Uma viagem às arrecuas do tempo

As histórias que vou contar situam-se em pouco espaço. Para lá chegar todavia, foi necessário atravessar Portugal e quase chegar a Espanha. 

O dia estava quente, muito quente e não recomendava grandes saídas. Até porque na véspera, a viagem tinha sido longa – mais de 400km a subir o Tejo saltitando de margem em margem pelas suas 13 pontes e 2 barragens – e, acima de tudo, com uma canícula extrema, acima dos 40º na maior parte do trajecto. 

Assim, até sabia bem que a volta deste novo dia não obrigasse a grande deslocação.

Resumo da volta
“Resumo” da volta

Comecei por Castelo de Vide

Há quem lhe chame a “Provença do Alentejo” e dizem que El-Rei D. Pedro V, um apaixonado pela terra, a terá baptizado de “Sintra do Alentejo”. 

Compreendo que por vezes, para tentar transmitir uma ideia, se faça por semelhança. Mas é preciso perceber que a cópia nunca é melhor que o original. E ao fazê-lo está-se a subalternizar algo que tem o potencial de valer por si só. Castelo de Vide tem esse valor, sem qualquer sombra de dúvida. 

Antes de entrar na vila, virei à direita e subi ao Monte da Penha. Onde está a Capela de Nossa Senhora da Penha e uma vista deslumbrante para o casario.

Chegada ao Monte da Penha
Chegada ao Monte da Penha
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Escadaria para a Capela de N.S.Penha
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Capela de Nossa Senhora da Penha

Destacam-se lá em baixo, o Castelo, a grandiosa Igreja Matriz de Nossa Senhora da Devesa e o casario alvo, típico do Alentejo.

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Vista panorâmica de Castelo de Vide

Para os apaixonados da Geologia (não é o meu caso…) também este local é bastante interessante pelas formações geológicas possíveis de observar na encosta.

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Encosta do Monte da Penha – Formações geológicas

Voltei pelo mesmo caminho. Cá mais abaixo quase a entrar na vila, junto à Fonte da Mealhada, vê-se melhor o Castelo.

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Fonte da Mealhada

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Castelo

Reza a lenda que “quem bebe da água da Fonte da Mealhada há de voltar a Castelo de Vide para casar”. Fica a nota….

 O castelo data do Séc. XIII, erguido por ordem de Dom Dinis só viria a ser concluído no reinado do seu filho Dom Afonso IV.

 Subi ao centro da vila. Parei na Praça D. Pedro V. Amplo espaço dominado pela presença da Igreja de Nossa Senhora da Devesa.

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Praça D. Pedro V

 

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Igreja Matriz de Nossa Senhora da Devesa

Contornei a Praça e a Igreja. Por trás, na Rua de Bartolomeu Alves da Santa é possível ver o edifício da Câmara Municipal e também algumas esplanadas. Por um pequeno túnel é possível voltar à Praça D. Pedro V.

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Câmara Municipal de Castelo de Vide

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Para regressar à Praça D. Pedro V

Um pouco mais à frente, o Largo de Gonçalo Eanes de Abreu com cuidado jardim de um lado e mais uma das numerosas fontes de Castelo de Vide, do outro. Ao fundo, lá em cima, a Capela de Nossa Senhora da Penha.

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Largo de Gonçalo Eanes de Abreu
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Largo de Gonçalo Eanes de Abreu – Jardim
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Largo de Gonçalo Eanes de Abreu – Fonte

Este largo tem a sua toponímia ligada a este herói da terra, que participou, com bravura, na batalha de Aljubarrota, onde integrou a Ala dos Namorados que reunia os mais jovens do exército e onde se encontrava vários homens de confiança do então jovem líder militar, Dom Nuno Álvares Pereira. 

E se esta foi a batalha fundamental que assegurou a independência de Portugal contra o poderoso exército de Castela, a batalha de Valverde (Perto de Badajoz – Valverde de Mérida) veio mais tarde a consolidar a anterior vitória. 

