Um País tão pequeno como o nosso é estranho pois parece que está inclinado em direcção ao oceano. Como se fosse um anfiteatro em que as últimas filas ou estão desocupadas ou quem lá está … não pertencesse aquele espectáculo.
Temos a sensação que os pedaços de território que ficam encaixados entre as principais vias de comunicação mais a leste e a linha que nos separa de Espanha acabam por ficar esquecidos. Esquecemo-nos dos que lá estão, porque só lá vai…quem lá precisa de ir.
Comecei a jornada ainda no Alentejo mas já próximo da Beira Baixa, em Nisa. O “aquecimento” foi feito nos 18km que separam a última vila alentejana da primeira beirã, Vila Velha de Ródão, na Estrada Nacional 18 e que, numa sucessão de curvas e contra curvas em bom piso, fazem atravessar a Serra de Nisa.
Quase a chegar às margens do Tejo, vemos o rio acabado de entrar em Portugal ainda envolvido em alguma névoa matinal.
Convém dizer que este passeio ocorreu no final de Novembro, mesmo na véspera do começo dos estados de confinamento que, infelizmente, começam a ser demasiado habituais. A manhã estava fria mas o dia compôs-se. De qualquer forma, era preciso acautelar o tempo pois havia muito que percorrer e nesta altura os dias são demasiado curtos.
A descida para a ponte de Ródão é magnífica, com o rio aos nossos pés. Lá chegados, uma visão já habitual mas sempre deslumbrante: as Portas de Ródão. As escarpas de ambas as margens abraçam o Rio Tejo num abraço bem apertado….
Logo a seguir a Vila Velha de Ródão (onde senti o “perfume” industrial que caracteriza esta terra) deixei a EN18 e rumei ao interior a caminho do Parque Natural do Tejo Internacional. De facto, alguns quilómetros a montante de Vila Velha de Ródão, fica a Barragem de Cedillo que marca o ponto onde o rio passa a ter, no seu curso, ambas as margens em território nacional. Porque para trás e durante alguns quilómetros, só a margem direita é nossa. Seria neste pedaço de território que iria começar este périplo.
A primeira aldeia por onde passei foi Perais, uma pequena aldeia de 500 habitantes.
Continuei e a seguinte localidade deixa o registo de um nome estranho: Alfrivida….
Segui a estrada cujo destino era agora Malpica do Tejo. A dado momento, a travessia do Rio Pônsul na imponente Ponte de Lentiscais, por baixo da qual fica um pequeno parque de merendas e um ancoradouro para quem ali queira fazer passeios por este afluente do Tejo.
Quando se percorrem estas estradas temos por vezes que as partilhar com outros. Dá para todos.
Em Malpica do Tejo tinha como objectivo visitar o cais que fica na margem do Rio Tejo. Tinha curiosidade pois o terreno escarpado das margens prometia uma bonita paisagem, com Espanha defronte. Por razões que não consegui apurar… a estrada estava cortada.
Ao fundo, Malpica do Tejo. Aqui voltei para trás…
Regressei a Malpica e à saída uma peculiar capela, com trânsito giratório à sua volta. Uma rotunda original, sem dúvida.
Esta região pertenceu, desde os tempos da Reconquista Cristã à Ordem dos Templários (mais tarde Ordem de Cristo), tendo-lhes sido doados em 30 de Novembro de 1165 (faria daí a 3 dias 855 anos!). O objectivo era a protecção e defesa do território bem como algum desenvolvimento agrícola, favorecido pela proximidade ao Tejo.
Existem alguns testemunhos da presença humana em tempos pré-históricos e, mais tardios, também dos romanos.
A orografia do terreno do Parque Natural do Tejo Internacional faz com que a estrada seja sinuosa e sempre em sobe e desce, mesmo que não haja grandes declives ou variações de altimetria. Com o trânsito quase inexistente, acaba por ser bem divertida.
