FUI VISITAR A D. ELVIRA

Há muito que esta visita estava prometida.

Costumamos dizer “Um destes dias vou lá…”. Mas, por estas ou por outras razões, acaba por nunca ser.

Desta vez foi!

A vetusta senhora estava à espera, já o sabia. Fui encontrá-la com excelente aspecto. Idosa é certo, vestida à moda da sua época, mas conservada como se ainda estivesse no alvor da sua juventude.

Verdade seja dita que também está muito bem instalada. Amplo salão, com muita luz natural (mitigada por grandes persianas) e impecavelmente limpo. A D. Elvira estava à espera, confortavelmente instalada na mezzanine de onde podia observar a maioria dos seus companheiros. Aqueles que não estavam ao lado dela no piso superior.

Deixem-me apresentar-vos a D. Elvira: um espectacular Ford T de 1906 , veículo dos primórdios da História do Automóvel.

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A D. Elvira

O local? O Museu Automóvel do Caramulo.

Mas vamos por partes, porque o caminho para lá chegar foi longo (e divertido, muito divertido!).

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Gentlemen, start your engines!
A caminho do Caramulo – o prelúdio da jornada

Pelo caminho mais fácil, nunca aquele que um motociclista deseja, por auto-estrada e outros bons caminhos, são cerca de 280 km e 3 horas de viagem. Mas que piada tem isso, quando podemos divergir um pouquinho e abraçar as serranias que ficam ao lado?

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A caminho…

Assim fizemos. Mesmo que para maximizar o tempo de diversão fosse necessário percorrer uns ainda longos 170 km pela A1, A23 e A13 até ao nó de Alvaiázere. Aí saímos em direcção a Figueiró dos Vinhos (a obrigatória paragem para reforço de cafeína).

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Venha a diversão

E qual não foi a nossa surpresa, porque depois de tanta monotonia, assim que deixámos o asfalto pago…encontramos uma estreita estrada, com alguma inclinação, ganchos à direita e esquerda, para apanharmos a M517 que no conduziria a Figueiró.

3 km chegaram para abrirmos a pestana… e demos connosco em Venda do Henrique. Nome que me soou a estranho, vá-se lá saber porquê! Bem, selfie da praxe e a caminho do ansiado cafezinho.

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Venda do Henrique

Mas para lá chegarmos, ainda desfrutámos de uns 20 km bem interessantes…assim a modos que um aperitivo para o que nos aguardava no resto do dia.

Convém aqui referir que desta feita não estava sozinho. O Jaime e o Zé são, para lá de amigos de longa data, parceiros habituais de tertúlias, passeios e convívios motociclísticos.

Todos tínhamos vontade de visitar o Museu do Caramulo e fazer com que o caminho até lá fosse memorável.

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Amigos da vida e companheiros da estrada
Em modo sobe e desce, curva e contra-curva

 De Figueiró dos Vinhos até Castanheira de Pêra são pouco mais de 15 km. Por estrada nacional…claro! Fizemos mais do dobro.

O primeiro ponto de passagem foi uma aldeia com um nome curioso: Ana de Aviz. Aqui virámos à esquerda, para a M525, que nos levou até às Fragas de S. Simão.

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Aldeia de Ana de Aviz

 À beira da estrada, fica o miradouro de onde conseguimos vislumbrar uma paisagem extraordinária: duas graníticas paredes rochosas verticais onde, bem lá no fundo, corre a Ribeira de Alge.

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Fragas de S. Simão

Deste miradouro sai um passadiço que desce até lá abaixo, ao longo de cerca de 2 km até à aldeia de xisto de Casal de S. Simão. Pelo caminho, passa pela praia fluvial das Fragas de S. Simão. Não era nosso objectivo caminhar…até porque o destino estava ainda longe.

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Passadiços de S. Simão

Prosseguimos sem mais paragens até Castanheira.

Sem paragens mas com muita “mão de obra”: a M525, as CM1447, CM1131, CM1130, CM1128, a M521 e finalmente a EN347 deixaram-nos às portas de Castanheira de Pêra com um enorme sorriso no rosto. E mal tinha começado a festa…porque vinha aí em pleno a Serra da Lousã.

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Castanheira de Pêra
Rumo ao almoço, na Lousã

A Serra da Lousã é linda. Arvoredo frondoso e uma estrada espectacular. Mais “trabalhinho” para as nossas meninas.

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Vista da Serra da Lousã para sul

 

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Cromos….

Ainda não tinha falado das nossas companheiras mas aqui vai: uma V-Strom 650, uma Multistrada 950 e a Africa Twin do escriba.

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As maravilhosas máquinas voadoras

As armas perfeitas para nos divertirmos com segurança, algum conforto (até porque levávamos bagagem) e desfrutarmos de bons momentos de condução.

Para lá de repetir que a paisagem é fantástica, as curvas e contra-curvas são deleite puro, passámos ainda, ao longo destes 30 km que nos separavam do reabastecimento alimentar, pela bonita aldeia de xisto do Candal.

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Panorâmica do Candal

 

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Candal

Se fosse esse o objectivo – as aldeias de xisto – teríamos muito para ver: não só a já falada Casal de S. Simão, o Candal onde passámos, também Talasnal e Cerdeira ficavam aqui próximo.

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Serra da Lousã

 

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Serra da Lousã

 

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Serra da Lousã

 

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Serra da Lousã

Chegámos finalmente à Lousã. A jornada ia longa. Cerca de 4 horas de viagem até agora e muito havia ainda a percorrer. Era tempo de almoço. Foi o que fizemos.

Começa o meio dia da tarde

Com motos e condutores devidamente atestados, Lousã ficou para trás.

O que não abandonámos foi o traçado sinuoso do percurso escolhido. Até Vila Nova do Ceira, onde apanhámos e depois seguimos pela Estrada Nacional 2, percorremos a EN342 e depois a M554. Em Serpins, seguimos junto ao Rio Ceira pela EN342-3 durante um pedaço, até Candosa. Depois, a estrada afasta-se do rio. Prosseguimos até V. N. do Ceira e à EN2.

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Vila Nova do Ceira

Nesta altura tínhamos um objectivo concreto: estávamos aqui e impunha-se uma visita ao nosso amigo Rogério Lima e ao seu Central Bar em Vila Nova de Poiares. Um local já célebre para quem percorre a EN2 e que no dia seguinte viveria um momento alto: o Portugal de Lés-a-Lés aqui fez a sua paragem obrigatória.

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Com o Rogério Lima no Central Bar – V. N. Poiares

Breve descanso, pusemos a conversa em dia pois tinha aqui estado em Janeiro do ano passado (este malfadado ano e meio!) e não tinha voltado.

Seguimos viagem, deixámos a EN2 e rumámos ao Mosteiro de Lorvão. Sempre no registo de estradas secundárias, tão sinuosas quanto possível.

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Lorvão…é para ali
Até ao Mosteiro do Lorvão

Não foi fácil dar com o Mosteiro. Alguma confusão entre o que víamos na estrada e o que o GPS nos dizia. E pelos vistos não fomos só nós. Lá chegados, outro visitante veio-nos perguntar por onde deveria ir para sair dali…

Lorvão é uma pequenina aldeia, ao ponto de a rua principal até ter circulação alternada. Quando deparamos com o edifício que foi Mosteiro primeiro e Hospital mais tarde, ficamos surpreendidos pela sua dimensão rodeado de serrania com frondosa vegetação. E água a correr por todo o lado! Diversas fontes, dá ideia que entre quaisquer duas pedras brota água, límpida e fresca.

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Lorvão

A origem perde-se no tempo. Lorvão derivará de “Lurbine”, nome da paróquia suevo-visigótica cuja lenda diz que aqui terá sido localizada, no Séc VI. Os primeiros documentos escritos em que é referido são de 878. Aqui existia uma comunidade que teve papel fundamental no povoamento e no fomento agrário. São os Monges de Cluny que vão fundar o Mosteiro e dedicá-lo a S. Mamede e S. Pelágio.

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Mosteiro de Lorvão

O Mosteiro e a comunidade cresceram e desenvolveram-se e no Séc. X tinha relevância na região, até porque os domínios se tinham estendido devido a muitas doações de fiéis. No final deste século, todavia, com a conquista muçulmana, este esplendor vai decair.

Mas foi período que durou menos de um século. A partir de 1064, a par com a reconquista cristã, a comunidade laurbanense recuperou o seu prestígio, esplendor e em redor do Mosteiro cresceu uma população atraída pelo trabalho oferecido pelos monges nas suas vastas propriedades.

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Mosteiro de Lorvão

Depois de uma fase inicial na posse dos monges eremitas de Santo Agostinho ou sem regra fixa, em 1109, o Conde D. Henrique fez doação do Mosteiro ao Bispo de Coimbra, tendo o mesmo adoptado, em meados do séc. XI, a Regra Beneditina, que se manteve até 1200, quando passou para a Ordem de Císter. Nesta data, não apenas se adoptou a nova reforma cisterciense, como o Mosteiro passou a ser feminino, tendo por invocação Santa Maria.

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Mosteiro de Lorvão

Deve-se esta profunda mudança que, naturalmente implicou também adaptações nos espaços, a D. Teresa, filha do rei D. Sancho I. Esta, vendo anulado o seu casamento com Afonso XI de Leão, veio para Lorvão e aqui introduziu a congregação feminina, expulsando os monges.

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Mosteiro de Lorvão

Até aos Séc. XVII e XVIII, em que por via de sucessivas obras o Mosteiro veio a ter a configuração que hoje podemos ver, passou por diversos momentos de esplendor e outros nem tanto, mas sempre com notória importância e que foram também acrescentando dimensão ao edificado.

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Mosteiro de Lorvão – Entrada da Igreja

Entre 1748 e 1761, procedeu-se a nova remodelação. E a definitiva que veio até à actualidade. A igreja foi reconstruída e o seu traçado denota a forte influência do barroco joanino de Mafra. Para além da arquitetura, são nela merecedores de especial atenção, os túmulos de prata das Santas Teresa e Sancha, da autoria do ourives portuense Manuel Carneiro da Silva, datados de 1715; as grandes telas de Pascoal Parente, representando São Bento e São Bernardo, nos altares sob o zimbório; e a porta de entrada de pau-preto, com aplicações de bronze dourado. Paralelamente a esta campanha, procedeu-se à mobilação litúrgica e artística. 

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Mosteiro de Lorvão – interior

A separação entre a Igreja e o Coro é feita por uma grade de ferro forjado com aplicações de bronze dourado, a melhor obra de rococó do seu género, em Portugal. Sobre ela ergue-se o órgão de duas fachadas em sóbrio, mas gracioso, neoclássico. A particularidade das duas fachadas se encontrarem opostas uma à outra, tornam-no único no país. Foi feito por António Xavier Machado Cerveira em 1795 e tem 61 registos.

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Mosteiro de Lorvão – interior

Destaca-se, num dos altares do coro, a formosa imagem de Nossa Senhora da Vida, do séc. XIV. Mas, o que naquele espaço, mais desperta a admiração é, sem dúvida, o grandioso cadeiral em jacarandá preto do Brasil e nogueira, construído entre 1742 e 1747, pela delicadeza dos ornatos, pela espiritualidade tocante dos santos mártires esculpidos sobre as cadeiras e pela nota de fantasia dada pelas máscaras existentes na parte inferior dos assentos.

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Mosteiro de Lorvão – cadeiral

É o mais espectacular cadeiral português e o mais magistral, sob o ponto de vista técnico.

A Revolução Liberal de 1820 e a extinção das Ordens Religiosas em Portugal, em 1834, deram início à depredação de todas as riquezas acumuladas durante séculos. Espoliadas dos seus bens, as últimas freiras de Lorvão acabaram na mais degradante miséria. Tendo sido proibido ao Mosteiro de Santa Maria de Lorvão receber noviças, a última monja faleceu a 8 de Julho de 1887.

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Mosteiro de Lorvão – orgão

Abandonado durante a primeira metade do séc. XX, o Mosteiro viria a ser restaurado pelo Estado, tendo então ficado com três dormitórios, noviciaria, hospício, coro, igreja, dois claustros, refeitório, botica, cartório, oficinas, celeiro e outras dependências. A generalidade destas instalações foi, até 2012, ocupada por uma unidade hospitalar para doentes de foro psiquiátrico, o Hospital Psiquiátrico de Lorvão.

Visitámos a Igreja e sem dúvida que o cadeiral nos deixou impressionados. Lindíssimo!

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Mosteiro de Lorvão – interior

Veja-se o que José Saramago referiu em 1981, no seu livro “Viagem a Portugal”:

…Estes caminhos são fora do mundo. Estando o céu aberto e o sol fulgindo, talvez a paisagem se torne amável, mas o viajante (nota: assim ele se refere a si próprio, Saramago) duvida. Tudo por aqui é grave, severo, um pouco inquietante. As árvores escuríssimas, as encostas quase verticais,a estrada que tem de ser acautelada.

De Lorvão não viu muito. Levava a cabeça cheia de imaginações, e poertanto só se pode queixar de si próprio. Da primitiva construção, no século IX, nada resta. Do que no século XII se fez, uns poucos capitéis. Pouco relevantes as obras dos séculos XVI e XVII.De maneira que aquilo que mais avulta, a igreja, é obra do século XVIII, e este século não é dos que o viajante mais estime, e em alguns casos desestima muito. Vir a Lorvão á espera de um mosteiro que corresponda a sonhos românticos e responda à paisagem que o rodeia, é encontrar uma decepção. A igreja é ampla, alta, imponente, mas de arquitectura fria, traçada a tira-linhas e escantilhão de curvas. E as três gigantescas cabeças de anjos que enchem o frontão por cima da capela-mor, são, no franco entender do viajante, de um atroz mau gosto. Belo é porém o coro, com a sua grade que junta o ferro e o bronze, belo o cadeiral setecentista. E aqui aproveita para verificar que o século XVIII, que tão mal se entendeu com a pedra, soube trabalhar a madeira como raras vezes antes e depois. E é também belo o claustro seiscentista, da renascença coimbrã. E se o viajnate está de maré de não esquecer o que estimou, fiquem também notadas as boas pinturas que na igreja estão.…”

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Mosteiro de Lorvão

Que da nossa modesta apreciação ou da ilustre escrita do nosso Nobel, fique a vontade de visitar estas paragens. Julgo que os viajantes não ficarão desapontados. pelo contrário. Escolham um dia bonito (como o que encontrámos) e talvez o vosso olhar seja como o nosso, mais benevolente.

A caminho do Caramulo

 A tarde ia adiantada e a perspectiva inicial de nos embrenharmos de novo nas estradinhas mais secundárias foi revista. Importava chegar ao destino ainda com dia aberto. Tínhamos a subida da Serra do Caramulo, pelo percurso tornado célebre pela Rampa Automobilística, e a visita ao Caramulinho: uma daquelas vistas a 360º que nos espandem os horizontes.

Assim, apontámos para um percurso mais rápido pelo IP3 até Tondela, passando por Penacova.

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Penacova

Com a curiosidade de em grande medida seguir paralelo à Estrada Nacional 2 o que nos possibilitou ter uma outra perspectiva desta: não a de quem nela vai mas sim de quem vê os que lá vão!

Pequena paragem para reabastecimento alimentar e rumámos ao Caramulo. Que estava bem à nossa frente. Cerca de 20km pela EN230, com passagem por Campo de Besteiros .

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Já a subir para o Caramulo

E foi precisamente a partir daqui que tivemos a parte final de diversão do dia.

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Diversão…

A subida até ao Caramulo, em excelente estrada, com curvas e contra-curvas sucessivas foram a melhor forma de concluir a jornada que ia bem longa.

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Caramulo

Faltava só a “piéce de resistence”: a subida ao Caramulinho! Passámos em frente do Museu do Caramulo (e do hotel onde recuperaríamos forças) e seguimos por mais 3 km a subir.

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Caramulinho

 

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Caramulinho

 

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Caramulinho

 

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Caramulinho

 

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Caramulinho

 

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Caramulinho

Por falar nisso, o Golden Tulip Caramulo Hotel & SPA onde ficámos revelou ser uma excelente opção. Com 4 estrelas, preço em conta, serviu na perfeição, até porque fica em frente do Museu o que é bastante conveniente.

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Golden Tulip Caramulo Hotel & SPA

Algo datado na decoração é verdade, mas com excelentes condições de conforto e um acolhimento extra-simpático, só teve um senão: porque não nos apetecia andar às voltas, resolvemos marcar o jantar no respectivo restaurante. Azar!

Reserva feita para as 21h, cardápio na mão às 22.15h, manjar nitidamente de recurso (sopa salgada com aroma a cenoura, potas à lagareiro, para mais aquecidas no micro-ondas…excesso de sal? potas? francamente!). Se fosse no Hell´s Kitchen tinha havido bernarda da grossa!!! E no final…convite para levantar ferro porque já estávamos a ultrapassar a “hora de recolher da pandemia”.

O preço foi a condizer com a casa, manifestamente exagerado para a qualidade do repasto ou do atendimento. O restaurante ganhou uma cruz! E esta referência, claro…

A visita ao Museu seria na manhã do dia seguinte.

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Caramulinho – por-do-sol e final de jornada

 

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As máquinas gozam o merecido descanso
Museu Automóvel do Caramulo

O Caramulo (a localidade) nasceu do espírito empreendedor da família Lacerda.

Jerónimo Lacerda, médico com grande espírito empreendedor, vindo dos campos de batalha da 1ª Grande Guerra, resolve lançar uma estância termal e turística do melhor que havia por esse mundo fora.

Aproveitando os ares e as águas da Serra do Caramulo, era esta infraestrutura virada para o combate ao flagelo da época: a “peste branca” como lhe chamavam, ou seja, a tuberculose.

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Museu do Caramulo

Da página do Museu do Caramulo retiramos este texto que muito bem resume a história do Caramulo:

“Magnífica obra urbanística dotada de infra-estruturas únicas em Portugal, naquela data. Em 1938 já possui água canalizada ao domicílio, uma exemplar rede de esgotos urbanos e respectiva estação de tratamento, sistema de recolha de lixos com forno crematório, energia eléctrica produzida a partir de central hídrica própria, bem como um planeamento urbanístico invulgar, com estradas largas com passeios, espaços verdes e jardins públicos de beleza incomparável e numa proporção nunca vista. É neste cenário que, em 1921 e 1923, nascem dois filhos do Dr. Jerónimo de Lacerda, Abel e João.

Cientes de que o progresso da medicina ditaria o fim do Caramulo enquanto centro de tratamento, Abel, que enveredara pela carreira de economista, e o seu irmão João, médico, iniciam a procura de ideias que assegurem a sobrevivência da sua terra e a continuação da obra herdada. Decidem programar a transformação das estruturas existentes em turismo de altitude e retirar ao nome Caramulo o epíteto de doença, convertendo o cenário serrano em pólo de atracção cultural e artística.

É com esta ideia em mente que Abel e João de Lacerda fundam, nos anos cinquenta, um invulgar museu, situado numa montanha no centro de Portugal, com luxuriante vegetação, virada a Sul, sobre um vale extenso de 80 Km: o mais vasto panorama do país. Abel de Lacerda, apaixonado pela arte, constrói um edifício, com os mais modernos conceitos de museologia, para expor uma invulgar colecção de objectos de arte constituída por 500 peças de pintura, escultura, mobiliário, cerâmica e tapeçarias, que vão do antigo Egipto até Picasso.

João de Lacerda, apaixonado por automóveis, constrói outro edifício anexo ao primeiro, vocacionado para expor 100 automóveis e motos, dentro do princípio de que todos os veículos pudessem sair facilmente, para exibição e conservação.

Com a morte prematura de Abel de Lacerda em 1957, criou-se a Fundação Abel de Lacerda – hoje Fundação Abel e João de Lacerda – detentora do Museu do Caramulo. Aberto ao público todo o ano, o Museu do Caramulo já recebeu mais de um milhão e meio de visitantes desde a sua criação. O edifício planeado por Abel Lacerda, para albergar as preciosas antiguidades doadas, foi inaugurado pelo Presidente da República em 1959, tendo sido um dos primeiros museus concebidos e realizados em Portugal, com todos os requisitos modernos da museologia.

Depois de uma excelente noite de sono, sentidos todos alerta para uma viagem à história dos motores – sim, o Museu também tem motos.

A expectativa era elevada. E foi confirmada!

Vamos por partes:

A visita principia no edifício central onde tivemos oportunidade de apreciar uma magnífica colecção de miniaturas. Merecedora talvez de um espaço mais amplo em que fosse possível uma maior separação das peças e uma arrumação temática mais detalhada. Mas não há dúvida que vela a pena determo-nos um pedaço a apreciar brinquedos….que não são brincadeira.

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Museu do Caramulo – colecção de miniaturas

 

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Museu do Caramulo – colecção de miniaturas

 

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Museu do Caramulo – colecção de miniaturas

 

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Museu do Caramulo – colecção de miniaturas

 

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Museu do Caramulo – colecção de miniaturas

Passámos depois ao edifício lateral, onde está a D. Elvira que referi no início em muitíssimo boa companhia. Convém esclarecer que escolhi o Ford T para “a” D. Elvira por ser um modelo que marcou profundamente toda a História do Automóvel. Mas a outros que lá estão também assentaria bem.

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Museu do Caramulo – Ford T – A D. Elvira

Já agora, não consegui descobrir – e tentei mesmo – porque razão se utiliza o termo para designar estas preciosidades. No dicionário fica bem definido que uma D. Elvira não é uma velharia ou uma carripana.

O significado é: ”um automóvel de modelo muito antigo, mas que poderá estar muito cuidado e a funcionar relativamente bem.”

