Certo, certo…é o tempo incerto!

Num dia de Verão mas com tempo a lembrar invernia, procurei as praias do Oeste. O destino era Atouguia da Baleia e lá cheguei depois de algum frio, nevoeiro e bonitas paisagens. Já as praias estavam quase desertas…

1ª parte: De Tauria a Atouguia, em terras que outrora foram mar

A Atouguia da Baleia, que hoje vive na sombra da cidade de Peniche a meia dúzia de quilómetros, e do corrupio balnear e surfista das praias das redondezas – sendo o Baleal talvez a mais conhecida e de certeza a mais bonita e original – tem no seu passado uma riqueza muito interessante, onde a história, a lenda e a geografia se entrelaçam.

Foi este o destino e a Casa do Castelo o nosso abrigo, principalmente depois de um dia de viagem em que o clima andou a tropeçar num Verão teimosamente arredio. Afinal, a única certeza é mesmo a do tempo incerto!

Construida à volta da História, encostada no que resta da muralha do velho Castelo da Atouguia , defensor do que em tempos muito idos foi o porto da Atouguia, a Casa do Castelo acolhe-nos com a beleza das suas linhas clássicas e a simpatia dos anfitriões que nos privilegiam com um ambiente verdadeiramente familiar.

A caminho das praias do Oeste

A companheira desta jornada foi uma Honda X-ADV, uma moto – ou scooter? – com características originais e que se veio a revelar uma experiência muito interessante que aqui conto: “Honda X-ADV”.

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Com a Honda X-ADV

A moto, gentilmente cedida pela Honda Portugal, foi uma companheira fiel, adequada ao tipo de trajecto com uma ou outra incursão em terrenos nos quais o asfalto primava pela ausência no acesso a algumas das praias visitadas. E diga-se, porque é de justiça, a X-ADV fez jús aos seus pergaminhos, percorrendo essas estradas em terra como se esse fosse o seu terreno de eleição. E se calhar até é… Em estrada, confortável e segura, com boa performance, económica q.b. (4l/100) e o espaço debaixo do banco suficiente para a bagagem de 3 dias.

A caminho, saí de Lisboa cedinho. Dia ensolarado e temperatura amena. Aparentemente condições ideais para uma jornada mototurística. Puro engano! Uma vintena de quilómetros para Norte, percorrendo a sinuosa EN115, quando me aproximava de Sobral de Monte Agraço, vislumbro forte nebulosidade…restos de incêndios da véspera, foi o primeiro palpite. Que rapidamente se desvaneceu quendo constatei que era mesmo nevoeiro. E cerrado. No Alto da Forca, sobranceiro à vila, era evidente que a esperança de um dia solarengo era para já uma miragem. Lá para a frente logo se veria, mas o augúrio não era bom.

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No Alto da Forca (Sobral de Monte Agraço). O nevoeiro já antecipava o que aí vinha…

Para trás ficou Sobral de Monte Agraço, rumei a Torres Vedras por algumas das estradas menos óbvias mas que naquela zona são muito mais interessantes. Pouco ou nenhum trânsito, piso razoável e com muitas curvinhas para quebrar a monotonia.

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Mais uma estrada municipal…quase deserta…

Depois de Torres que apenas circundei, o rumo era para a costa. Alguns pormenores lançaram a confusão…afinal, passei por Benfica… e Gibraltar fica ali. Será que vamos ter um enclave quando acontecer o Brexit?

De praia em praia, até Peniche

O roteiro das praias a caminho da Atouguia da Baleia começou um pouco abaixo de Santa Cruz, na Praia Azul. Para Sul ficava a Ericeira e a costa ocidental da zona de Lisboa que percorri por alturas de Março em agradável companhia (ver “Uma volta pelos nossos terrenos de caça”).

A Praia Azul estava banhada pela neblina que, já antecipava, iria ser companheira de viagem. Dava tonalidades diferentes daquelas que seria expectável para a altura do ano…nem por isso desvalorizando a beleza do extenso areal rodeado de dunas e com a foz do Sizandro a sul.

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Praia Azul

Daqui, um pouco para Norte e cheguei a Santa Cruz. Praia mais cosmopolita mas onde o tempo nebuloso afastava os veraneantes do areal e até das ruas. Apenas uma ou outra esplanada mais composta. No entanto, a praia não escondia a sua beleza. Apenas as tonalidades eram diferentes. Do alto do Miradouro da Praia Formosa conseguimos admirar o enquadramento rochoso e o areal que lhe dão com inteira propriedade o nome.

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Para o outro lado, a Pedra do Guincho, altiva, destaca-se do areal e daí parte o areal da Praia do Centro fronteira ao núcleo urbano de Santa Cruz.

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Santa Cruz – Pedra do Guincho

Um pouco mais à frente, entre outras, a Praia da Física onde alguns surfistas enfrentavam o mar bastante pacífico.

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Surfistas na Praia da Física (Santa Cruz)

Prossegui junto à costa e um pouco adiante, a Praia da Mexilhoeira. No meio da neblina era possível admirar ainda assim a beleza das arribas que lhe dão o aconchego face ao mar.

Sucedeu-se a Praia de Santa Rita. Os corajosos veraneantes desafiavam a neblina na qual as tradicionais barracas de praia davam a cor que o tempo permitia. Praia com um bom areal, mar revolto a aconselhar algum cuidado aos banhistas. Como a generalidades das praias da zona, é procurada por surfistas e bodyboarders.

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Praia de Santa Rita

E chegava à Praia de Porto Novo. Um bonito areal situado no final de um vale luxuriante e enfeitado com a foz do Rio Alcabrichel. Ele próprio a proporcionar águas mais calmas a permitir desfrutar de momentos de diversão, por exemplo com as canoas de aluguer.

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Praia de Porto Novo – Rio Alcabrichel
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Praia de Porto Novo
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Praia de Porto Novo

Esta praia, onde antigamente havia um porto piscatório tem a sua história. Foi aqui, que em 1807, desembarcou o exército britânico comandado por Wellington e que viria a derrotar as forças francesas da primeira Invasão Napoleónica, comandadas por Junot, na batalha do Vimeiro.

Depois de uma pequena paragem para recuperar e petiscar algo era tempo de continuar pois ainda faltava muito para o destino.

Seguiu-se a pequena Praia de Valmitão, com o escasso areal apertado pelas falésias que o ladeiam.

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Praia de Valmitão

Depois a Praia de Porto Dinheiro, que me acolhe com um engraçado dinossauro antes de começar a descer para o areal. Bonita praia com um pequeno aglomerado de casas da comunidade piscatória. Consta não ser mau sitio para restaurar…afinal, peixe não faltará.

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Ao chegar à Praia de Porto Dinheiro somos recebidos por este simpático dinossauro…
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Praia de Porto Dinheiro

Era agora a vez de chegar à Praia de Porto das Barcas. Como o nome indica, também pequeno porto piscatório. Terá sido uma praia antigamente famosa mas que entretanto caiu em decadência, como se pode constatar por alguns antigos restaurantes agora fechados.

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Praia de Porto das Barcas
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Praia de Porto das Barcas
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Praia de Porto das Barcas
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Praia de Porto das Barcas
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Praia de Porto das Barcas
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Praia de Porto das Barcas

Em fase de alguma recuperação, é possível ver algumas esculturas do artista local simplesmente conhecido por Zé…ou ZenArtes. Muito interessante…

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Praia de Porto das Barcas – ZenArtes

A praia seguinte tem um extenso areal e, apesar do tempo cinzento, até estava apetitosa… falo da Praia da Peralta.