Aí, o valente Gonçalo Eanes de Abreu lidera uma ala militar contra um exército bem mais numeroso e em condições desfavoráveis. Em plena batalha têm que atravessar um rio e conquistar a margem repleta de adversários. Entre os derrotados, figuravam personagens notórias da elite militar de Castela como os notáveis mestres das Ordens de Santiago de Castela (Pedro Muñiz de Godoy que foi decapitado no duelo) e de Calatrava, Gonzalo Núñez de Guzmán que foge quando se torna óbvio que o conflito contra os homens de Dom Nuno está, outra vez, perdido. 

Décadas depois, Dom Nuno Álvares Pereira, viúvo e após o falecimento da filha, opta por viver uma vida monástica (refugiando-se no Mosteiro de Flor da Rosa, perto do Crato e não muito longe donde estamos). Distribui a riqueza que acumulou pelos seus feitos heróicos, pelos netos e algumas entidades religiosas e aos leais irmãos de armas – a Gonçalo Eanes de Abreu oferece Alter do Chão e respectivo Castelo. 

Deste largo e da rua de onde viemos saem diversas das ruas típicas de Castelo de Vide: estreitas, íngremes, em empedrado por vezes irregular, com as suas casas brancas.

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Rua típica

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Rua típica
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Rua típica

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Rua típica
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Rua típica
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Rua típica
Castelo de Vide – a herança judaica

Outro dos aspectos que lhe dá notoriedade é o passado ligado aos Judeus. A sua Judiaria excelentemente conservada, nas ruas da encosta do Castelo é testemunha desse passado. E o que se conta também é interessante.

Da bonita Fonte da Vila saem as ruas que levam até ao Castelo e onde se situa a Sinagoga mais antiga de Portugal.

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Fonte da Vila

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Judiaria

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Judiaria

Em 1492, os Reis Católicos de Espanha, por força do Decreto de Alhambra, expulsaram os Judeus do território espanhol. Muitos, até pela proximidade à fronteira, vieram refugiar-se em Castelo de Vide.

Talvez por isso, porque os seus pais aqui procuraram refúgio, nasceu em Castelo de Vide em 1501, Garcia de Orta, médico português que viveu grande parte da sua vida na Índia e foi um autor pioneiro sobre botânica, farmacologia, medicina tropical e antropologia

 Frequentou as universidades de Salamanca e Alcalá, onde estudou gramática, artes e filosofia natural, provavelmente a partir de 1515, tendo-se licenciado em medicina em 1523. Regressou a Castelo de Vide em 1523, dois anos após a morte do pai, onde praticou clínica.

 Em 1526 obteve licença para praticar medicina e no mesmo ano mudou-se para Lisboa. Aí tornou-se médico de D. João III e conheceu o grande matemático Pedro Nunes. Foi escolhido para dar conferências de filosofia natural na Universidade de Lisboa, e em 1533 foi eleito pelo conselho para professor da cadeira.

 No ano seguinte, embarcou para a Índia, a 12 de Março de 1534, como médico pessoal de Martim Afonso de Sousa, que foi para o Oriente como capitão-mor do mar da Índia entre 1534 e 1538 e governador de 1542 a 1545. Depois de acompanhar o seu patrono durante os quatro anos em que este granjeou grande prestígio em várias campanhas militares na costa ocidental da Índia, Orta estabeleceu-se como médico em Goa, onde adquiriu grande reputação. Aí ganhou a amizade de Luís de Camões.

Graças ao seu serviço e amizade com o vice-rei Pedro Mascarenhas, cerca de 1554 foi-lhe dado o foro da ilha de Bombaim, então sob domínio português. Em Bombaim mandou construir uma quinta ou solar no local onde depois os britânicos erigiram o Forte de Bombaim (actualmente também chamado Castelo e Casa de Orta).

 Mas a história dos Judeus, em Portugal e em Castelo de Vide em Portugal tem mais que se lhe diga e ainda anterior ao nascimento de Garcia de Orta.

