Esta é uma forma de dizer mea culpa. Vivi dois anos, já há muito, em Castelo Branco mas por falha imperdoável não conhecia os terrenos que agora pisei. Estas são as estradas esquecidas da Beira Baixa (há outras que ficarão para nova oportunidade).
Um País tão pequeno como o nosso é estranho pois parece que está inclinado em direcção ao oceano. Como se fosse um anfiteatro em que as últimas filas ou estão desocupadas ou quem lá está … não pertencesse aquele espectáculo.
Temos a sensação que os pedaços de território que ficam encaixados entre as principais vias de comunicação mais a leste e a linha que nos separa de Espanha acabam por ficar esquecidos. Esquecemo-nos dos que lá estão, porque só lá vai…quem lá precisa de ir.
Comecei a jornada ainda no Alentejo mas já próximo da Beira Baixa, em Nisa. O “aquecimento” foi feito nos 18km que separam a última vila alentejana da primeira beirã, Vila Velha de Ródão, na Estrada Nacional 18 e que, numa sucessão de curvas e contra curvas em bom piso, fazem atravessar a Serra de Nisa.
Quase a chegar às margens do Tejo, vemos o rio acabado de entrar em Portugal ainda envolvido em alguma névoa matinal.
Convém dizer que este passeio ocorreu no final de Novembro, mesmo na véspera do começo dos estados de confinamento que, infelizmente, começam a ser demasiado habituais. A manhã estava fria mas o dia compôs-se. De qualquer forma, era preciso acautelar o tempo pois havia muito que percorrer e nesta altura os dias são demasiado curtos.
A descida para a ponte de Ródão é magnífica, com o rio aos nossos pés. Lá chegados, uma visão já habitual mas sempre deslumbrante: as Portas de Ródão. As escarpas de ambas as margens abraçam o Rio Tejo num abraço bem apertado….
Logo a seguir a Vila Velha de Ródão (onde senti o “perfume” industrial que caracteriza esta terra) deixei a EN18 e rumei ao interior a caminho do Parque Natural do Tejo Internacional. De facto, alguns quilómetros a montante de Vila Velha de Ródão, fica a Barragem de Cedillo que marca o ponto onde o rio passa a ter, no seu curso, ambas as margens em território nacional. Porque para trás e durante alguns quilómetros, só a margem direita é nossa. Seria neste pedaço de território que iria começar este périplo.
A primeira aldeia por onde passei foi Perais, uma pequena aldeia de 500 habitantes.
Continuei e a seguinte localidade deixa o registo de um nome estranho: Alfrivida….
Segui a estrada cujo destino era agora Malpica do Tejo. A dado momento, a travessia do Rio Pônsul na imponente Ponte de Lentiscais, por baixo da qual fica um pequeno parque de merendas e um ancoradouro para quem ali queira fazer passeios por este afluente do Tejo.
Quando se percorrem estas estradas temos por vezes que as partilhar com outros. Dá para todos.
Em Malpica do Tejo tinha como objectivo visitar o cais que fica na margem do Rio Tejo. Tinha curiosidade pois o terreno escarpado das margens prometia uma bonita paisagem, com Espanha defronte. Por razões que não consegui apurar… a estrada estava cortada.
Ao fundo, Malpica do Tejo. Aqui voltei para trás…
Regressei a Malpica e à saída uma peculiar capela, com trânsito giratório à sua volta. Uma rotunda original, sem dúvida.
Esta região pertenceu, desde os tempos da Reconquista Cristã à Ordem dos Templários (mais tarde Ordem de Cristo), tendo-lhes sido doados em 30 de Novembro de 1165 (faria daí a 3 dias 855 anos!). O objectivo era a protecção e defesa do território bem como algum desenvolvimento agrícola, favorecido pela proximidade ao Tejo.
Existem alguns testemunhos da presença humana em tempos pré-históricos e, mais tardios, também dos romanos.
A orografia do terreno do Parque Natural do Tejo Internacional faz com que a estrada seja sinuosa e sempre em sobe e desce, mesmo que não haja grandes declives ou variações de altimetria. Com o trânsito quase inexistente, acaba por ser bem divertida.
Um pouco mais à frente, a aproximação a Monforte da Beira. Dizem as lendas que o nome da terra, Monforte, deriva dos “Montes Fortes” que a rodeia e a protegem. Em tempos antigos serviria para abrigo dos rebanhos que por aqui andavam, defendendo-os das intempéries. Diz-se “da Beira” para a diferenciar da localidade homónima situada no Alto Alentejo.
Saído de Monforte, a estrada continuava com as suas características sinuosas. A descida para a Ribeira de Aravil que levava caudal apreciável foi oportunidade para apreciar a paisagem.
Um pouco mais à frente, outra aldeia com um nome curioso: Cegonhas! Somos bem vindos o que é sempre agradável!
Finalmente cheguei a um dos objectivos do dia. Rosmaninhal é, se olharmos para o mapa, o posto avançado nesta região. Freguesia que tem a nascente Espanha e a sul o Tejo, sendo que na margem oposta deste é também território espanhol. Tem actualmente cerca de 500 habitantes e chegou a ser sede de concelho entre 1510 e 1836. Percorri algumas das ruas desta terra com uma bonita vista.
Deixei para trás a histórica vila, onde já não existem registos do seu ancestral castelo ou das suas muralhas, sendo certo que existem referências bem antigas à sua existência. Natural aliás, dada a posição estratégica face ao vizinho espanhol.
Segui para norte agora, rumo às Termas de Monfortinho. De passagem, em Zebreira duas curiosidades. Uma peça de “arqueologia rodoviária” não muito bem conservada e um pormenor da bonita escola primária.
Até aqui, uma nota de profunda tristeza nas terras percorridas. Praticamente desertas, ruas vazias, não só pelos seus poucos habitantes mas também pelo facto destes tempos estranhos levarem as pessoas a fecharem-se em casa.
Não sei se foi real ou apenas impressão, mas fiquei com a sensação que a minha passagem lá também seria, por estes motivos, dispensável. Naturalmente compreendo. E leva-me a reflectir se nestes tempos tão difíceis faz sentido impormos a nossa presença que noutras circunstâncias, seria não só desejada como bem acolhida.