Mas porquê D. Elvira e não uma outra Dona qualquer? Alguém sabe? Adiante…

Este edifício amplo – e onde também está a loja que tem alguns artigos de memorabilia bem interessantes – irrepreensivelmente limpo, com temperatura adequada apesar das grandes janelas envidraçadas de um dos lados, com a luz solar temperada por persianas, reúne no piso térreo e na mezzanine um conjunto relevante de veículos que marcaram de uma forma ou de outra a história do automóvel, nomeadamente em Portugal: desde o Chrysler Imperial que transportou Álvaro Cunhal na sua fuga da prisão de Peniche, o Mercedes blindado de Salazar, o desportivo Alba de fabrico nacional, tal como o pequeno IPA, ou o Reynard de Fórmula 3 que levou Michael Schumacher à vitória no Grande Prémio de Macau de 1990, derrotando (como viria a fazer inúmeras vezes depois na F1) Mika Hakkinen.

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Museu do Caramulo – panorâmica

 

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Museu do Caramulo – panorâmica

Não faltam os Bugatti, Ferrari, Mercedes, Alfa Romeo, Rolls Royce, BMW, Cadillac. Um Pegaso também.

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Museu do Caramulo – Lion

 

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Museu do Caramulo – Delahaye 43 PS

 

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Museu do Caramulo Rolls-Royce Silver Ghost

 

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Museu do Caramulo – Renault 20HP

 

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Museu do Caramulo – Abadal 25HP

 

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Museu do Caramulo – Rolls-Royce Silver Ghost

 

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Museu do Caramulo – De Dion Bouton A1

 

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Museu do Caramulo – Hispano-Suiza H6B

 

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Museu do Caramulo Chrysler Imperial

 

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Museu do Caramulo – Mercedes-Benz 770 Grosser

E as verdadeiras D. Elvira: Benz, De Dion-Buton, Panhard Levassor, Hispano-Suiza, Abadal, Delahaye, Peugeot (de 1899), Darracq, Unic.

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Museu do Caramulo – Cadillac Series 75

 

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Museu do Caramulo Panhard & Levassor 16 18HP

 

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Museu do Caramulo – Rolls-Royce Phantom II Sports Coupé

 

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Museu do Caramulo – Mercedes-Benz 380K

 

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Museu do Caramulo – Bugatti Type 57C Atalante

 

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Museu do Caramulo – Bugatti Type 35B

 

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Museu do Caramulo – Peugeot Bébé

 

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Museu do Caramulo – Unic Type A1

 

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Museu do Caramulo – Benz 20HP Grand Landaulet

 

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Museu do Caramulo – Fiat 12 15HP

 

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Museu do Caramulo – Ford T

Ou os mais recentes, Mercedes Silverwing, Jaguar Type E, Lamborghini Miura, Maserati Merak e os Lancia 037 e Delta HF que tantas vitórias conquistaram nos ralis por esse mundo fora. Nem sequer falta um VW Carocha artilhado com uns skis, um Triumph, um Simca ou até uma Fiat 600 Multipla…ou um VW Kubelwagen da 2ª guerra mundial.

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Museu do Caramulo – Ferrari 195 Inter

 

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Museu do Caramulo – VW Kubelwagen

 

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Museu do Caramulo – Reynard 903 – M. Schumacher

 

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Museu do Caramulo – IPA 300

 

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Museu do Caramulo – Alba

 

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Museu do Caramulo – VW Carocha Typ 11 Export

 

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Museu do Caramulo – Fiat 600 Multipla

 

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Museu do Caramulo – Simca 1000 Rallye 2

 

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Museu do Caramulo – Lancia 037

 

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Museu do Caramulo – Lancia Delta Integrale HF

 

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Museu do Caramulo – Maserati Merak

 

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Museu do Caramulo – Jaguar E-Type 4.2 OTS

 

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Museu do Caramulo – Lamborghini Miura P400 SV

 

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Museu do Caramulo – Mercedes-Benz 300 SL

 

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Museu do Caramulo – Pegaso Z102 B Touring Berlinetta

Devo dizer que quando saí, tinha um leve “sabor a pouco”. Estava à espera de ver mais carros.

Depois, digerida a visita, revista a colecção de fotos, é um facto que estão lá representados praticamente todos os emblemas que num ou noutro momento foram verdadeiramente relevantes. E alguns dos modelos que deixaram a sua marca na História do Automóvel.

E motos? Já referi que não sendo o foco principal do museu, também lá estão representadas: várias Indian, Vellocette, Matchless, Norton, BSA, Rudger, Wanderer-Werke, Peugeot… E até as mais recentes Honda CX650 Turbo ou NR750!

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Museu do Caramulo – Motos – panorâmica

 

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Museu do Caramulo – Motos – panorâmica

 

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Museu do Caramulo – Indian 101 Scout

 

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Museu do Caramulo – Honda CX 650 Turbo – Honda NR750

Ainda assim, achei que havia algumas lacunas que não esperava (meros exemplos):

  • uma representação da indústria nacional mais recente – os UMM e Portaro, por exemplo. Seja nas suas versões normais, seja naquelas que brilharam no Paris-Dakar;
  • alguns dos carros que marcaram o panorama dos ralis (nacionais e internacionais) como sejam os Ford Escort, Fiat Abarth ou Audi Quattro.

Mas o facto é que no Museu Automóvel do Caramulo conseguimos ver a História do Automóvel desde o seu início. O primado da qualidade versus a quantidade.

E um elogio que merece ser destacado: todos os automóveis e motos em exposição estão irrepreensíveis!

Nota final: depois da visita, surgiram-me algumas questões que achei valeriam a pena ser esclarecidas. Enviei um e-mail ao Museu em que questionava o seguinte:

  • se os veículos expostos representavam o total do acervo do Museu ou outros existem que não estariam expostos (eventualmente para assegurar alguma rotatividade)?
  • em condições normais, realizam exposições temporárias com outros veículos do acervo do museu ou de outros coleccionadores? Com que frequência?
  • todos os veículos do acervo pertenciam à colecção do Dr. João de Lacerda ou foram doados, com está expresso num texto à entrada do Museu? Ou algumas viaturas têm sido adquiridas?

Mais de 1 mês depois….nem resposta!

Lamentável…mas algo que tenho constatado ser uma constante em muitas empresas e instituições nacionais.

A mim ensinaram-me que uma carta, qualquer carta, merece sempre uma resposta. Outros tempos…

Conclusão

E pronto! O objectivo estava concluído. Uma excelente jornada motociclística, complementada com uma visita ao Museu Automóvel do Caramulo, um desejo já de longa data.

Veja aqui o filme que está no Canal Youtube de Viagens ao Virar da Esquina e fique a conhecer melhor o Museu do Caramulo. 

E a seguir?  Pois…a seguir foi o Inferno! Mas essa é outra história ao virar da esquina…

 

 

 

 

 

 

 

 

 

EN2 – Portugal de Fio a Pavio

O desafio: percorrer a EN2 num só dia, de Chaves a Faro!
O objectivo: experimentar a nova Honda Africa Twin
O resultado: muita camaradagem numa viagem espectacular
O bónus: um Manual Prático para quem quiser fazer a EN2

Uma estrada, um dia, uma moto

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No km 0 da Estrada Nacional 2

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A novíssima Africa Twin e a ancestral Ponte de Trajano em Chaves

O mote estava dado. 25 de Janeiro, antes das 7.30h da manhã, ainda noite escura, fria e com nevoeiro, as motos começaram a chegar ao km 0 da EN2 em Chaves.

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Na noite escura, o grupo juntava-se no km 0

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A Red Bull deu-nos asas e muita energia!

O objectivo era conduzir a novíssima Honda CRF1100L, a Africa Twin na versão Adventure Sports, com que a marca japonesa enfrenta a nova década e a concorrência, para poder partilhar essa experiência no Viagens ao Virar da Esquina. A Estrada Nacional 2 foi o cenário ideal.

Nas semanas anteriores, a expectativa tinha crescido, graças às redes sociais. As muitas intenções saldaram-se em 9 motos que me iriam acompanhar neste desafio: percorrer a EN2, de Chaves a Faro, numa única jornada.

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Os aventureiros no km 0

Para lá da tricolor que conduzi vieram 5 da geração anterior: as duas do Tiago e do Manel que com o Luis e a sua Varadero compunham o trio de amigos que fizeram questão de me acompanhar desde a primeira hora e as do João, do Luís e do Carlos. Ainda uma GS1200 do Nuno. E uma palavra especial para o Ernesto com a sua KTM Duke125 e o casal Nuno e Paula que saíram de Paços de Ferreira com a sua Yamaha R6 para chegarem a Chaves e de seguida rumarem a Faro. As origens deste pessoal eram as mais variadas: Lisboa, Évora, Lagoa, Barreiro, Penafiel, Olhos d’Água. O País bem representado!

Ainda de noite, fizemo-nos à estrada…

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À saida de Chaves. O dia começava com nevoeiro.

Saídos de Chaves, o dia acordou connosco já na estrada e o nevoeiro levantou. Os socalcos do Douro e a bonita estrada que nos levou até à Régua foram feitos já de dia.

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Peso da Régua

À frente, em Lamego o primeiro encontro: aguardavam-nos 9 Africa Twin que nos iriam acompanhar até Penacova, numa recepção calorosa por iniciativa da Honda de Viseu – a Ondavis.

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Em Lamego. Ao fundo o Santuário de Nª Sª dos Remédios. Em destaque, muitas Africa Twin….15!!!

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No Alto de Bigorne, ponto mais alto da EN2.

E foi nesta cidade que teríamos a paragem mais prolongada de toda a viagem (com efeitos que mais adiante descrevo…). A desculpa foi uma foto no centro…mas o pessoal precisava de tomar café!

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Em Viseu, no Rossio. Com os nossos amigos da Ondavis.

1 hora depois saímos em direcção ao primeiro troço complicado do traçado”original” da EN2. A albufeira da barragem da Aguieira submergiu parte da estrada, pelo que de Santa Comba Dão até pouco após o paredão da barragem, seguimos pelo que sobrou com recurso a alguns pedaços de outras estradas. Visitámos o ponto onde o alcatrão desaparece na água. A partir de Oliveira do Mondego retoma-se a estrada que segue pela margem esquerda do Mondego.

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Barragem da Aguieira: onde a albufeira submergiu a EN2

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Barragem da Aguieira: onde a albufeira submergiu a EN2

Reabastecimento das máquinas em Penacova e despedida dos companheiros viseenses. Mais à frente, em Poiares, a paragem prometida para uma “bucha”. É de saudar o espírito de iniciativa de quem aproveita a oportunidade gerada pela EN2 para combater o abandono do interior.

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No Café Central em V. Nova de Poiares – km 248

Daqui e até à Sertã, puro divertimento. Estrada em bom estado, sobe e desce, curva e contra-curva constantes, deixámos ficar para trás Góis e Pedrogão Grande.

Na Sertã começa a segunda parte complicada do percurso. porque abandonamos aquela que hoje é chamada de EN2, uma via rápida e sem interesse excepto para quem quer chegar rápido, para tomarmos o antigo traçado, estreito, sinuoso e nem sempre em bom estado.

O paragem seguinte foi no Centro Geodésico no Picoto da Melriça em Vila de Rei. Local simbólico onde nos aguardavam alguns companheiros por iniciativa do concessionário Honda de Tomar – Masterbike.

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No Picoto da Melriça, centro geodésico de Portugal (com os nossos amigos da Masterbike)

Alguns minutos de convívio, as fotos da praxe e seguimos viagem, novamente pela antiga e sinuosa EN2 até Abrantes, que entre minúsculas aldeias passa no Penedo Furado. Um recanto de beleza e tranquilidade.

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No Miradouro do Penedo Furado

Aqui e relativamente ao plano inicial (que não contemplava a necessidade das paragens prolongadas que aconteceram) o atraso era de 2 horas. Nada que comprometesse o objectivo final de percorrermos a EN2 num só dia. Longe disso. Mas acabou por inviabilizar o que seria outro dos pontos altos da jornada.

A Motodiana de Évora preparou um dia de convívio com os seus clientes. Que iria culminar com o nosso encontro a meio da tarde em Mora. Todavia, o atraso acumulado que trazíamos e o aproximar da noite fez com que o grupo de 3 dezenas de Africa Twin compreensivelmente desmobilizasse antes da nossa passagem. Foi pena! E frustrante para todos…

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No km 500 – Ciborro

Depois da foto ao km 500 no Ciborro, nova paragem para atestar em Montemor-o-Novo. A noite já caía – as viagens no Inverno têm esta contingência, que também fazia parte do desafio – pelo que a decisão foi seguirmos até Faro sem mais delongas. De noite pouco havia para ver na paisagem e a condução iria exigir toda a atenção: alguns troços no Alentejo estão em estado deplorável e no final, as 365 curvas da Serra do Caldeirão tinham o condimento adicional de o piso estar molhado…

Já passava das 22 horas quando chegámos a Faro, os mesmos que 15 horas antes tínhamos saído de Chaves. É evidente que a celebração da jornada aconteceu junto das placas que nos queriam dizer para voltarmos a Chaves. Só faltavam 738,5km!

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A Africa Twin e o marco final

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Desafio concluído (e com direito a troféu…)

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15 horas e picos depois, os mesmos que saíram de Chaves chegaram a Faro. Excelentes companheiros e amigos!!!

Uma viagem que correu de forma espectacular, com companheiros extraordinários, sem azares ou percalços que estragassem a boa disposição e em que a única nota negativa foi o desencontro com os nossos amigos de Évora. Algo a compensar no futuro…

Os apoios:

A nova Africa Twin

A aposta da Honda foi já muito escalpelizada na imprensa por quem sabe. Como motociclista comum apenas posso dizer que cheguei a Faro sem marcas de cansaço.

A moto revelou-se sempre muito segura em todas as condições – mau piso, estrada molhada, condução nocturna, traçado sinuoso – e algumas das inovações e melhorias introduzidas provaram a sua eficácia: novas suspensões, nova ciclística e melhorada ergonomia, faróis com função “cornering”, novo painel TFT com excelente leitura em quaisquer condições e que simultâneamente permite a personalização da moto nos mais ínfimos detalhes. O novo motor, mais “redondo”, tem uma utilização linear em toda a faixa de rotação, o que se traduz em melhor agradabilidade de condução.

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A CRF1100L Africa Twin Adventure Sports que me acompanhou no Portugal de Fio a Pavio

Ler aqui: “Africa Twin – de fio a pavio

Sem dúvida uma aposta ganha com esta CRF1100L Africa Twin Adventure Sports!

E sobre a Estrada Nacional 2?

Em 2020 faz 75 anos que foi publicado o Plano Rodoviário que criou e classificou as Estradas Nacionais.

A esta, que na altura não existia na sua totalidade (nem hoje, diga-se em abono da verdade), foi atribuído o número que à época traduzia a importância que lhe estava destinada. Era a segunda, logo a seguir à estrada Lisboa-Porto. Isto denotava o relevo que era dado ao desenvolvimento do interior do País…

Só nos anos 70 a estrada ficou realmente completa com o asfaltamento dos últimos troços que ainda faltavam. Pouco tempo lhe restou. Os Planos Rodoviários de 1985 e 2000, retiraram-lhe importância (induzidos pela desertificação do interior e pelo novo paradigma das auto-estradas) e acabaram por a retalhar. Alguns pedaços estão entregues a responsabilidades municipais, outros centralizados e outros…quase parecem abandonados.

O potencial turístico da Estrada Nacional 2 vive mais da imagem mítica daqueles que a percorrem, por vezes sem saberem bem se nela estão ou não, porque a sinalização é fraca ou inexistente. Por outro lado, sem uma identidade claramente definida (que leva alguns a procurarem semelhanças com outras estradas e rotas estrangeiras) e sem um plano de desenvolvimento integrado entre quem deverá ter a responsabilidade de gerir a estrada e todo os operadores turísticos e comerciais nas suas margens, a EN2 continuará a ter esse lado semi-aventureiro mas também se irá degradando. A estrada e a sua imagem!

Merece muito mais porque percorrê-la é ter numa única via o mais perfeito retrato da diversidade do nosso País. Diria mesmo, a imagem mais completa de Portugal de Fio a Pavio.

(este texto foi editado e publicado na MOTOJORNAL #1476 de 14 de Fevereiro de 2020)

Estrada Nacional 2 – o percurso

O percurso feito seguiu o mais possível o trajecto original da EN2. E aqui surge a primeira nota:

Começamos em Chaves na EN2 e seguimo-la até à Barragem da Aguieira (em Castro Daire tivemos que fazer um pequeno desvio pela A24 uma vez que um deslizamento de terras cortou a nossa estrada…esperemos que a reparação seja breve…). Depois do paredão da barragem vamos utilizar um pequeno troço da EN228.

Mais à frente, entre Vila de Rei e o Sardoal, seguimos pela EM2. Depois novamente EN2 até Montemor-o-Novo. Daqui até Castro Verde seguimos pela ER2. E finalmente, daqui até Faro, novamente EN2.

Em Faro, nova dificuldade. O marco dos 738km foi removido para a construção de uma rotunda no cruzamento da Rua do Alportel com a Av. Calouste Gulbenkian. Para chegarmos às setas que nos indicam que para regressarmos a Chaves faltam 738,5km temos que fazer um desvio por ruas laterais uma vez que a Rua do Alportel no cruzamento com a Rua Aboim Ascensão tem o sentido inverso. No guia “Estrada Nacional 2” editado pela Papa-Figos (excelente, diga-se) referem que o final se situa junto à marina de Faro e ao Arco da Vila, na Praça D. Francisco Gomes junto à Av. da República…

Sempre que possível, o percurso faz-se pelo interior das principais localidades, como ocorria antigamente. As variantes às povoações vieram muito depois do nascimento da EN2…

Para quem o queira seguir, aqui fica o link para download do trajecto em formato GPX, utilizável na maioria dos GPS:

EN2 – Chaves – Faro (Viagens ao Virar da Esquina – versão oficial) – Fev2020

Manual Prático da Estrada Nacional 2

(publicado em Março de 2019 na Andar de Moto)

A Estrada Nacional 2, EN2 para os amigos, foi instituída no Plano Rodoviário Nacional de 1945. Tinha o objectivo de unir Portugal de cima abaixo, atravessando o seu interior, por oposição à EN1 que o fazia pelo litoral, de Lisboa ao Porto.

À época, existiam já construídos alguns troços desta estrada e outros foram-no sendo ao longo do tempo. No fundo, aquela que hoje tendemos a ver de forma algo romântica como “a” EN2 sempre foi uma amálgama de estradas. Tal como hoje, em que alguns troços foram reclassificados e até renomeados (no Alentejo, foi classificada como “estrada regional” daí a designação ER2…). Outros foram absorvidos por vias mais ou menos rápidas, que até lhe subtraíram a designação (o troço entre Sertã e Abrantes ou as muitas variantes às localidades entretanto construídas). Para não falar nos que desapareceram (na Barragem da Aguieira alguns pedaços ficaram submersos).

Tudo isto para dizer que, por incrível que pareça, encontrar o traçado mais fiel a um suposto original é mais difícil que o esperado. Isso tem consequências no trajecto mas também no planeamento das etapas. Já veremos porquê!

Todas as considerações adiante realizadas partem do pressuposto da realização da viagem desde o quilómetro 0 em Chaves até ao 738,5 em Faro. Se a opção for a inversa, pouco ou nada se altera, a não ser a divisão dos tempos para cada etapa. E já que falamos nisso…

Quantas etapas?

Esta é a pergunta que mais vezes é feita. E a resposta é muito simples: depende!

DO NÚMERO DE DIAS DISPONÍVEL. Um detalhe prévio: ao planear a viagem, independentemente do número de dias destinados à EN2, deverá reservar-se pelo menos 1 dia para o trajecto complementar. Isto é, para a ida até Chaves e para o regresso de Faro. Este trajecto terá comprimento idêntico no mínimo! Como se pode fazer, depende do ponto de partida/chegada de cada um e do tempo para (mais ou menos quilómetros de auto-estrada);

DO GRAU DE DETALHE. Isto significa que quanto mais paragens mais tempo se demora (seja pessimista quanto à alocação de tempo para cada visita. Demoram sempre mais que o previsto). E algumas, são efectivamente demoradas. Por exemplo, se em Vila Real pretenderem visitar um dos ex-libris, a Casa de Mateus, atentem no seguinte: a visita merece ser longa. Porque a Casa e os jardins assim o justificam, mas também o preço: 8,5€ só para os jardins e 12,5€ para Casa e jardins. Por este preço, justifica-se uma visita atenta…e demorada!

DO RITMO DA VIAGEM. Madrugadores tenderão a tirar mais partido do que os mais preguiçosos. Até porque o pôr do sol é à mesma hora para ambos e viajar de noite não se justifica, pois para ver as estrelas, é melhor sentado numa qualquer esplanada no final da etapa. Também os tempos dedicados à gastronomia são importantes. Há que ajustar os almoços ao tempo disponível para não andar a recuperar tempo na estrada, com os riscos que isso acarreta…e de barriga cheia!

DA ESTRADA. Este É o único elemento fixo da equação. O trajecto não tem todo as mesmas características.

De Chaves até Vila Real flui bem e em boa estrada com algumas localidades pelo caminho. Daí para Lamego, o percurso torna-se muito mais sinuoso – e bonito! Estamos a falar da descida para Peso da Régua e da subida na margem esquerda (passa-se aliás pelo ponto mais alto de toda a EN2 um pouco à frente do desvio para Lazarim – e esta pode ser uma das localidades a visitar, afamada pela sua celebração do Entrudo mas cuja estrada de acesso é íngreme e estreita).

De Lamego a Viseu, torna a fluir bem e em boa estrada. De Viseu até ao Rio Tejo é que a porca torce o rabo. Falaremos especificamente deste troço, mais adiante. Mas adiante-se que é sinuoso, nem sempre evidente e nunca a permitir ritmos elevados, pelo contrário.