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Praia da Peralta

A curiosidade histórica que a marca está relacionada com o naufrágio do Galeão São Nicolau, em 1642. Fazia parte de uma armada de 11 navios preparada para ir em socorro da Ilha Terceira ainda em poder dos Espanhóis (estamos nos anos seguintes à Restauração da Independência).  A força expedicionária era comandada pelo General Tristão de Mendonça Furtado que seguia no Galeão Bom Jesus de Santa Teresa e o Almirante da Armada, Francisco Duarte, no Galeão São Nicolau. Acometidos por violenta tempestade, o São Nicolau viria a naufragar nestas águas. Por sua vez, o Bom Jesus salvar-se-ia mas, o General e outros oficiais resoveram meter-se num batel que os trouxesse até à costa. O batel voltou-se e pereceram todos.

Neste batel vinha também um marinheiro que tinha uma missão secreta: entregar ao capitão donatário da Ilha Terceira um cofre com pérolas enviado de Lisboa. O marinheiro conseguiu chegar à praia…mas moribundo terá conseguido ainda enterrar o cofre escondendo-o. Terá deixado algumas pistas mas desconhece-se se alguma vez as pérolas terão sido encontradas…

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Praia da Peralta e a X-ADV

Mais um pouco e continuei o périplo pelas praias à medida que me aproximava de Peniche. Seguiu-se a Praia do Paimogo. Uma pequena baía dominada pelo Forte de Paimogo datado do Séc. XVII. Procurada para a prática de mergulho e pesca submarina, talvez pelo fundo rochoso que se descortina do areal, foi aqui que em 1993 foram encontrados cerca de 100 ovos de dinossauro, alguns contendo ossos embrionários, que mais tarde viriam a ser atribuídos à espécie Lourinhanosaurus antunesi e que se encontram à guarda do Museu da Lourinhã.

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Praia e Forte de Paimogo
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Forte de Paimogo
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Forte de Paimogo
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Praia de Paimogo

A praia seguinte foi a de S.Bernardino. Não é grande mas por estar protegida por arribas é bastante acolhedora e convidativa. Até porque tem boas infraestruturas de apoio.

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Praia de S. Bernardino

Ao longe já vislumbro Peniche. Mas ainda tenho duas praias antes de chegar à cidade de Peniche e começo a estar em pleno domínio dos praticantes de Surf.

A primeira é a Praia da Consolação. Protegida pelo forte que a divide em duas, tem características muito peculiares. A norte, o extenso areal que segue até Peniche passando pela Praia de Supertubos (próxima paragem) e que é muito procurado pela comunidade surfista. A sul, praia rochosa, mas sobretudo com uma excelente exposição solar e muito rica em iodo, o que a faz ser muito procurada por motivos terapêuticos (doenças de origem reumática e óssea).

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Praia da Consolação – vista para norte. Ao fundo, Peniche
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Forte da Consolação. Nas rochas, veraneantes aproveitam os efeitos da exposição ao ar pleno de iodo

E assim cheguei à Supertubos, de seu nome Praia do Medão. Protegida da nortada pela península de Peniche, os seus “tubos” são considerados os melhores em mares europeus. Ondas grandes e tubos perfeitos fazem-na ser considerada uma das mecas do Surf e cenário de multiplas competições internacionais. E não só só do Surf, pois também é procurada por praticantes de jet-ski, kitesurf, windsurf e bodyboard.

Em Peniche…outrora ilha e hoje península

Peniche é considerada a cidade mais ocidental da Europa Continental. Mas nem sempre assim foi. E não porque o estatuto de cidade lhe foi outorgado apenas em 1987. Mas porque há algumas centenas de anos, a agora península era então uma ilha.

Na realidade a geomorfologia deste pedaço de território sofreu imensas transformações ao longo dos tempos. E se há alguns milénios a linha de costa se situava a cerca de meia dúzia de quilómetros a oeste da actual Peniche, já no segundo milénio da era Cristã, este pedaço era uma ilha.

Supõe-se que etimológicamente, Peniche venha do termo em latim para península – paene+insula ( que significa “quase ilha”) – mas ainda no séc XII, a linha de costa situava-se a oriente do maciço rochoso que hoje constitui a península. E também o Baleal era uma ilha. À época, o que hoje conhecemos por Atouguia da Baleia, era designada por Tauria pela grande quantidade de touros selvagens que aí havia. E dominava o estuário de S. Domingos, sendo aqui o principal porto da região.

O açoreamento progressivo do triângulo situado entre Peniche, Baleal e Atouguia, não só alterou significativamente a morfologia do terreno como também teve significativo impacto na importância relativa entre estas povoações.

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Se na actualidade Peniche é um dos maiores postos piscatórios nacionais e a cidade é o polo urbano mais desenvolvido da região, à época dominava Touria/Atouguia, porque o estuário lhe dava características de abrigo e de maior facilidade na respectiva defesa. A pesca é a principal actividade da cidade sendo o turismo também cada vez mais relevante

O monumento mais conhecido é o Forte de Peniche, que teve a sua origem no Castelo da Vila datado do Séc XVI e mandado construir por D. João III em 1557. Era a resposta à crescente importância de Peniche (e à decadência da Atouguia, cada mais inacessível por via maritíma) neste ponto da costa que deixava de ser uma ilha e passava a fazer parte da plataforma continental. A construção fica concluída em 1645. Sendo a praça-forte responsável pela defesa de Peniche ao longo dos anos, tornou-se tristemente célebre no Séc XX enquanto prisão de oposicionistas políticos do Estado Novo. É hoje o Museu da Resistência (fechado quando por lá passei…).

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Forte de Peniche
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Forte de Peniche
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Forte de Peniche
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Porto de Pesca

Outro ex-libris de Peniche é o Cabo Carvoeiro. Em dias mais límpidos, é possível vislumbrar as Berlengas. Mas não foi esse o caso pois o meu dia continuava muito cinzento e nublado. É, todavia, um destino que está na agenda.

O Cabo é majestoso e à medida que nos aproximamos as formações geológicas de origem calcária dão formas surpreendentes às falésias que se precipitam para o mar alteroso lá em baixo.

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Cabo Carvoeiro
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Cabo Carvoeiro – Farol
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Cabo Carvoeiro
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Cabo Carvoeiro
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Cabo Carvoeiro

A caminho, uma placa indicava Papôa. O nome suscitou a minha curiosidade pois não tinha qualquer referência ao local. Lá fui…e bem surpreendido fiquei pela riqueza paisagística do local. O trabalho de erosão do mar e dos ventos gerou formações rochosas imponentes e de grande riqueza visual. Dali se vê, a norte todo o areal que vai até ao Baleal e a sul, a figura majestosa do Cabo Carvoeiro.

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Peniche – Papôa
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Peniche – Papôa
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Peniche – Papôa
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Peniche – Papôa

Visitado Peniche e o Cabo Carvoeiro, segui caminho. Obviamente a próxima paragem foi o Baleal. Já bem conhecido, ainda assim a beleza desta “ilha” e a curiosidade do acesso por via única sobre o istmo arenoso que a une ao lado continental, nunca deixa de me deixar encantado. O próprio casario, apesar da pressão turtística cada vez maior, não perdeu as suas características originais e dá assim a forma de grande beleza que é possível observar “do outro lado”. Apesar do tempo sombrio, muitos eram os fiéis da praia que frequentavam, quer a do norte (mais pequena) quer a do sul (cujo areal se estende até Peniche).