Em Zebreira, estes pensamentos quase se desvaneceram ao passar pela Escola Primária. Um bando de crianças brincava no recreio. Uma imagem de alegria e também de satisfação por ver que alguma renovação geracional se fará por aqui.
Cheguei finalmente às Termas de Monfortinho. A fronteira está mesmo ali. Só para marcar o ponto, resolvi entrar no país vizinho e rapidamente regressei…até porque a estrada do lado de lá era pior! Os objectivos da jornada eram por cá e não havia tempo a perder porque a luz do dia terminaria bem cedo.
Vem de tempos ancestrais a utilização das águas termais de Monfortinho. Os romanos, grandes apreciadores terão sido os primeiros a desenvolver o seu aproveitamento. Apesar de não haver registos, sabe-se que por aqui andaram. E será desta altura a utilização das águas da Fonte Santa de Monfortinho.
Com um largo espectro de utilização com benefícios para a saúde, foram sendo utilizadas pelas populações quer de lado português quer do lado espanhol. Até porque a fronteira é mesmo ali, com o Rio Erges a separar os dois países.
Apesar da riqueza das suas águas, as Termas de Monfortinho nunca conheceram o desenvolvimento de outras estações termais devido aos difíceis acessos que a tornavam, até há bem pouco tempo, muito afastada e pouco apetecível como destino turístico e de saúde.
Termas de Monfortinho
Depois das Termas de Monfortinho, que acredito noutros tempos e noutra altura do ano estaria a fervilhar de gente, era tempo de rumar à histórica vila de Penha Garcia.
Alcandorada no cimo do monte, com uma ruína do seu outrora altaneiro castelo, que se supõe ter sido mandado construir por D. Sancho I, conserva ainda o casario típico nas suas ruas íngremes.
Teve foral em 1256 recebido de D. Afonso III, tendo o município sido extinto em 1836.
Penha Garcia – Estranho….
Depois de Penha Garcia, continuei. Era agora a altura de visitar a que em tempos foi designada como a “aldeia mais portuguesa de Portugal”: Monsanto.
À medida que subimos ao “Mons Sanctus” pelo pedaço sinuoso de estrada , começamos a ter a noção do poder e dimensão da natureza.
Monsanto é um exemplo claro da capacidade de adaptação humana ao que a terra nos oferece – ou condiciona. O casario típico ora contorna, ora se sobrepõe aos enormes blocos graníticos dando um cunho muito próprio a esta vila original.
Historicamente, é ancestral como provam os forais que sucessivamente lhe foram atribuídos por D.Afonso Henriques, D.Sancho I, D.Sancho II e D. Manuel I
Do Largo do Baluarte temos uma magnifica vista para as terras que se espraiam a seus pés. Depois…é sempre a subir!
Monsanto – Igreja Matriz ou de S. Salvador
Em Monsanto, para lá das construções habituais em terras antigas – as igrejas, o pelourinho, o castelo – encontramos diversos solares de famílias abastadas – o da Família Pinheiro ou da Fonte Mono, o da Família do Marquês de Graciosa, o da Família Melo ou dos Condes de Monsanto, ou ainda o dos Priores de Monsanto. Também passamos pela casa do escritor Fernando Namora e o consultório onde exercia medicina, bem como a casa onde habitou Zeca Afonso.
O sol avançava rapidamente para o ocaso. A luz do dia desvanecia-se mas ainda sobrou um pouco para terminar a jornada numa curta visita a Idanha a Velha.
O seu nome poderá derivar da denominação romana “Cidade dos Igeditanos” (Civitas Igaeditanorum), terminologia que viria a tornar-se Igeditânia. O nome Egitânia só surge em documento do século VI e dele derivam a forma visigótica Egitânia e a forma árabe Idânia.
Fundada na era do Imperador Augusto (século I a.C.), a fundação deste núcleo populacional teve para Roma uma significativa importância pela sua localização entre Guarda e Mérida. A ocupação romana desta zona está bem comprovada pela observação detalhada das muralhas edificadas entre os séculos III a IV, quando do início das Invasões Bárbaras.Segundo algumas teorias, terá sido aqui que, em 305, terá nascido o Papa Dâmaso I.
Os primeiros sinais de prosperidade vieram com a conquista visigótica, durante a qual foram construídos a Catedral, o Palácio dos Bispos, o Paço episcopal e a Ponte de São Dâmaso. Em 713, os mouros tomaram a cidade e destruíram-na. Reconquistada pelo Rei Afonso III de Leão, foi perdida novamente, só tendo sido definitivamente tomada por D. Sancho I.
Em 1319, D. Dinis doou-a à Ordem de Cristo e o foral só foi renovado no tempo de D. Manuel I.Os seus marcos mais importantes são o Pelourinho, a Igreja Matriz, as Capelas de São Dâmaso, de São Sebastião e do Espírito Santo.
Em Idanha a Velha terminei a jornada pelas estradas esquecidas da Beira Baixa.
Deliberadamente porque já conhecia e porque o tempo era escasso, não visitei a fronteiriça Segura com a sua ponte romana sobre o rio Erges e, alguns quilómetros mais à frente, já em Espanha, a magnífica ponte romana de Alcântara sobre o Rio Tejo.
Era tempo de regressar. Apesar de pouco passar das 5 da tarde, a noite tomava conta da paisagem. Depois das Termas de Monfortinho já fui vendo mais algumas pessoas nas ruas das terras visitadas. Sempre atenua a sensação atrás referida. Mas estes tempos são muito estranhos. E pouco alegres.
Assim se fez mais uma Viagem ao Virar da Esquina, desta feita por um recanto esquecido do nosso território.
Esta é uma história sobre o Rio Tejo.
De pescadores que para moldarem a sua vida…moldaram a face do rio
Mas curiosamente começa um pouco mais a norte e junto ao litoral, em Vieira de Leiria.
A meio caminho entre a Nazaré e a Figueira da Foz era, nos inícios do século passado terra de pescadores como tantas outras da nossa costa. E o mar, sabemos bem, tanto dá como tira.