 No fim do século XV, o Rei Dom Manuel I pretende-se casar com a Princesa das Astúrias, Dona Isabel de Aragão e Castela.

 Não se trata de amor, mas de gerar um herdeiro legítimo. Estratégia política pura: Os Reis Católicos (Isabel de Castela e Fernando de Aragão) que pelo seu casamento já tinham unificado a maior parte do território da Península tinham aspirações a anexar o que faltava. Incluindo o reino situado a ocidente e que na altura dominava os mares, vastos territórios além mar e, principalmente, o poderoso comércio com o Oriente. Assim, esse casamento seria a forma mais linear de evitar essa anexação. Porque se no futuro viesse a acontecer…seria com um varão português! (Inteligente, D. Manuel…)

 Todavia, como vimos atrás, os Judeus tinham sido liminarmente expulsos de Castela. E era condição inegociável para o casamento que D. Manuel ambicionava, que também o fizesse em Portugal

 Dom Manuel acredita que a união é vital para a sobrevivência do reino e concede a fazer desaparecer os judeus de Portugal… Após o casamento promulga várias medidas que torna impraticável a saída voluntária ou a expulsão dos judeus – o plano é convertê-los ao cristianismo — cristão novo (cripto-judeus). D. Manuel tinha consciência da importância desta comunidade e até por força da tradição ancestral: o fundador do reino, Dom Afonso Henriques confiava a gestão das finanças a um rabi; tradição seguida por todos da sua linhagem…

 As conversões foram uma tortura psicológica, muitas vezes física, e em casos extremos culminam em mortes – uma traição aos judeus portugueses.

 Todo o processo, macabro, foi em vão: a jovem rainha morre no parto de Miguel da Paz (herdeiro de Portugal, Castela, Leão, Aragão e Sicília) e este morrerá com 2 anos (quando se encontrava com os avós; os reis católicos de Espanha). Inevitavelmente, no fim do século XVI, Espanha e Portugal entrarão em rota de colisão.

 Como “cristãos novos” os judeus são livres para saírem, e que foi o que aconteceu com os portugueses que foram para Amesterdão e cujos descendentes assistem à anexação de Portugal pela coroa espanhola (União Ibérica). A maioria dos judeus não tinha meios para sair e cá ficaram como “cristãos novos”. Em Castelo de Vide…

 Sabemos da História, a importância que os Judeus vieram a ter, mais tarde, nos Países Baixos e no domínio que estes partilharam dos mares e das riquezas com os Ingleses. Nas terras que os Portugueses descobriram e nos caminhos por nós abertos.

Para lá de Gonçalo Eanes de Abreu ou Garcia de Orta, Castelo de Vide também viu nascer outros filhos ilustres, como sejam:

  • José Xavier Mouzinho da Silveira (Castelo de Vide, 12 de Julho de 1780 – Lisboa, 4 de Abril de 1849) foi um estadista, jurisconsulto e político português e uma das personalidades maiores da revolução liberal 
  • Fernando José Salgueiro Maia, militar português. O mais conhecido dos capitães do Exército Português que liderou as forças durante a Revolução de 25 de Abril de 1974.
A caminho do próximo destino

Deixei para trás Castelo de Vide. Terra histórica como vimos, com muito mais que contar e acima de tudo com uma beleza que nos leva sempre a voltar. Não necessariamente para casar, como reza a tradição da Fonte da Mealhada.

Dirigi-me a Marvão. Pela estrada (EN246-1) que tem um pedaço que será dos mais famosos (e fotografados) de Portugal. Dizem os locais que “é a estrada onde as árvores estão de cuecas”.

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“onde as árvores estão de cuecas”

A mim, todavia faz-me recordar muitas das estradas do Alentejo que conheci na minha meninice. Eram assim: estreitas, sem bermas, com as árvores (azinheiras, sobreiros, oliveiras) mesmo à beirinha, inevitavelmente com as pinturas brancas à cintura. Uma tentativa, inúmeras vezes infrutífera, de evitar os acidentes….

