece a visita!

Em Manteigas seguimos em direcção às Penhas Douradas (sugerimos a ajuda do GPS porque as placas de sinalização apontam para uma estrada que não é aquela que pretendemos, pois embora seja até mais curta, não tem a espectacularidade da EN232 que iríamos seguir). O que nos aguardava à saída de Manteigas era isto:

A meio da subida tínhamos agora uma perspectiva diferente do vale glaciar, com Manteigas no sopé e bem lá ao fundo, os Cântaros majestosos a contemplarem-nos.

A subida continuava, íngreme e sinuosa, sempre em regime de curva e contra curva. Um espectáculo!!! À nossa volta, arvoredo e vegetação frondosa a contrastar com a aridez que tínhamos presenciado anteriormente nas Penhas da Saúde e na descida para Manteigas.

Vale Glaciar do Zêzere e Manteigas

Cerca de 20km de de diversão depois, chegamos ao planalto onde se situam as Penhas Douradas. A altitude estava mais uma vez acima dos 1800m e voltava a paisagem agreste e rude. Quando conseguímos vislumbrar um pouco mais, desta vez para Norte, era uma nova realidade: uma planície a perder de vista no sentido de Gouveia ou um pouco mais longe, Celorico da Beira. A Beira Alta estava à frente dos olhos!

Virámos à esquerda para o Vale de Rossim.

Logo a seguir uma construção curiosa: a Casa da Fraga:

“A Casa da Fraga foi construída no meio de nenhures, num ermo da Serra da Estrela, lugar que hoje tratamos por Penhas Douradas. Parece estranho mas não é: muito provavelmente, as Penhas Douradas, lá do alto dos seus 1500 metros, não seriam nada não fosse a Casa da Fraga existir. Ou pelo menos não seriam aquilo que são agora.

Tudo começou com uma expedição organizada pela Sociedade de Geografia de Lisboa à Serra da Estrela. O objectivo era nobre: fundar sanatórios que, como já era feito noutros países, como por exemplo a Suíça, pudessem curar doenças de foro pulmonar.

Daí se concluiu haver condições climatéricas, na encosta norte da serra, antes de chegarmos ao seu topo, para um tratamento bem sucedido às patologias.

Sousa Martins, crente nos estudos optimistas que vários cientistas davam aos ares da Serra da Estrela, enviou para lá um dos seus doentes, Alfredo César Henriques, que sofria de tísica pulmonar, que construiu uma casa lindíssima camuflada na paisagem natural que a envolvia.

Ali permaneceu dois anos e as visíveis melhorias no seu estado de saúde deram alento a outra gente, também com problemas nos pulmões, que lá foi procurar casa. E assim, de uma boa notícia, se fez aquele pedacinho encantado que hoje conhecemos como Penhas Douradas.”

in ncultura.pt/serra-da-estrela-a-incrivel-casa-da-fraga/

No Vale do Rossim exite um eco-resort que usufrui de uma pequena barragem que tem o espelho de água a maior altitude na Serra da Estrela. Paisagem agreste mas de profunda beleza.

A tarde ía já a mais de meio e ainda havia caminho a percorrer. Retomámos a EN 232 um pouco mais à frente e cumpre salientar que este desvio que tomámos para o Vale do Rossim está num estado lamentável!

Pela primeira vez ia também ver um cenário que aqui e ali passaria a ser uma constante no resto da viagem: a desolação provocada pelos incêndios de há um ano! Uma tristeza sem fim…

Descida para o Sabugueiro

A estrada que, saindo da EN232 que segue para Seia e Gouveia, vai directamente para o Sabugueiro, o nosso destino e a aldeia a maior altitude em Portugal, é algo perigosa: estreita, piso bastante deficiente e com pouca protecção… A fazer com bastante prudência.

A caminho do Sabugueiro

Sabugueiro: aldeia transformada num centro comercial de produtos serranos, para lá dos queijos é também aqui que é possível encontrar à venda os lindos cachorros da raça típica da Serra e que lhe levam o nome!