De Abrantes para baixo, entramos no Alentejo. As planícies geralmente com boas estradas (uma ou outra excepção) permitem bons andamentos até porque o número de povoações atravessadas diminui drasticamente.

A partir de Almodôvar, com a entrada no Algarve, temos a cereja no topo do bolo: a Serra do Caldeirão com as suas 365 curvas. Uma por cada dia do ano e capazes de satisfazerem os gostos de qualquer motociclista, mesmo os mais exigentes.
A última dificuldade do percurso: encontrar as placas do quilómetro final da EN2 em Faro. O marco dos 738km e as placas direccionais que indicam “Chaves 738,5km”.

Então, e afinal quantas etapas?

Se possível for, diria que 3 etapas até Abrantes, mais uma até Castro Verde/Almodôvar e uma meia etapa daqui até Faro.

Comecemos pelo fim: porquê esta meia etapa? Porque é muito mais saboroso (e seguro!) fazer o Caldeirão pela manhã, fresquinhos, do que no final do dia já com alguns centos de quilómetros em cima. Por outro lado, o alojamento e a alimentação serão muito mais económicos no Alentejo do que no Algarve. Sendo possível, a outra metade do último dia pode ser dedicada ao regresso.

Resumindo 4 dias e meio.

Uma primeira etapa até Lamego ou Castro Daire. Uma segunda, daí até Góis ou Pedrógão Grande. A terceira até Abrantes ou Montargil. As restantes já falámos atrás. É evidente que se tiver mais tempo disponível….excelente. É disfrutar do muito que a EN2 tem para oferecer.

Sabemos todavia que o óptimo é inimigo do bom!

Com motociclistas madrugadores, diria que é perfeitamente viável cortar 1 dia ao que acima referi. Por exemplo, terminar o primeiro dia em Viseu e o segundo em Abrantes ou algo antes. Daí para baixo seria o mesmo.
E aqui chegamos ao ponto fulcral. Os percursos entre Santa Comba e Penacova e, mais à frente, da Sertã a Abrantes.

No primeiro caso, a construção da Barragem da Aguieira levou a que uma parte da EN2 fosse submersa e a posterior construção do IP3 nalguns pontos sobrepôs-se. E a sinalização tende a remeter a EN2 precisamente para o IP3!

Seguir um trajecto o mais próximo possível do original, leva-nos a, depois de Vimieiro, seguir na proximidade de Chamadouro, passar em Oliveira do Mondego e Porto da Raiva. Finalmente a partir de Penacova o trajecto é mais claro. Mais à frente, uma pequena armadilha na entrada de Pedrógão Grande.

Depois da Sertã, aquilo que hoje é chamado de EN2 é uma variante, estrada bem larga e rápida que, depois de passar perto do Centro Geodésico em Vila de Rei, desagua em Abrantes (Alferrarede). Mas a original é bem mais complexa, sinuosa e…muitíssimo mais bonita e interessante. Saliento apenas a passagem pelo Penedo Furado.

Ambos os troços atrás referidos são lentos. Daí a questão da divisão das etapas dever levar este aspecto em consideração, sob pena de a dada altura se estar a viajar de noite. No mínimo desinteressante!

Mais duas curiosidades: lembram-se os menos jovens, que antigamente as estradas seguiam pelo centro das localidades. Hoje em dia, existem variantes. É uma opção a tomar. Por exemplo, à entrada de Tondela, as placas a indicar EN2 fazem seguir pela variante. E merece a pena atravessar pelo centro.

A segunda curiosidade tem a ver com Viseu. Não é à toa que lhe chamam a capital da rotundas. O percurso que sugerimos (o mais próximo possível do original) passa por não menos que 24 redondéis!

Tudo isto serve para uma última recomendação. Se afastarem alguns pruridos tradicionalistas, façam-se acompanhar de um GPS.

O ficheiro GPX que “Viagens ao Virar da Esquina” disponibiliza – façam o download no link acima – tem no mínimo a vantagem de vos prevenir para todas estas armadilhas. Ou em alternativa, utilizem-no em casa, na preparação de um travel-book que vos auxilie ao longo do caminho.

A última nota: existem duas óptimas publicações sobre a EN2. Complementam-se e servirão certamente de excelentes roteiros. Uma delas, editada pela Papa Figos andará pelas livrarias. A outra, “A mítica estrada nacional 2”, foi publicada por defunta editora e só com muita sorte poderá ser encontrada. A não ser que algum amigo a tenha…

Independentemente de tudo o que foi dito, façam a EN2. De espírito aberto e do modo que quiserem.

Verão que será uma experiência inolvidável!

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Chaves, Km 0 na EN2

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Em Faro….para chegar a Chaves, já só faltam 738,5km

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No marco do km 738 (que agora não está lá!) – Abril 2018

Africa Twin…de fio a pavio!

O ensaio de longa distância à novíssima Africa Twin CRF1100 Adventure Sports.
Portugal de uma ponta à outra, ou o mesmo é dizer…de fio a pavio.

Um pouco de história…só para enquadrar

Tenho como ciência certa que compreender a História nos permite perceber onde estamos e prever o que aí virá. Por outro lado, por curiosidade intelectual e deformação profissional, tentar compreender as estratégias que as marcas utilizam para os seus produtos é um desafio aliciante.

Por isso, quando foi anunciado que a Honda preparava uma nova versão da Africa Twin e, mais tarde, em meados de 2019, soubemos que a mesma estava por dias e nos foram dados a conhecer as respectivas características, recordei a história deste nome mítico no mundo das motos.

Em 1986, A Honda quis retomar a glória de vencer o Paris-Dakar . Nesta altura, a prova já tinha pergaminhos firmados e a vitória não era despicienda para a reputação de solidez e fiabilidade de quem o conseguisse. A marca japonesa tinha-o saboreado em 1982 com a XL500R e depois de anos de domínio da BMW, queria contrariá-lo.

HONDA XL500R
Honda XL500R

Assim, surgiu a NXR750V. A bicilindrica em V viria a vencer a prova de 1986 a 1989. 4 vitórias até à retirada, imbatível. Esta moto, viria a ser a inspiração para a XRV650, a primeira a ostentar o mítico nome “Africa Twin”. Estava lá a origem (ou o destino…) – “África” – o motor – “Twin” – e a configuração – o “V”!

HONDA NXR750V
Honda NXR750V

Lançada em 20 de Maio de 1988 evoluiu em 1990, com o aumento de cilindrada, para a XRV750. Sempre mantendo a ligação umbilical ao imaginário do Dakar. Ao longo do tempo foi fazendo a sua evolução, destacando-se as melhorias introduzidas em 1993. E assim continuou a produção até 2003.

AT650
Honda XRV750

A nova “Rainha Africana”

Julgo que empresas da dimensão da Honda não cometem erros. Tomam opções…que por vezes terão outros méritos não directamente percepcionados. Mas certo é que a alteração de paradigma verificada já no século 21 não terá sido antecipada pela marca. Porque ao retirar-se do mercado das grandes motos “aventureiras” acabou por deixar terreno livre a que outros ocupassem esse espaço de liderança que lhe pertencia. É certo que surgiram as Cross Runner/Tourer com os seus 4 cilindros em V…mas não foi a mesma coisa!

Na realidade, no mercado motociclístico como noutros, o padrão mudou de “chegar mais depressa” para “chegar mais longe”. E assim, as motos designadas “trail” ou “aventureiras” passaram a dominar o mercado pela sua polivalência e capacidade de nos transportarem confortavelmente para lá das meras limitações do asfalto. E sem grande prejuízo na rapidez (até porque a rigidez dos limites legais de velocidade assim impõem).

O hiato durou 13 anos. Em 2016 a Honda lançou a nova Africa Twin, sempre com um bicilindrico mas agora paralelo e com quase 1 litro de cilindrada. Obviamente dotada das mais modernas características, sendo talvez a mais relevante a opção pela caixa semi-automática, de nome de guerra DCT (Dual Clutch Transmission). Em 2018, veio a primeira evolução mas sem alteração significativa das características. E para completar a gama, a chegada da versão “Big Tank” – depósito de maior capacidade, novas suspensões e mais e melhor equipamento. Mas as mesmas características técnicas. Chamaram-lhe Adventure Sports.

CRF1000L
CRF 1000L Africa Twin

Nesta fase, comentava-se que a estratégia da Honda “era estranha”. Pois com 1.000cc e 95cv não chegava às BigTrail da concorrência (com motores maiores e potências bem mais elevadas). Por outro lado, não se destacava das Trail de média cilindrada, geralmente mais baratas e que não perdiam muito nas performances. Sendo uma excelente moto, a Africa Twin ficava “ali no meio”. Erro de estratégia ou visão a longo prazo?

Vou dar a minha interpretação: a Honda preferiu não “ir ao choque” com as tais “Big Trail” já bem instaladas no mercado. Iria sempre ser comparada e para quem chegava de fresco tal poderia ser perigoso. É sabido que em qualquer mercado, o incubente tem sempre vantagem.

Preferiu assim, criar o seu próprio espaço e conquistar Clientes – os fiéis da marca onde se incluíam os saudosistas das antigas AT, os recém-chegados a esta tipologia de motos (por exemplo, quem vinha de motos mais radicais ou provenientes das pequenas cilindradas) ou os que evoluíam de “trails” mais pequenas. O factor preço era importante, pois obtinha-se uma “das grandes” a menor custo. E, bem vistas as coisas, a moto fazia muito bem aquilo que se propunha. Mais cilindrada ou mais potência eram aqui menos valorizados, porque o que havia chegava bem e não era assim tão pouco!

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“Já cá estou…”

4 anos depois, a Honda traz ao mercado uma nova Africa Twin: crescimento da cilindrada, mais potência e binário (7% e 6%, respectivamente), evolução estética, novo paradigma electrónico…e por cima de tudo isto, uma nova orientação estratégica. A Honda decidiu separar as águas e a Adventure Sports fica claramente vocacionada para as grandes viagens, as aventuras distantes, as longas tiradas diárias que nos levam ao fim do mundo. A versão “normal”, mais orientada para deslocações de maior proximidade e com uma muito maior apetência para o offroad. Uma super equipada, outra bem mais ligeira.

E este foi certamente um passo previsto na estratégia inicial: depois de conquistado o mercado natural da Africa Twin, é agora a altura ideal para tentar conquistar quota aos principais concorrentes. O produto – a Africa Twin – está agora na sua maturidade e naturalmente apto para se apresentar como uma alternativa clara e assumida, com características próprias e distintivas, face à concorrência, seja ela alemã, italiana, austríaca, britânica ou até japonesa.

Viagens ao Virar da Esquina com a nova Africa Twin

Esta introdução serve para explicar a enorme curiosidade que eu tinha perante as novas Africa Twin. O plural não é aqui desadequado, como veremos adiante.

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Viagens ao Virar da Esquina com a nova Africa Twin

Na imprensa especializada, já todas as melhorias, alterações e inovações foram escalpelizadas. Os muitos louvores e também algumas criticas foram publicados à exaustão por quem sabe. Agora seria a vez de um motociclista vulgar apreciar a utilização da Africa Twin nas suas normais condições de utilização.

Naturalmente, imaginei uma experiência de condução que replicasse o uso que os comuns motociclistas darão às novas máquinas. E como aqui se fala de viagens, o alvo era a Africa Twin (agora CRF1100L) Adventure Sports, pelos motivos atrás referidos. Mas a AT dita “normal” não foi esquecida por feliz coincidência….

O objectivo seria fazer uma viagem que incluísse uma tirada bem comprida e aferir, entre todos os outros aspectos, qual o impacto no condutor de uma longa jornada. Não esqueçamos que em Portugal estamos a cerca de 1.000 km da Europa….

Podia optar por andar às voltinhas…mas quando temos uma só estrada, que percorre o País de norte a sul, com as mais diversas características (longas rectas e percursos sinuosos, serranias ou planícies) e com estados de conservação variados (alguns deploráveis!), porque não aproveitá-la? Assim nasceu o Portugal de Fio a Pavio: percorrer a Estrada Nacional 2, de Chaves a Faro, num só dia.

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No km 0 da Estrada Nacional 2

Pensado, proposto e aceite o desafio pela Honda, que cedeu uma CRF1100L Africa Twin Adventure Sports, a experiência realizou-se entre os dias 23 e 26 de Janeiro: de Lisboa a Guimarães e daqui até Chaves, sempre por auto-estrada, depois os 738,5km da EN2 e finalmente, no último dia, o regresso a Lisboa sempre por estradas nacionais e com uma passagem por Ponte de Sor. Em suma, 1.875 km.

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Em Faro, no km 738,5 da EN2

O que a Africa Twin de 2020 tem de novo?
  • Nova ciclística com um novo quadro, subquadro em alumínio aparafusado e novo braço oscilante também em alumínio.
  • Nova posição de condução, mais baixa com o banco mais estreito na zona das pernas.
  • Aligeiramento da moto sendo 5kg mais leve que a antecessora. Aumento de cilindrada para os 1084cc com incremento de potência (102cv/7.500rpm) e binário (105Nm/6.250rpm). Totalmente compatível com a norma Euro5.
  • Nova unidade IMU de medição de inércia segundo 6 eixos: gere os modos de condução, o sistema HSTC (controlo de tracção), o ABS com função curva, controlos anti-cavalinho e anti-levantamento da roda traseira.
  • Tem 4 modos de condução prédefinidos (os habituais TOUR, URBAN e GRAVEL ao qual se adiciona o TT) e agora 2 modos personalizáveis. Na versão DCT tem a funcionalidade de detecção de curvas.
  • Novo écran TFT colorido de 6,5” touch, com conectividade Apple Carplay e Bluetooth. A gestão pode ser assegurada com toque no écran (se parada) ou através do controlo múlti-funções no punho esquerdo.
  • Duplo farol LED com luzes diurnas adaptativas e função “cornering”. Cruise Control, parabrisas regulável em altura (manualmente) e punhos aquecidos estão também no equipamento de série
  •  Finalmente, “last but not the least”, suspensões electrónicas Showa!

Em suma, mantendo a herança genética das anteriores versões e o típico ar de familia, estamos perante uma moto praticamente nova! Foi isso que quisemos provar.

A experiência com a Africa Twin Adventure Sports (CRF1100L)

O primeiro contacto confirma-nos logo as duas impressões iniciais: é claramente uma Africa Twin e parece mais pequena.

Se a primeira constatação é óbvia, quanto à outra, o termo correcto é “ligeira”. E quando nos sentamos, a sensação confirma-se: apesar da redução de peso ser cerca de 2% apenas, o facto de a posição de condução ser ligeiramente mais baixa e o banco mais estreito (os pés chegam com facilidade ao chão, mesmo para estaturas mais baixas) transmite de imediato essa sensação – agradável – de maior leveza.

A moto experimentada tinha a tradicional pintura tricolor. E, sendo uma afirmação completamente subjectiva, a moto é muito bonita. Mesmo muito! …..Mais tarde vi a moto no outro esquema cromático. A preta e….é linda. Mas esta é uma apreciação exclusivamente pessoal! Uma e outra com jantes douradas, raiadas tangencialmente para a utilização de pneus tubeless. Bonitas, bonitas, bonitas!

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O muito moderno e o muito antigo

E já que estou em apreciações pessoais, aqui vai outra. Não é um defeito da moto mas sim uma preferência minha. Prefiro a AT com a altura da antiga. Com 1,82m de altura nunca tive problemas em chegar com os pés ao chão e a posição não é “tão sentado”. Obviamente que se a nova moto fosse minha, tal seria facilmente resolvido com a opção por um banco um pouco mais alto. Mas é obrigatório reconhecer que a opção da Honda faz todo o sentido, pois assim a nova Africa Twin consegue satisfazer um número mais abrangente de utilizadores (o banco de série tem 3 posições em altura).

Ainda antes de começar a andar…configurar a moto. Para quem estiver habituado às novas tecnologias, com a flutuação por diferentes menus e saltitando de opção em opção, a tarefa não é difícil. Mas sugiro veementemente uma leitura antecipada do manual! A moto permite uma infinidade de ajustamentos e afinações e será conveniente sabermos o que se está a fazer para que a personalização seja efectivamente um valor acrescentado. O que sugiro? Cautela! Começar com as afinações padrão e à medida que se for conhecendo o comportamento da moto, ir ajustando. E esse ajustamento é facílimo pois a leitura e usabilidade do écran e dos menus é intuitivo.

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Ecran 6,5″ touch e colorido

Cumpre salientar que o écran tem excelente leitura em quaisquer situações de luminosidade e diz-nos tudo o que precisamos saber! E aqui é necessário fazer um reparo: é compatível com o Carplay da Apple. Mas não com o Android Auto. Ou seja, se o utilizador tiver um Iphone consegue fazer o “mirror” do seu telemóvel no écran e assim aceder as todas as aplicações que tiver. Se tiver um Android….se calhar esperar por uma actualização do firmware. Mas é pena! Acrescente-se que a compatibilidade Bluetooth é geral (Android ou IOS).

Dito isto, a caminho…

Primeira sensação confirmada: “leveza”. A maneabilidade no meio do trânsito sai beneficiada. O motor parece menos “brusco”, consequência das novas opções resultantes do incremento da cilindrada. Está mais “redondo”, mais disponível na faixa de rotações. A voz também foi “afinada”. Menos grave, algo mais suave. Em viagem, depois de habituados nem o ouvimos.

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A companheira ideal para uma viagem

Ainda não referi mas a moto tinha DCT. Parafraseando um anúncio de “enlatados” de há anos atrás, “um dia todas as motos serão assim”! (opinião exclusivamente pessoal!)

Bem, talvez não….mas não tenho dúvidas que é uma opção que melhora substancialmente a experiência de condução em viagem. Alguns dirão que preferem a caixa manual mesmo depois de experimentarem. Pode ser….mas a DCT requer alguma habituação que não se adquire num mero test-drive de meia hora. Com mais de 100.000 motos vendidas na Europa com esta função, algo me diz que a Honda acertou na “mouche”.

A ergonomia da moto é muito boa (salvaguardando aquele pormenor pessoal relativo à preferência na altura do banco). Todos os comandos estão ao alcance da mão. Inclusivamente, os botões que anteriormente se situavam no painel são agora controláveis tocando com o dedo no écran. Mas…não há bela sem senão. O comando multifunções do punho esquerdo tem botões a mais. Ou seja, a necessidade de disponibilizar todas as funções ao alcance da mão fez com que a dimensão de cada um dos botões fosse diminuída. E isso requer muita habituação para não premirmos o botão errado. Porque com a profusão de botões e com as mãos com luvas, o engano é frequente: para desfazer o pisca (quase sempre não é necessário porque ele desliga automaticamente…) ou vai “uma abaixo” ou uma “gaitada” ao veículo da frente. Será uma questão de hábito, certamente. Mas fica o registo.

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20 séculos separam a Africa Twin da Ponte de Trajano!

E se no trânsito citadino nos desenvencilhamos na perfeição, a estrada é o seu habitat natural. Adequadamente regulada a altura do vidro, seguimos viagem sem sentirmos o vento no capacete e com o ruído lateral substancialmente reduzido.

As “trails” não são o modelo de perfeição no que ao comportamento aerodinâmico se refere. Comparativamente a uma turística ou a uma “R”, saem obviamente prejudicadas naquele aspecto fundamental do consumo. Portanto evitemos comparações. Principalmente se à “enorme” superfície frontal adicionarmos as malas traseiras.

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CRF1100L Africa Twin Adventure Sports!

Nesta viagem, fiz inicialmente cerca de 450 km em autoestrada. Velocidade de cruzeiro sem grandes perturbações, a maior parte do tempo com o cruise control que funciona muito bem. Facilmente regulável e fiável em qualquer situação em que seja necessário prescindir dele.

A velocidade escolhida situou-se acima das 4.500rpm e isso naturalmente penalizou o consumo. O objectivo era chegar ao destino relativamente cedo e não uma prova de consumos, que aliás não poderia ser feita nas autoestradas escolhidas: a A1 de Lisboa para o Porto, depois a A7 até Guimarães e no dia seguinte, novamente a A7 e depois a A24 até Chaves. Porquê? Porque esse sentido, na maior parte dos casos inflaciona o consumo. Os ventos dominantes são no sentido N-S o que significa que a moto vai sempre com um ligeiro esforço adicional que se reflecte em algumas décimas no consumo médio (tal é igualmente verificável com um automóvel se quiserem fazer a experiência). Obviamente poderia ser compensado com o efeito contrário se tivesse feito o trajecto inverso. Não foi o caso. Cheguei a Chaves com uma média de consumo de 6,3 l/100km. Não há milagres até porque a moto tinha pouco mais de 1.300km quando nela peguei.

Mas, o resto da viagem iria dar uma imagem mais realista do consumo. Sempre em estradas nacionais e sem preocupações de fazer uma condução económica (os “verdes” que me desculpem), a média final de toda a viagem (1.875km) foi de 5.0 l/100 km. O que significa que nos restantes 1.425km a média foi inferior a 4,7 l/100km. Estou certo que com maior cuidado na condução e a moto mais rodada, os 4,5 ou até inferior, são perfeitamente atingíveis.

Assim, com o depósito a poder levar quase 25 litros, projecta a autonomia para os 500km. Uma vantagem imensa para quem quer fazer longas tiradas. As tomadas, de 12V e USB, são também muito úteis e facilmente acessíveis.

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A conquistadora na terra do Conquistador!