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Baleal
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Baleal – Praias
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Baleal – ao fundo o Cabo Carvoeiro
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Baleal – Praia do norte
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Baleal – Praia do sul
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Baleal – Azáfama junto à praia
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Praia do norte e o Baleal em segundo plano

Cafézinho tomado e voltei à estrada. Até esta altura, a X-ADV foi uma fiel companheira. Confortável e sempre disponível, a sua configuração de scooter torna-a muito acessível e prática para uma viagem com estas características em que a cada passo surge uma oportunidade de ver algo ou tirar umas fotos. A bagagem para esta viagem (de 3 dias) toda convenientemente guardada debaixo do banco (onde alternativamente cabe um capacete integral e mais umas coisinhas) livrou-me de preocupações adicionais nestas paragens. E por falar em preocupações, foi algo que também não tive quando o acesso a algumas destas praias se fazia por estradas de terra batida ou em pior estado. A X-ADV é, na realidade, uma scooter-trail com as características de polivalência inerentes. As suspensões absorvem competentemente as irregularidades do terreno e a tracção – com a opção Gravel ligada – associada à gestão da caixa semi automática DCT nunca deixou margem para qualquer reparo. Sem dúvida uma excelente opção para passeios com estas características. Que ao longo dos quilómetros fui confirmando e com crescente satisfação à medida que a viagem decorria.

A tarde ía avançada e preparava-me para começar “a apontar” ao destino do dia: a Casa do Castelo na Atouguia da Baleia. Mas ainda tinha alguns pontos no roteiro para visitar.

O primeiro foi a Praia d’El-Rei. Actualmente um grande condomínio de luxo, a praia estava quase deserta apesar de ser um dia de Verão.

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Praia d’El-Rei

A zona da costa que percorri nesta jornada é sempre uma caixinha de surpresas quanto ao tempo que se encontra. Ora belos dias de sol e calor, ora a neblina e o vento que tornam os dias cinzentos e menos agradáveis. Como já referi, a única certeza é o tempo incerto! Continuei…

Aproximava-me da margem sul da Lagoa de Óbidos que seria o limite onde depois inflecti para o interior rumo à Atouguia. Entretanto, ainda houve tempo para rever a praia de Rei Cortiço (onde há algum tempo tinha estado…mas de bicicleta). Zona em que se vê estarem a ser implantados alguns aldeamentos e que antecipa algum crescimento turístico mas o ritmo parece ser lento. Ainda bem…

A pequena Praia de Rei Cortiço rodeada de umas pequenas falésias que a comprimem até ao mar, mantinha o ar de calma tranquilidade que recordava. Obviamente que num dia solarengo talvez a azáfama fosse diferente.

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Praia de Rei Cortiço
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Praia de Rei Cortiço

E finalmente cheguei à Lagoa de Óbidos. Do outro lado, a Foz do Arelho que visitei no dia seguinte. Aqui, a oportunidade para uma foto panorâmica e…..rumo à Atouguia da Baleia percorrendo as margens da Lagoa e depois por Vau, Olho Marinho e Serra d’El-Rei

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Lagoa de Óbidos – ao fundo a Foz do Arelho
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Lagoa de Óbidos – ao fundo a Foz do Arelho

Na Atouguia da Baleia…

…ou na Tauria como lhe chamavam antigamente!

No Sec XII, D. Afonso Henriques outorgou estas terras aos irmãos Guilherme e Robert de Corni, cruzados franceses, em agradecimento a serviços prestados nas lutas contra os Mouros, nomeadamente a conquista de Lisboa. Chamava-se assim o território pois nele abundavam touros selvagens. A denominação actual deriva de sucessivas evoluções do termo ao longo de 2 milénios. Ainda hoje, defronte da Igreja Matriz é possível ver alguns dos pilares que circundavam o Touril onde esses touros bravos eram depois exibidos nas festas medievais (e provavelmente as antepassadas das touradas actuais…).

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Reminiscências do Touril

O primeiro foral data de 1167! Veja-se que o foral de vila é atribuído a Peniche apenas em 1609…mas, dois séculos passados, em 1836, o concelho da Atouguia é extinto e integrado no de Peniche. Como a alteração geomorfológica do território que atrás mencionei alterou significativamente as relações de importância entre as duas povoações.

História diferente tem o acréscimo “da Baleia”. Conta-se que por volta de 1526 terá dado à costa, num lugar então chamado Areia Branca, uma baleia que “tinha de comprimento 30 côvados” (cerca de 15 metros). Daí a Atouguia…da Baleia. Na Igreja de São Leonardo pode ser vista uma grande costela de baleia petrificada que, diz a lenda, pertenceria ao tal cetáceo.

Também este templo tem história curiosa. S. Leonardo não é santo de devoção habitual em Portugal, sendo este mesmo o único devotado a tal santo. S. Leonardo de Noblac era um nobre gaulês no Sec V que consagrou a sua vida a Deus em vez de seguir os caminhos da guerra como seria habitual à época para a sua condição social. Noblac é o nome do mosteiro que fundou em terras que lhe foram oferecidas.

Estabelecida em terras da Gália a devoção a este S. Leonardo, séculos mais tarde, era ele o padroeiro de navio francês que enfrentou terrivel tempestade ao largo da Atouguia (recorde-se que na Idade Média, Atouguia era porto de mar) tendo procurado aqui protecção da fúria dos elementos. Toda a tripulação abandonou o navio e acolheu-se numa capela que ali existia. Com eles vinha a imagem do santo padroeiro. Algum tempo passado, a tempestade desvaneceu-se e era tempo de os marinheiros voltarem ao navio e fazerem-se ao mar, só que…sempre que procuravam transportar a imagem do santo para o navio, o mar alterava-se e a tempestade regressava. Ou seja, acabaram por se estabelecer naqueles domínios. Mais tarde, no local onde se abrigaram veio a ser construída a que é hoje a Igreja de São Leonardo, cuja origem remontará ao Séc XIV.

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Igreja de S. Leonardo
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Igreja de S. Leonardo
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Igreja de S. Leonardo – pormenor
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Igreja de S. Leonardo (ao fundo, a Casa do Castelo)

O nosso abrigo: a Casa do Castelo

Situada mesmo defronte da Igreja de São Leonardo fica a Casa do Castelo. A ela cheguei já a tarde caminhava para noite. Ainda a tempo de vislumbrar a beleza arquitectónica do edifício e o seu enquadramento paisagístico. Que é relevante, uma vez que está encostado a parte da muralha do que em tempos foi o Castelo da Atouguia, de origem mourisca e datado do Séc XII, em perfeita simbiose.

E desde logo, fomos simpaticamente acolhidos pelo nosso anfitrião. Estacionada a moto, não pudemos deixar de ficar impressionados com o enorme e centenário dragoeiro que nos aponta o caminho da Casa. Diga-se que, como me foi contado, esta belíssima árvore classificada perdeu uma parte importante do seu porte no ano passado, mas não perdeu a sua altivez e majestade. Impressionante!

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Casa do Castelo e o imponente dragoeiro

O Castelo, bem como a Igreja de São Lourenço, situa-se no cimo de um monte e tem à sua frente, o que hoje é um vale onde corre um fio de água chamado S. Domingos (domesticado por barragem do mesmo nome situada ligeiramente a montante). Mas antigamente, esse vale fazia parte do estuário de S. Domingos e nele se situava o porto da Atouguia. Naturalmente, o Castelo e suas muralhas faziam parte essencial das defesas do porto. Da janela do quarto era possivel perceber todo este enquadramento, com a muralha logo ali e a vasta planície que se estende até ao Baleal e que outrora foi o já referido estuário de S: Domingos.