Muito terão sofrido estas gentes com os incêndios! Tudo à volta da povoação está queimado…

Vista do Sabugueiro

No Sabugueiro tomamos a EN339, que de Seia se dirige à Torre, e que seria a nossa via até ao objectivo final. Começamos novamente a subir, umas vezes de forma mais pronunciada outras menos, até chegarmos à Lagoa Comprida, passando pelo caminho por algumas pequenas lagoas e por diversas cambiantes da paisagem.

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A Lagoa Comprida é a mais conhecida e a maior das lagoas do maciço superior da Serra da Estrela. Construída a partir de uma lagoa natural, constitui o principal reservatório de água da serra da Estrela.

Lagoa Comprida

Na vertente norte da lagoa observa-se um dos mais interessantes campos de blocos erráticos da Serra da Estrela. Estes blocos de granito foram transportados pelos glaciares e abandonados aquando da fusão e recuo do gelo.

Lagoa Comprida

Este era um antigo glaciar com um quilómetro de extensão. Aproveitando o covão, iniciou-se em 1912 a construção da barragem. Em 1914 tinha uma altura de seis metros e em 1934 atingia os 15 metros. Actualmente, desde 1965, tem uma altura de 28 metros. É uma barragem do tipo gravidade, formada por três arcos de alvenaria de granito com 1200 metros de desenvolvimento. A albufeira tem a capacidade de cerca de 12 milhões de m3 de água, e inunda uma área de 800.000 m2.

Nesta lagoa desaguam dois túneis: o do Covão do Meio, com 2354 metros que desvia a água das encostas do Planalto da Torre e o do Covão dos Conchos com 1519 metros que desvia as águas da Ribeira das Naves.

Lagoa Comprida

A partir daqui subimos mais um pouco, paisagem agreste, quase nua, na aproximação à Torre.

Sendo o ponto mais alto de Portugal Continental, não tem todavia a configuração de um pico. É um vasto planalto onde encontramos a torre que prolonga a altitude até aos 2000m, as desactivadas instalações de radar da Força Aérea, um pequeno e algo decrépito centro comercial e ainda as instalações do teleférico. de referir que tudo isto tem um aspecto de quase abandono, o que é lamentável a avaliar pela numerosa frequência turística que demanda este local.

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A Torre é o ponto mais alto de Portugal Continental (1.993 metros). Ali se encontra implantada a célebre «Torre do Cume» para completar os 2.000 metros de altitude. A actual Torre em pedra foi reedificada em 1949, datando a anterior do Reinado de D. João V (1806). A vista é magnífica: para Sul, alonga-se pela Cova da Beira até à Serra da Gardunha. A Norte, alcança as Serras do Caramulo, da Lapa e Montemuro. A Leste, atinge as Serras da Marofa e da Malcata, e para além da Meseta, as Serras da Gata e de Gredos, marcadas também pela glaciação. A Oeste, estende-se para as Serras do Açor e da Lousã, até ao oceano Atlântico. Abrange as bacias do Douro, do Mondego e do Zêzere/Tejo. No dia 04 de Agosto de 1940, para se comemorar o duplo centenário da Fundação e da Independência de Portugal foi benzida e colocada no topo da Torre uma cruz de ferro.

Vista da Torre

Mas o objectivo era um pouco mais ambicioso. Não só chegar à Torre mas assistir o pôr do astro rei!

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O espectáculo superou as expectativas. o facto de termos todo o horizonte à nossa disposição, um céu limpo e sem nuvens, proporcionou imagens inesquecíveis e de rara beleza, a que as fotos não conseguem fazer justiça.

A jornada estava a acabar em beleza.

Por do Sol na Torre

Por do Sol na Torre

Por do Sol na Torre

De facto, mais cerca de 150km feitos durante a tarde, a subir e descer as estradas da Serra da Estrela recomendavam um merecido descanso. Uma sandes de presunto serrano e queijo da serra adquirida na Torre seria o merecido jantar, já em modo de pré-repouso porque o cansaço acumulado e o facto de estarmos quase no cimo da Serra não recomendavam grandes deslocações noturnas. De qualquer modo fica uma sugestão: nas Penhas da Saúde existe um restaurante a merecer recomendação forte. Chama-se Varanda da Estrela e a especialidade característica é o delicioso arroz de zimbro, entre muitas outras iguarias.