Como falei nas distâncias, é importante referir que em nenhuma situação, mesmo no dia em que percorri os 738,5km da EN2, senti cansaço. O conforto está em muito bom nível (as suspensões electrónicas darão aqui uma boa ajuda, apesar de o patamar de conforto da anterior versão ser já de si muito bom) e o comportamento da moto em qualquer situação de piso ou de tipologia da estrada dá inteira confiança e tranquilidade. Nalguns momentos, o frio apertou. A protecção da moto é excelente e, mesmo com temperaturas a aproximarem-se do 0, o nível máximo (5) dos punhos aquecidos era excessivo!

Um destaque: fiz a Serra do Caldeirão noite cerrada. A função “cornering” das luzes da AT foi uma ajuda preciosa. Adaptando-se automaticamente à inclinação em curva, permite-nos ver o que está mesmo ali no interior da curva. Quanto às luzes, nomeadamente os máximos, correspondem com bom alcance e intensidade do foco razoável. Mas esse não é defeito das AT. É das motos em geral, razão pela qual quase sempre o primeiro acessório é um conjunto suplementar de faróis.

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Os novos “olhos” da Africa Twin!

Condutores mais experimentados e pilotos poderiam agora fazer aqui uma apreciação detalhada das novas características do motor, da ciclística, da profusão de electrónica e do seu impacto em detalhes de utilização (podem consultar as revistas da especialidade…já todas se pronunciaram). Não chego lá. Mas as impressões que ficam são as que um condutor vulgar poderá sentir se se sentar aos comandos da CRF1100L Africa Twin…no caso, a Adventure Sports (“Big Tank” para os amigos!).

E o que dizer da Africa Twin “normal”?

Não estava previsto mas a oportunidade surgiu. Poder testar a versão “light” da AT. Ou será melhor chamar-lhe “Rally”? Se calhar não porque já há quem utilize o termo…

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Africa Twin “normal”

A nova AT, nesta configuração, tem diferenças substanciais face à irmã maior.Visualmente, a frente está muito mais próxima da versão anterior. O vidro é substancialmente baixo e não tem qualquer regulação. O banco é mais esguio. À frente idêntico mas atrás bem mais estreito. Também não traz as pegas para o pendura nem grelha para bagagens. A parte de trás da moto vem “limpinha”.

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A AT no seu habitat!

Também as suspensões electrónicas não fazem parte do menú. Nem os punhos aquecidos ou a tomada 12V. Jantes raiadas para pneus normais e, no total, menos 12kg relativamente à AS….em suma, está claramente vincada a vocação desta versão da Africa Twin: destina-se aqueles para quem o offroad tem um peso significativo na sua utilização.

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A desfrutar de uma nova experiência…

A moto tinha pneus adequado à utilização “no mato”: Continental Twinduro. Segundo as especificações 40%-60% (road/offroad). E aqui tenho que dizer que a condução em terra não é a minha praia…nem o meu campo, a minha montanha, ou o que for. A experiência é mínima nestas condições pelo que a cautela era muita. Não interessava amachucar o chassis (nem da moto nem do condutor!).

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Como melhorar a paisagem com uma Africa Twin…

Ainda assim, em estrada de terra batida esburacada, com bastantes poças de agua e num ou noutro troço com lama, nunca senti qualquer incómodo ou sequer o vislumbre de um susto. Claramente os meus limites surgiram muito, muito antes dos da moto. Mas não poderia ficar sem deixar aqui o registo.

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À procura dos limites…

A moto tinha caixa manual, sem nada a apontar. As suspensões funcionaram com distinção nunca a moto perdendo a compostura na passagem dos obstáculos que enfrentei. Muito maneável (atendendo à dimensão), com boa brecagem e o novo formato do banco é certamente muito bem recebido por quem quiser trazer esta máquina para os montes e vales.

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CRF1100L Africa Twin!

Conclusão

Uma característica comum à generalidade das motos fabricadas pela Honda é a sua qualidade geral, a fiabilidade reconhecida, a inovação e….por quase nunca ganharem os comparativos das revistas da especialidade. Porquê? Simplesmente porque são muito equilibradas nos diferentes vectores de avaliação mas raramente se destacando num deles. São motos globalmente…muito boas.

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A nova Africa Twin não fugirá a esta regra. É uma excelente moto que agora apresenta um novo posicionamento no mercado, segmentando claramente este e oferecendo 2 produtos que na essência são o mesmo mas que depois, completamente “revestidos” se destinam a tipologias de utilizadores diferentes. Sem perderem muita da polivalência anterior apontam agora a horizontes mais vastos: conquistar o mercado a quem já nele está há mais tempo ou com características mais específicas (vocês percebem onde eu quero chegar…).

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Mas, se atrás tentei  perceber qual a estratégia da Honda até ao presente, mal seria se não tentasse antecipar o que aí poderá vir…num exercício de pura futurologia!

Ao aproximar a nova Africa Twin às Big Trail existentes, mas sem ainda se equivaler no binómio cilindrada/potência, a Honda deixa espaço para no futuro atacar o mercado segundo 2 vectores. Assim qual a minha previsão:

  • em 2021, possível surgimento de uma “mini” Africa Twin. Com cilindrada a rondar os 850cc, potência na casa dos 90cv e preços a rondar os 12 mil euros. Já apareceram por aí uns desenhos… e se calhar essa será a surpresa para o próximo outono – a CRF850L Africa Twin. O mesmo ar de família, num conjunto mais pequeno e mais acessível;
  • em 2022, julgo ser prematuro o “crescimento” da actual CRF110L. Assim, deverão surgir os primeiros melhoramentos das actuais versões e eventualmente com o lançamentos de uma ou outra característica inovadora já a preparar o caminho para 2024;
  • em 2023, aperfeiçoamento da “mini Africa Twin” com a inclusão de algumas especificidades até aí exclusivas da mana grande;
  • em 2024 então sim, uma nova Africa Twin de grande cilindrada – 1200? – para combater directamente e com as mesmas armas a concorrência e chegar ao número 1 do mercado. A retaguarda da gama está assegurada….

Será que o mercado até 2024 evolui como até aqui? Ou surgirão novas tendências e o caminho que actualmente parece ser o de termos máquinas de maior capacidade e potência, claramente apontadas às longas viagens sem dissociar um outro aspecto fundamental nas vendas, que é a imagem e o status, afinal não é este? Qual será então? Cá estaremos para ver!

Para terminar, o necessário e obrigatório agradecimento à Honda Portugal que me permitiu utilizar as duas versões da nova Africa Twin e assim poder partilhar convosco estas impressões. Que vos sejam úteis é o meu desejo.

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 Boas curvas!

A Royal Enfield a caminho das planuras alentejanas

Para uma travessia da planície alentejana em época de canícula nada como uma calma e carismática Royal Enfield Himalayan.

De Lisboa a Alcácer do Sal

A companhia desta viagem foi uma Royal Enfield Himalayan na sua versão Adventure, gentilmente cedida pelo representante nacional.

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Saido manhã cedo rumo a sul, a primeira paragem foi em Alcácer do Sal, local propositadamente escolhido para o cafézinho matinal. A marginal que bordeja o Rio Sado e com vista privilegiada para a ponte metálica que o atravessa, está hoje ocupada por diversas esplanadas que o sol ilumina e aquece.

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Distante pouco mais de 90 quilómetros de Lisboa, é a porta de entrada no Alentejo e o local onde a estrada, que no limite nos transporta até ao Algarve, definitivamente assume o rumo a Sul.

Conhecer Alcácer do Sal – um pouco de História

Cheguei lá cerca de uma hora depois. Muito menos tempo do que demorou a conquista definitiva deste território aos Mouros, depois de Lisboa ter caído às mãos de D. Afonso Henriques em 1147. A primeira conquista ocorreu em 1158, mas não foi definitiva. Só bastante mais tarde, em 1217, Alcácer do Sal ficou na posse dos cristãos. 70 anos depois. Eram outros tempos mas a dificuldade denota também a importância estratégica de Alcácer.

Tendo sido fundada antes de 1.000 a.C. (existem vestígios de presença pré-histórica nas suas imediações) pelos Fenícios, a sua importância já denotava a grande riqueza de então: chamaram-lhe Bevipo e o sal era a principal produção da região. Acresce que a navegabilidade do Rio Sado, era propícia ao acolhimento dos barcos que faziam o comércio à época, com a segurança de um porto interior mais protegido das intempéries e da pirataria. A região exportava sal (as margens do rio que ainda retinham o sal das águas oceânicas oriundas da foz, cerca de 40 quilómetros a jusante), peixe salgado e ainda cavalos que seriam abundantes nestas zonas de lezíria.

Com a conquista romana, no início da era Cristã, a sua denominação alterar-se-ia para Salácia. A posição estratégica, pela via marítima e também por ser já na época um ponto de passagem dos que vindos de sul demandavam a aproximação ao estuário do Tejo e a Lisboa, deram-lhe a notoriedade e a importância que é testemunhada pelo facto de os seus habitantes terem o privilégio de ser considerados Cidadãos de Roma.

Mais tarde e já depois da passagem dos Visigodos que substituiram o Império Romano, Salácia é tomada pelos Mouros em 715, no seu avanço pela Península Ibérica. A povoação passará a chamar-se Qasr Abu Danis e nela é construída importante fortaleza (Al-Qasr, fortaleza ou povoação fortificada em árabe). Era a capital da província de Al-Kassr. Daqui terá saído certamente a origem da sua actual designação: Alcácer do Sal, pela associação da sua importante fortificação à principal riqueza da região.

Já vimos que a reconquista cristã foi dificil e apenas em 1217, defintivamente concretizada.

De então para cá, a sua posição estratégica manteve-se relevante e apenas no século XIX a sua principal riqueza, o sal, foi substituído pelo cultivo do arroz, existindo no concelho os maiores arrozais da Europa. Aliás, o concelho de Alcácer do Sal é o segundo mais extenso de Portugal.

Mais actualmente, outra das suas riquezas é a produção de pinhão. Portugal produz cerca de 15% da produção mundial e a região alcacerense é predominante no conjunto do País.

Foi em Alcácer do Sal que em 1502 nasceu Pedro Nunes (sim, aquele que deu nome ao liceu em Lisboa) célebre matemático, tendo-se celebrizado pela invenção do nónio. E que seria fundamental para o posterior desenvolvimento de instrumentos de navegação, como o sextante, que seriam essenciais na época dos Descobrimentos e da exploração maritíma.

Já no início do século XX, em 1902, nasceu João Branco Núncio, distinto cavaleiro tauromático e proprietário rural da zona, evidenciando também a componente agrícola desta primeira região do litoral alentejano.

Descrita a história desta agora cidade alentejana, era tempo de rumar a sul e atravessar um grande ex-libris de Alcácer do Sal: a sua ponte metálica, inaugurada em 1945.

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Com características originais, o seu tramo central erguia-se verticalmente para permitir a passagem de barcos à vela que transportavam cereais – trigo e arroz principalmente. E era também o local de desespero de muitos, que indo ou vindo do Algarve, aí encontravam filas de trânsito homéricas! Naturalmente, antes da construção da auto-estrada (a montante) e da variante com uma nova ponte, a jusante.

Actualmente, e depois de obras de restauro e recuperação, a ponte recuperou este tramo levadiço que permite a passagem novamente de barcos à vela, mas agora com carácter exclusivamente turístico.

Himalayan – as primeiras impressões

Até aqui, a minha companheira, uma Royal Enfield Himalayan Adventure cumpriu face às expectativas.

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Não se trata de uma moto cujas caracteristícas estradistas sejam as ideias para grandes viagens feitas a ritmos mais elevados. Na realidade, para uma velocidade de ponta que pouco passará dos 120km/h, manter um cruzeiro pelas estradas nacionais, na casa dos limites legais e com bastante trânsito de e para o Algarve, obriga-nos a prudência acrescida nas ultrapassagens pois são obviamente algo longas.

Por outro lado, o conforto em andamento com uma suspensão que bem absorve as irregularidades de asfaltos mal mantidos e o ritmo pacato faz com que as viagens sejam calmas e relaxadas.

Não haja dúvidas de uma coisa: chega onde outras mais dotadas de cavalos chegam! E se a estrada ficar um pouco mais revirada…acaba por se tornar divertida.

Todavia não esqueçamos algo: Esta é uma moto pacata, cujo objectivo é dar-nos o retorno do investimento feito na sua aquisição. Não lhe exijamos mais do que é suposto e garanto…dar-nos-á mais do que à partida esperaríamos.

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Agora sigamos, rumo a outra terra, também ancestral, identicamente velho porto de rio e com ainda mais forte presença do passado mourisco: Mértola!

De Alcácer do Sal a Mértola

À beira do Sado, cafézinho despachado. Fotos idem. A caminho!

Saído de Alcácer rumo a sul pelo IC1, tomei a “antiga” Estrada do Algarve” precursora da mais recente auto-estrada e durante tantos e tantos anos o calvário daqueles que a percorriam a caminho ou no regresso das férias veraneantes.

Passei a Grândola da minha infância e pouco depois do Canal Caveira, outrora paragem obrigatória para os devotos do Cozido à Portuguesa, virei para o IP8 a caminho de Beja. Seguramente a capital de distrito mais mal servida no que a acessos se refere. A estrada é a mesma de há tanto tempo, apenas com um tapete asfáltico melhorzinho e alguns arrebiques na sinalização.

Beja percorre-se pela circular que a contorna até à viragem à direita para um pouco do IP2 e depois, finalmente a EN122 que me deixaria em Mértola.

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E a Royal Enfield?

A Himalayan continua sem quaisquer queixas a palmilhar os quilómetros, com a calma que a caracteriza.

Se em vias onde o cumprimento dos limites de velocidade é “mais optimista” se sentem as suas limitações nas ultrapassagens (e se a estrada for ligeiramente a subir, ainda mais), quando a estrada se torna mais estreita, sinuosa e com piso mais irregular, a minha companheira está como peixe na água!

A potência e o binário, que são escassos face à aparência da moto – cerca de 25cv de potência e 32Nm de binário originados pelo monocilíndrico de 411cc. – são aqui mais do que suficientes para garantir uma boa velocidade de cruzeiro e, acima de tudo com o maior conforto. Sim! A Himalayan é bastante confortável em viagem. E a posição do guiador permite com a maior das facilidades conduzir de pé. O que é bom para o offroad mas também para, de vez em quando, “esticarmos as pernas”.

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E assim cheguei a Mértola. A aproximação teve um aperitivo de algumas curvas em sobe e desce até à descida final para o centro da vila. Aqui, o indicador de combustível aproximava-se da reserva e, por prudência, nada como reatestar. Pouco mais de 8 litros e uma média desde Lisboa de 3,76 l/100km parece-me francamente positiva, considerando que a viagem foi feita sempre em regime rapidinho e com bastante calor.

Em Mértola

Mértola será a povoação portuguesa onde melhor está preservada a herança da ocupação muçulmana, não deixando de estar disponíveis aos visitantes, imensos vestígios de todos os povos que por aqui passaram e deixaram a sua marca indelével.

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A preservação deste património tem sido desde há algum tempo, um missão levada a bom porto sendo hoje e com inteira justiça, uma vila monumental.

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Por outro lado, para aqueles que não dispensam algum lazer, as margens do Guadiana proporcionam as condições para uma saudável pratica de desportos náuticos. E seguramente, que o facto de também ser protagonista da cultura alentejana, patente na gastronomia e nos costumes, lhe dá um cunho ainda mais atractivo.

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Tal como Alcácer do Sal, Mértola foi também fundada pelos Fenícios, para lá das evidências de algum povoamento pré-histórico. E a sua importância era tal que a consideravam o último porto do Mediterrâneo a Ocidente. O último antes das águas mais agrestes da imensidão do Oceano Atlântico.

As semelhanças não terminam aqui, pelo contrário. Situada na margem direita do Guadiana, a navegabilidade deste rio fez com que fosse, também, um importante entreposto comercial naquela época (a questão da segurança face às intempéries e a ataques de pirataria) e nas eras vindouras.

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De destacar que o efeito das marés no Rio Guadiana ainda se faz sentir em Mértola, cerca de 70km a montante da foz em Vila Real de Santo António. Por outro lado a sua localização no cimo de um monte que dum lado tem o já referido Guadiana e do outro a Ribeira de Oeiras (que desagua naquele logo a seguir), dá-lhe um carácter de fortaleza quase inexpugnável. E certamente ao longo da sua história essa configuração prestou um tributo de segurança aos seus habitantes.

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Depois dos Fenícios. Os Romanos denominaram-na por Mírtilis Júlia aquando da ocupação da Península. Sucederam-lhes os Visigodos e depois, como na maioria da Península, a ocupação mourisca. Chamaram-lhe Martulá e foi de tal forma importante que era a capital de um pequeno emirado islâmico independente: a Taifa de Mértola. Importante na correlação de forças e nas alianças que sucessivamente se foram gerando, nomeadamente quando foi necessário fazer face aos esforços dos Cristãos na reconquista do território.

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E foi em 1238, no reinado de D.Sancho II que finalmente Mértola passa a fazer parte do território do então já quase centenário Reino de Portugal.

Em meados do século XIX e até quase ao final do século XX, o concelho conheceu uma nova fase de grande prosperidade. As minas de S. Domingos foram o motor dessa nova riqueza. E é para lá que irei a seguir!

De Mértola às Minas de S. Domingos

Desde tempos imemoriais que é conhecida a riqueza mineral de vastas regiões do Alentejo. No caso do seu extremo mais raiano, a zona onde se situam as Minas de S. Domingos, desde a época dos Fenícios e dos Cartagineses que a actividade de extracção de minério está bem presente. Tal como sucedeu na época da ocupação romana. O objectivo era a extracção de ouro, prata e cobre, minerais nobres que entram na composição das pirites.

A exploração mineira a nível industrial inicia-se em 1858 e vai ser contínua até 1965, altura em que o veio piritoso se esgota, deixando a mina de ser viável. E com ela também toda a vida que girava em torno de uma exploração à época de grande dimensão. Basta referir que a exploração a céu aberto se prolongou até aos 120 metros de profundidade, prosseguindo depois de forma subterrânea, através da construção de poços e galerias até cerca dos 400 metros.

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Estima-se que tenham sido extraídos 25 milhões de toneladas de minério ao longo dos mais de 100 anos de exploração. Foram durante muitos anos, a maior exploração mineira em território nacional.

As Minas de S. Domingos distam cerca de 17km de Mértola.

A estrada, apesar de estreita, está em bom estado (e à saída de Mértola até tem uns quilómetros sinuosos com umas sequências de curvas engraçadas) e rapidamente nos leva ao destino. E qual não é a surpresa! A primeira visão é a de uma paradisíaca praia fluvial situado no meio do montado tipicamente alentejano.

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Esta praia – Praia Fluvial da Tapada Grande – resulta de um açude e da sua albufeira. É a maior de duas albufeiras de água doce criadas pela empresa Mason & Barry durante o século XIX, para fornecer água para o processamento de minerais de baixo teor pela via húmida. É praia fluvial desde Junho de 2000.

Actualmente serve e bem para deleite dos muitos que a procuram, principalmente quando a típica canícula alentejana ataca. E a este respeito é de referir que mais à frente no nosso trajecto, o termómetro atingiu neste dia os 46º!

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Um pouco adiante está a povoação. Criada para albergar os trabalhadores das minas, suas famílias e todas as infraestruturas necessárias à indústria de exploração da mina. E também todos os equipamentos sociais necessários.

Convém referir que Minas de S. Domingos foi a primeira aldeia portuguesa servida por energia eléctrica. Bem como a assistência médica e sanitária que consta ter sido de referência. E foi também aqui que foi inaugurada a primeira via férrea em território nacional: na extensão de 17km unia a zona da extracção com o porto fluvial do Pomarão (onde irei de seguida…).

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Nela chegaram a habitar 10.000 pessoas, dos quais um terço seriam trabalhadores da Mina. Hoje, poucos mais serão que meio milhar… envelhecidos e tristes pela saudade da agitação e da vida de outros tempos. Mesmo que a esta fosse dura, muito dura!

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Na Mina de S. Domingos foi também construída a primeira central eléctrica do Alentejo, era detentora de um palácio, um posto de policia, um cemitério anglicano, várias colectividades com intensa dinâmica cultural, um campo de jogos e até o seu próprio clube de futebol.

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O minério extraído, depois de separado, ia consoante as suas características, por via férrea para o Centro de Britagem da Moitinha, para a Fábrica de Enxofre da Achada do Gamo ou, finalmente, para o Pomarão. E este porto fluvial, foi desde sempre uma vantagem comparativa importante pela facilidade de escoamento graças à navegabilidade do Rio Guadiana.

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Quando nos embrenhamos pelas ruas da aldeia, cujo casario é repetidamente igual, será inevitável depararmo-nos com a gigantesca cratera – a Corta – resultante da extracção mineira efectuada em socalcos e em profundidade. Cujo fundo não se alcança por estar completamente inundada pela elevação do nivel freático. As margens assumem diversas tonalidades cromáticas, devidas certamente aos diferentes componentes que contaminam estes solos, até ao plano de água. Água será força de expressão, porque também esta está altamente contaminada e com elevados níveis de toxicidade.

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Duas últimas palavras sobre as Minas de S. Domingos: são um património riquíssimo de um passado ainda recente, quer pela possibilidade de vermos como era extraída esta riqueza do sub-solo alentejano, quer principalmente para percebermos as condições de vida e a dureza extrema de quem nelas trabalhava. O Centro de Documentação e a Casa do Mineiro funcionam num conjunto de quatro antigos alojamentos de operários da mina e são elementos fundamentais para percebermos hoje, o que foi ao longo de mais de um século, a vida desta comunidade e a própria evolução da exploração mineira nestes confins do Alentejo. Uma visita que se impõe!

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Daqui, era obrigatório visitar o ponto final da fileira de extracção do minério (no que a S. Domingos concerne): o porto fluvial do Pomarão, distante apenas 17 quilómetros.