Vida dura a dos pescadores. E no Inverno mais ainda, porque o mar agreste por longos períodos punha em risco a própria subsistência. Foi precisamente esta necessidade que levou os pescadores de Vieira a procurarem outra forma de, sem abandonarem a sua faina, garantirem o sustento vital durante este período do ano.
Deram assim origem, por volta dos anos 30, a uma das mais curiosas migrações internas do nosso País. Procuraram as margens do Rio Tejo, na zona da lezíria ribatejana, onde durante o Inverno se dedicavam à pesca na água doce do rio. Depois, no Verão regressavam à origem.
Nalguns locais, os proprietários rurais deixaram-nos construir pequenas habitações de madeira à beira rio, caracterizadas por serem feitas em cima de estacas para se protegerem das cíclicas cheias do Tejo (recorde-se que à época não existiam as barreiras artificiais de regularização do caudal do rio, como sejam as barragens de Belver ou Fratel, ou no caso dos afluentes, Castelo de Bode ou Montargil). E dotavam-nas de cais palafíticos para garantirem o acesso aos seus barcos em quaisquer circunstâncias. Curiosamente, a invernia que na costa era madrasta, aqui era benéfica por o rio trazer vasto caudal e naturalmente mais peixe.
Talvez por serem originários de Vieira, lhes chamaram “Avieiros” ou “nómadas do rio” e a esses pequeníssimos aglomerados, ou assentamentos, “Aldeias Avieiras”. De tal forma que muitos acabaram por nelas ficar definitivamente de modo que ainda hoje são habitadas (mas muito pouco).
As Aldeias Avieiras foram o meu destino desta jornada: do Cabo à Póvoa.
Comecei no Cabo
O Cabo a que me refiro situa-se defronte de Vila Franca de Xira, na outra margem. Já ouviram falar na “recta do Cabo”? Pois, é esse que lhe dá o nome.
Recordemos que antes de 30 de Dezembro de 1951, a travessia rodoviária do Tejo mais próxima de Lisboa era em Santarém pela Ponte de D. Luís I. Inaugurada em Setembro de 1881, durou 70 anos a ambição de ter uma travessia mais próxima da capital.
Até lá, era precisamente no Cabo que pessoas, carros e até o gado que se destinava ao matadouro da capital, tomavam os barcos para atravessarem os cerca de 500 metros que os separavam da margem direita. Pequenos barcos a motor, chamavam-lhes os “gasolinas”.
Hoje, apenas resta um pequeno molhe (talvez dessa época) e acima de tudo uma bela vista para a vila ribatejana e para a magnífica ponte Marechal Carmona, inaugurada no penúltimo dia de 1951.
Do Cabo segui até Samora Correia para apanhar a EN118 que me levaria a Salvaterra de Magos. Seria aí que começaria o périplo pelas Aldeias Avieiras e também por alguns outros pontos interessantes desta região das lezírias.
De Salvaterra ao Escaroupim
Salvaterra foi, até finais do Séc. XIX destino real e da corte. Aqui se dedicavam à “nobre arte da caça” e certamente também aos primórdios da arte taurina.
Salvaterra de Magos tinha importante Palácio Real. Desconhece-se a sua origem, mas existem registos datados do Séc XIV (casamento real entre a Infanta D. Beatriz e o rei D. João I de Castela). O período dourado do Palácio foi durante o Séc. XVIII, nomeadamente a sua ampliação por obra do arquitecto real Carlos Mardel.
Foi também nessa época construído, adjacente ao Palácio, um Teatro de Ópera por onde passaram os mais prestigiados músicos da época.
O terramoto de 1755 inflingiu os primeiros danos, que foram posteriormente reparados. Mas a decadência estava próxima. O exílio da Casa Real no Brasil e depois, incêndios e abandono foram responsáveis pela sua destruição.
De todo este edificado restam hoje apenas a Capela Real no centro da Vila e a Falcoaria Real.
Uma vez que não tinha visita marcada, ficou apenas uma pequena passagem para registo graças à simpatia das pessoas que lá são responsáveis por mostrar este património a quem o pretende conhecer. Garanto que vale a pena e ficou desde logo prometida uma visita detalhada. Ainda assim, passei pelo pequeno núcleo museológico, pelo Pombal e pude ver algumas das aves que desfrutavam da manhã solarenga no pátio do edifício.
Dali ao Tejo é um pequeno passo. Comecei pelo Bico da Goiva. É aqui que começa a Vala Real de Salvaterra (Real porque era por aqui que o Rei e a Corte chegavam de barco) – paralela à também Vala Real da Azambuja, na outra margem e que visitaria mais lá para o final do dia.
Espaço calmo e silencioso, destinado a quem queira contemplar a calmaria do curso do rio e eventualmente fazer um piquenique.
Segui viagem e a paragem seguinte foi a Praia Doce. Nome sugestivo…
A época balnear já lá vai e isso nota-se pois a areia já era pouca (no próximo ano a autarquia terá que fazer nova reposição, o que é normal nestas praias fluviais).
As pequenas infraestruturas destinadas a quem a procure para passar um dia agradável lá estão e certamente por isso o nome com que a baptizaram.
Pouco mais à frente, Escaroupim. Porventura a mais conhecida de todas.
Ponto de partida de excursões de barco pelo rio, podemos ver ainda alguns resistentes cais palafíticos, uns poucos barcos de pesca típicos entremeados com outros mais modernos e ainda um exemplar de uma casa típica destas aldeias (para turista visitar…mas estava fechada…).
Um pequeno parque de merendas compõe o enquadramento que nos permite, ao longe e na outra margem vislumbrar o casario branco de Valada.
Próxima paragem: Muge
Estando por aqui, e sendo hora de reabastecimento calórico, não poderia falhar uma visita ao Silas. Local de romaria – e de referência – para os apreciadores desse petisco nacional chamado bifana! Mas antes de consumar o ataque à iguaria, ainda havia que ver.
Comecei por uma pequena ponte romana, mesmo à saída e juntinha a outra mais moderna por onde passa a estrada nacional. Lamentável é o que posso dizer. Se a ponte aparentemente está bem conservada e é utilizável já o mesmo não se pode dizer do seu enquadramento. O matagal é imenso, a ponto de não ser fácil fotografá-la e impossível ter a percepção completa da sua dimensão. Nem uma placa existente à entrada, que algo sobre ela diria, é minimamente legível…
Logo ali, fica a Casa de Cadaval. Casa nobre antiquíssima, com rico património e ainda hoje dedicado à exploração agrícola a que adiciona um complemento turístico que justifica visita atenta e demorada. Uma estadia será certamente a melhor forma de desfrutar. Mas não era o meu caso.