A Serra da Estrela ao lusco-fusco

Era tempo de descanso. O dia seguinte seria também bastante exigente porque ainda havia muito a percorrer!

Anteriormente:

Serra da Estrela…e algo mais (1)

A seguir:

Serra da Estrela…e algo mais (3)

Serra da Estrela…e algo mais (1)

A primeira perte de uma volta pela Serra da Estrela, num regresso às raízes familiares.
De Nisa a Belmonte, aproximei-me da serra maior.

A aproximação: de Nisa a Belmonte

Diz-se que de manhã começa o dia. Assim é. Mas sem exageros…

Pronto para partir

Pouco passava das 9h e já depois de consultado o horóscopo na máquina Multibanco mais próxima, lançámo-nos ao caminho. Nisa é o último bastião alentejano antes de atravessarmos o Rio Tejo e entrarmos em território beirão. A jornada antecipava-se longa em tempo e distância…

Nisa

Mas até lá, tínhamos para começo de conversa, um troço de 18 km da EN18 (vejam a coincidência numérica) que é uma delícia. A estrada desenvolve-se fluente e em bom piso, seguindo e por vezes cruzando as curvas de nível da Serra de Nisa, num percurso a fazer lembrar a Serra do Caldeirão mais a sul. Sem grandes inclinações, curvas e contra curvas bem lançadas, umas mais rápidas outras a exigir alguma mudança mais baixa, mas sempre em bom ritmo. Se no início a paisagem é agreste, perto do final, os últimos 3 km são uma maravilha com uma descida pronunciada e o Rio Tejo, recém entrado em Portugal, a correr à nossa direita. Mais ao fundo vemos Vila Velha de Ródão.

Rio Tejo - Descida para Ródão

Rio Tejo - Vila Velha de Ródão

Chegados ao final da descida, temos a ponte metálica que atravessa o rio e nos dá uma perspectiva deslumbrante do monumento natural que é as Portas de Ródão.

Portas de Ródão

Ponte de Ródão e Rio Tejo

Entrámos então na Beira Baixa, passa-se Vila Velha de Ródão e seguimos pela EN18, que nos iria ser o eixo principal desta viagem, agora já com um piso algo descuidado, com destino a Castelo Branco, a primeira paragem do dia. Certamente por efeito da trepidação originada pelo piso deficiente, poucos quilómetros volvidos, o primeiro (e único, felizmente) precalço: o aperto da base do GPS desapertou-se…algo simples de resolver com uma chave Allen de tamanho adequado…que não havia! Paragem forçada numa bomba de gasolina mas sem resultado. Ainda tinham menos ferramentas que eu. Solução? Fácil, muito fácil! Segui até Castelo Branco com algum cuidado para não agravar o desaperto e…lá chegado, paragem na primeira Loja do Chinês encontrada. Problema resolvido em 5 minutos (incluindo a visita à loja!).

Em Castelo Branco, a paragem era acima de tudo sentimental. Tirar a foto da praxe em frente ao Liceu onde há muitos anos atrás vivi época feliz. À época chama-se Liceu Nun’Álvares Pereira. Hoje há-de ser algo parecido… Em breve conversa com jovem que me tirou a foto, recordei-me de mim próprio naquele sítio, com aquela idade, provavelmente com idênticos sonhos.

SE7

E não poderia faltar uma recordação da passagem pelos Jardins do Paço, um dos ex-líbris da cidade a merecerem sempre uma visita atenta, com a sua multiplicidade de estátuas (muitas delas réplicas das originais em bronze pilhadas aquando das Invasões Francesas). É evidente que Castelo Branco merece uma visita mais demorada, principalmente para quem não conheça a capital da Beira Baixa, mas o objectivo é diferente.