Um pouco mais à frente, a aproximação a Monforte da Beira. Dizem as lendas que o nome da terra, Monforte, deriva dos “Montes Fortes” que a rodeia e a protegem. Em tempos antigos serviria para abrigo dos rebanhos que por aqui andavam, defendendo-os das intempéries. Diz-se “da Beira” para a diferenciar da localidade homónima situada no Alto Alentejo.
Saído de Monforte, a estrada continuava com as suas características sinuosas. A descida para a Ribeira de Aravil que levava caudal apreciável foi oportunidade para apreciar a paisagem.
Um pouco mais à frente, outra aldeia com um nome curioso: Cegonhas! Somos bem vindos o que é sempre agradável!
Finalmente cheguei a um dos objectivos do dia. Rosmaninhal é, se olharmos para o mapa, o posto avançado nesta região. Freguesia que tem a nascente Espanha e a sul o Tejo, sendo que na margem oposta deste é também território espanhol. Tem actualmente cerca de 500 habitantes e chegou a ser sede de concelho entre 1510 e 1836. Percorri algumas das ruas desta terra com uma bonita vista.
Deixei para trás a histórica vila, onde já não existem registos do seu ancestral castelo ou das suas muralhas, sendo certo que existem referências bem antigas à sua existência. Natural aliás, dada a posição estratégica face ao vizinho espanhol.
Segui para norte agora, rumo às Termas de Monfortinho. De passagem, em Zebreira duas curiosidades. Uma peça de “arqueologia rodoviária” não muito bem conservada e um pormenor da bonita escola primária.
Até aqui, uma nota de profunda tristeza nas terras percorridas. Praticamente desertas, ruas vazias, não só pelos seus poucos habitantes mas também pelo facto destes tempos estranhos levarem as pessoas a fecharem-se em casa.
Não sei se foi real ou apenas impressão, mas fiquei com a sensação que a minha passagem lá também seria, por estes motivos, dispensável. Naturalmente compreendo. E leva-me a reflectir se nestes tempos tão difíceis faz sentido impormos a nossa presença que noutras circunstâncias, seria não só desejada como bem acolhida.
Em Zebreira, estes pensamentos quase se desvaneceram ao passar pela Escola Primária. Um bando de crianças brincava no recreio. Uma imagem de alegria e também de satisfação por ver que alguma renovação geracional se fará por aqui.
Cheguei finalmente às Termas de Monfortinho. A fronteira está mesmo ali. Só para marcar o ponto, resolvi entrar no país vizinho e rapidamente regressei…até porque a estrada do lado de lá era pior! Os objectivos da jornada eram por cá e não havia tempo a perder porque a luz do dia terminaria bem cedo.
Vem de tempos ancestrais a utilização das águas termais de Monfortinho. Os romanos, grandes apreciadores terão sido os primeiros a desenvolver o seu aproveitamento. Apesar de não haver registos, sabe-se que por aqui andaram. E será desta altura a utilização das águas da Fonte Santa de Monfortinho.
Com um largo espectro de utilização com benefícios para a saúde, foram sendo utilizadas pelas populações quer de lado português quer do lado espanhol. Até porque a fronteira é mesmo ali, com o Rio Erges a separar os dois países.
Apesar da riqueza das suas águas, as Termas de Monfortinho nunca conheceram o desenvolvimento de outras estações termais devido aos difíceis acessos que a tornavam, até há bem pouco tempo, muito afastada e pouco apetecível como destino turístico e de saúde.
Termas de Monfortinho
Depois das Termas de Monfortinho, que acredito noutros tempos e noutra altura do ano estaria a fervilhar de gente, era tempo de rumar à histórica vila de Penha Garcia.
Alcandorada no cimo do monte, com uma ruína do seu outrora altaneiro castelo, que se supõe ter sido mandado construir por D. Sancho I, conserva ainda o casario típico nas suas ruas íngremes.