Ainda fui até Porto de Sabugueiro. Para lá de ser um assentamento avieiro na actualidade mais recente, foi importante porto fluvial na época dos romanos. Existem vestígios arqueológicos importantes e algumas escavações, mas a avaliar pelo tratamento dado à ponte….
E com estes amargos de boca… nada como ir provar algo mais saboroso…porque era hora de almoço.
Mas antes, até porque era mesmo em frente do local do repasto, uma olhadela à Igreja Matriz e ao curioso coreto
A Igreja Matriz de Muge, dedicada a Nossa Senhora da Conceição, foi edificada em 1297. Nesta época havia uma grande afluência de colonos a Muge que, como não havia igreja, não pagavam o dízimo. Assim, por ordem do bispo de Lisboa, o pároco de Salvaterra fez construir ali uma igreja, o que aconteceu em 1297. No século XVII foi sujeita a profundas obras de reparação. A traça actual data do final do Séc XIX.
Mesmo ao lado da Igreja Matriz fica um coreto com a tradicional base octogonal.
Até Valada pela Ponte Rainha D. Amélia
Consumado o ataque à bifana, voltei ao caminho. Era tempo de passar para a outra margem.
A travessia faz-se pela bonita ponte Rainha D. Amélia. Antiga ponte ferroviária (a actual corre mesmo ao lado), característica da época do ferro na construção de obras públicas, foi inaugurada em 1904. Com 840m de comprimento foi convertida para uso rodoviário em 2001 e é uma peça importante nas acessibilidades a Valada, principalmente durante as habituais cheias do Tejo que frequentemente a deixavam isolada da Azambuja.
Valada do Ribatejo tem um certo sortilégio. Não têm conta as vezes que já por ali passei. Sempre com o mesmo prazer. Paisagem ribeirinha bem cuidada, com um pequeno molhe a fazer as vezes de marina, um parque de merendas agradável com árvores frondosas propiciadoras de sombras convidativas em dias de maior canícula.
Se olharmos para o casario, temos à nossa frente o dique que protege a terra das investidas do Tejo. Construído em 1881, protege estas gentes desde então, com destaque para as cheias de 11 de Fevereiro de 1979 que estiveram mesmo à beira de o ultrapassar. Acompanhou-nos desde que atravessámos a ponte em Porto de Muge e ficaria connosco durante mais um tempo, até perto da Praia Fluvial da Casa Branca.
Em Valada, destaca-se a presença da sua Igreja, consagrada a Nossa Senhora do Ó ou a Nossa Senhora da Expectação, com a sua branca torre sineira e um relógio que tem a curiosa característica de acertar na hora duas vezes em cada dia. Está parado no meio-dia. Ou será meia-noite? A construção original data do Séc. XIII, foi consagrada apenas no Séc XVI mas a sua construção actual é bastante mais recente.
De regresso às Aldeias Avieiras
A primeira surge quando no Reguengo viramos à esquerda por um caminho de terra batida. É a Palhota e para lá das suas características bem típicas, talvez das visitadas aquela que melhor conserva as características típicas. Para lá do casario tem também um comprido molhe palafítico, em bom estado, diga-se.
Foi aqui na Palhota que viveu durante algum tempo o escritor Alves Redol que descreveu a vida das comunidades que habitavam as margens do Tejo. E também aqui foi filmado em 1975 o documentário “Avieiros “pelo realizador Ricardo Costa que retrata a vida dos pescadoras da aldeia da Palhota.
A próxima paragem foi no Porto da Palha. Aldeia situada na quinta do Lezirão, cujo proprietário dava permissão para a construção de barracas; chama-se assim pois era o porto onde se descarregava palha para as quintas. Neste local, havia cerca de nove palafitas em madeira e respectivas cozinhas, correspondentes a anexos construídos posteriormente em frente às casas.
Prossegui. Pouco mais à frente, fica a Praia Fluvial da Casa Branca. Melhor dizendo…ficava. Porque aquilo que agora existe é apenas uma recordação: um pórtico metálico enferrujado à entrada e que serviria eventualmente para dar as boas vindas aos visitantes e uma edificação em ruínas. De praia nada. O leito do rio açoreado e vastamente infestado por plantas invasoras que julgo serem jacintos d’água. Uma palavra apenas: incúria!
No Palácio das Obras Novas
Falei em incúria? Então que dizer do estado ruinoso deste Palácio situado na margem da Vala Real da Azambuja?
O Palácio das Obras Novas, também conhecido por Palácio da Rainha, está edificado na Foz da Vala Real (finais do século XVIII, princípios do século XIX),
Funcionou como um posto de controlo do tráfego de embarcações, de pessoas e de mercadorias, que transitavam através da Vala Real, e também como entreposto e estalagem de apoio à antiga carreira de vapores que fazia o circuito entre Lisboa e Vila Nova de Constância.
A sua envergadura e o encanto natural de toda a zona envolvente atraíram várias figuras da nobreza a passarem ali largos períodos de descanso. O palácio, de arquitetura neoclássica, traduziria robustez, sobriedade e monumentalidade…mas actualmente salva-se apenas o enquadramento paisagístico que rodeia esta ruína.
Merece referência que a primeira vez que aqui estive, há alguns anos, chegava-se ao Palácio (então já abandonado e degradado) por uma comprida alameda de frondosas palmeiras. Mas nem estas resistiram. A recente praga do escaravelho encarregou-se de as matar e hoje restam apenas os seus cotos secos.
O regresso e a última recordação do passado avieiro
Depois de uma breve paragem junto ao ponto onde a Vala do Carregado desagua no Tejo, a fazer recordar outras histórias já contadas, nomeadamente a da Real Fábrica do Gelo na Serra de Montejunto porque era por aqui que os barcos eram carregados com o gelo que se destinava à Corte na capital, prossegui até ao último ponto a visitar neste périplo.