Castelo branco - Jardins do Paço

Deixámos para trás a cidade, sempre pela EN18 (o piso melhorou) e em direcção norte. Esperava-nos Alpedrinha e a Serra da Gardunha, de certa forma o aperitivo para o petisco final, a Serra da Estrela.

Serra da Gardunha e Castelo Novo

Se até Alpedrinha a estrada flui quase rectilínea, a subida da Serra não tem grande história, pois é relativamente curta e não muito sinuosa. E as obras de melhoria do pavimento aconselhavam também alguma cautela. Esperava no cimo da Serra poder antever a majestosa Serra da Estrela em frente e no intervalo, Fundão e a famosa (e rica) Cova da Beira. Mas a vegetação quase só deixava antever esse cenário pelo que a panorâmica ficou para depois

Serra da Gardunha - Vista para a Serra da Estrela e Covilhã

Aproximava-se o final da manhã. A próxima paragem seria em Belmonte. Minha terra materna e, pelo adiantado da hora, local ideal para um breve descanso e algum reforço alimentar, leia-se almoço! Mas ainda faltavam uns quilómetros.

Em miúdo, quando fazia o trajecto Castelo Branco – Belmonte ou vice versa, sempre questionei a razão de escolherem a estrada mais longa, pela Covilhã, em vez da alternativa mais curta por Caria. A resposta invariavelmente era: esta tem mais curvas. Bem, se assim é, de curvas é que nós gostamos!

A meio da descida, antes do Fundão, cortei à direita pela EN345 em direcção a Alcaide e mais à frente Caria. E surpresa das surpresas! Uma estrada relativamente estreita, bom piso, bem marcada, quase sempre a descer suavemente, com curvas de diferentes perfis mas sempre bem lançadas, um verdadeiro prazer de condução. A requer apenas algum cuidado extra porque, provavelmente por ter pouco trânsito (o que confirmei!) e alguns caminhos rurais a desembocar, pode apresentar terra e outros detritos nomeadamente nas curvas. O único susto (mais um aviso) destes dias foi aqui e por essa razão, mas nada de significativo. A meio caminho, lá estava enorme a Serra da Estrela. Majestosa, com a Covilhã a seus pés e a galgar encosta acima

Serra da Estrela e Covilhã

Passámos algumas terras cujo contributo para a série “localidades com nomes peculiares” é válido: Terreiro das Bruxas, Enxames (com um curioso “Bem vindos”….sim, sim!), Sra. do Fastio e Panasco! Em Caria vimos também um exemplo da arqueologia das telecomunicações ainda funcional!

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Já a seguir a Caria, a estrada bifurca com as alternativas Covilhã ou Belmonte. Mantivemo-nos na EN345 que nos levaria à terra de Pedro Álvares Cabral, mas curiosamente, a partir daqui voltava o piso algo irregular.

Cerca de 150km depois da partida, chegávamos ao primeiro objectivo do dia. Muito ainda faltava fazer, mas agora era tempo de repousar um pouco e recordar alguns dos pontos de maior interesse desta vila beirã. Com uma história riquíssima, não só por ter sido a terra natal do descobridor do Brasil, e por essa razão ter sempre mantido uma profunda ligação ao “Portugal de lá do Atlântico” mas também por ter sido um dos últimos e talvez o mais importante reduto do povo judaico quando foi expulso do nosso País pelo Marquês de Pombal. A Judiaria belíssimamente conservada e o Museu são pontos a não perder obviamente.

É evidente que não perdi a oportunidade de rever a construção/reconstrução que fizeram no que foi em tempos a casa da minha bisavó…mas com sinceridade, acho que não resultou bem. A original era bem mais bonita apesar de não ostentar uma “típica” fachada de pedra. Mas ao menos a caixilharia era de madeira…

Belmonte - Casa da Bisavó (reconstruida)

Lá ao fundo, a Serra da Estrela esperava-nos!

Belmonte - Vista da Serra da Estrela

A seguir:

Serra da Estrela…e algo mais (2)

Serra da Estrela…e algo mais (3)

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