 Finalmente, até ao Pomarão

A estrada, no meio da planície a perder de vista, cenário típico do Alentejo profundo, reservava ainda uma surpresa: no exacto momento em que o odómetro marcava os 3.333,3 km, o termómetro andava pelos 44ºC. Arranquei e logo a seguir…45º. Dois ou três quilómetros adiante… 46º!!! Um ovo no topo do capacete…e estrelava! Felizmente, depois estabilizou…nos 45º! …É Alentejo. É Agosto.

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Recordava-me de anterior visita que a paisagem remetia para outras paragens mais verdejantes e setentrionais – quiçá um certo vale do Danúbio….se formos optimistas! Outra época certamente, pois no pino do Verão predominam por aqui as cores da terra, diversos cambiantes do mesmo castanho, a que algum arvoredo não retira certa monotonia. Ainda assim, a abordagem “cá de cima”, que surge repentinamente ao virar de uma curva da estrada em que sinal rodoviário nos alerta para uma descida a 10% de inclinação, não deixa de nos mostrar a beleza do Guadiana que aqui reinicia o seu trajecto internacional (até à foz, quilómetros abaixo em Vila Real de Santo António).

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Da anterior azáfama, resta apenas algum casario e as ruínas do cais de descarga do minério.

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Nos últimos quilómetros que me trouxeram até ao Pomarão foi possível ver partes do trajecto da antiga linha férrea, a primeira em Portugal, mas já desapossada dos carris e travessas que lhe davam corpo. Quanto à vista…a curva do rio, tranquilo, é ainda assim deslumbrante.

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No Pomarão pode ainda ver-se a ponte em que na outra margem é território espanhol (e as diferenças logo visíveis no estado da estrada…) bem como o paredão da Barragem do Chança (afluente do Guadiana).

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E estava feita a visita.

De volta a Mértola e um veredicto sobre a Himalayan

O regresso a Mértola e o final desta parte do périplo alentejano com a Royal Enfield Himalayan versão Adventure. E que bem lhe fica esta designação.

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É nestas estradas que ela se sente verdadeiramente à vontade. O monocilíndrico que não “transpira” cavalos chega e sobra para mantermos o ritmo adequado às estradas percorridas, com segurança e conforto.

Esta versão vem equipada com caixas laterais que levam mais do que aparentam. Efectivamente se os 26 litros de cada uma e o formato não permitem alojar um capacete (que seria útil principalmente em utilização diária e citadina), têm ainda assim a capacidade de fornecer bastante arrumação (e com um saco na garupa, vamos em frente pelo tempo/distância que quisermos!).

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Já anteriormente comentei que esta moto não tem por vocação trajectos em auto estrada ou em estradas cuja velocidade de circulação ande por cima dos limites legais (as ultrapassagens são algo longas), mas quando tomamos estradas mais estreitas, sinuosas e com pisos irregulares, aí sim! Ela está no seu meio. E, se numa qualquer curva da estrada precisarmos de arriscar um percurso off road que nos transporte a um daqueles “locais secretos” que tanto apreciamos, não há que hesitar. A Himalayan continua no seu meio.

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O regresso  pela Estrada Nacional 2

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A palavra regresso no título tem duplo sentido: em primeiro lugar porque é o regresso a casa depois deste périplo por terras do Sul com a Himalayan Adventurer; em segundo lugar, porque é o regresso a onde verdadeiramente começou o Viagens ao Virar da Esquina: a EN2.

Desta feita, a Nacional 2 será percorrida apenas até ao Torrão (depois “faço agulha” a Alcácer do Sal e Lisboa). Mas será a oportunidade para rever as 365 curvas da Serra do Caldeirão, agora em sentido contrário ao que fiz em Abril de 2018, de Sul para Norte.

E a viagem começou no final! Sim, no final da EN2, se considerarmos que em Faro se situa o km 738 – no marco quilométrico – ou 738,5 – nas placas que indicam o rumo a Chaves (de salientar que por duas vezes já as tinha procurado e não tinha encontrado; desta feita, fiz o trabalho de casa e fui lá direitinho!).

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Rumo a Norte, pouco depois da saída da capital algarvia, uma pequena povoação com um nome curioso: Coiro da Burra! Nada mais correcto…era no “coiro” da “burra” – a Himalayan – que iria fazer a tirada de cerca de 280km até Lisboa.

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Já referi anteriormente algumas das características desta moto, nomeadamente o facto de ser humildemente potente mas honestamente consistente. Na realidade, a Serra do Caldeirão não tem inclinações pronunciadas onde se poderia fazer sentir alguma falta de energia. Pelo contrário, a estrada flui ao ritmo de curva e contra-curva subindo ou descendo, mas sempre em ritmo turístico, pois essa é mesmo a sua vocação. A Royal Enfield é uma moto utilitária, não uma máquina de corridas infestada de cavalos. Cumpre a sua vocação e diria que o faz muitíssimo bem!

Foi assim, em ritmo turístico, desfrutando da paisagem que nesta época – Agosto com temperaturas a rondar os 40º – é algo árida e seca que segui viagem. Noutras estações terá maior beleza sem dúvida, mas a EN2 está lá sempre à nossa disposição.

A primeira paragem para a foto da praxe foi no cruzamento com a EN124 em Barranco do Velho. Momento de nostalgia pois lá passei também a 25 de Abril de 2018 quando percorri a EN2 com dois fiéis amigos e companheiros e, um ano depois, precisamente na mesma data e quase à mesma hora, quando fiz a EN124 (que recomendo vivamente).

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Depois, um pouco mais à frente, desfrutei da amplitude que a vista do miradouro da Serra do Caldeirão nos permite alcançar. Tempo para fotos, para descansar…e meditar, para quem for de meditações. Como não é o caso, segui viagem!

Adiante, uma magnifica e antiga Casa de Cantoneiros (da época em que ainda existia esta profissão e uns senhores cuidavam da estrada numa lógica de proximidade…alguém falou em descentralização?). Pois bem, há ano e meio estava em mau estado. Agora, provavelmente foi adquirida e está em fase de recuperação, mas para uso privado, claro. A casa é bonita e vale a pena que alguém a mantenha, até porque foi construída em 1937…

No Ameixial, paragem obrigatória no monumento aos Camionistas da EN2. De facto, quando esta era uma das vias principais de entrada no Algarve (a principal diria eu, porque se dirige à capital algarvia) e não havia AEs, IPs, ICs e outras que tais, fazer estas 365 curvinhas agarrado ao volante e com umas toneladas atrás não seria petisco simpático… Justa homenagem, portanto.

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E pronto, quase a chegar a Almodôvar, a Serra estava feita. Aproveitei um recanto para um breve descanso e petiscar o farnel, pois a viagem ainda nem sequer estava a meio!

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3 quilómetros à frente, a vila de Almodôvar, que à entrada tem uma espectacular estátua, feita com uma amálgama de peças metálicas e que simboliza a dura vida dos mineiros da região. Bonita homenagem, sem dúvida.

Breve paragem para um café e meia de conversa…que isto de andar de moto tem essa característica: há sempre alguém que nos aborda com uma palavra ou um comentário. Onde quer que estejamos, fazemos parte dessa história.

A partir daqui, sempre a andar: Castro Verde, Aljustrel, Ervidel, Ferreira do Alentejo, Odivelas foram-se sucedendo, em ritmo ligeiro. Até porque não lembra a ninguém andar a mais de cento e vin….perdão, 90 km/hora, naquelas rectas planas e desertas do Baixo Alentejo.

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E assim cheguei ao Torrão. Desta vez, a EN2 ficava por aqui…mas deu para matar saudades!

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Em direcção a Alcácer do Sal, breve desvio até à barragem de Vale de Gaio…para constatar que a água escasseia naquela albufeira. Vivemos tempos de seca…

Há muito que a temperatura indicava 40º ou mais ainda. Assim, nada como uma paragem em Alcácer para saborear um gelado e animar para os restantes 80km que ainda faltavam. A marginal desta cidade alentejana, à beira Sado, dá-nos um enquadramento de tranquilidade que é sempre agradável.

Ao parar, junto a um grupo de motos, logo 2 companheiros se acercaram com curiosidade sobre a Himalayan. Na realidade, não foi caso único ao longo destes dias. A moto suscita curiosidade! E isso é bom. Significa que a Royal Enfield fez um bom trabalho.

Esses companheiros, nortenhos de Gondomar, tinham feito a EN2 e regressavam agora a casa. Por etapas. E espero que o almoço do dia seguinte que já estava apalavrado para a Mealhada tenha cumprido as expectativas!

Meia horita de confraternização motard e ….até Lisboa!

O resto da viagem não teve história. A EN5 é daquelas estradas em que a Himalayan deve ser conduzida com alguma atenção. A velocidade dos automóveis anda com frequência no limite legal ou até um pouco acima, o que dificulta as ultrapassagens e as torna algo compridas. A fazer com cuidado e calma.

Aliás, calma deverá ser o nome do meio desta moto, que proporciona viagens confortáveis, sem o stress das grandes velocidades, a desfrutar da paisagem. Garanto, fazem-se tiradas de 300 ou 350km e no final, algum cansaço natural mas não ficamos nem moídos nem partidos, prontinhos para no dia seguinte voltar a repetir a dose.

Terminada a história da Royal Enfield Himalayan Adventurer pelas planuras alentejanas, fica apenas por contar a apreciação desta experiência de condução de uma moto do mais antigo construtor mundial em produção contínua! E com uma surpresa…ou será um bónus?

Final – A Royal Enfield Himalayan Adventurer, fiel companheira desta jornada

Os anglo-saxónicos gostam de reduzir e simplificar conceitos e conclusões através de acrónimos. No caso desta Himalayan, eu sugiro o seguinte:

WYGIWYP – and more!!! (“uiguiuip” soa bem…)
(What you get is what you pay – and more!!!)

Esta versão custa pouco mais de 5.000 euros. Uma trail, equipada com barras de protecção e, principalmente, um conjunto de malas perfeitamente integrado com a capacidade de 26l cada uma. São relativamente estreitas (não permitem guardar um capacete mas são suficientemente profundas para armazenar muita tralha…) o que é uma vantagem em utilização citadina.

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O monocilindrico motor de 411cc com 25cv de potência e 32Nm de binário dá o que tem. E é mais do que pode parecer. A velocidade máxima rondará os 130km/h com o redline às 6.500rpm (uma nota curiosa: o velocímetro tem um desvio mínimo portanto cuidado com os excessos…quase não há folga).

Ou seja, temos motor para cumprir os limites legais. Mas em estradas em que a circulação se faça junto ao limite dos 90km/h devemos ter atenção porque as ultrapassagens serão longas, já que estamos perto da velocidade de ponta e as recuperações não são rápidas.É questão de hábito.

Por tudo isto, qualquer viagem nunca será para malta apressadinha. Mas será uma delicia para quem gosta de percorrer as estradas nacionais em ritmo turístico e desfrutar de tudo o que nos oferecem. Inclusivamente naqueles segmentos mais revirados, conseguimos ter alguma diversão porque a moto é estável e a ciclística adequada. Poderemos ter que trabalhar com a caixa de velocidades, é certo…mas é para isso que ela lá está!

Em estrada, com andamentos bem rápidos (dentro do que atrás referi, claro) e substancial calor, a média de consumo ultrapassou ligeiramente os 3,6 l/100. Com andamentos mais calmos e tranquilos, admito que aquele valor se reduza ainda umas décimas.

Referi atrás que pertence à classe das trails. Com as vantagens e defeitos inerentes.

Em primeiro lugar, em offroad mostra boa aptidão para uma condução divertida. A roda 21” à frente garante a direccionalidade adequada e a capacidade de superar os obstáculos, a suspensão com bom curso e bastante macia, absorve as irregularidades do terreno e proporciona conforto. A posição do guiador permite-nos conduzir de pé com grande facilidade. Ou seja, é sempre possível fugir para aquele estradão que nos leva ao tal “recanto secreto”, sem qualquer receio. Ela chega lá!

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No entanto, pareceu-me que a distância ao solo é relativamente pequena. A moto (pelo menos esta que me acompanhou) é baixa e isso levanta dois problemas: nas curvas em asfalto com mais “balda”, a pezeira raspa com facilidade no alcatrão. Com facilidade a mais… E por outro lado, temos que ter algum cuidado quando a colocamos no descanso lateral pois fica demasiado vertical (e nalguns casos invalida o estacionamento!). Admito todavia que um apuro de afinação da suspensão traseira possa melhorar esta situação.

Por falar nas suspensões, merece referência a capacidade de absorver as irregularidades de asfaltos mal mantidos, o que se traduz numa condução confortável e em menor fadiga ao fim de uma longa jornada. É possível fazer cerca de 350km sem que o corpo se queixe…e no dia seguinte estaremos preparados para repetir a dose. E como a velocidade é pacata, serão sempre viagens calmas e relaxadas.

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Relativamente à ergonomia, o guiador tem a largura e a posição correctas, as mãos “caem” naturalmente nos punhos. Já as pernas vão relativamente flectidas (a tal questão da moto estar baixa…e 1,82 de altura do motociclista!). Compensei esta situação com alguns momentos de condução em pé para “esticar as pernas” e tudo bem!

Também não foi surpresa alguma perturbação aerodinâmica na zona dos ombros. É normal neste tipo de moto. E devo referir que não senti necessidade de colocar o écran na posição superior (possível mas com recurso a ferramentas)

A estética desta moto sugere alguma rusticidade. E isso não é defeito! Uma trail não é moto de cidade por definição. E as linhas “vintage” dão-lhe um charme muito próprio, que pude constatar pois várias foram as vezes em que fui interpelado sobre a moto. Também a pintura em concreto, o esquema cromático em diversos tons de cinzento, acentuam o tal carácter “rústico” quase como se fosse uma camuflagem…

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E já que falamos de questões estéticas, merece destaque o painel de instrumentos. Completamente clássico, com velocímetro e conta rotações analógicos e a curiosidade de ter uma pequena bússola digital (engraçado…mas na era do GPS…talvez fosse preferível ter um termómetro da temperatura do motor, digo eu…). Mas que o painel é giro, é! E à noite ainda mais…

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No que se refere à mecânica…se a embraiagem prima pela suavidade, já a caixa – de 5 velocidades – está longe de ser referencial (também não se esperaria que o fosse), mas estou certo que a sua fiabilidade não nos deixará ficar mal.

Os travões, também, não são exemplares. O travão dianteiro (apenas 1 disco e é suficiente) exige alguma força para sentirmos a sua “mordedura” (o que resulta estranho para quem está habituado a travar apenas com o dedo indicador…mas isso é defeito meu!) e o traseiro, é algo esponjoso. Mas trava! Só precisamos de nos habituar…

Os motores monocilindricos transmitem mais vibrações ao chassis. Isso é sabido e também aqui sucede. Mas quando atingimos as 5.000rpm (cerca de 100km/h em 5ª velocidade – a caixa é de 5) sentimos uma vibração na zona do cóccix que se torna desagradável e pode levar a alguma dormência nesta zona do corpo, mas que depois tende a amenizar se subirmos ligeiramente de rotação.

Não desdenharia voltar a fazer a Estrada Nacional 2 nesta Royal Enfield Himalayan!

Porquê?

Porque tem a velocidade ideal para garantir que desfrutamos das paisagens e de tudo o que a nossa vista pode alcançar. Porque é confortável para assegurar que chegamos ao final de cada etapa em excelentes condições para o convívio de fim de dia. Porque não se nega a fazer qualquer tipo de percurso ou de piso. Porque carrega com facilidade a bagagem necessária.

E porque não dá chatices!

E porque é económica!!! Uma média abaixo dos 4 litros aos 100, numa moto com estas características é um factor a considerar. Repito, a Himalayan tem as características ideais para este tipo de viagens…e por um preço à volta dos 5.000€, julgo que dará que pensar! Eu disse 5 mil euros….

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A Royal Enfield diz que a Himalayan é “the only motorcycle you will ever need”.

Não garanto que assim seja se formos mais ambiciosos, como por exemplo se quisermos atravessar o país vizinho numa tirada directa para chegar mais depressa à Europa. E daí partirmos à conquista de outros objectivos…

Será que uma futura Himalayan com o bicilíndrico de 650cc e 47 cavalos seria o ideal?

Foi a resposta a esta questão que procurámos!

E foi aqui que experimentámos a Interceptor 650 Twin

Terminado o périplo alentejano (com um cheirinho de Algarve também) tivemos a oportunidade de dar uma pequena volta na Royal Enfield Interceptor 650.

É obviamente uma moto completamente diferente. Com um look retro fantástico. E sendo os gostos subjectivos, arrisco dizer que “…a moto é linda!”

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Quanto ao motor, que era a questão a resolver, é um seis e meio bicilindrico com 47cv. E isso faz toda a diferença. Menos vibrações, quase o dobro dos cavalos, mais binário, melhores travões, suspensões ajustadas….parece-me que com um preço adequado – por baixo dos 7.000€ – seria um competidor feroz. E julgo que a ciclística da actual Himalayan, com algum retoque, poderia servir a contento!

Este motor de 650cc, não sendo nenhum foguete, longe disso, já mexe. Já se sente algum empurrão da potência e, principalmente, maior rapidez de reacções, nomeadamente nas recuperações.

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Sabendo-se que o lançamento de novos modelos por parte da Royal Enfield não se caracteriza pela rapidez, pode ser que dentro de algum tempo algo possa surgir.

Esperaremos sentados…para ver!

Last but not the least

  • A Royal Enfield Himalayan Adventurer que me levou por estas estradas alentejanas e também algarvias, foi gentilmente cedida pela Royal Enfield Portugal.

 –     A Royal Enfield Interceptor 650 que pude experimentar num breve test-drive, foi cedida pela Zemarks, o concessionário da marca para a região de Lisboa e que se situa em Massamá. Sugiro que façam uma visita e ficarão bem surpreendidos…

A ambos o meu sincero agradecimento pela disponibilidade e simpatia!

O que é (Estrada) Nacional é bom!

O título soa a cliché mas o aproveitamento da célebre frase publicitária das bolachas e massas revela-se aqui bem verdadeiro.

A paixão assolapada pelo asfalto de um número significativo dos governantes das últimas décadas levou-os a plantar por todo o território dezenas de auto-estradas. Como as estradas que antigamente “faziam o serviço” eram vetustas e construídas debaixo de outros paradigmas, aconteceu aqui um salto qualitativo (na lógica do automóvel, claro) em que passámos de caminhos estreitos, ladeados de árvores e em ritmo de curva e contra-curva para amplas auto-estradas, do melhor que há por esse mundo fora e…regiamente pagas.

As tais estradas, que o Plano Rodoviário de 1945 classificou (e muitas surgiram depois com base nessa lei) como Estradas Nacionais, numerou e apontou origem e destino, foram sendo sucessivamente esquecidas – umas mais que outras em função das necessidades locais. Algumas desclassificadas para Municipais (ou pelo menos a sua conservação ficou na alçada dos municípios) outras “promovidas” a Regionais (sabe-se lá quem manda nelas…).

Mas elas estão aí. Umas mais bem cuidadas que outras. Com mais ou menos trânsito (geralmente menos) ao dispor dos motociclistas que gostam de descobrir o que o País tem para oferecer de mais genuíno e ao mesmo tempo, proporcionar momentos de condução inesquecíveis.

Duas destas estradas povoavam o meu caderno de encargos e por razões diversas:

–  A EN120 que começa em Alcácer do Sal e termina em Lagos, por ser a estrada que atravessa a terra onde vivi até à adolescência e que tem a carga nostálgica de tantas vezes a ter percorrido e

– A EN124 que começa em Portimão e se esgota perto de Alcoutim, atravessando quase todo o interior algarvio, nomeadamente as serranias da zona do barrocal e que há muito tinha a curiosidade de conhecer.

Um convite para ir ao Algarve foi o mote para percorrer estas duas estradas…e mais algumas de bónus!

Dia 1 – Estrada Nacional 120

O dia amanheceu chuvoso (olha a novidade…) e assim permaneceu até cerca de metade da viagem. Nada de relevante e até a proporcionar condições para umas boas fotos ao longo do percurso.

Convém aqui destacar a companheira infatigável para os próximos dias: a Africa Twin DCT (gentilmente cedida pela Honda Portugal) que se veio a revelar uma fantástica máquina para este tipo de percursos com uma polivalência a toda a prova (ver a análise desta experiência aqui).

A primeira paragem foi naturalmente em Alcácer do Sal para marcarmos o início do percurso que me levaria, no final do dia até Lagos. A ponte metálica que une as duas margens do Sado (e que figura nas memórias de muitas gerações que rumavam às paragens algarvias) é o ex-líbris da terra e tem características únicas. Recordando a tipologia de construção “à Eiffel” e inaugurada em 1945, é constituída por 3 tramos dos quais o central é móvel (sobe e desce longitudinalmente) para permitir a passagem de embarcações. Recuperada por alturas de 2007, manteve esta sua característica mas agora com objectivos mais turísticos: para que os galeões do sal característicos da zona possam fazer os seus passeios com os turistas que demandam estas paragens.

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Ponte de Alcácer do Sal

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O início da EN120 com Alcácer em 2º plano

Daqui, parti para os 22km que unem a cidade de Alcácer a Grândola, terra da minha infância e oportunidade para rever um velho amigo. Paragem para café que se prolongou por mais de 2 horas. Tempo suficiente para a intempérie amainar. Estes 22km, outrora a maior recta em Portugal, estavam a ser reasfaltados, obra tão necessária como reclamada há muito mas muito tempo.

De Grândola, rumo a Santiago do Cacém atravessando a Serra a que aquela dá nome. E nada como começar por visitar a Ermida da Srª da Penha, local de romaria grandolense em Domingo de Pascoela e que proporciona uma bela vista para a planície a norte.