Sabia que o que iria encontrar nada tem hoje nada ver com o passado avieiro do Rio Tejo. Todavia, a comunidade mais próxima de Lisboa ficava junto à Póvoa de Santa Iria. Na zona ribeirinha, junto ao Bairro dos Pescadores.
Toda a margem do Tejo tem vindo a ser alvo de obras de requalificação que permitem que a população possa usufruir de toda esta frente para o rio. E isso é muito positivo, valoriza sobremaneira este território e resulta em melhoria da qualidade de vida destas populações.
Só não sei se não teria sido possível preservar a memória da anterior utilização do rio. Existia aqui um cais palafítico que admito estaria em estado ruinoso mas teria valido a pena recuperar. Até para que a memória não se perdesse…
Para lá da sugestão de um roteiro muito agradável e com diferentes pontos de interesse, que também esta história que conto sirva para conservar a memória de um tempo em que as vidas eram muito mais difíceis mas que o esforço, a imaginação e a capacidade de adaptação conseguiram minorar essas dificuldades.
De notar que para montante do ponto onde atravessei o Tejo – Ponte Rainha D. Amélia em Muge – ainda existem mais algumas aldeias com estas características, como por exemplo as Caneiras perto de Santarém. E todas elas são parte do nosso património cultural.
Um passeio pela memória mesmo ao… Virar da Esquina!
Há uns anos que acalentava o desejo de voltar a percorrer as 15 travessias do Tejo.
A primeira vez foi há 5 anos mas tinha faltado qualquer coisa…que importava completar: unir a foz do rio até ao ponto onde passa a ser exclusivamente português.
Assim nasceu o “POR ESTE RIO ACIMA”.
NOTA PRÉVIA:
“POR ESTE RIO ACIMA” foi o regresso às 15 travessias do Tejo. Curiosamente, cerca de duas semanas depois, descobri que afinal há uma 16ª. Original e diferente…mas está lá! É isso que vos conto no final da crónica deste desafio.
– A ESTRADA AGUARDAVA… –
8.30h da manhã! À minha frente, na outra margem, a Cova do Vapor. Um pouco à direita (a jusante, em linguagem de rio…) o ilhéu do Bugio. Para o outro lado (a montante), lá ao longe e ainda envolta por alguma neblina matinal, a Ponte 25 de Abril. A primeira da viagem…
Esperavam-me mais de 400km. Não era distância que assustasse…mas o ritmo seria lento pelo tipo de estradas a percorrer e por nelas atravessar inúmeras localidades. A expectativa seria de cerca de 8 horas de condução, às quais teria que adicionar as óbvias paragens para fotografias, reabastecimento de homem e máquina, etc. No total, foram quase 12 horas. Ainda assim, por este prisma, o desafio não era assim tanto.
Desafio que é desafio tem que ter uma componente de imprevisibilidade. Não alinho na basófia que “desistir não é opção!”. Aliás, aqui só existem duas opções: é fazer ou desistir. Porque não procuro riscos que se sobreponham ao prazer de viajar e de conduzir moto. Cumprir o desafio é…fazer!
Para apimentar a coisa, a data escolhida antecipava uma das maiores canículas deste Verão. Promessa cumprida pelo S. Pedro, esse meu inimigo figadal! A partir de Santarém, o termómetro não baixou dos 40º, com um largo período nos 42º….
E, para que a coisa ainda tivesse mais piada, nada como levar uma moto improvável. Nada de maxi-trails. Nem de turísticas preparadas para palmilhar milhares de quilómetros. Nada disso. A moto improvável foi uma Suzuki Katana!
Assim já tinha condimentos para o desafio. Só não lhe antecipava a dificuldade…
Esperavam-me as 15 travessias que o Rio Tejo tem: 13 pontes e 2 barragens.
Dessas 13, 10 foram construídas para a finalidade rodoviária, sendo a mais antiga a de Abrantes – inaugurada em 1870 – e a mais recente a das Lezírias – de 2007. Outras 3 eram de inicio ferroviárias e, depois de desactivadas, passaram a servir o trânsito automóvel: a das Mouriscas de 1881, a de Constância de 1888 e a de Muge de 1904. Passaram para rodoviárias respectivamente em 1992, 1988 e 2001. No total, 5 pontes do Sec XIX, 6 do Séc XX e 2 já no novo milénio.
As barragens cujo paredão permite a passagem, as únicas do Rio Tejo em território nacional, são as de Belver e Fratel, construídas respectivamente em 1952 e 1973.
– A CAMINHO –
Saida às 8:30, como referi, tomei o caminho mais rápido para a primeira travessia: a Ponte 25 de Abril. Podendo fazê-lo junto ao Tejo, pela Marginal, optei pela A5 junto ao Jamor. Evitava portagens (algo a que só recorri quando não havia alternativa) e também a maior densidade de trânsito que, por ser dia de semana me poderia atrasar logo ao início.
Assim foi. Passado pouco tempo estava a passar a 25 de Abril. O panorama visto do seu tabuleiro é deslumbrante. Inaugurada em 1966 – 6 de Agosto – une as duas margens no ponto do estuário chamado “gargalo do Tejo”. Obra fundamental para toda a região que antes estava limitada à travessia fluvial, desde logo se tornou um dos ex-líbris da capital. Muitos anos mais tarde (embora o previsse desde o início) tornou-se também ferroviária. Com uma extensão de 2,3km e 190m de altura é uma das maiores do mundo com a sua tipologia: ponte suspensa.
Segui pela A2 até ao Casal do Marco e tomei a EN10 até à Quinta do Conde onde virei para a A33 que me conduziu até à travessia seguinte: a Ponte Vasco da Gama.
A reentrada em Lisboa valeu atravessar aquela que é a mais extensa ponte da Europa – 17km – e uma das maiores do mundo e…pagar a primeira portagem do dia. Inaugurada a tempo da Expo98, tenho o privilégio de a ver todos os dias da janela de casa. Quase faz parte da família…
Daqui, IC2, A1 e EN10 (novamente … esta estrada tem um percurso muito sui generis) até Vila Franca de Xira.