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“onde as árvores estão de cuecas”

À medida que me aproximo de Marvão, começamos a vislumbrar a majestosa escarpa da Serra do Sapoio culminada pela vila fortificada de Marvão a quase 900m de altitude.

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Marvão…lá em cima

 Sempre que aqui venho questiono-me sobre o grau de loucura que alguém terá tido para construir um castelo naquele sítio. E o esforço que terá sido fazê-lo, na época em que foi. Nem hoje seria tarefa fácil…. 

Na Mui Nobre e Sempre Leal Vila de Marvão

Foi a Rainha D. Maria II que outorgou à vila de Marvão este título. Mas a história vem de muito atrás…muitos séculos antes!

 A presença romana na zona é testemunhada pelo local que visitarei depois: a cidade de Ammaia. E estes rochedos terão feito parte das defesas dessa importante cidade à época.

 Todavia, a importância de Marvão reforça-se enquanto praça fortificada os tempos do domínio árabe na Península Ibérica (desde o Séc. VIII).

 Abd al-Rahman ibn Muhammad ibn Marwan ibn Yunus, conhecido como ibne Maruane Aliliqui (Ibn Marwan al-Yil’liqui) ou simplesmente ibne Maruane, foi um líder militar e religioso sufista do Al Andalus que, rebelando-se contra o emir omíada de Córdova Maomé I, criou um reino independente sediado em Badajoz, cidade da qual é considerado fundador, que ocupava o Médio e Baixo Guadiana e o sul do que é hoje Portugal.

 O reino duraria até à fundação do Califado de Córdova em 928.

 Ibne Maruane deu nome à vila de Marvão (Marvão pela aliteração do seu nome Maruane), cujo castelo construiu entre 876 e 877 e qe no século X já era conhecida como Amaia de ibne Maruane ou fortaleza da Amaia, referida pelo historiador hispano-muçulmano Issa Ibne Amade Razi.

 Na época da conquista de Alcácer do Sal, D. Afonso Henriques terá tomado a povoação aos mouros entre 1160 e 1166. Perdida novamente para os mouros numa contra-ofensiva de Iacube Almançor em 1190, aquando da demarcação do termo de Castelo Branco (1214), Marvão já se incluía em terras portuguesas novamente.

D. Sancho II concedeu-lhe Carta de Foral (1226), visando manter esta sentinela avançada do território povoada e defendida diante das repetidas incursões oriundas de Castela à época.

D. Afonso III doou os domínios de Marvão aos cavaleiros da Ordem de Malta (1271), posteriormente outorgados a seu filho, Afonso Sanches, juntamente com os senhorios de Arronches, Castelo de Vide e Portalegre. Por esta razão, ao se iniciar o reinado de D. Dinis , a vila e o seu castelo viram-se envolvidos na disputa entre o soberano e o infante D. Afonso, vindo a ser conquistados pelas forças do soberano em 1299. No encerramento da questão, os domínios de Marvão, Portalegre e Arronches foram trocados pelos de Sintra e de Ourém, permanecendo os primeiros na posse do soberano. Este confirmou a Marvão o foral de 1226 e empreendeu-lhe obras de ampliação e reforço das defesas, destacando-se a construção da torre de menagem, iniciada no ano de 1300.

No decurso dos séculos seguintes, Marvão teve papel importante na generalidade dos conflitos, seja com os vizinhos espanhóis, na época das invasões napoleónicas ou na guerra civil que opôs liberais e absolutistas. A este facto não é alheia a sua situação estratégica bem como o ser quase inexpugnável, seja pelas características do terreno seja pela visibilidade que alcança fazendo com que seja praticamente impossível um ataque de surpresa.

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…até onde a vista alcança

 

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Onde conseguimos ver as águias de costas

 Entro em Marvão. É impossível fugirmos à imponência do Castelo. Situado numa ponta da muralha que rodeia a vila e que está aos seus pés.