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Ermida da Sª da Penha – Vista panorâmica – Lá ao fundo, Grândola

A estrada até Santiago faz-se de forma retorcida cujas curvas ainda perduram na minha memória de tantas vezes a ter feito ao lado dos meus pais. O piso é mediano a recomendar alguma cautela, mas o traçado é a gosto!

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EN120 – Serra de Grândola

Santiago do Cacém passa a correr, apenas o tempo de uma foto e mantenho o rumo a sul.

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Santiago do Cacém

O registo sinuoso continua, agora aproveitando o relevo da Serra do Cercal. Antes da vila do Cercal do Alentejo, na Tanganheira, o primeiro desvio do dia. Não sendo objectivo, seria ainda assim imperdoável não visitar Porto Côvo e vislumbrar a Ilha do Pessegueiro, que conheci muito antes de um tal de Rui Veloso tornar famosos. A paisagem é deliciosa. E os restos do temporal ainda se faziam sentir no mar…

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No Porto Côvo

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Ilha do Pessegueiro

Regressei à EN120 no mesmo ponto e pouco depois passei Cercal do Alentejo. Recordo-me de há muitos anos atrás lá haver uma pastelaria com uns pastéis de nata deliciosos. Fiquei com a recordação, não parei e segui viagem. A partir daqui, a estrada em bom estado, segue num registo mais plano o que não significa que as rectas abundem. Mas tornam-se mais frequentes.

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Casa de Cantoneiros – A caminho de Odeceixe

Passados São Luis, Odemira e São Teotónio, chego a Odeceixe e segundo desvio. A linda praia que leva o nome desta vila aguardava-me para mais uns “bonecos” que o enquadramento paisagístico valoriza.

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Praia de Odeceixe

De novo, regresso à nossa EN120 em Odeceixe. Fica o registo fotográfico junto de um típico moinho altivo e sobranceiro às ruas estreitas e íngremes da vila.

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Odeceixe – Moinho tradicional

Sul era o rumo! E entrámos no Algarve.

Pouco mais abaixo…Aljezur. Terra ancestral, povoada pelos Mouros e conquistada pelos Cristão no Séc. XIII. E 1280 recebe o foral concedido por D. Dinis. Visita ao castelo e oportunidade para testemunhar os efeitos do terramoto de 1755. Na altura, a povoação foi completamente devastada. Então, o Bispo do Algarve, D. Francisco Gomes de Avelar mandou construir a Igreja de Nª. Srª d’Alva num local em frente da antiga vila por forma a que os locais para aí se transferissem e abandonassem os terrenos destruídos nas encostas do Castelo. Assim é possivel hoje vislumbrar os dois aglomerados urbanos que constituem esta vila algarvia.

Daqui, o terceiro e último desvio ao rumo traçado: a praia de Monte Clérigo. Linda!

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Praia de Monte Clérigo

Regresso a Aljezur e à EN120. Pouco à frente o cruzamento que, à direita segue a EN268 até Vila do Bispo e Sagres ou, à esquerda, continua a EN120 rumo a Lagos, atravessando a Serra do Espinhaço de Cão. Por aqui segui.

Esta Serra foi uma agradável surpresa. Recordava-me da má fama de antigamente. Cheia de curvas, estreita…à antiga. Desta vez encontrei uma estrada renovada, mantendo o traçado sinuoso mas com excelente piso, boas bermas e bem sinalizada. Diversão assegurada com curvas muito bem lançadas a possibilitarem uma condução rápida q.b., muito fluída e sempre segura. Muito bom para fim de festa pois Lagos era já ali.

Para um dia que começou molhado, a tarde esteve aprazível…e ainda era muito de dia quando fiz o check in no hotel. Se o objectivo da jornada estava completado, a proximidade do Cabo de S.Vicente era tentadora. Havia tempo para lá ir antes do sol se pôr. E o primeiro e breve contacto com a EN125….autocaravanas e traços contínuos não combinam bem…mas lá cheguei.

As fotos da praxe junto à fortaleza e depois junto ao Cabo…”onde a terra acaba e o mar começa”!

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Fortaleza de Sagres

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Sagres – ao fundo o Cabo de São Vicente

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Farol do Cabo de São Vicente

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Cabo de São Vicente

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Cabo de São Vicente – Farol

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Cabo de São Vicente – Farol

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Cabo de São Vicente

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Cabo de São Vicente

Regresso a Lagos, a hora de jantar estava aí…mas mesmo antes que o sol desaparecesse, uma visita à Ponta da Piedade. Que foi o fecho em beleza deste dia!

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Lagos – Ponta da Piedade

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Lagos – Ponta da Piedade

No dia seguinte….EN124!

Dia 2 – Estrada Nacional 124

Quando falamos em estradas algarvias, logo nos vem à mente a famigerada EN125. Perigosa, congestionada, mais uma via urbana pejada de turistas do que uma verdadeira estrada. Para lá da Via do Infante, uma outra estrada atravessa o Algarve. A EN124 que a partir de Silves toma o rumo Poente-Nascente, vai desaguar perto de Alcoutim e com vistas para o Guadiana. Esse era o objectivo principal deste segundo dia.

Saí de Lagos e até Portimão, uma volta pela Meia-Praia. Depois, mais um pouquinho da EN125 e chegada a Portimão. Que se atravessa rapidamente até à Praia da Rocha. Aqui seria a saída simbólica para a “outra estrada algarvia”: a EN124!

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Praia da Rocha

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Praia da Rocha

A Praia da Rocha, que há muito não visitava, está tão diferente relativamente ao que tinha em memória. Significa que não passava por lá há muito, mesmo muito tempo!

Depois, para norte e à saída de Portimão, aí está a EN124. Que me levaria até Silves, passando porto Porto de Lagos onde inflecti para nascente.

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EN124

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Silves

A seguir, até S. Bartolomeu de Messines onde rapidamente cruzo com a A6 e a antiga “estrada do Algarve” hoje chamada IC1. Até aqui, a estrada em bom estado segue sem grande interesse que não seja a paisagem e algumas pequenas povoações do interior que nada têm a ver com as imagens estereotipadas do Algarve….

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EN124 – Para trás ficou Silves…

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Aqui hesitei! Sigo em frente ou vou directo para a Califórnia?

A partir daqui, mas principalmente depois de Alte, começa a diversão. A Serra do Caldeirão que iria atravessar longitudinalmente estava aí! À espera!

Salir passa rápido e, curvas e contra-curvas sucessivas, chego a um ponto fundamental deste dia: o cruzamento da EN124 com a EN2 no Barranco do Velho.

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Cruzamento da EN124 com a EN2

Com uma nota muito curiosa: fazia precisamente um ano que por lá tinha passado, vindo de Chaves e quase a chegar a Faro, cumprindo os 738,5km da EN2. E mais ainda, praticamente à mesma hora. Celebrada a efeméride…segue viagem!

Se até aqui já tinha havido diversão, a seguir seria um festim até à aldeia do Pereiro onde uma surpresa me aguardava.

Até lá, paisagens deslumbrantes, vistas a perder de vista pelo barrocal algarvio. Estrada sinuosa e muito divertida, com bom piso, tráfego quase inexistente e a Africa Twin a portar-se maravilhosamente. Um regalo!

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Barrocal algarvio

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Barrocal algarvio

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Arqueologia rodoviária…

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Barrocal algarvio

Ao chegar ao Pereiro…uma movimentação estranha e a estrada pejada de gente. Uma feira, daquelas tradicionais, com as inúmeras barracas que vendem desde atoalhados, sapatos, utilidades domésticas ou fatiotas mais ou menos domingueiras, até aos produtos típicos da região e não só – os cheiros dos queijos e enchidos andavam pelo ar – bordejavam a estrada aqui feita rua principal. Até um daqueles vendedores de banha-da-cobra que anunciam aos seus potenciais compradores que “não levam um, não levam dois…mas levam 3 belíssimos cobertores…ou toalhas… ou o que for…”, sempre com inegáveis vantagens pela beleza e qualidade do produto! Já para não falar no preço. Quase dado… Era a Feira de S. Rafael (curiosamente o santo padroeiro dos motociclistas!).

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Pereiro – Feira de S. Rafael

O GPS antecipou algum desejo e mandou-me para uma rua lateral…onde 2 ou 3 rulotes de bifanas e cachorros abasteciam os mais esfomeados. O meu caso, portanto…

As surpresas não tinham terminado. O simpático proprietário de uma delas também é motociclista. E preparava-se para, alguns dias depois, se abalançar à EN2. Adivinhem lá qual foi o tema de conversa…

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Companheiro motociclista…

Ainda havia alguns quilómetros a fazer, pelo que avancei. Uma paragem para sinalizar o final da EN124.

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Final da EN124

8 km depois, Alcoutim. O Rio Guadiana é aqui rei. Navegável até bem mais a montante, permite que a paisagem seja enfeitada com alguns barcos de recreio. E defronte a Alcoutim, debruçada num anfiteatro natural sobre o rio, a espanhola Sanlúcar de Guadiana.

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Alcoutim

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Castelo de Alcoutim

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Sanlúcar de Guadiana

Casario branco, ruas estreitas encimadas por um nobre e altaneiro castelo a recordar a má vizinhança em algumas épocas passadas, com o pessoal da outra margem.

De Alcoutim, e concluida a EN124, principal objectivo do dia, o destino era agora Monte Gordo onde um belo quarto de hotel me aguardava para o necessário descanso. Mas até lá…

Em vez de recorrer à EN122 que me conduziria directamente a Vila Real de Santo António, optei pela M507, a Marginal do Guadiana. Esta estrada, com piso regular e muitas curvas, acompanha o curso do rio e a própria orografia do terreno. Ora sobe, ora desce, umas vezes junto à margem, outras um pouco mais afastada. Linda esta estrada! A convidar a um ritmo de passeio para assim desfrutar das diversas cambiantes da paisagem.

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Marginal do Guadiana

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Marginal do Guadiana

No Montinho das Laranjeiras, passo por umas escavações arqueológicas que bem atestam a antiguidade da presença da civilização por estas paragens. Depois Guerreiros do Rio e Foz do Odeleite onde a estrada inflecte para o interior. Ainda vislumbrei a Barragem de Odeleite.

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Barragem de Odeleite

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Barragem de Odeleite

Em Odeleite, aí sim, a EN122 até Castro Marim e depois até Vila Real de Santo António. Estava concluída a jornada. Não sem antes fotografar o farol mais oriental do Algarve…depois de na véspera ter estado junto do mais ocidental.

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Vila Real de Santo António – Farol

Dia 3  – Pelo Sotavento Algarvio

O dia amanheceu bem cedo. A insónia atacou….e  às 6:42h a oportunidade para ver o nascer do sol na praia. Lindíssimo!

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Monte Gordo – Nascer do Sol

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Monte Gordo – Nascer do Sol

Depois…fazer tempo para arrancar. A Africa Twin tem uma característica muito própria: o seu trabalhar não é discreto! Nada discreto…e assim, resolvi não acordar a vizinhança do hotel e só por volta das 9 retomar a estrada.  Fui percorrendo as praias que bem conheço da época balnear mas agora tão diferentes sem a parafernália de artefactos para banhistas nem os mares de gente habituais do Verão.

Sucederam-se Praia Verde, Altura e Manta Rota. 

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Praia Verde

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Altura

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Manta Rota

Depois, visita um pouco mais demorada a uma das pérolas desta zona: Cacela Velha.

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A caminho de Cacela Velha

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Cacela Velha

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Cacela Velha

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Cacela Velha

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Cacela Velha

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Cacela Velha – Fábrica

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Cacela Velha – Fábrica

Finalmente, Tavira percorrida sem paragem e uma ida até ao embarcadouro dos barcos para a Ilha de Tavira.

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Tavira

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Tavira

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Tavira – Arraial Ferreira Neto

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Tavira – Forte

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Tavira – Salinas

No regresso, ainda uma paragem em Cabanas de Tavira.

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Cabanas de Tavira

Não estava terminado o périplo…Castro Marim aguardava-nos, com as suas duas fortalezas, o Castelo e o Forte de S. Sebastião. E a vista magnífica para a foz do Guadiana, em baixo Vila Real e defronte, a espanhola Ayamonte.

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Castro Marim

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Castro Marim

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Castro Marim

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Castro Marim

O ponto final seria na Ponta da Areia em Vila Real de Santo António. Uma língua de areia que acompanha a foz do rio e entra mar adentro e que é, fisicamente, o ponto final de Portugal a sudeste. Dali para a frente…ou Guadiana ou Oceano Atlântico!

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VRSA – Ponta da Areia

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VRSA – Ponta da Areia

Uma boa forma, simbólica de terminar este dia. O que faltava…passou-se na praia…e foi aqui que, 14 horas depois de uma magnífico despontar do astro-rei, resolvi que o pôr do sol também deveria ter honras de registo. Aqui fica:

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Monte Gordo – Pôr do Sol

Em 3 dias, percorri 2 estradas que eram há muito desejadas. E superaram as expectativas. Visitei ainda algumas paragens conhecidas em alturas mais veraneantes.

Percurso
EN120 / EN124

Afinal…uma Viagem ao Virar da Esquina!

Brotas – o segredo escondido do Alentejo!

Fui até Brotas à descoberta de uma lenda e de um milagre que deu origem a um culto secular.

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Cedinho e céu cinzento. Olhei lá para fora e ….borrasca anunciada! A previsão meteorológica dizia o mesmo. Pouco animador para quem se ia lançar à estrada… Mas, motard que é motard, é de aço…preferencialmente inoxidável! A rota traçada e os compromissos assumidos mandavam avançar. Assim foi!

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O destino da jornada era Brotas. E quase sempre que o referia, alguém perguntava “Brotas? Onde fica isso?…”

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Trata-se de uma pequena aldeia (pouco mais de 200 habitantes), freguesia actual do concelho de Mora e integrava o antigo concelho das Águias que teve foral no séc XVI (1520). Terras antigas, portanto… Mas, igualmente importante (para a terra e para esta história) o facto de ficar situada entre Mora e Montemor-o-Novo, em plena Estrada Nacional 2, a meia dúzia de quilómetros do Ciborro e do marco 500 dessa estrada.

Quando pela primeira vez me referiram que Brotas tinha uma história interessante e pouco conhecida fiquei surpreendido. Tinha lá passado há um ano atrás, durante a viagem pela EN2. E, se me recordava bem disso (com fotos alusivas e tudo)…já a existência de um Santuário e ainda por cima antiquíssimo, tinha-me escapado completamente. Falta a que importava pôr cobro.

E se a história é interessante!!!

Referir ainda que o alojamento que me esperava – as Casas de Romaria – está profundamente ligado a toda a história do local. Porque é o próprio local!

Literalmente iria estar imerso na história do Santuário de Nª Srª de Brotas, no seu culto centenário e na forma como o mesmo se expandiu.

A viagem – de Lisboa ao Fluviário

A viagem começou enevoada e a prever rega lá mais para a frente.

A primeira paragem foi em Coruche. Uma visita prometida a um amigo e uma constatação…acho que nunca lá tinha entrado. Uma falta a remediar um destes dias.

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Olá, cafézinho, meia de conversa, um abraço…e ala que se faz tarde! O resto da conversa seria mais tarde…lá para o jantar…

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Segui a EN251 e cheguei ao Couço. Sem paragem, apenas uma volta pela vila e depois rumo a Montargil.

O Alentejo é assim…

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O destino era a barragem e rever a vila que lhe dá nome. Situada no cimo de uns montes fronteiros à albufeira, deveria ter uma vista interessante….deveria, mas não tem. Fica uma sugestão…façam um miradouro com uma vista bonita, promovam e, se calhar, o comércio local agradece. E os viajantes também!

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Ainda assim, houve espaço para algumas fotos para registar o momento. Também junto à albufeira e ao paredão.

Depois, rumo a Mora. Pela EN2, que iria ser uma constante nestes dias, pois por diversas vezes a cruzei ou percorri.

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Mas um pouco antes de lá chegar, viragem à esquerda, em direcção ao Fluviário e ao Parque Ecológico do Gameiro (para lá de muito bonito, vim depois a saber que é um paraíso para a pesca de rio, inclusivamente com competições internacionais).

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Fluviário de Mora

Fica em Mora, perto de Cabeção e integrado no Parque Ecológico do Gameiro. Que tem uma riqueza paisagística e natural extraordinária. A merecer uma visita mais detalhada por si só.

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O Fluviário é um aquário público, dedicado aos ecossistemas de água doce, ao seu estudo e à importância que têm no que se refere à preservação da biodiversidade.

É constituído por um conjunto de aquários e espaços envolventes e permite a observação de diferentes espécies de fauna e flora oriundas de rios e lagos. Através da exposição de habitats do percurso de um rio – paradigma de um rio Ibérico – desde a nascente até à foz, é possível conhecer diversas espécies dos rios de Portugal, entre elas, alguns endémicas da Penísnsula Ibérica. Já na galeria de habitats exóticos, é possível conhecer espécies da bacia hidrográfica do rio Amazonas (uma anaconda!), dos Grandes Lagos Africanos do Vale do Rift, entre outras.

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O Fluviário de Mora é, pelas suas características de frescura e calma, um excelente intervalo para uma jornada na estrada.

A viagem – continuação – do Fluviário até Brotas

Continuei. Primeiro por uma estrada municipal e depois pela N251.

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Passei Pavia, onde percorri algumas ruas do seu centro, uma vila tipicamente alentejana onde predomina de forma absoluta o branco das paredes das suas casas térreas.

Depois, segui pela N370 até Arraiolos.

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Famosa pela sua indústria dos tapetes – a rotunda por onde entrámos mostra claramente essa influência – o objecto de visita foi o Castelo. Bem original pela sua planta circular.

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Dele se tem uma vista sobre o casario da vila. Constatar também que o estado de conservação não é o melhor, estando algo degradado nuns pontos e pouco cuidado no geral. Talvez isso e alguma imperícia própria e deu-se o único percalço da viagem. Condutor e mota foram parar ao chão. Sem danos de monta, felizmente. Como se costuma dizer, quem anda à chuva molha-se. O que no caso, era bem verdade: no caso figurado e também literalmente!

A disposição para visita mais detalhada reduziu-se significativamente. Uma volta pelas ruas mais centrais e segui caminho, até porque o objectivo era chegar a Brotas ainda relativamente cedo para logo conhecer o mistério do culto da Nª Srª de Brotas.

Ainda antes, por uma estrada municipal que me levaria novamente até à EN2, passei S.Pedro da Gafanhoeira e S. Geraldo. Já na nossa estrada, meia dúzia de quilómetros e estava no famoso quilómetro 500 da EN2! No Ciborro.

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Tiradas as fotos da praxe, mais uns poucos minutos de estrada, e a jornada estava concluída, por agora.

Cheguei a Brotas.

E a primeira constatação é que neste ponto a estrada é bem estreita uma vez que se faz em circulação alternada (por semáforos). Vim depois a saber que a estrada, quando foi construída, rasgou a povoação ao meio a ponto de algumas casas terem sido destruídas para a passagem da via. Conhecendo depois um pouco da história da aldeia e o seu desenvolvimento, fácil se torna perceber que a actual morfologia é bastante diversa daquela original e posterior ao desenvolvimento da povoação em função do Santuário. Já lá vamos…

Brotas – a História

O local hoje chamado de Brotas pertencia aos domínios da vila de Águias que foi sede de concelho a partir de 1520. Todavia, nesta altura já teriam ocorridos os “factos” que levaram ao posterior desenvolvimento de Brotas e à decadência de Águias.

A morfologia do terreno é importante. Assim, estamos perante um pequeno vale bastante cavado e com paredes íngremes (embora não muito altas), quase uma espécie de buraco. Pois foi precisamente aí que nos principios dos anos de 1400, um pastor pastoreava a sua vaca. Este animal era precioso porque assegurava o sustento do pastro e dos que lhe eram próximos. Todavia, a dada altura o animal precipitou-se pelo barranco e veio cair na parte mais baixa do tal vale. Partiu uma pata que teria que ser cortada e certamente provocaria a sua morte. E com ela, a vida já miserável do pobre pastor acabar-se-ia! Face a tal desdita, prostrou-se e implorou pela salvação.

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E então dá-se o milagre. Nª Senhora aparece aos olhos do pastor e face ao desespero e aflição do mesmo, logo ali amputa o seu braço direito que substitui o membro aleijado da vaca. Esta recompõe-se e recupera salvando a vida e o sustento do pastor e dos seus. Neste momento nasce a devoção a Nª Srª, a partir daqui chamada de Brotas e que em todas as representações se apresenta sem o braço direito.

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É erguida em data anterior a 1424 uma ermida em sua honra, culto que se acentuou posteriormente determinando a ampliação do templo original e a criação de um núcleo urbano adjacente, dando origem ao Santuário de Nossa Senhora das Brotas. O declínio da vila das Águias ocorreu progressivamente, à medida que o lugar de Brotas se ia tornando uma povoação mais importante, levando a que, em 1535, o Cardeal-infante D. Afonso, Bispo de Évora, lhe concedesse independência eclesiástica, transferindo a sede paroquial de Águias para Brotas.

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Em frente ao templo estende-se a Rua da Igreja, cujas edificações de dois pisos foram erguidas como hospedaria para as várias confrarias de fiéis. Muitas dessas casas – Casas de Confraria – ainda hoje apresentam as lápides das confrarias respetivas (como a de Setúbal, Mora, Lavre, Cabeção ou Cabrela). E, recordando o que atrás foi dito sobre a morfologia do terreno, a rua principal, a Rua da Igreja, desagua o pequeno largo onde está situado o Santuário, ficando o casario como se de um anfiteatro natural se tratasse.