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Casa do Castelo – Muralha, jardim interior e ao fundo, o Baleal

A Casa do Castelo, precioso abrigo depois de uma jornada menos luminosa que o desejado mas não menos interessante, acolheu-nos. E desde logo nos deixou favoravelmente impressionados. Quer pela beleza do edificio, testemunho da sua história secular. Construída no Sec. XVII sofreu profunda transformação e ampliação nos principios do Séc XIX, como aliás é comum nestas casas senhoriais que cresciam à medida que as familias aumentavam e reflexo da sua própria prosperidade.

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Casa do Castelo
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Casa do Castelo
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Casa do Castelo
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Casa do Castelo
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Casa do Castelo

Nos finais do século passado, obras profundas de recuperação e restauro, concluídas em 1995, devolveram o brilho e elegância ao edifício e dotando-o então das características no seu interior adequadas à atual função: um turismo de habitação que acolhe os seus visitantes como se de velhos amigos se tratassem. Essas obras procuraram respeitar a antiga traça do edifício mas dotando-o agora dos confortos modernos.

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Também o antigo páteo virado a poente foi adaptado, com as antigas instalações da faina agrícola (cocheiras e galinheiros) transformadas em simpáticos apartamentos com um alpendre acolhedor sobre a apelativa piscina (estivesse melhor o tempo e não teria escapado a um mergulho…).

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Casa do Castelo – pátio
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Casa do Castelo – pátio
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Casa do Castelo – pátio

A última palavra é a mais importante. Por mais bela que uma casa seja, a verdadeira alma vem daqueles que a habitam. E a capacidade de nos fazerem sentir que estamos em “nossa casa” e podermos desfrutar, com a simplicidade da amizade, da história e da vida, neste caso, da Casa do Castelo. Assim, uma enorme gratidão pelo acolhimento e pelo convívio que o João e a Maria me proporcionaram nesta curta mas memorável visita à Casa do Castelo.

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Com o meu caríssimo anfitrião!

E não esqueço que a simpatia e disponibilidade se prolongaram pela manhã seguinte com um périplo pela Atouguia da Baleia, onde o João Baltazar foi um cicerone precioso, contando-me algumas das histórias que aqui reproduzo e que bem ilustram a ancestral riqueza desta povoação cuja história corre em paralelo com a de Portugal.

Nesse périplo pela vila, para lá de outros monumentos – a fonte medieval, a Igreja Matriz, o pelourinho…e até a sede do Vespa Clube do Oeste – foi possível ver os resquícios do Touril.

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Atouguia da Baleia – Pelourinho
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Atouguia da Baleia
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Atouguia da Baleia – fonte medieval
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Atouguia da Baleia – fonte medieval
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Atouguia da Baleia – Igreja Matriz e os resquícios do Touril
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Atouguia da Baleia – sede do Vespa Clube do Oeste

E aqui vem a talhe de foice contar mais um episódio da nossa História, vivido nestas terras. Este Touril virá da época em que D. Pedro e D. Inês por aqui viveram alguns dos tempos do seu trágico romance. Estávamos a meio do Séc XIV, quando D. Pedro se veio a acolher no Paço situado na então designada povoação de Serra d’Atouguia e que a partir daí passou a ser Serra d’El-Rei. Sendo ainda relação entre ambos ilegítima, D. Inês estava na povoação vizinha hoje denominada Coimbrã (alusão ao facto de os apaixonados amantes virem de Coimbra onde antes residiam?).

E foi precisamente D. Pedro, grande apreciador da caça e dos touros que terá renovado o interesse por esta espécie na Atouguia da Baleia e que já fazia parte da sua história anterior.

Contada este episódio, e porque o caminho por aí nos levava, nada como terminar em Serra d’El-Rei com uma foto da entrada do Paço Real que acolheu o Infante, futuro Rei D. Pedro I.

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Serra d’El-Rei – Paço
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Serra d’El-Rei – Paço (pormenor)

Agradecimentos

A moto utilizada nesta viagem foi uma Honda X-ADV, sobre a qual já escrevi a respectiva análise, publicada aqui. A minha gratidão à Honda Portugal pela sua cedência.

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Um grande muito obrigado também aos Solares de Portugal, companhia de primeira hora neste projecto em que vos dou a conhecer algum do riquíssimo património histórico e arquitectónico dos muitos solares e mansões familiares do nosso País.

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E obviamente, a minha gratidão aos anfitriões desta excelente visita à Casa do Castelo na Atouguia da Baleia. Que recomendo…até porque fica logo ali, ao Virar da Esquina!

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Casa do Castelo

P’rós Amigos

Disclaimer

A partir de hoje (24/09/2019) e durante os próximos 30 dias, os Solares de Portugal oferecem um desconto de 10% nas reservas efectuadas para este destino sendo que nesse acto deverá ser indicada a referência 6F0BD582 e mencionar que a casa visitada foi a  Casa do Castelo na Atouguia da Baleia.

Este desconto não é cumulativo com campanhas em vigor e a reserva da estadia terá que ser feita através da CENTER promo@center.pt e tel 258 743 965 e não directamente à casa.

Outros benefícios podem ser consultados na página P’rós Amigos!

A Royal Enfield a caminho das planuras alentejanas

Para uma travessia da planície alentejana em época de canícula nada como uma calma e carismática Royal Enfield Himalayan.

De Lisboa a Alcácer do Sal

A companhia desta viagem foi uma Royal Enfield Himalayan na sua versão Adventure, gentilmente cedida pelo representante nacional.

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Saido manhã cedo rumo a sul, a primeira paragem foi em Alcácer do Sal, local propositadamente escolhido para o cafézinho matinal. A marginal que bordeja o Rio Sado e com vista privilegiada para a ponte metálica que o atravessa, está hoje ocupada por diversas esplanadas que o sol ilumina e aquece.

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Distante pouco mais de 90 quilómetros de Lisboa, é a porta de entrada no Alentejo e o local onde a estrada, que no limite nos transporta até ao Algarve, definitivamente assume o rumo a Sul.

Conhecer Alcácer do Sal – um pouco de História

Cheguei lá cerca de uma hora depois. Muito menos tempo do que demorou a conquista definitiva deste território aos Mouros, depois de Lisboa ter caído às mãos de D. Afonso Henriques em 1147. A primeira conquista ocorreu em 1158, mas não foi definitiva. Só bastante mais tarde, em 1217, Alcácer do Sal ficou na posse dos cristãos. 70 anos depois. Eram outros tempos mas a dificuldade denota também a importância estratégica de Alcácer.

Tendo sido fundada antes de 1.000 a.C. (existem vestígios de presença pré-histórica nas suas imediações) pelos Fenícios, a sua importância já denotava a grande riqueza de então: chamaram-lhe Bevipo e o sal era a principal produção da região. Acresce que a navegabilidade do Rio Sado, era propícia ao acolhimento dos barcos que faziam o comércio à época, com a segurança de um porto interior mais protegido das intempéries e da pirataria. A região exportava sal (as margens do rio que ainda retinham o sal das águas oceânicas oriundas da foz, cerca de 40 quilómetros a jusante), peixe salgado e ainda cavalos que seriam abundantes nestas zonas de lezíria.

Com a conquista romana, no início da era Cristã, a sua denominação alterar-se-ia para Salácia. A posição estratégica, pela via marítima e também por ser já na época um ponto de passagem dos que vindos de sul demandavam a aproximação ao estuário do Tejo e a Lisboa, deram-lhe a notoriedade e a importância que é testemunhada pelo facto de os seus habitantes terem o privilégio de ser considerados Cidadãos de Roma.

Mais tarde e já depois da passagem dos Visigodos que substituiram o Império Romano, Salácia é tomada pelos Mouros em 715, no seu avanço pela Península Ibérica. A povoação passará a chamar-se Qasr Abu Danis e nela é construída importante fortaleza (Al-Qasr, fortaleza ou povoação fortificada em árabe). Era a capital da província de Al-Kassr. Daqui terá saído certamente a origem da sua actual designação: Alcácer do Sal, pela associação da sua importante fortificação à principal riqueza da região.