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Entrada em Marvão – Porta de Ródão

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Castelo de Marvão

 

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Castelo – Peça de artilharia

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Pormenor do Castelo

 

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Castelo

A pequena vila está toda ela dentro das muralhas. Ruas estreitas, por vezes íngremes, de calçada irregular, irrepreensivelmente conservadas. Bem como todo o casario.

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Marvão

 

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Marvão
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Marvão – Fonte do Concelho

 

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Marvão

 Um pequeno jardim encostado à muralha dá o contraste com a rudeza da pedra da muralha que segue o contorno da falésia.

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Marvão – Jardim

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Marvão – Muralha e Jardim

 

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Muralha

Logo adiante, a Igreja de Santa Maria. Retirada do culto integra actualmente o Museu Municipal. Todavia existem referências à paróquia de Santa Maria desde 1321, altura em que foi entregue à Ordem do Hospital, liderada pelo Priorado do Crato nesta região alentejana.

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Igreja de Santa Maria

Continuamos a percorrer a muralha. Ruas estreitas. E ameias onde o horizonte espreita. Mais à frente outra igreja: a de Santiago. Esta era a outra paróquia de Marvão na época do Priorado do Crato. Mais tarde, fundiram-se na actual paróquia de Santa Maria sendo a Igreja de Santiago a Matriz.

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Igreja de Santiago

 Continuei o périplo pela vila de Marvão. Agora já a caminho da saída.

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Ruas de Marvão

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Ruas de Marvão

 

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À saída

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Porta de Ródão

Foi José Saramago que disse, no seu livro “Viagem a Portugal”, que ” de Marvão vê-se a terra toda” tal não é a magnificência da vista, lá de cima do alto das suas muralhas.

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“De Marvão vê-se a terra toda”

 Fora das muralhas, fica o Convento de Nossa Senhora da Estrela.

Em 1445, pela bula “Fidelium vota“, do papa Nicolau V, de 7 de Junho, a pedido do infante D. Henrique, foi concedida autorização para a fundação do Convento. Foi edificado fora dos muros da vila de Marvão, próximo do local onde, segundo a piedade popular, a Virgem tinha aparecido e feito alguns milagres, recebendo, por isso, uma invocação mariana.

De acordo com outra lenda local, a imagem de Nossa Senhora foi oculta por D. Rodrigo, último rei dos visigodos, quando da invasão muçulmana da península Ibérica (711), sendo descoberta apenas quando a vila de Marvão foi libertada do domínio islâmico, à época da Reconquista. Dai a origem da devoção a Nossa Senhora.

De Marvão desce-se pelo mesmo caminho da chegada. Estrada sinuosa e íngreme que nos leva até à Portagem. Pequena povoação atravessada pelo Rio Sever e intersecção de estradas.

Desde a que nos trouxe de Marvão, à esquerda em direcção a Espanha (onde a uma dúzia de quilómetros, depois da fronteira, podemos atestar a viatura com o precioso líquido que a faz trabalhar a um preço substancialmente mais barato. Nome do fornecedor?….GALP, pois claro!). Se por outro lado apontarmos a poente, regressamos a Castelo de Vide.

Seguimos em frente e vislumbramos o maciço da Serra de S. Mamede. Parque natural e a mais alta elevação a sul do Tejo. 3 km adiante, estamos em S. Salvador da Aramenha. É aí que se situa o próximo destino.

A cidade romana (quase) esquecida!

Ammaia – fundada no início da Cristandade, provavelmente no Séc I (contemporânea portanto da Ponte de Trajano em Chaves), no tempo de Augusto.

Foi elevada a Civitas por volta do ano 44/45 d.C. durante o reinado de Cláudio. A florescente cidade em breve receberia o estatuto de município (Mvnicipivm – “terminus ante quem“) sob o reinado de Lúcio Vero – mais provavelmente durante a época de Vespasiano -, e viria a desenvolver-se como um importante núcleo urbano devido à sua localização e à exploração dos recursos minerais e naturais da região, como o quartzo e o ouro.