Esta é a parte da aldeia a que o povo chama de “Aldeia Velha”. A partir da primeira Guerra Mundial, os proprietários de uma herdade fronteira à “Aldeia Velha”, formaram uma outra aldeia a que os moradores chamaram de “Aldeia Nova”.

O Concelho das Águias ou Brotas foi extinto em 1834 e anexado ao de Mora. Quando o de Mora foi extinto em 1855, Brotas passou para o de Montemor-o-Novo, onde se manteve até 1861, ano em que o Concelho de Mora foi restaurado.

Com os Descobrimentos nos finais do século XV e nos seguintes que originaram a diáspora portuguesa, naturalmente que o culto também foi levado para além mar. Há registos da sua prática na Índia (inclusivamente existe uma imagem proveniente da Índia no Santuário) e em diversos locais do Brasil.

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Mais recentemente, dois factos – ou milagres – que revela a protecção que os crentes acreditam existir relativamente à sua terra: nos dois conflitos armados onde homens de Brotas se fizeram militares durante o Séc. XX – 1ª Grande Guerra e Guerra do Ultramar – nenhum por lá ficou. Todos regressaram a salvo e apenas no primeiro conflito um regressou ligeiramente ferido. E este facto/milagre é motivo também para a sua referência em pleno Santuário de Nª Srª de Brotas.

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De referir ainda a riqueza interior do Santuário, nomeadamente a sua azulejaria:

Brotas e as Casas de Romaria

Referi acima que do Santuário sai a Rua da Igreja. Nela se situam a maioria das Casas de Confraria. Estas casas, em que cada uma leva o nome da origem das confrarias de devotos, serviam para albergar os romeiros que vinham prestar culto à Santa.

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Os tempos eram outros e as deslocações faziam-se muito lentamente. De Setúbal por exemplo, media-se em vários dias o tempo de caminhada. Por isso, também quando chegavam, para lá do descanso necessário, também o culto se prolongava. E era nestas casas que os romeiros se alojavam. Vinham por confraria e quando uma abalava, logo outra vinha ocupar o seu lugar e as casas.

As Casas de Romaria são uma unidade de Turismo em Espaço Rural que através da recuperação de 6 destas Casas de Confraria permite aos seus visitantes usufruirem em simultâneo dos confortos da vida moderna mas instalados em habitações com 600 anos de história. Casas tipicamente alentejanas, de branco caiadas e com as suas riscas coloridas, que mantém a traça original e estão decoradas de forma singela com os artefactos típicos que ilustram a vida nesta região.

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Ficar numa destas casa – no caso, a da Confraria de Palmela – é partilhar com o conforto do Séc. XXI, a vivência histórica de uma profunda devoção hexacentenária!

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E à noite, é mágico escutar o silêncio dos campos que nos rodeiam!

À descoberta de Mora

Entretanto, aproximava-se o final do dia. E o jantar em Mora, que tinha ficado alinhavado em Coruche ao início do dia, confirmou-se.

Na Africa Twin, fiel companheira de viagem sempre pronta, agora aligeirada das bagagens, lá percorri a dúzia de quilómetros que separam Brotas da sede de Concelho. Entretanto, se durante o dia apenas tinham ocorrido alguns pequenos períodos de chuviscos, agora a coisa estava mais intensa. Mal sabia eu que dali para a frente, nesta viagem, isso seria uma constante.

Em Mora, o meu anfitrião e amigo, proporcionou-me uma visita guiada pela vila e arredores, tendo ficado na retina (e nas fotografias) a curiosidade do Cromeleque de Mora (ou Cromeleque do Monte das Fontaínhas) que atesta a ancestralidade do povoamento desta região e cujo património megalítico deu origem ao respectivo Museu que se localiza precisamente nesta vila.

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Também o Açude na Ribeira da Raia e que está na origem da Pista Internacional de Pesca Desportiva, importante factor de desenvolvimento económico pelas competições que permite e pelo renome internacional.

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Quanto ao jantar….pois fica a recomendação: Solar dos Lilases (será conveniente uma marcação prévia) é um local a repetir. Pela simpatia com que fomos recebidos e também pela excelência do que comemos: lagartos de porto preto com migas de espargos (que estavam de comer e chorar por mais…)!

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E era tempo de finalmente regressar a casa na verdadeira acepção da palavra pois de uma Casa de Confraria (a de Palmela) se tratava – para uma noite descansada, uma vez que no dia seguinte a viagem continuava.

Começar o dia em Brotas

Acordei cedo como habitualmente, e ainda não se via vivalma nas ruas (nesta parte da povoação, onde quase ninguém mora) já eu andava a completar o acervo fotográfico.

Foi quando me cruzei com um jovem caminhante com os seus batons de marcha que saía de uma outra Casa de Confraria. Imagem curiosa e inesperada. Mas algo familiar…

Pouco depois, encontrámo-nos no pequeno-almoço. Tratava-se afinal do Afonso Reis Cabral, herói caminhante, que andava a percorrer a EN2 a pé e ao mesmo tempo deliciando-nos com o seu relato diário de viagem na página de Facebook (que eu aliás vinha seguindo).  A jornada tinha começado havia cerca de 2 semanas atrás em Chaves, neste dia a meta seria Montemor-o-Novo e iria chegar a Faro cerca de uma semana depois. É obra! A sua simpatia, a coragem para realizar uma empreitada destas ainda por cima desafiando os elementos pois quer a chuva deste mesmo dia (e de outros) quer alguns dias de calor algo exagerado para a época não lhe facilitaram a tarefa. Mas, e pelas suas crónicas isso foi sendo evidente, uma verdadeira experiência de vida e principalmente de contacto humano com todos aqueles com que se foi cruzando. E o seu talento para a escrita que nos fez acompanhá-lo com redobrado interesse. Acreditem…é um nome a reter! E fica a sugestão, vão ao Facebook e revejam as crónicas do Afonso. Vale a pena!

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Agora uma referência muito especial. Os meus anfitriões nas Casas de Romaria, a Maria e o Pedro, genuinamente simpáticos e verdadeiramente apaixonados pela sua terra – e isso foi por demais evidente na visita em que a Maria me levou a conhecer o santuário e os seus recantos, todos com alguma história para contar, a lenda do milagre de Nª Srª de Brotas, as Casas de Confraria que com muito trabalho e bom gosto têm vindo a recuperar e também as ruas da Aldeia Velha, tudo temperado com o profundo conhecimento das suas raízes – acolheram-me da mesma forma como quem recebe em sua casa um amigo de longa data. O quase imediato tratamento por tu foi sinónimo disso mesmo: estava ali como amigo! E é tão bom ser assim recebido…

O regresso à estrada

A viagem continuava. Debaixo de uma morrinha irritante lá me fiz à estrada rumo a Mora novamente. Percorridos 3 ou 4 quilómetros, vislumbro uma pesoa que caminhava na estrada. Afinal iria cruzar-me novamente com o Afonso. No dia anterior tinha concluido a sua caminhada no quilómetro 480 da EN2 (entre Mora e Brotas) pelo que foi ali que reeniciou o percurso. O rigor nestas coisas é importante! Desejámos boa viagem mútua. Ele rumo a Sul. Eu a Norte, até Mora, para depois virar a nascente que o destino do dia era próximo de Espanha.  Mas essa é a próxima crónica….

Agradecimentos

Nesta viagem utilizei uma Honda Africa Twin DCT gentilmente cedida pela Honda Portugal e cuja análise está publicada aqui.

O alojamento nas Casas de Romaria foi uma cortesia dos Solares de Portugal, que me acompanham neste projecto de dar a conhecer o nosso País visitando o património arquitectónico e histórico destes solares e mansões familiares.

Ao meu Amigo Aires Pereira, que me motivou a começar a escrever sobre viagens de moto e continua a incentivar e apoiar. E o jantar foi fantástico…!

P’rós Amigos

Disclaimer

A partir de hoje (21.05.2019) e durante os próximos 30 dias, os Solares de Portugal oferecem um desconto de 10% nas reservas efectuadas para este destino, sendo que nesse acto deverá ser indicada a referência 6F0BD582 e mencionar que a casa visitada foi a Casas de Romaria em Brotas.

Este desconto não é acumulativo com campanhas em vigor e a reserva da estadia terá que ser feita através da CENTER promo@center.pt e tel 258 743965 e não directamente à casa.

Outros benefícios podem ser consultados na página P’rós Amigos!

À volta do Lago Azul

Em pleno centro de Portugal, a Albufeira da Barragem de Castelo de Bode é apelidada de Lago Azul. Fomos perceber porquê….

Pelos caminhos retorcidos da albufeira de Castelo de Bode

Quando a natureza tende para a perfeição, o homem aparece e altera tudo.

O Zêzere corre apertado entre montes depois de ter despencado lá do alto da Serra da Estrela, ter deixado para trás os Cântaros – o Gordo, o Magro e o Raso – e o seu berço, o Covão da Ametade (que visitámos em Outubro passado – ler aqui) e ter fertilizado a Cova da Beira até chegar à zona que já foi dos Templários. Foi aí que o homem, incansável, resolveu tolher-lhe a liberdade e fazer, à época, a maior barragem de Portugal (ainda hoje, pós-Alqueva, é a segunda maior) e criar assim um enorme lago onde antes apenas havia serrania e um pacato rio que corria para a foz em Constância e aí libertar o seu conteúdo serrano no Rio Tejo. Foi esta albufeira, de Castelo de Bode, que percorremos. Há quem lhe chame Lago Azul. Tentámos perceber porquê…

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Desta feita, a viagem foi feita em grupo. 9 motos, 8 solitários motards e um gentil casal. Tendo a maior parte do grupo, 6, saído da cidade da alface (mais 2 apanhados pelo caminho numa área de serviço da A1 e o nosso casal à entrada de Constância) bem cedinho, quando se fez a reunião já tínhamos cerca de 120km de autoestrada.

Depois foi um cafézinho para acordar e uns curtos quilómetros até à barragem. A estrada seguia pelo vale do Zêzere, com um rio à nossa esquerda e uma paisagem que nos preparou para as paisagens que veríamos no resto do dia. Estrada revirada, o que também seria quase uma constante… Convém referir que o S.Pedro nos brindou com um dia espectacular. Tudo a compor-se.

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Diz o aforismo popular que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Quando olhei para ela, esperei que a água fosse ainda mais mole e a pedra ainda mais dura!

A parede impõe respeito. E impressiona!

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Parámos mesmo em frente do paredão da Barragem de Castelo de Bode, no seu sopé e perto da zona de descarga. Atrás de nós, mais de 100m de altura de betão. Para lá do abastecimento de água a Lisboa, da produção de energia eléctrica e do auxílio à prevenção de cheias, a extensa albufeira é local de eleição para os praticantes de inúmeros desportos náuticos: windsurf, vela, wakeboard, remo, motonautica, jetski e ainda a pesca desportiva.

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Começámos logo a perceber o porquê de Lago Azul. A tonalidade da água é de um azul forte que contrasta na perfeição com a diversidade de verdes das margens.

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Próxima paragem: Aldeia do Mato. A estrada até lá foi como todas as outras que daí para a frente iríamos encontrar: curvas, contra-curvas, um prazer para a condução das nossas montadas. E um deleite para os olhos:

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Aldeia do Mato e a sua praia fluvial ofereceram-nos uma visão paradisíaca (até porque nesta altura quase não se vislumbra vivalma!). Dotada de infraestruturas para diversos desportos náuticos é um dos pontos de eleição para quem ruma a estas paragens.

Depois foi seguir por estradas municipais (em bom estado) em direcção ao Penedo Furado, local da próxima paragem.

A dada altura, o nosso percurso coincidiu com o trajecto da Estrada Nacional 2. Mas o original!!! Não o das vias rápidas. Estávamos a 380km de Chaves, 359 de Faro… e o Sardoal era logo ali, a 13km! Obviamente documentámos o momento:

Um pouco mais à frente, a oportunidade para mais uma foto de grupo em cenário magnífico:

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Chegados ao Penedo Furado comprovámos a merecida fama do local.

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Um vale bem cavado, com um ribeiro cujo curso é domado por sucessivas mini represas que quando fechadas permitirão a formação de pequenos lagos que associados à frondosa vegetação serão bem prasenteiros em alturas de maior canícula.

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Na zona mais elevada deste vale, existe um rochedo gigantesco com uma enorme abertura de feitio afunilado, que dá nome à praia, onde foi criado o Miradouro do Penedo Furado, de onde é possível admirar a magnífica paisagem, a ribeira de Codes, a albufeira da Barragem do Castelo do Bode e algumas casas das povoações envolventes. Do lado direito do miradouro, existe um nicho com a imagem de Nossa Senhora dos Caminhos, após o qual existe um trilho lateral que permite passar à zona mais baixa do penedo, e descer até à praia fluvial, passando pela denominada “Bicha Pintada”.

A “Bicha Pintada”, localizada na margem direita da Ribeira do Codes, abaixo do miradouro do Penedo Furado, é um fóssil que, se crê que tenha mais de 480 milhões de anos.

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Daqui, sempre pela velhinha EN2 (mas em razoável estado) seguímos em direcção a Vila de Rei. Percebemos a razão da construção da nova estrada. De carro deve ser um tormento…mas de moto? Um deleite!

Atravessámos Vila de Rei, porque o destino ficava 2 km após: o Centro Geodésico de Portugal, no Picoto da Melriça. No centro do País mas também lá no alto, com uma deslumbrante vista de 360º (é verdade, bem lá ao fundo, quase confundida com algumas nuvens, estava a Serra da Estrela!).

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Foi nos finais do século XVIII que D. Maria I mandatou Francisco António Ciera para elaborar a “Carta Geográfica do Reino”. Foi nesta altura que o picoto da Melriça começou a ser reconhecido como o Centro Geodésico de Portugal. A Serra ou Picoto da Melriça está situada a nordeste da povoação de Vila de Rei e tem a altitude máxima de 592 metros.

Feita a visita, descemos novamente a Vila de Rei para agora tomarmos o rumo de Ferreira do Zêzere. Estrada larga, bem lançada, a permitir um ritmo mais rápido mas revirada como todas as outras. Deu para desfrutar um pouco da condução (sem exageros, atenção!). Quase a chegar a Ferreira de Zêzere, era tempo de passar para a outra margem (direita) da albufeira. A ponte, magnífica e com um enquadramento belíssimo.

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A parte da manhã estava quase concluída. Passámos Ferreira do Zêzere e um pouco à frente, em Águas Belas, demos alimento às nossas briosas montadas. Quando aos ilustres cavaleiros e a digníssima cavaleira…esperaram mais uns minutos, poucos, e lá fomos à “Festa do Porco” no Centro de Férias e Formação do Sindicato dos Bancários.

Quando chegámos, o suino já tinha perdido a sua “personalidade jurídica” e estava a passar à situação de febra e entremeada. O resto foi história…

Salientar apenas o excelente momento de convívio que desfrutámos, antes de voltarmos aos caminhos. E que caminhos!!!

Resolvido o almoço e considerando que nesta época do ano, os dias ainda são “pequenos”, importava voltar à estrada que o programa era ambicioso.

Saídos do Centro de Férias, logo o GPS mostrou que o almoço lhe tinha caído mal… mandava ir por um sitio…e imediatamente mandava voltar para trás! Não torna a beber…  A explicação é fácil: o trajecto foi delineado consultando mapas e tentando seguir os caminhos assegurando que eram asfaltados (o Google Earth é uma boa ajuda neste aspecto) mas dificilmente tínhamos a noção do tipo de estrada. Algumas onde passámos eram estreitas…bem estreitas ao ponto de ser dificil cruzarem-se…2 motos! Daí talvez as hesitações do equipamento e de quem se guiava por ele. Esta malta das cidades habituada a auto-estradas!!!

Nada que não se resolvesse.

O rumo apontava para Dornes mas numa aproximação diferente da que seria mais comum. Por norte, numa estrada que seguia junto à margem da albufeira. E garanto que valeu a pena ter enfrentado essas dificuldades.

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Curvas e contra curvas, sempre com a margem à nossa esquerda em mais uma oportunidade de validar o nome que é dado a esta albufeira: Lago Azul. Podiam acrescentar o adjectivo “bonito”!

Dornes é uma pequena vila, que já conheceu grandeza e importância noutras eras. Situa-se numa pequena península à beira Zêzere, no concelho de Ferreira do Zêzere. Foi sede de concelho entre 1513 e 1836.

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Terra muito antiga, anterior à fundação da nacionalidade, como o atestam os monumentos e os vestígios arqueológicos encontrados. Já na primeira dinastia, documentos lhe fazem referência, sendo documentada a presença de um religioso de Dornes no Foral de Arega, em inícios do século XIII. Ainda neste século há referências à Comenda Templária de Dornes.

Aliás, o principal ex-líbris de Dornes e exemplar testemunho da presença templária, é a original torre de base pentagonal que se ergue no ponto mais alto da península e fronteira à espectacular paisagem de águas calmas e um azul profundo.

Mais tarde, no século XV, Dornes, enquanto Comenda Mor da Ordem de Cristo teve por Comendador D. Gonçalo de Sousa, homem muito influente, da Casa do Infante D. Henrique, e que aqui mandou construir, em 1453, a Igreja de Nossa Senhora do Pranto. E cuja lenda é também muito curiosa!

Lenda de Nossa Senhora do Pranto

    Há muitos séculos atrás, as terras desta região pertenciam à Rainha Santa Isabel, mulher de el-rei D. Dinis. Era feitor da rainha, na região, um cavaleiro chamado Guilherme de Paiva, ao qual atribuíam proezas milagrosas. Conta-se deste homem que, certa vez, passou a pé enxuto o rio Zêzere, caminhando de uma margem para a outra sobre a sua capa, que lançara sobre as águas.

    Um dia, andava Guilherme de Paiva atrás de um veado, na banda de além do Zêzere, onde só havia brenhas e matos espessos, quando ouviu uns gemidos muito dolorosos. Tentou saber de que sítio provinham e, apesar de perder algumas horas nesta busca, nada conseguiu achar, pois os gemidos pareciam provir dos mais diversos locais. No dia seguinte voltou ali e, de novo, os gemidos se espalharam à sua volta, vindo agora de um tufo espesso de mato, depois de um rochedo, numa ciranda sem fim. Guilherme de Paiva sofria, espantado, partilhando a dor daquele alguém que parecia fazer parte do universo. Ao terceiro dia, tudo se repetiu como antes.

    Tomou, pois, a decisão de partir para Coimbra, onde estava a sua senhora, a fim de lhe relatar aqueles estranhos factos. Assim que chegou à cidade, dirigiu-se imediatamente à pousada real e solicitou a sua visita a D. Isabel.

    Esta, mal o viu, e depois das saudações devidas, disse-lhe:

    — Vindes por via dos gemidos, Guilherme?

    — … !

    — Não precisais espantar-vos! Três noites a fio sonhei com eles e sei do que se trata.

    — O que é então, Senhora? Procurei por todo o lado e nada vi…!

    — Bem sei. Deus contou-me tudo nos sonhos. Agora vais voltar ao local e procurar onde te vou dizer: aí acharás uma imagem santa de Nossa Senhora, com o Filho morto em seus braços.

    — Assim farei, minha Senhora Dona Isabel! Mas, e depois, que faço eu dessa imagem?

    — Guardá-la-ás contigo, até me veres chegar junto de ti!

    Despediu-se Guilherme de Paiva, da Rainha Santa, levando na memória a localização exacta da moita onde a imagem de Nossa Senhora o aguardava, gemendo, e partiu de Coimbra.

    Já de volta a terras do Zêzere, o cavaleiro dirigiu-se à serra da Vermelha, como lhe dissera D. Isabel, e foi milagrosamente direito a uma determinada moita, onde achou enrodilhada em urzes a imagem da Virgem pranteando a morte de seu Filho.

    Durante algum tempo manteve-a consigo, na sua própria casa. Os gemidos haviam cessado, e assim Guilherme de Paiva tinha a santa imagem na sua câmara, com um archote aceso de cada lado.

    Um dia, a Rainha Santa foi, finalmente, às suas terras do Zêzere resolver o caso da imagem. Assim, junto a uma velha torre pentagonal que já aí existia, mandou erigir uma ermida para a Virgem achada nas moitas. E nessa torre — que provavelmente foi construída pelos Templários —, ordenou que se instalassem os sinos da ermida.

    Em breve, o povo começou a construir casas em redor da capela e da torre e, diz a lenda, a Rainha Santa deu a esta vila nascente o nome de Vila das Dores, nome que com o tempo se teria corrompido até dar Dornes. É isto o que conta a lenda transcrita no velho manuscrito.

    A capela com a sua torre sineira ainda hoje existe, e a imagem achada há muitos séculos atrás é venerada sob a designação de Nossa Senhora do Pranto.

 Fonte Biblio FRAZÃO, Fernanda Passinhos de Nossa Senhora – Lendário Mariano Lisboa, Apenas Livros, 2006 , p.114-115

Este local de culto deu à povoação, parte da importância que esteve na origem, em 1513, da atribuição do Foral Manuelino.

Aqui nasceram também, um século mais tarde, muitos dos heróicos combatentes que por volta de 1650, durante a Guerra da Restauração, se bateram nas fronteiras para assegurar a independência nacional.

Já no Século XIX, a reforma de Rodrigo da Fonseca, veio extinguir o concelho de Dornes, integrando-o desde 1835, no concelho de Ferreira do Zêzere.

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De então para cá, Dornes tem sido um polo de atracção turística e a sala de visitas do concelho de Ferreira do Zêzere em função das suas paisagens deslumbrantes sobre o Zêzere e também em virtude da grande carga histórica e monumental que as suas aldeias encerram. De entre os visitantes ilustres, destaca-se Alfredo Keil que em 1890, estando hospedado na Estalagem dos Vales, ensaiaria com a então Sociedade Filarmónica Carrilense a primeira orquestração da marcha: “A Portuguesa”, sendo por isso o Carril um dos berços do actual hino nacional de Portugal.