Já vimos que a reconquista cristã foi dificil e apenas em 1217, defintivamente concretizada.

De então para cá, a sua posição estratégica manteve-se relevante e apenas no século XIX a sua principal riqueza, o sal, foi substituído pelo cultivo do arroz, existindo no concelho os maiores arrozais da Europa. Aliás, o concelho de Alcácer do Sal é o segundo mais extenso de Portugal.

Mais actualmente, outra das suas riquezas é a produção de pinhão. Portugal produz cerca de 15% da produção mundial e a região alcacerense é predominante no conjunto do País.

Foi em Alcácer do Sal que em 1502 nasceu Pedro Nunes (sim, aquele que deu nome ao liceu em Lisboa) célebre matemático, tendo-se celebrizado pela invenção do nónio. E que seria fundamental para o posterior desenvolvimento de instrumentos de navegação, como o sextante, que seriam essenciais na época dos Descobrimentos e da exploração maritíma.

Já no início do século XX, em 1902, nasceu João Branco Núncio, distinto cavaleiro tauromático e proprietário rural da zona, evidenciando também a componente agrícola desta primeira região do litoral alentejano.

Descrita a história desta agora cidade alentejana, era tempo de rumar a sul e atravessar um grande ex-libris de Alcácer do Sal: a sua ponte metálica, inaugurada em 1945.

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Com características originais, o seu tramo central erguia-se verticalmente para permitir a passagem de barcos à vela que transportavam cereais – trigo e arroz principalmente. E era também o local de desespero de muitos, que indo ou vindo do Algarve, aí encontravam filas de trânsito homéricas! Naturalmente, antes da construção da auto-estrada (a montante) e da variante com uma nova ponte, a jusante.

Actualmente, e depois de obras de restauro e recuperação, a ponte recuperou este tramo levadiço que permite a passagem novamente de barcos à vela, mas agora com carácter exclusivamente turístico.

Himalayan – as primeiras impressões

Até aqui, a minha companheira, uma Royal Enfield Himalayan Adventure cumpriu face às expectativas.

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Não se trata de uma moto cujas caracteristícas estradistas sejam as ideias para grandes viagens feitas a ritmos mais elevados. Na realidade, para uma velocidade de ponta que pouco passará dos 120km/h, manter um cruzeiro pelas estradas nacionais, na casa dos limites legais e com bastante trânsito de e para o Algarve, obriga-nos a prudência acrescida nas ultrapassagens pois são obviamente algo longas.

Por outro lado, o conforto em andamento com uma suspensão que bem absorve as irregularidades de asfaltos mal mantidos e o ritmo pacato faz com que as viagens sejam calmas e relaxadas.

Não haja dúvidas de uma coisa: chega onde outras mais dotadas de cavalos chegam! E se a estrada ficar um pouco mais revirada…acaba por se tornar divertida.

Todavia não esqueçamos algo: Esta é uma moto pacata, cujo objectivo é dar-nos o retorno do investimento feito na sua aquisição. Não lhe exijamos mais do que é suposto e garanto…dar-nos-á mais do que à partida esperaríamos.

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Agora sigamos, rumo a outra terra, também ancestral, identicamente velho porto de rio e com ainda mais forte presença do passado mourisco: Mértola!

De Alcácer do Sal a Mértola

À beira do Sado, cafézinho despachado. Fotos idem. A caminho!

Saído de Alcácer rumo a sul pelo IC1, tomei a “antiga” Estrada do Algarve” precursora da mais recente auto-estrada e durante tantos e tantos anos o calvário daqueles que a percorriam a caminho ou no regresso das férias veraneantes.

Passei a Grândola da minha infância e pouco depois do Canal Caveira, outrora paragem obrigatória para os devotos do Cozido à Portuguesa, virei para o IP8 a caminho de Beja. Seguramente a capital de distrito mais mal servida no que a acessos se refere. A estrada é a mesma de há tanto tempo, apenas com um tapete asfáltico melhorzinho e alguns arrebiques na sinalização.

Beja percorre-se pela circular que a contorna até à viragem à direita para um pouco do IP2 e depois, finalmente a EN122 que me deixaria em Mértola.

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E a Royal Enfield?

A Himalayan continua sem quaisquer queixas a palmilhar os quilómetros, com a calma que a caracteriza.

Se em vias onde o cumprimento dos limites de velocidade é “mais optimista” se sentem as suas limitações nas ultrapassagens (e se a estrada for ligeiramente a subir, ainda mais), quando a estrada se torna mais estreita, sinuosa e com piso mais irregular, a minha companheira está como peixe na água!

A potência e o binário, que são escassos face à aparência da moto – cerca de 25cv de potência e 32Nm de binário originados pelo monocilíndrico de 411cc. – são aqui mais do que suficientes para garantir uma boa velocidade de cruzeiro e, acima de tudo com o maior conforto. Sim! A Himalayan é bastante confortável em viagem. E a posição do guiador permite com a maior das facilidades conduzir de pé. O que é bom para o offroad mas também para, de vez em quando, “esticarmos as pernas”.

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E assim cheguei a Mértola. A aproximação teve um aperitivo de algumas curvas em sobe e desce até à descida final para o centro da vila. Aqui, o indicador de combustível aproximava-se da reserva e, por prudência, nada como reatestar. Pouco mais de 8 litros e uma média desde Lisboa de 3,76 l/100km parece-me francamente positiva, considerando que a viagem foi feita sempre em regime rapidinho e com bastante calor.

Em Mértola

Mértola será a povoação portuguesa onde melhor está preservada a herança da ocupação muçulmana, não deixando de estar disponíveis aos visitantes, imensos vestígios de todos os povos que por aqui passaram e deixaram a sua marca indelével.

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A preservação deste património tem sido desde há algum tempo, um missão levada a bom porto sendo hoje e com inteira justiça, uma vila monumental.

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Por outro lado, para aqueles que não dispensam algum lazer, as margens do Guadiana proporcionam as condições para uma saudável pratica de desportos náuticos. E seguramente, que o facto de também ser protagonista da cultura alentejana, patente na gastronomia e nos costumes, lhe dá um cunho ainda mais atractivo.

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Tal como Alcácer do Sal, Mértola foi também fundada pelos Fenícios, para lá das evidências de algum povoamento pré-histórico. E a sua importância era tal que a consideravam o último porto do Mediterrâneo a Ocidente. O último antes das águas mais agrestes da imensidão do Oceano Atlântico.

As semelhanças não terminam aqui, pelo contrário. Situada na margem direita do Guadiana, a navegabilidade deste rio fez com que fosse, também, um importante entreposto comercial naquela época (a questão da segurança face às intempéries e a ataques de pirataria) e nas eras vindouras.

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De destacar que o efeito das marés no Rio Guadiana ainda se faz sentir em Mértola, cerca de 70km a montante da foz em Vila Real de Santo António. Por outro lado a sua localização no cimo de um monte que dum lado tem o já referido Guadiana e do outro a Ribeira de Oeiras (que desagua naquele logo a seguir), dá-lhe um carácter de fortaleza quase inexpugnável. E certamente ao longo da sua história essa configuração prestou um tributo de segurança aos seus habitantes.

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Depois dos Fenícios. Os Romanos denominaram-na por Mírtilis Júlia aquando da ocupação da Península. Sucederam-lhes os Visigodos e depois, como na maioria da Península, a ocupação mourisca. Chamaram-lhe Martulá e foi de tal forma importante que era a capital de um pequeno emirado islâmico independente: a Taifa de Mértola. Importante na correlação de forças e nas alianças que sucessivamente se foram gerando, nomeadamente quando foi necessário fazer face aos esforços dos Cristãos na reconquista do território.