Um outro factor determinante terá sido a sua localização num ponto de cruzamento de vias romanas que uniam importantes núcleos urbanos na altura, ligando uma dessas vias a de “Ammaia” à capital da província, “Emerita Augusta” (atual Mérida).

Durante o século IV, houve uma reconstrução e restauração dos espaços de Ammaia. No entanto, entre os séculos V e IX, Ammaia caiu em declínio e ficou despovoada. Quando esta parte da península ibérica já estava sob o domínio árabe, a cidade parece ter sido completamente abandonado em favor da fortificação de Marvão. Ibne Maruane (cujo nome terá originado o de Marvão, como vimos atrás), começou a usar o título de estilo próprio de capitão de Ammaia e suas ruínas no século IX.

Ammaia era uma cidade importante com cerca de 2.000 habitantes. Ocupava uma área de 21 hectares e tinha uma planta regular de ruas paralelas e perpendiculares que dividia os muitos quarteirões. Era rodeada de uma muralha granítica com cerca de 7m de altura.

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                Ammaia

Nas redondezas abundava a água. Isso permitiu a construção de uma barragem, de um aqueduto e de um complexo sistema de canalização que alimentava a cidade de água potável durante todo o ano.

Tinha 4 portas principais, orientadas segundo os pontos cardeais.

A mais importante, a única que é possível vislumbrar actualmente (num dos três pólos arqueológicos visíveis) era a Porta Sul.

A esta porta, com duas torres circulares e um pátio interior, chegava a importante estrada proveniente da capital da província: Emérita Augusta – a actual Mérida.

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Ammaia – Porta Sul

 

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Ammaia – Porta Sul

 

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Ammaia – Porta Sul

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Ammaia – Porta Sul

 Sendo a porta principal, era daí que saía a principal rua da Ammaia: o Cardo Maximus.

Uma via comercial, rodeada de lojas e edifícios com pórticos. A meio (o que seria também o centro da cidade) ficava a entrada para o mais relevante núcleo de edifícios da cidade: o Fórum! Este é o segundo pólo arqueológico visível.

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Forum

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Forum
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Forum
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Forum
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Forum

No seu interior, um grande largo, rodeado de pórticos e lojas, com pavimento granítico e onde se situava o mais importante templo de Ammaia: um edifício rodeado de colunas, com um imponente pórtico, provavelmente dedicado a Júpiter ou eventualmente ao próprio Imperador. Existem vestígios desta edificação no sub-solo.

 No outro lado da praça, ficava outro edifício relevante: a Basílica. Aí se situava o Tribunal e seria também utilizado para reuniões políticas ou comerciais.

 Saindo do Fórum, do outro lado da rua, ficavam as Termas. Um conjunto de diversas salas com vestiários e banhos de diferentes temperaturas, quentes e frias. Teria também uma piscina e uma área de repouso no exterior. Este é o terceiro pólo arqueológico que está visível.

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Termas

 

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Termas
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Termas

Conseguimos ter um vislumbre da dimensão da cidade pelas distâncias que percorremos entre os 3 pólos arqueológicos. Mas mais relevante é percebermos como há 2 mil anos, uma civilização fortíssima colonizou este território deixando marcas indeléveis…e não me refiro a estes conjuntos de pedras que restaram dos edifícios que não resistiram ao tempo e aos homens. Falo da língua que nos deixaram, da cultura e de uma organização social, económica e política que é difícil imaginar decorridos 20 séculos.

 No final da visita, é recomendável passar pelo núcleo museológico que tem um relevante acervo de peças, naturalmente da época romana.