Saímos de Dornes e o nosso objectivo era atravessar novamente a albufeira para demandarmos a margem esquerda que já de manhã tínhamos percorrido. Mais tarde voltaríamos ao lado direito.

A estrada até à ponte era magnífica, belas vistas e coerentemente, repleta de curvas, para a direita, para a esquerda, para a direita e esquerda…enfim, para todos os gostos. E um aperitivo para o que se seguiria um pouco mais à frente. Atravessámos a ponte, com registo fotográfico e seguímos até Vilar do Ruivo onde virámos para sul.

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De vez em quando, numa ou outra curva de estrada, quando o arvoredo o permitia, algumas vistas deslumbrantes faziam com que o ritmo nunca fosse grande. Mas também não era essa a nossa preocupação.

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Daqui, entrámos em estradas mais estreitas sendo que o objectivo era mais à frente encontrarmos aquilo que é designada “Estrada Panorâmica”. Pelo caminho ficou uma tentativa de ir até à praia fluvial do Trizio mas… num dos acessos, estrada cortada por obras. No outro acesso, estradão em cascalho com poucas garantias de segurança nas zonas mais inclinadas, principalmente para as motos mais estradistas. Assim se faz o Turismo em Portugal.

Seguimos viagem e lá encontrámos a tal de “Panorâmica”. Iria levar-nos novamente até à ponte de Ferreira de Zêzere que tínhamos atravessado de manhã. Pelo caminho ainda alguns pontos de interesse. Uns previstos e outros que nos iam surpreendendo.

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Foi o caso, depois de voltas e reviravoltas, a acompanhar o relevo acidentado e de vez em quando a vislumbrar a albufeira, que a estrada nos proporcionou esta visão: um descida sinuosa, uma pequena ponte e a subida do lado oposto. Lá em baixo, uma ribeira que encaminhava alguma pouca água até à barragem. Deslumbrante!

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Obviamente que a comitiva aproveitou para descansar um pouco. Os quilómetros já começavam a pesar…

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Continuámos pela designada “Estrada Panorâmica”. Acreditamos que o seja…pelo pouco que conseguíamos ver. Ou porque não estão previstos espaços de paragem para se poder desfrutar da paisagem ou porque, mesmo que consigamos parar, o arvoredo apenas nos deixa vislumbrar a beleza dos cenários que mesmo ali ao lado vão desfilando. O facto de a albufeira de Castelo de Bode estar entregue a uma meia dúzia de Câmaras Municipais poderá justificar que o tremendo potencial não seja melhor explorado, quando não entregue à incúria.

Outro aspecto importante para quem queira desbravar esta zona: a albufeira tem muitos povoados ribeirinhos, a maior parte com infraestruturas mais ou menos completas para desportos náuticos…ou no limite, apenas para uma banhoca. Todavia, em geral para lá chegar são percursos de ida e volta (e por vezes tortuosos ou de difícil orientação…a sinalização ou não existe ou é fraca). Quem queira visitar, estará quase sempre a ir lá abaixo, voltar pelo mesmo caminho, seguir e depois ir repetindo o processo…Enfim, é a vida! Provavelmente, os amantes das coisas mais naturais acharão bem. Mas o potencial turístico, no sentido de permitir aceder com qualidade a um cenário deslumbrante, está lá. Regressemos à nossa viagem…

Ainda antes da ponte, tempo para visitarmos um pequenino povoado, no fundo de uma estrada estreita e inclinada, mesmo à beirinha da água: Alcanim. O sol poente dava agora tonalidades que ainda não tínhamos apreciado. Foi a nossa penúltima paragem. E o local onde alguns companheiros se despediram pois urgia chegarem aos respectivos destinos.

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Dirigimo-nos para a ponte de Ferreira do Zêzere. A tal “Estrada Panorâmica” estava quase terminada. Mas antes ainda mais uma foto:

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Lá ao fundo, a ponte, que rapidamente atravessámos (pela segunda vez na jornada) e finalmente, o último ponto do programa. Apropriadamente, e para fechar em beleza, a praia fluvial da Castanheira…também conhecida por Lago Azul!

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A jornada estava concluída. A noite acercava-se e era tempo de regresso. Uns pelo interior e estrada nacional, outros mais “apressados” tomaram a auto-estrada no Entroncamento. As últimas despedidas e daqui para a frente…até casa!

Foram cerca de 450km, 5 horas de percurso de manhã e mais outras 5 horas no meio-dia da tarde! É evidente que com algumas paragens pelo caminho…

Mais uma Viagem ao Virar da Esquina, em óptima companhia, com um feliz patrocínio do S. Pedro e com a possibilidade de desfrutar de estradas ideais para o mototurismo rodeadas por exuberante paisagem. Recomenda-se!

volta

Até à próxima e….boas curvas!

Estrada Nacional 2 – de cima a baixo (5)

Um sonho antigo e a oportunidade para percorrer o País de norte a sul, pela sua maior estrada e desfrutar da camaradagem e do espírito motociclístico.
5ª e última parte – A quarta etapa de Castro Verde a Faro e o regresso a casa.

4ª etapa – de Castro Verde a Faro e o Regresso a casa

O 5º dia chegou. Com ele, o final da odisseia e depois, o já ansiado regresso a casa.

Para esta etapa final estava destinada a “piéce de resistance” da EN2 (de cima a baixo, claro): as 365 curvas da Serra do Caldeirão!  Que maneira de terminar esta fantástica viagem!

Depois de lauto pequeno almoço (nosso) e atestadela (nas motas) o troço final da EN2 aguardava-nos- Éramos agora 4, pois o nosso amigo Alex fez esta última parte connosco. Ou seja, começámos 3 e acabámos 4, como nos 3 Mosqueteiros do Alexander Dumas.

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A rota apontava em primeiro lugar a Almodôvar, onde iriam “começar as hostilidades”.

Logo à saída, o painel evocativo da classificação da EN2 como Estrada Património, no troço Almodôvar – S. Brás de Alportel (o tal das 365 curvas!)

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E aí vamos nós para um pouco mais de 1 hora de diversão, com tudo a que tivemos direito: curvas rápidas, lentas ou assim-assim; curvas a subir, a descer ou em plano; curva, contra-curva e contra-contra-curva e assim sucessivamente. Curvas de toda a maneira e feitio, para todos os gostos…excepto para os que só gostam de andar a direito.

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17 quilómetros depois de Almodôvar, entrávamos oficialmente no Algarve e apenas mais 8 à frente e, no Ameixial, o Monumento aos Camionistas da EN2. Homenagem certamente merecida. Quando não existiam auto-estradas e este troço fazia parte do principal acesso à capital algarvia, aquilo que para nós é diversão e fonte de prazer, para os camionistas devia ser um tormento: em final de viagem fazer todas estas curvas era obra. Que muitos deixaram inacabada, infelizmente… Justa homenagem à qual nos associámos:

Prosseguimos a subida da Serra e a paragem seguinte seria no miradouro da Serra do Caldeirão.

Tempo ainda para fotografar a última das muitas antigas Casas de Cantoneiros. Umas em razoável estado de conservação, outras quase em ruínas. Incrivel como com um trajecto com a dimensão, a história, a diversidade de paisagens e gentes, com tanto para mostrar, e estes edificios simples não são recuperados para postos de apoio aos viajantes. Para poderem comer, refrescar-se ou só descansar, mas acima de tudo para poderem apreciar o que de melhor as terras das redondezas têm para quem as visita! Não tenho dúvidas que, devidamente identificadas, não faltaria quem fizesse até questão de as visitar a todas e, porque não, até carimbar os passaportes… E fariam negócio de certeza!

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O Miradouro é um ponto obrigatório e onde é possivel desfrutar de uma ampla vista. A partir daí, sempre em curva, era a descer até Faro.

3 km depois, em Barranco do Velho, o cruzamento com a EN124 – Via Algaraviana, sem dúvida a fazer num futuro próximo.

Depois, Alportel e S.Brás de Alportel onde vimos mais um exemplar da azulejaria publicitária que era tão tradicional nas nossas estradas antigamente. Desta feita promovia-se a marca de pneus nacional: Mabor General.

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Quase a chegar a Faro, o cruzamento com a famigerada EN125!

Julgo que nas anteriores crónicas referi a grande anomalia da EN2: a sinalização! É miserável!!! De norte a sul, principalmente nas vilas e cidades! Chaves é sintomático (mas pelo menos colocaram o marco do km 0 no centro de uma praça) e em Faro, o marco está colocado no meio de uma Alameda, perfeitamente despercebido, não fora a ajuda…da PSP! E quanto às placas com as setas…nem vê-las (nem quem nos desse essa indicação)! É absolutamente lamentável…

Mas deixemo-nos de lamúrias! O objectivo tinha sido atingido e, naturalmente, ficou registado para a posteridade:

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E a equipa maravilha, cuja alegria era francamente maior do que aquela que mesmo assim consegue transparecer.

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ESTRADA NACIONAL 2: FEITO!!!!

Duas notas finais:

  • a primeira sobre a opção de não terminarmos a etapa iniciada em Abrantes em Castro Verde e não em Faro como pareceria mais lógico. Afinal eram só 100kms que poderiam ter sido perfeitamente feitos na véspera. Tal implicaria a pernoita em Faro (ou um regresso nocturno depois de centenas de quilómetros que era de todo desaconselhável), fazermos a Serra do Caldeirão ao anoitecer, e com o cansaço já acumulado. Ou não correria bem ou não usufruíriamos na plenitude daquele paraíso da condução. Se fosse hoje, estou certo que repetiríamos a opção: fazer a serra pela fresquinha foi uma opção 100% acertada! Acredito que para quem faça a viagem de automóvel, preferirá resolver logo “o petisco” e descansar depois. Mas de mota…é um desperdício se não estivermos no máximo do nosso potencial (e não me refiro a fazer curvas a velocidades estratosféricas…mas sim a tirar todo o proveito de fazer as curvas, aprimorar as trajectórias ou as distâncias de travagem, sentir a potência na roda de trás, sempre sem exageros, claro!)
  • a segunda sobre o que representou para nós esta viagem. A EN2 não é uma viagem qualquer. Não me refiro à distância apenas. É uma viagem de imensos contrastes culturais, paisagisticos, gastronómicos, urbanísticos, mas acima de tudo é um filme a 4 dimensões (às habituais adicionaria o cheiro, pois os aromas vão variando à medida que descemos o País e em função da sua arborização) e em altíssima definição!  E é também uma viagem que reforça os laços de amizade e camaradagem. Todos e cada um de nós ficou mais rico pessoalmente.

Dito isto, só uma sugestão fica: façam a EN2. Não importa o veiculo ou em quanto tempo (quanto mais melhor). Mas façam!

E pronto. Faltava o regresso a casa. Por estrada nacional, pelo IC1 ou como antigamente era conhecida, a Estrada do Algarve. A expectativa era a de uma paragem em Canal Caveira para uma sopa do cozido. A decadência provocada pela auto-estrada que tirou imenso tráfego aquela via e consequentemente os milhares de fregueses do Cozido à Portuguesa do Canal Caveira esteve patente: não havia! Enganámos a desilução com umas tostas em pão alentejano (valha ao menos isso!) e ala que se faz tarde.

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O excesso de caminho no pouco asfalto da EN120 até Alcácer do Sal (e a pressa de chegar a casa) fizeram-nos optar pela A2. E pronto, foi voar baixinho até à capital.

Estrada Nacional 2 . Uma experiência inolvidável!

Um abraço e obrigado pela camaradagem e pela companhia ao Zé, ao Jaime e ao Alex! Até à próxima.

BOAS CURVAS! E se forem as da EN2, melhor…

Como recompensa por terem tido a paciência de chegar ao fim, aqui fica o filme da viagem:

N2 – O Filme

E para aqueles que querem uma ajuda adicional para o percurso, aqui fica o link para a página deste blogue onde estão os nossos roadbooks:

Caixa de Ferramentas

Antes (parte 4)

Estrada Nacional 2 – de cima a baixo (4)

Um sonho antigo e a oportunidade para percorrer o País de norte a sul, pela sua maior estrada e desfrutar da camaradagem e do espírito motociclístico.
4ª parte – A terceira etapa – de Abrantes a Castro Verde

3ª etapa – de Abrantes a Castro Verde

E ao 4º dia de viagem, acordámos cedinho em Vale de Zebrinho. A 3ª etapa aguardava-nos.

A manhã estava soalheira e apenas ouvíamos os barulhos da natureza. Depois da estafa da véspera, do lauto jantar e do são convívio posterior, a noite passou muito rápida. Consta que naquela noite, em pleno Alentejo só se ouvia o barulho das corujas e os potentes roncos das nossas motas…em sonhos (alguém ousou mencionar o vocábulo “ressonar” mas foi prontamente aniquilado!).

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Os nossos anfitriões presentearam-nos com o melhor pequeno almoço da viagem.

Depois, as despedidas e … ala que se faz tarde!

Regressámos ao Rossio ao Sul do Tejo para entrarmos novamente na nossa EN2. A primeira paragem aconteceu pouco depois em Bemposta. Era necessário atestar as montadas que a véspera tinha sido exigente também em combustível. Depois, um cafézinho, uma visita ao Multibanco para consultar o horóscopo e…continuámos Alentejo dentro.

Abrantes marca uma fronteira determinante no tipo de paisagem que atravessamos. Até lá, e depois do planalto transmontano até Vila Real, passámos em sobe e desce, curva e contra-curva, o vale vinhateiro do Alto Douro, a aproximação à base da Serra da Estrela até Viseu, depois toda a zona central com a predominante Serra da Lousã e a chegada à margem direita do Rio Tejo. Um autêntico carrossel (um divertimento permanente em termos de condução!) que de súbito, atravessada a ponte, desemboca na planície. Portugal, um país pequeno mas tão marcado por contrastes…o que também faz a nossa riqueza.

Passámos lateralmente por Ponte de Sôr, seguimos em paralelo à pista de aviação que serve de apoio ao pólo da indústria aeronáutica desta cidade e pouco depois começámos a bordejar as margens da albufeira da Barragem de Montargil. Parámos no meio do paredão para as fotos da praxe (também para estender as pernas…) e, quando demos por isso, uma moto preta, com um motard vestido de preto, com capacete preto, estaciona atrás de nós. Não seria o Batman (até porque era de dia…) mas afinal quem era aquele companheiro?

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Tratava-se de um irmão motociclista do país vizinho chamado Alex. Também estava a fazer a EN2 (começou nesse dia) mas apenas a partir de Abrantes para sul. Natural de Málaga, tinha na véspera feito a travessia da sua terra natal e dirigia-se agora para Almodôvar. Mas estava com um problema…não conseguia a confirmação da reserva para essa noite. Rapidamente resolvemos a situação. Com 2 telefonemas, passámos a reserva para o nosso hotel em Castro Verde…onde ainda por cima nos esperava uma belíssima piscina. Depois do calor dos últimos dias e o que se esperava para este, era quase uma miragem!

Era este o panorama em cima da barragem:

Desde já ficou acordado um encontro à beira da piscina, ao final da tarde e depois uma sessão copofónica para a noite. Cada qual seguiu depois ao seu ritmo…o nosso, pensávamos nós, mais rápido. Depois veríamos quanto estávamos equivocados…

Depois de Montargil, passámos em Mora. Terra famosa pelo seu Fluviário mas, desta vez, tínhamos muitos quilómetros pela frente que não se compadeciam com visitas demoradas. Ainda assim, tempo para uma foto:

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Para lá do lamentável tratamento dado pela autarquia a um dos elementos sinaléticos tradicionais da EN2, convém referir que o engraçadinho que está em 2º plano foi imediatamente doado ao Fluviário para utilização em experiências científicas. Ficaram gratos!

Seguimos viagem em direcção a Montemor o Novo onde pretendíamos almoçar. Pelo caminho, ficou Brotas com um elemento característicos das povoações na planície alentejana: o depósito de água.Foto116

Ainda em Brotas, observámos um semáforo que é elemento fundamental no ordenamento de tráfego desta “buliçosa” povoação:

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E o caminho continuava plano e a direito

Antes da próxima paragem, mesmo à beira da estrada, vestígios pré-históricos, no caso, uma anta:

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Assim chegámos a um marco simbólico da EN2 e também ao local que mais destaque dá, ao longo de toda estrada, à via de comunicação que a atravessa no seu percurso de sul a norte: Ciborro e o marco do quilómetro 500!

Marcado o simbolismo do local, mais uns poucos quilómetros e o ansiado almoço estava à nossa espera em Montemor. Salvo uma ou outra excepção, a nossa viagem não tinha intuitos gastronómicos. Por razões óbvias: são normalmente demoradas e conduzir longas quilometragens, com bastante calor, após lautas refeições não parece ser o mais aconselhável. Por essa razão, sem fugir à típicidade da região, abastecemo-nos com umas belas bifanas para depois seguirmos caminho. No meio do Alentejo, com bastante calor, uma casa da especialidade denominada Pólo Norte tinha tudo a ver….

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Rumo a sul continuámos. seguiu-se Santiago do Escoural, onde existem umas grutas com pinturas rupestres. Situadas em terrenos privados e carecendo de reserva prévia para poderem ser visitadas. Ainda assim tentámos, mas sem sucesso. não se via vivalma!

Aproximávamo-nos de um dos momentos de toda a viagem. Alguns quilómetros volvidos, uma patrulha da GNR faz-nos sinal de paragem. Gente simpática, correctíssimos, no exercício do seu dever, perguntaram-nos naturalmente pela documentação. Azar! Um de nós não tinha a versão actualizada da carta verde do seguro. Com alguma benevolência deixaram-nos seguir sem uma multazita…mas com a recomendação de na primeira localidade tentarmos contactar a seguradora para obter uma 2ª via do documento. Foram dizendo que mais à frente, outros colegas poderiam ão ser tão simpáticos…

A povoação seguinte era Alcáçovas. Vila com história muito antiga, foi nela que portugueses e espanhóis começaram a dividir o mundo na época dos Descobrimentos, no tratado que antecipou o de Tordesilhas. É também a capital do chocalho, com algumas oficinas de fabrica completamente artesanal daqueles artefactos.

Estávamos nós a desmontar, a preparar a fotografia à imponente Igreja Matriz quando aparece o jipe da Guarda com os elementos que já conhecíamos. Ofereceram os seus préstimos para conseguirmos resolver o nosso problema. Telefonema para lá, e-mail para cá, computador e impressora “emprestada” e saímos do posto com o papelinho mágico. Desde esse momento, a nossa gratidão a estes agentes da ordem que, sem repressão mas com muita compreensão, nos ajudaram a continuar uma fantástica viagem. Bem hajam!

Ainda em Alcáçovas, visitámos o recém recuperado Paço dos Henriques onde pudemos apreciar alguns objectos tradicionais expostos e assistir a um filme sobre a fabricação dos chocalhos típicos da terra. Não esquecer o marco simbólico dos 551 quilómetros (todas as localidades atravessadas pela EN2 deveriam ter, em lugar de destaque, um marco similar). E mais uma vez, com a maior simpatia da senhora que nos recebeu e fez de cicerone. Alcáçovas deixou-nos boas recordações, de facto!

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Todavia, com as aventuras legais e a visita cultural, o tempo passou e urgia fazermo-nos à estrada pois já não tínhamos muitas horas de sol. O destino era, como já referido, Castro Verde.

Passámos de seguida Torrão, Odivelas, Ferreira do Alentejo, Ervidel, Aljustrel e, finalmente, Castro Verde. Iríamos pernoitar no Hotel A Esteva…mas o que mais desejávamos naquele momento era a possibilidade de dar um mergulho na piscina!!!

Assim foi. Quando chegámos, surpresa! O Alex já lá estava, a banhos, há cerca de 1 hora. Com o tempo que demorámos em Alcáçovas ele ultrapassou-nos…e com a vantagem de já não ter apanhado a brigada na estrada.

O dia não tinha ainda acabado!

Banhos tomados (na piscina e depois no duche), roupinha de sair à noite vestida, lá estávamos preparados para a “movida” castroverdense!

Primeiro fomos tratar do estômago e da sede a uma típica taberna alentejana, onde desfrutámos de uma carne de porco preto excelente entre outros petiscos e tudo bem regado.

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Depois, uma volta pela vila onde deparámos com bastante movimento. Era noite de véspera do 25 de Abril e as celebrações começariam com um fogo de artifício muito bem organizado pois o foguetório decorreu com acompanhamento de um medley de músicas da época da revolução com Zeca Afonso à cabeça. Cerca de 15 minutos de espectáculo, que foi sendo regado com umas imperiais para nos manter atentos!

E pronto! a 3ª etapa estava concluída. Como todas as anteriores, tinha as suas histórias que foram contribuindo para a riqueza do périplo!

Para o dia seguinte, restavam cerca de 100 quilómetros da EN2 (e depois o regresso a Lisboa). Mas esta centena tinha muito que dizer…as 365 curvas da Serra do Caldeirão!

Convém referir que a paragem em Castro Verde e deixarmos para a manhã do dia seguinte o percurso da Serra foi deliberado. Estes quilómetros são um dos santuários para os motards portugueses. Tinha muito mais interesse fazê-los, melhor dizendo, desfrutá-los logo pela fresquinha do que num final de tarde, provavelmente já com pouca luminosidade e com o cansaço acumulado de muitos quilómetros. Pareceu-nos a melhor opção e depois assim o confirmámos…mas isso é amanhã! Boa noite e bons sonhos…daqueles com potentes motores a roncar noite fora!

Antes (parte 3)

Continua (parte 5)

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