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E foi em 1238, no reinado de D.Sancho II que finalmente Mértola passa a fazer parte do território do então já quase centenário Reino de Portugal.

Em meados do século XIX e até quase ao final do século XX, o concelho conheceu uma nova fase de grande prosperidade. As minas de S. Domingos foram o motor dessa nova riqueza. E é para lá que irei a seguir!

De Mértola às Minas de S. Domingos

Desde tempos imemoriais que é conhecida a riqueza mineral de vastas regiões do Alentejo. No caso do seu extremo mais raiano, a zona onde se situam as Minas de S. Domingos, desde a época dos Fenícios e dos Cartagineses que a actividade de extracção de minério está bem presente. Tal como sucedeu na época da ocupação romana. O objectivo era a extracção de ouro, prata e cobre, minerais nobres que entram na composição das pirites.

A exploração mineira a nível industrial inicia-se em 1858 e vai ser contínua até 1965, altura em que o veio piritoso se esgota, deixando a mina de ser viável. E com ela também toda a vida que girava em torno de uma exploração à época de grande dimensão. Basta referir que a exploração a céu aberto se prolongou até aos 120 metros de profundidade, prosseguindo depois de forma subterrânea, através da construção de poços e galerias até cerca dos 400 metros.

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Estima-se que tenham sido extraídos 25 milhões de toneladas de minério ao longo dos mais de 100 anos de exploração. Foram durante muitos anos, a maior exploração mineira em território nacional.

As Minas de S. Domingos distam cerca de 17km de Mértola.

A estrada, apesar de estreita, está em bom estado (e à saída de Mértola até tem uns quilómetros sinuosos com umas sequências de curvas engraçadas) e rapidamente nos leva ao destino. E qual não é a surpresa! A primeira visão é a de uma paradisíaca praia fluvial situado no meio do montado tipicamente alentejano.

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Esta praia – Praia Fluvial da Tapada Grande – resulta de um açude e da sua albufeira. É a maior de duas albufeiras de água doce criadas pela empresa Mason & Barry durante o século XIX, para fornecer água para o processamento de minerais de baixo teor pela via húmida. É praia fluvial desde Junho de 2000.

Actualmente serve e bem para deleite dos muitos que a procuram, principalmente quando a típica canícula alentejana ataca. E a este respeito é de referir que mais à frente no nosso trajecto, o termómetro atingiu neste dia os 46º!

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Um pouco adiante está a povoação. Criada para albergar os trabalhadores das minas, suas famílias e todas as infraestruturas necessárias à indústria de exploração da mina. E também todos os equipamentos sociais necessários.

Convém referir que Minas de S. Domingos foi a primeira aldeia portuguesa servida por energia eléctrica. Bem como a assistência médica e sanitária que consta ter sido de referência. E foi também aqui que foi inaugurada a primeira via férrea em território nacional: na extensão de 17km unia a zona da extracção com o porto fluvial do Pomarão (onde irei de seguida…).

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Nela chegaram a habitar 10.000 pessoas, dos quais um terço seriam trabalhadores da Mina. Hoje, poucos mais serão que meio milhar… envelhecidos e tristes pela saudade da agitação e da vida de outros tempos. Mesmo que a esta fosse dura, muito dura!

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Na Mina de S. Domingos foi também construída a primeira central eléctrica do Alentejo, era detentora de um palácio, um posto de policia, um cemitério anglicano, várias colectividades com intensa dinâmica cultural, um campo de jogos e até o seu próprio clube de futebol.

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O minério extraído, depois de separado, ia consoante as suas características, por via férrea para o Centro de Britagem da Moitinha, para a Fábrica de Enxofre da Achada do Gamo ou, finalmente, para o Pomarão. E este porto fluvial, foi desde sempre uma vantagem comparativa importante pela facilidade de escoamento graças à navegabilidade do Rio Guadiana.

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Quando nos embrenhamos pelas ruas da aldeia, cujo casario é repetidamente igual, será inevitável depararmo-nos com a gigantesca cratera – a Corta – resultante da extracção mineira efectuada em socalcos e em profundidade. Cujo fundo não se alcança por estar completamente inundada pela elevação do nivel freático. As margens assumem diversas tonalidades cromáticas, devidas certamente aos diferentes componentes que contaminam estes solos, até ao plano de água. Água será força de expressão, porque também esta está altamente contaminada e com elevados níveis de toxicidade.

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Duas últimas palavras sobre as Minas de S. Domingos: são um património riquíssimo de um passado ainda recente, quer pela possibilidade de vermos como era extraída esta riqueza do sub-solo alentejano, quer principalmente para percebermos as condições de vida e a dureza extrema de quem nelas trabalhava. O Centro de Documentação e a Casa do Mineiro funcionam num conjunto de quatro antigos alojamentos de operários da mina e são elementos fundamentais para percebermos hoje, o que foi ao longo de mais de um século, a vida desta comunidade e a própria evolução da exploração mineira nestes confins do Alentejo. Uma visita que se impõe!

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Daqui, era obrigatório visitar o ponto final da fileira de extracção do minério (no que a S. Domingos concerne): o porto fluvial do Pomarão, distante apenas 17 quilómetros.

 Finalmente, até ao Pomarão

A estrada, no meio da planície a perder de vista, cenário típico do Alentejo profundo, reservava ainda uma surpresa: no exacto momento em que o odómetro marcava os 3.333,3 km, o termómetro andava pelos 44ºC. Arranquei e logo a seguir…45º. Dois ou três quilómetros adiante… 46º!!! Um ovo no topo do capacete…e estrelava! Felizmente, depois estabilizou…nos 45º! …É Alentejo. É Agosto.

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Recordava-me de anterior visita que a paisagem remetia para outras paragens mais verdejantes e setentrionais – quiçá um certo vale do Danúbio….se formos optimistas! Outra época certamente, pois no pino do Verão predominam por aqui as cores da terra, diversos cambiantes do mesmo castanho, a que algum arvoredo não retira certa monotonia. Ainda assim, a abordagem “cá de cima”, que surge repentinamente ao virar de uma curva da estrada em que sinal rodoviário nos alerta para uma descida a 10% de inclinação, não deixa de nos mostrar a beleza do Guadiana que aqui reinicia o seu trajecto internacional (até à foz, quilómetros abaixo em Vila Real de Santo António).

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Da anterior azáfama, resta apenas algum casario e as ruínas do cais de descarga do minério.

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Nos últimos quilómetros que me trouxeram até ao Pomarão foi possível ver partes do trajecto da antiga linha férrea, a primeira em Portugal, mas já desapossada dos carris e travessas que lhe davam corpo. Quanto à vista…a curva do rio, tranquilo, é ainda assim deslumbrante.

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No Pomarão pode ainda ver-se a ponte em que na outra margem é território espanhol (e as diferenças logo visíveis no estado da estrada…) bem como o paredão da Barragem do Chança (afluente do Guadiana).

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E estava feita a visita.

De volta a Mértola e um veredicto sobre a Himalayan

O regresso a Mértola e o final desta parte do périplo alentejano com a Royal Enfield Himalayan versão Adventure. E que bem lhe fica esta designação.

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É nestas estradas que ela se sente verdadeiramente à vontade. O monocilíndrico que não “transpira” cavalos chega e sobra para mantermos o ritmo adequado às estradas percorridas, com segurança e conforto.