Esperava-me a Ponte Marechal Carmona. Inaugurada em 30 de Dezembro de 1951, teve a primeira portagem em Portugal, pois o Governo de então assumiu que deveria ser paga pelos seus utilizadores. Assim que ficou paga…a portagem extinguiu-se! Estranho….
Tem pouco mais de 1,2km de extensão e custou, à época, o que hoje seriam 650 mil euros. Teve um papel fundamental nos acessos entre o sul e o norte do País e o acesso a Lisboa (a 25 de Abril surgiu 15 anos depois!).
Aqui terminou a primeira parte do percurso ao longo do Tejo. Pelas suas características, chamar-lhe-ei “Urbano”, porque na realidade, o rio banha nas suas margens parte significativa da malha urbana da área metropolitana de Lisboa.
Atravessado o rio para a margem esquerda, iniciei o percurso que designarei “Lezírias” e que se prolonga até Constância….lá chegarei!
Em Samora Correia apanhei a EN118 que me irá acompanhar até ao final do dia de forma intermitente, pois dela sairei e depois voltarei sucessivamente. Começa no Montijo, termina em Alpalhão e acompanha a margem esquerda do Rio Tejo. Não sendo particularmente interessante do ponto de vista de condução (exceptuando as curvas do Tramagal) tem pormenores de paisagem muito bonitos.
Poucos quilómetros adiante, o acesso à A10 que me levaria até à Ponte das Lezírias, a mais recente de todas que percorri.
Com 12km de extensão é a 3ª maior da Europa e, curiosamente, faz a travessia sucessiva de 2 rios: o Tejo e o seu afluente Sorraia. Neste pequeno percurso paguei a 2ª portagem do dia.
Saí de imediato no nó do Carregado, rumo a Vila Nova da Rainha e Azambuja, e um pouco mais à frente virei em direcção a Valada do Ribatejo. O objectivo situava-se 3 km mais à frente desta simpática povoação ribeirinha: a Ponte Rainha D. Amélia.
Também conhecida como Ponte de Muge, datada do início do século passado como ferroviária e convertida à rodovia em 2001, tem sentido único alternado e foi o primeiro exemplar típico da “Arquitectura do Ferro” que atravessei. Outras se seguiram a partir daqui.
Ponte Rainha D. Amélia
Pouco adiante, em Muge retomei a EN118 até à A13 e à Ponte Salgueiro Maia. Com 4,3km, inaugurada em Junho de 2000, fica situada a jusante de Santarém. Tem a curiosidade de não ser iluminada para não interferir com um aeródromo nas proximidades….
E assim cheguei à “Capital do Gótico”, Santarém!
Sobranceira ao Tejo, com a vista das “Portas do Sol”, tão magnífica quanto famosa , atravessei a cidade e rumei à ponte que leva o seu nome…mas que de facto se chama Ponte D. Luis I.
Ponte D. Luís I
Mais uma ponte de ferro. Inaugurada em 17 de Setembro de 1888, tem o comprimento de 1.263m.
E como gostamos muito de nos “posicionar” no mundo…cumpre dizer que à data da sua construção era a maior da Península, a 3ª da Europa e a 6ª do mundo… Esta tendência para “o melhor” ou “o maior” da nossa rua não justificaria um Livro de Recordes com marca de cerveja nacional? Fica a sugestão!
Alpiarça e Chamusca ultrapassadas, cheguei à Ponte da Chamusca (famosa por uns “achamentos” recentes…). De seu nome Ponte Dr. João Joaquim Isidro dos Reis, fica a meio caminho entre aquela vila e a Golegã.
Na Golegã esperava-me um companheiro que simpaticamente se ofereceu para me acompanhar neste pedaço do percurso. Residente em Vila Nova da Barquinha, o António Rebelo foi o meu companheiro no almoço ligeiro, na sua terra. Umas belas bifanas, num local muito recomendável:
E depois, foi o meu cicerone até ao espectacular Castelo de Almourol. E no final acompanhou-me até ao Tramagal.
Castelo de Almourol
Daqui seguímos para Ponte de Constância, ele na sua Africa Twin preta (algo familiar esta moto…) e eu na Katana.
– POR FALAR EM MOTOS –
Neste ponto já tinha percorrido mais de 200km e faltavam 7 travessias. E ainda não falei da minha companheira.
Quando surgiu a oportunidade de levar esta moto fiquei algo apreensivo. A sua configuração poderia ser algo dolorosa para as minhas costas que já conheceram melhores dias. Puro engano! O encaixe foi perfeito, a posição elevada do guiador transmite confiança na condução e acima de tudo, naturalidade na postura, que não castiga nem a “espinha” nem os pulsos.
A protecção aerodinâmica é suficiente para as velocidades praticadas. Efectivamente o pequeno deflector por cima da óptica cumpre a sua missão. A velocidades para lá dos máximos legais (em autoestrada, por exemplo)…não há milagres.
Esta não será a moto ideal para estas viagens porque não tem capacidade de carga…e será pecado mortal adaptar-lhe malas ou caixotes. Fracamente…ela não merece que lhe estraguem a beleza das linhas. E digo isto porque ao natural é muito mais bonita do que as fotos mostram. Opinião subjectiva, eu sei!
O principal defeito que lhe encontrei foi a autonomia. Não porque seja esbanjadora do líquido precioso – fiz no total da experiência mais de 700km e média de 5,1l/100 – nada disso, mas sim porque o depósito é pequeno. 12 litros dizem, mas o máximo que lhe consegui meter foram 10l e tinha autonomia para 20 km nessa ocasião. Torna-se incómodo estar a fazer paragens para reabastecimento e é aconselhável planear o percurso para não haver azar.
Em andamento? Talvez pelo seu comprimento ou p ela diferença de largura dos pneus (atrás um ambicioso 195) a inserção nas curvas não será a mais linear mas, com o hábito, não constituiu qualquer problema. Agora à saída…meus amigos!!! Os mais de 130cv, um pneumático daqueles e um motor com binário que nunca mais acaba é absolutamente fantástico. O 4 cilindros sobe desde as 3000rpm sem qualquer hesitação até quase ao infinito, sendo que o infinito – o red line – está nas 11500! Nas mudanças superiores provoca aquela adrenalina que gostamos. E nas mudanças baixas, saímos das curvas que nem um foguete…e com uma banda sonora a sair do escape a condizer.