Teve foral em 1256 recebido de D. Afonso III, tendo o município sido extinto em 1836.
Penha Garcia – Estranho….
Depois de Penha Garcia, continuei. Era agora a altura de visitar a que em tempos foi designada como a “aldeia mais portuguesa de Portugal”: Monsanto.
À medida que subimos ao “Mons Sanctus” pelo pedaço sinuoso de estrada , começamos a ter a noção do poder e dimensão da natureza.
Monsanto é um exemplo claro da capacidade de adaptação humana ao que a terra nos oferece – ou condiciona. O casario típico ora contorna, ora se sobrepõe aos enormes blocos graníticos dando um cunho muito próprio a esta vila original.
Historicamente, é ancestral como provam os forais que sucessivamente lhe foram atribuídos por D.Afonso Henriques, D.Sancho I, D.Sancho II e D. Manuel I
Do Largo do Baluarte temos uma magnifica vista para as terras que se espraiam a seus pés. Depois…é sempre a subir!
Monsanto – Igreja Matriz ou de S. Salvador
Em Monsanto, para lá das construções habituais em terras antigas – as igrejas, o pelourinho, o castelo – encontramos diversos solares de famílias abastadas – o da Família Pinheiro ou da Fonte Mono, o da Família do Marquês de Graciosa, o da Família Melo ou dos Condes de Monsanto, ou ainda o dos Priores de Monsanto. Também passamos pela casa do escritor Fernando Namora e o consultório onde exercia medicina, bem como a casa onde habitou Zeca Afonso.
O sol avançava rapidamente para o ocaso. A luz do dia desvanecia-se mas ainda sobrou um pouco para terminar a jornada numa curta visita a Idanha a Velha.
O seu nome poderá derivar da denominação romana “Cidade dos Igeditanos” (Civitas Igaeditanorum), terminologia que viria a tornar-se Igeditânia. O nome Egitânia só surge em documento do século VI e dele derivam a forma visigótica Egitânia e a forma árabe Idânia.
Fundada na era do Imperador Augusto (século I a.C.), a fundação deste núcleo populacional teve para Roma uma significativa importância pela sua localização entre Guarda e Mérida. A ocupação romana desta zona está bem comprovada pela observação detalhada das muralhas edificadas entre os séculos III a IV, quando do início das Invasões Bárbaras. Segundo algumas teorias, terá sido aqui que, em 305, terá nascido o Papa Dâmaso I.
Os primeiros sinais de prosperidade vieram com a conquista visigótica, durante a qual foram construídos a Catedral, o Palácio dos Bispos, o Paço episcopal e a Ponte de São Dâmaso. Em 713, os mouros tomaram a cidade e destruíram-na. Reconquistada pelo Rei Afonso III de Leão, foi perdida novamente, só tendo sido definitivamente tomada por D. Sancho I.
Em 1319, D. Dinis doou-a à Ordem de Cristo e o foral só foi renovado no tempo de D. Manuel I. Os seus marcos mais importantes são o Pelourinho, a Igreja Matriz, as Capelas de São Dâmaso, de São Sebastião e do Espírito Santo.
Em Idanha a Velha terminei a jornada pelas estradas esquecidas da Beira Baixa.
Deliberadamente porque já conhecia e porque o tempo era escasso, não visitei a fronteiriça Segura com a sua ponte romana sobre o rio Erges e, alguns quilómetros mais à frente, já em Espanha, a magnífica ponte romana de Alcântara sobre o Rio Tejo.
Era tempo de regressar. Apesar de pouco passar das 5 da tarde, a noite tomava conta da paisagem. Depois das Termas de Monfortinho já fui vendo mais algumas pessoas nas ruas das terras visitadas. Sempre atenua a sensação atrás referida. Mas estes tempos são muito estranhos. E pouco alegres.
Assim se fez mais uma Viagem ao Virar da Esquina, desta feita por um recanto esquecido do nosso território.
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