Esta versão vem equipada com caixas laterais que levam mais do que aparentam. Efectivamente se os 26 litros de cada uma e o formato não permitem alojar um capacete (que seria útil principalmente em utilização diária e citadina), têm ainda assim a capacidade de fornecer bastante arrumação (e com um saco na garupa, vamos em frente pelo tempo/distância que quisermos!).

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Já anteriormente comentei que esta moto não tem por vocação trajectos em auto estrada ou em estradas cuja velocidade de circulação ande por cima dos limites legais (as ultrapassagens são algo longas), mas quando tomamos estradas mais estreitas, sinuosas e com pisos irregulares, aí sim! Ela está no seu meio. E, se numa qualquer curva da estrada precisarmos de arriscar um percurso off road que nos transporte a um daqueles “locais secretos” que tanto apreciamos, não há que hesitar. A Himalayan continua no seu meio.

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O regresso  pela Estrada Nacional 2

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A palavra regresso no título tem duplo sentido: em primeiro lugar porque é o regresso a casa depois deste périplo por terras do Sul com a Himalayan Adventurer; em segundo lugar, porque é o regresso a onde verdadeiramente começou o Viagens ao Virar da Esquina: a EN2.

Desta feita, a Nacional 2 será percorrida apenas até ao Torrão (depois “faço agulha” a Alcácer do Sal e Lisboa). Mas será a oportunidade para rever as 365 curvas da Serra do Caldeirão, agora em sentido contrário ao que fiz em Abril de 2018, de Sul para Norte.

E a viagem começou no final! Sim, no final da EN2, se considerarmos que em Faro se situa o km 738 – no marco quilométrico – ou 738,5 – nas placas que indicam o rumo a Chaves (de salientar que por duas vezes já as tinha procurado e não tinha encontrado; desta feita, fiz o trabalho de casa e fui lá direitinho!).

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Rumo a Norte, pouco depois da saída da capital algarvia, uma pequena povoação com um nome curioso: Coiro da Burra! Nada mais correcto…era no “coiro” da “burra” – a Himalayan – que iria fazer a tirada de cerca de 280km até Lisboa.

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Já referi anteriormente algumas das características desta moto, nomeadamente o facto de ser humildemente potente mas honestamente consistente. Na realidade, a Serra do Caldeirão não tem inclinações pronunciadas onde se poderia fazer sentir alguma falta de energia. Pelo contrário, a estrada flui ao ritmo de curva e contra-curva subindo ou descendo, mas sempre em ritmo turístico, pois essa é mesmo a sua vocação. A Royal Enfield é uma moto utilitária, não uma máquina de corridas infestada de cavalos. Cumpre a sua vocação e diria que o faz muitíssimo bem!

Foi assim, em ritmo turístico, desfrutando da paisagem que nesta época – Agosto com temperaturas a rondar os 40º – é algo árida e seca que segui viagem. Noutras estações terá maior beleza sem dúvida, mas a EN2 está lá sempre à nossa disposição.

A primeira paragem para a foto da praxe foi no cruzamento com a EN124 em Barranco do Velho. Momento de nostalgia pois lá passei também a 25 de Abril de 2018 quando percorri a EN2 com dois fiéis amigos e companheiros e, um ano depois, precisamente na mesma data e quase à mesma hora, quando fiz a EN124 (que recomendo vivamente).

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Depois, um pouco mais à frente, desfrutei da amplitude que a vista do miradouro da Serra do Caldeirão nos permite alcançar. Tempo para fotos, para descansar…e meditar, para quem for de meditações. Como não é o caso, segui viagem!

Adiante, uma magnifica e antiga Casa de Cantoneiros (da época em que ainda existia esta profissão e uns senhores cuidavam da estrada numa lógica de proximidade…alguém falou em descentralização?). Pois bem, há ano e meio estava em mau estado. Agora, provavelmente foi adquirida e está em fase de recuperação, mas para uso privado, claro. A casa é bonita e vale a pena que alguém a mantenha, até porque foi construída em 1937…

No Ameixial, paragem obrigatória no monumento aos Camionistas da EN2. De facto, quando esta era uma das vias principais de entrada no Algarve (a principal diria eu, porque se dirige à capital algarvia) e não havia AEs, IPs, ICs e outras que tais, fazer estas 365 curvinhas agarrado ao volante e com umas toneladas atrás não seria petisco simpático… Justa homenagem, portanto.

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E pronto, quase a chegar a Almodôvar, a Serra estava feita. Aproveitei um recanto para um breve descanso e petiscar o farnel, pois a viagem ainda nem sequer estava a meio!

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3 quilómetros à frente, a vila de Almodôvar, que à entrada tem uma espectacular estátua, feita com uma amálgama de peças metálicas e que simboliza a dura vida dos mineiros da região. Bonita homenagem, sem dúvida.

Breve paragem para um café e meia de conversa…que isto de andar de moto tem essa característica: há sempre alguém que nos aborda com uma palavra ou um comentário. Onde quer que estejamos, fazemos parte dessa história.

A partir daqui, sempre a andar: Castro Verde, Aljustrel, Ervidel, Ferreira do Alentejo, Odivelas foram-se sucedendo, em ritmo ligeiro. Até porque não lembra a ninguém andar a mais de cento e vin….perdão, 90 km/hora, naquelas rectas planas e desertas do Baixo Alentejo.

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E assim cheguei ao Torrão. Desta vez, a EN2 ficava por aqui…mas deu para matar saudades!

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Em direcção a Alcácer do Sal, breve desvio até à barragem de Vale de Gaio…para constatar que a água escasseia naquela albufeira. Vivemos tempos de seca…

Há muito que a temperatura indicava 40º ou mais ainda. Assim, nada como uma paragem em Alcácer para saborear um gelado e animar para os restantes 80km que ainda faltavam. A marginal desta cidade alentejana, à beira Sado, dá-nos um enquadramento de tranquilidade que é sempre agradável.

Ao parar, junto a um grupo de motos, logo 2 companheiros se acercaram com curiosidade sobre a Himalayan. Na realidade, não foi caso único ao longo destes dias. A moto suscita curiosidade! E isso é bom. Significa que a Royal Enfield fez um bom trabalho.

Esses companheiros, nortenhos de Gondomar, tinham feito a EN2 e regressavam agora a casa. Por etapas. E espero que o almoço do dia seguinte que já estava apalavrado para a Mealhada tenha cumprido as expectativas!

Meia horita de confraternização motard e ….até Lisboa!

O resto da viagem não teve história. A EN5 é daquelas estradas em que a Himalayan deve ser conduzida com alguma atenção. A velocidade dos automóveis anda com frequência no limite legal ou até um pouco acima, o que dificulta as ultrapassagens e as torna algo compridas. A fazer com cuidado e calma.

Aliás, calma deverá ser o nome do meio desta moto, que proporciona viagens confortáveis, sem o stress das grandes velocidades, a desfrutar da paisagem. Garanto, fazem-se tiradas de 300 ou 350km e no final, algum cansaço natural mas não ficamos nem moídos nem partidos, prontinhos para no dia seguinte voltar a repetir a dose.

Terminada a história da Royal Enfield Himalayan Adventurer pelas planuras alentejanas, fica apenas por contar a apreciação desta experiência de condução de uma moto do mais antigo construtor mundial em produção contínua! E com uma surpresa…ou será um bónus?

Final – A Royal Enfield Himalayan Adventurer, fiel companheira desta jornada

Os anglo-saxónicos gostam de reduzir e simplificar conceitos e conclusões através de acrónimos. No caso desta Himalayan, eu sugiro o seguinte:

WYGIWYP – and more!!! (“uiguiuip” soa bem…)
(What you get is what you pay – and more!!!)