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Museu Ammaia
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Museu Ammaia

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Museu Ammaia

 

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Museu Ammaia

 

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Museu Ammaia

 

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Museu Ammaia

 

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Museu Ammaia

 

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Museu Ammaia

Uma curiosidade final sobre Ammaia: apesar de se saber da sua existência, durante séculos não se conhecia a localização. Porque muitas das suas pedras foram utilizadas na construção de diferentes edifícios nas redondezas. Diz-se que muitas serviram para a edificação dos conventos de Portalegre, sendo que à época, era apelidada de “Pedreira dos Padres”. Há também registo de um arco em pedra ter sido levado para Castelo de Vide. Mais recentemente, no Séc. XX a construção da estrada (que nos trouxe até aqui) e que se prolonga rumo à Serra de S. Mamede destruiu uma parte significativa da zona pois corta o perímetro da cidade quase a meio. 

Uma viagem às arrecuas do tempo

O título desta crónica deve-se a um facto que não sei se repararam: à medida que avançava a viagem recuava o tempo.

 Falámos de Garcia de Orta e da história dos Judeus em Castelo de Vide (Séculos XV e XVI).

 Visitámos Marvão e a fortaleza quase inexpugnável a tocar o céu. Contámos a sua história na época do domínio muçulmano e subsequente conquista no início da nacionalidade.

 Finalmente, recuámos ainda mais no tempo, ao inicio da contagem do tempo, ao Séc I e à passagem do Império Romano nesta parte do território.

 Por falar em andar para trás no tempo, a minha companheira de viagem também merece uma palavra neste domínio: a Suzuki Katana, gentilmente cedida pelo representante português da marca, a Moteo Portugal SA.

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Esta “nova” Katana, para lá de ser muito bonita, mostra à evidência o seu património genético: recorda sem sombra de dúvida a “moto mais rápida do mundo” como nos anos 80 foi apresentado o modelo que iniciou a nomenclatura. E aqui, mais um ir para trás, à procura do tempo passado.

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A marca e o símbolo…

Esta não será a moto ideal para estas viagens porque não tem capacidade de carga…e será quase pecado mortal adaptar-lhe sistemas de malas. Francamente…ela não merece que lhe estraguem a beleza das linhas. E digo isto porque ao natural é muito mais bonita do que as fotos mostram. Opinião subjectiva, eu sei!

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Ponte de Belver

A posição de condução poderia ser incómoda mas não. O encaixe é perfeito, muito ajudado pela posição elevada do guiador que transmite confiança e naturalidade na postura. A protecção aerodinâmica é suficiente para as velocidades praticadas. O pequeno deflector por cima da óptica cumpre a sua missão. A velocidades para lá dos máximos legais (em autoestrada, por exemplo)…não há milagres.

VVEz015O principal defeito que lhe encontrei foi a autonomia. Não porque seja esbanjadora do líquido precioso (a média da minha experiência, cerca de 700km, foi de 5,1l/100) nada disso, mas sim porque o depósito é pequeno. 12 litros dizem, mas o máximo que lhe consegui meter foram 10l e tinha autonomia para 20 km nessa ocasião. Torna-se incómodo estar a fazer paragens para reabastecimento e é aconselhável planear o percurso para não haver azar.

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Em andamento? Talvez pelo seu comprimento ou pela diferença de largura dos pneus (atrás um ambicioso 195) a inserção nas curvas não será a mais linear mas, com o hábito, não constituiu qualquer problema. Agora à saída…meus amigos!!! Os 150cv, um pneumático daqueles e um motor com binário que nunca mais acaba é absolutamente fantástico. O 4 cilindros sobe desde as 3000rpm sem qualquer hesitação até quase ao infinito, sendo que o infinito – o red line – está nas 11500! Nas mudanças superiores provoca aquela adrenalina que gostamos. E nas mudanças baixas, saímos das curvas que nem um foguete…e com uma banda sonora a sair do escape a condizer.

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Não tenho dúvidas em afirmar que esta Suzuki Katana ficava muito bem na minha garagem…assim fosse possível!

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A Katana e o Castelo de Almourol 

Em conclusão: seja pela viagem em que andámos para trás no tempo, seja pela companhia da Suzuki Katana que recorda com alguma nostalgia a mítica Katana dos anos 80 do século passado, andámos às arrecuas do tempo em mais uma Viagem ao Virar da Esquina.

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Suzuki Katana
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