A travessia que se seguiu foi a Ponte de Constância (ou da Praia do Ribatejo). Mais uma antiga ponte ferroviária, datada de 1888 e onde os comboios passaram até 1959. O seu mau estado de então, levou à construção de uma nova ao lado.
Mais tarde, as autarquias de Barquinha e Constância aproveitaram-na para o trânsito rodoviário em 1988. Tem um único sentido alternado e é mais um exemplar da “Arquitectura do Ferro”.
O semáforo passou a verde e seguimos rumo ao Tramagal.
Em Constância terminou a parte do percurso que designei por “Lezírias”. A partir daqui, a orografia do terreno torna as estradas mais sinuosas e em permanente sobe e desce. Chamar-lhe-ei “Percurso Serrano”, sendo certo que não alcançamos grandes desníveis a não ser já mais perto do final.
Antes do Tramagal um pequeno aperitivo das curvas e contra curvas que depois me levaram até ao Rossio ao Sul do Tejo. As famosas curvas do Tramagal, que eram em décadas atrás, antes da era das autoestradas, o terror dos viajantes automobilizados.
À saída da cidade do Tramagal, um miradouro dá-nos uma vista magnífica do Tejo e ao longe vislumbra-se a próxima travessia. Foi tempo de despedidas.
Fiz-me a caminho, novamente a solo pois o António regressou a casa.
Muito obrigado Amigo! Até à próxima…
A verdadeira diversão começou aqui e só iria terminar (com um pequeno interregno) mesmo no final da jornada. As curvas do Tramagal fazem justiça ao nome. E com bom piso são uma delícia.
Assim cheguei ao Rossio ao Sul do Tejo e quando parei para a foto da ponte, encontrei 2 companheiros que estavam em breve descanso. Percorriam a EN2.
Já vos disse atrás que o calor era verdadeiramente tórrido. Os 42º faziam-se sentir ao parar e quando na moto, o “bafo” era diabólico. Não havia água que resistisse (agravado com o facto de não ter muito onde a levar).
Surpresa minha, os rapazes, oriundos da Benedita, estavam ensopados. Tive pena deles, pensei. Devem estar a levar uma sova, nos seus fatos. Engano!!! À boa maneira portuguesa, um deles tinha uma habilidade quase milagrosa: sabia ligar a rega do pequeno jardim onde estávamos. Tinham estado a tomar duche…vestidos! Segui o exemplo…2 vezes! Abençoados…
Quando à ponte de Abrantes, é a mais antiga desta viagem. Inaugurada em 1870, tem um comprimento de 339m. Foi construída por um consórcio francês que a conservou sob exploração até 1945, quando passou para o Estado.
Contornei Abrantes até Alferrarede e aqui, uma das surpresas do dia pois cheguei a um troço de estrada que não conhecia. A EN3 que me conduziria até Mouriscas.
A EN3, como o nome indica, foi estabelecida pelo Plano Rodoviário de 1945 e era, neste, a terceira estrada de Portugal por ordem de importância depois da EN1 (Lisboa-Porto) e EN2 (Chaves-Faro). Começa no Carregado e termina em Castelo Branco. Percebe-se bem a lógica desta estrada projectada como sendo a principal via transversal do País (por curiosidade, a EN 4 vai de Lisboa a Elvas). As autoestradas e a falta de visão levaram a que esta estrada esteja hoje toda desmembrada e em alguns troços desapareceu mesmo (mais à frente falarei nisso).
Mas se toda a EN3 fosse como este pedaço que percorri…só vos digo: um deleite de condução!
Em Mouriscas, tomei a EN358 e fiz a 11ª travessia da jornada: a Ponte das Mouriscas. Também apelidada de Ponte do Pêgo ou Ponte Rodoferroviária de Alvega. A ponte actual, com dois tabuleiros paralelos, rodo e ferroviário, data de 1992. Mas a ponte original, para comboios, foi construída em 1881.
Novamente na EN118, passei Alvega (sempre a memória do famoso Major Alvega…) e Casa Branca onde virei para a primeira Barragem a atravessar: a de Belver.
Construída em 1952 e, conjuntamente com a do Fratel que atravessei depois, são as únicas do Tejo em Portugal. Destinada à produção eléctrica, está dotada de uma pequena eclusa para a passagem dos peixes que irão desovar mais a montante mas que consta não ser verdadeiramente eficaz.
Na sua albufeira, num pequeno braço de rio logo a seguir ao paredão e na margem direita, está a Praia Fluvial da Ortiga. Aprazível com vegetação frondosa foi uma tentação…
Continuei em registo de curva e contra curva até chegar a Belver. O Castelo é imponente.
Situado num monte fronteiro à vila, dum lado, e com o Tejo aos seus pés. Magnifica paisagem.
Belver tem a característica única de, por pertencer ao concelho de Gavião, ser a única parcela do Alentejo na margem direita do Tejo. Percorridas as ruas estreitas e em empedrado, inicia-se a descida para a Ponte de Belver. O cenário é fantástico.
Inaugurada em 1907 e recentemente restaurada, tem no seu final um acesso ao passadiço em madeira que ao longo de quase 2km na margem do rio, nos leva até à Praia Fluvial do Alamal.
O troço de estrada que vai da Ponte de Belver até à sede de concelho, sinuoso e a subir, deixou-me novamente na EN118. O pedaço que se seguiu, ao longo de quase 20km é sempre a direito. Com rapidez encontro o IP2 perto de Arez.
Hora de decisões!
– O FINAL DA JORNADA –
Um pouco antes de Arez, a EN118 entronca no IP2. Em frente, para Nisa e a EN18, à direita rumo a Portalegre e à esquerda, para a Barragem do Fratel, a penúltima travessia. O final estava próximo.
Esta Barragem, construída em 1973, é fundamental tal como a de Belver que passei antes, para o controlo do caudal do Tejo para lá da produção de electricidade. E talvez tenha sido, na época da sua construção, este o aspecto principal para o projecto ir em frente porque submergiu um núcleo importante de pinturas rupestres e ainda um troço do muro de sirga do Rio Tejo.
É também um ponto de passagem obrigatório para quem vem de norte, Beira Alta e Beira Baixa, pela A23 e aqui inflecte rumo a sul.
Neste ponto decidi reflectir sobre o caminho a seguir. O objectivo era a última travessia, a Ponte de Ródão. Tinha duas formas de lá chegar:
– a primeira, que era o caminho previsto, implicava seguir pela A23 (porque esta se sobrepôs à antiga EN3 que desapareceu em alguns troços não deixando alternativa), sair para Fratel (obviando o pagamento de portagens), retomar a EN3 até esta encontrar a EN241 perto do Cerejal e então descer em diracção a Vila Velha de Ródão e ao rio. Seriam cerca de 30 km, não muito interessantes, diga-se.
– a segunda, subverter o principio da alternância de margens, regressar até ao cruzamento de Arez, aqui virar para Nisa e de seguida pela EN18 até à Ponte de Ródão. Percurso por estrada, com a enorme vantagem de percorrer integralmente o troço de 18k da EN18 da Serra de Nisa (um dos bons pedaços de estrada de curvas que conheço) até à Ponte de Ródão. 34km no total, um pouco mais que a primeira opção, mas muito mais divertido.
Já perceberam, optei pela segunda. E não me arrependi como vos contarei.
Deleitado com a EN18 cheguei ao espectacular cenário da Ponte de Ródão.
Inaugurada em 1888, mais uma ponte centenária e que sempre foi essencial na ligação da Beira ao Alentejo e vice-versa.
Acresce ainda a magnífica vista do rio e da garganta natural que ali o aperta no seu curso: as Portas de Ródão.
As 15 travessias estavam concluídas!!!
Faltava apenas o troço final até ao ponto onde o Tejo é exclusivamente nosso: a Barragem de Cedillo.
A tarde ía já avançada, o cansaço atacava e somava-se também alguma desidratação. O calor, que ainda permanecia nesta altura, tinha sido violento ao longo de quase toda a jornada. O que implicava cuidados redobrados na condução pois a forma fisica já não era a melhor.
Alguns minutos de descanso, até porque tinha que atravessar a passagem de nível da Linha da Beira Baixa e esta estava fechada para o Intercidades rumo a Lisboa.
Caminho desimpedido, regressei por onde tinha vindo: EN18. Mas desta feita apenas até metade do caminho pois virei à esquerda em direcção a Vinagra, Pé da Serra, Salavessa e Montalvão. Estradas municipais, estreitas mas em bom estado. Sinuosas, pelo meio da serra de Nisa. E sem trânsito. A desertificação do interior é uma realidade. Quase não se vê vivalma.
A partir de Montalvão, 7km a descer até à Barragem de Cedillo.
Esta é uma barragem curiosa. É totalmente espanhola, mas as suas duas extremidades estão assentes em território português. Situa-se no preciso local em que o Rio Sever desagua no Tejo, pelo que a albufeira se espraia pelas bacias dos dois rios. Estamos na fronteira com Espanha e parte do tabuleiro é atravessável, permitindo a entrada no país vizinho….mas só ao fim de semana!
Estava concluído o desafio. O POR ESTE RIO ACIMA chegava ao fim.
Eram quase 20h e ainda fazia calor. O dia tinha sido tórrido, o que tornou a jornada que no papel não era complicada, num verdadeiro desafio à minha resistência física. Se durante o dia bebi bastante água…depois de concluído, à chegada a casa (aqui ainda me faltavam 30km) bebi muito mais. estava verdadeiramente desidratado.
Mas um desafio só o é, se for difícil. E as coisas fáceis não têm o mesmo sabor.
Quando à minha fiel companheira? Pois, como se nada fosse com ela! Impávida e serena, como quem pede mais…
A Suzuki Katana foi uma belíssima opção pois o seu conforto tornou o percurso muito mais suportável. Diga-se que a maior parte do percurso teve asfalto em bom estado. Porque quando fica irregular e saltitante, a moto tem mais dificuldade pois as suspensões são bastante firmes. Um pequeno senão que é mais que compensado com a segurança e aprumo com que se lança às estradas mais sinuosas.
Quando passado uns dias a entreguei…deixou saudades!
E pronto! …Está concluído este desafio de Viagens ao Virar da Esquina!
NOTA
Este é o texto original que, depois de editado e resumido por limitações óbvias de espaço, foi publicado a 31 de Julho na Revista Motojornal. Pode ser lido em“VVE na Imprensa”
– A 16ª TRAVESSIA –
Duas semanas depois do POR ESTE RIO ACIMA, descobri por mero acaso a 16ª travessia do Tejo. Fica no sítio apropriadamente chamado Barca do Tejo, junto à aldeia de Amieira do Tejo.
A Amieira é uma terra ancestral com muita história, com um orgulhoso castelo que desempenhou papel fundamental na defesa do Tejo e também de Portugal.
É monumento nacional e foi mandado construir pelo Prior do Crato no século XIV , o pai de Nuno Álvares Pereira.
Descemos cerca de 3km de estrada asfaltada mas estreita, em que a aproximação ao Tejo tem enorme beleza.
Lá chegados a travessia faz-se…por barca!
A barca (esta é moderna pois a nova travessia, que evoca uma muito antiga, foi inaugurada em Setembro de 2019) permite o tráfego entre a Barca de Amieira e S. José das Matas, na outra margem. E a importância desta travessia é maior do que à primeira vista pode parecer: Em S- José das Matas fica o apeadeiro de Amieira do Tejo – Envendos da linha de caminho de ferro da Beira da Baixa.
Tenho que lá voltar numa próxima oportunidade e experimentar a travessia na barca. Mas fica o registo para quem queira aproveitar.
AGRADECIMENTOS
Para terminar, um agradecimento ao representante da Suzuki em Portugal, aMOTEO PORTUGAL, SAque me permitiu experimentar a Suzuki Katana. Foi uma espectacular companheira no “Por Este Rio Acima”!
Devo ainda referir e agradecer a simpatia do concessionárioJPM Motos em Frielas.
Finalmente, muito obrigado pelo apoio e a publicação na Motojornal(revista #1488 de 31 de Julho). Pode ser lido em“VVE na Imprensa”
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