Esta versão custa pouco mais de 5.000 euros. Uma trail, equipada com barras de protecção e, principalmente, um conjunto de malas perfeitamente integrado com a capacidade de 26l cada uma. São relativamente estreitas (não permitem guardar um capacete mas são suficientemente profundas para armazenar muita tralha…) o que é uma vantagem em utilização citadina.

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O monocilindrico motor de 411cc com 25cv de potência e 32Nm de binário dá o que tem. E é mais do que pode parecer. A velocidade máxima rondará os 130km/h com o redline às 6.500rpm (uma nota curiosa: o velocímetro tem um desvio mínimo portanto cuidado com os excessos…quase não há folga).

Ou seja, temos motor para cumprir os limites legais. Mas em estradas em que a circulação se faça junto ao limite dos 90km/h devemos ter atenção porque as ultrapassagens serão longas, já que estamos perto da velocidade de ponta e as recuperações não são rápidas.É questão de hábito.

Por tudo isto, qualquer viagem nunca será para malta apressadinha. Mas será uma delicia para quem gosta de percorrer as estradas nacionais em ritmo turístico e desfrutar de tudo o que nos oferecem. Inclusivamente naqueles segmentos mais revirados, conseguimos ter alguma diversão porque a moto é estável e a ciclística adequada. Poderemos ter que trabalhar com a caixa de velocidades, é certo…mas é para isso que ela lá está!

Em estrada, com andamentos bem rápidos (dentro do que atrás referi, claro) e substancial calor, a média de consumo ultrapassou ligeiramente os 3,6 l/100. Com andamentos mais calmos e tranquilos, admito que aquele valor se reduza ainda umas décimas.

Referi atrás que pertence à classe das trails. Com as vantagens e defeitos inerentes.

Em primeiro lugar, em offroad mostra boa aptidão para uma condução divertida. A roda 21” à frente garante a direccionalidade adequada e a capacidade de superar os obstáculos, a suspensão com bom curso e bastante macia, absorve as irregularidades do terreno e proporciona conforto. A posição do guiador permite-nos conduzir de pé com grande facilidade. Ou seja, é sempre possível fugir para aquele estradão que nos leva ao tal “recanto secreto”, sem qualquer receio. Ela chega lá!

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No entanto, pareceu-me que a distância ao solo é relativamente pequena. A moto (pelo menos esta que me acompanhou) é baixa e isso levanta dois problemas: nas curvas em asfalto com mais “balda”, a pezeira raspa com facilidade no alcatrão. Com facilidade a mais… E por outro lado, temos que ter algum cuidado quando a colocamos no descanso lateral pois fica demasiado vertical (e nalguns casos invalida o estacionamento!). Admito todavia que um apuro de afinação da suspensão traseira possa melhorar esta situação.

Por falar nas suspensões, merece referência a capacidade de absorver as irregularidades de asfaltos mal mantidos, o que se traduz numa condução confortável e em menor fadiga ao fim de uma longa jornada. É possível fazer cerca de 350km sem que o corpo se queixe…e no dia seguinte estaremos preparados para repetir a dose. E como a velocidade é pacata, serão sempre viagens calmas e relaxadas.

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Relativamente à ergonomia, o guiador tem a largura e a posição correctas, as mãos “caem” naturalmente nos punhos. Já as pernas vão relativamente flectidas (a tal questão da moto estar baixa…e 1,82 de altura do motociclista!). Compensei esta situação com alguns momentos de condução em pé para “esticar as pernas” e tudo bem!

Também não foi surpresa alguma perturbação aerodinâmica na zona dos ombros. É normal neste tipo de moto. E devo referir que não senti necessidade de colocar o écran na posição superior (possível mas com recurso a ferramentas)

A estética desta moto sugere alguma rusticidade. E isso não é defeito! Uma trail não é moto de cidade por definição. E as linhas “vintage” dão-lhe um charme muito próprio, que pude constatar pois várias foram as vezes em que fui interpelado sobre a moto. Também a pintura em concreto, o esquema cromático em diversos tons de cinzento, acentuam o tal carácter “rústico” quase como se fosse uma camuflagem…

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E já que falamos de questões estéticas, merece destaque o painel de instrumentos. Completamente clássico, com velocímetro e conta rotações analógicos e a curiosidade de ter uma pequena bússola digital (engraçado…mas na era do GPS…talvez fosse preferível ter um termómetro da temperatura do motor, digo eu…). Mas que o painel é giro, é! E à noite ainda mais…

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No que se refere à mecânica…se a embraiagem prima pela suavidade, já a caixa – de 5 velocidades – está longe de ser referencial (também não se esperaria que o fosse), mas estou certo que a sua fiabilidade não nos deixará ficar mal.

Os travões, também, não são exemplares. O travão dianteiro (apenas 1 disco e é suficiente) exige alguma força para sentirmos a sua “mordedura” (o que resulta estranho para quem está habituado a travar apenas com o dedo indicador…mas isso é defeito meu!) e o traseiro, é algo esponjoso. Mas trava! Só precisamos de nos habituar…

Os motores monocilindricos transmitem mais vibrações ao chassis. Isso é sabido e também aqui sucede. Mas quando atingimos as 5.000rpm (cerca de 100km/h em 5ª velocidade – a caixa é de 5) sentimos uma vibração na zona do cóccix que se torna desagradável e pode levar a alguma dormência nesta zona do corpo, mas que depois tende a amenizar se subirmos ligeiramente de rotação.

Não desdenharia voltar a fazer a Estrada Nacional 2 nesta Royal Enfield Himalayan!

Porquê?

Porque tem a velocidade ideal para garantir que desfrutamos das paisagens e de tudo o que a nossa vista pode alcançar. Porque é confortável para assegurar que chegamos ao final de cada etapa em excelentes condições para o convívio de fim de dia. Porque não se nega a fazer qualquer tipo de percurso ou de piso. Porque carrega com facilidade a bagagem necessária.

E porque não dá chatices!

E porque é económica!!! Uma média abaixo dos 4 litros aos 100, numa moto com estas características é um factor a considerar. Repito, a Himalayan tem as características ideais para este tipo de viagens…e por um preço à volta dos 5.000€, julgo que dará que pensar! Eu disse 5 mil euros….

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A Royal Enfield diz que a Himalayan é “the only motorcycle you will ever need”.

Não garanto que assim seja se formos mais ambiciosos, como por exemplo se quisermos atravessar o país vizinho numa tirada directa para chegar mais depressa à Europa. E daí partirmos à conquista de outros objectivos…

Será que uma futura Himalayan com o bicilíndrico de 650cc e 47 cavalos seria o ideal?

Foi a resposta a esta questão que procurámos!

E foi aqui que experimentámos a Interceptor 650 Twin

Terminado o périplo alentejano (com um cheirinho de Algarve também) tivemos a oportunidade de dar uma pequena volta na Royal Enfield Interceptor 650.

É obviamente uma moto completamente diferente. Com um look retro fantástico. E sendo os gostos subjectivos, arrisco dizer que “…a moto é linda!”

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Quanto ao motor, que era a questão a resolver, é um seis e meio bicilindrico com 47cv. E isso faz toda a diferença. Menos vibrações, quase o dobro dos cavalos, mais binário, melhores travões, suspensões ajustadas….parece-me que com um preço adequado – por baixo dos 7.000€ – seria um competidor feroz. E julgo que a ciclística da actual Himalayan, com algum retoque, poderia servir a contento!

Este motor de 650cc, não sendo nenhum foguete, longe disso, já mexe. Já se sente algum empurrão da potência e, principalmente, maior rapidez de reacções, nomeadamente nas recuperações.

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Sabendo-se que o lançamento de novos modelos por parte da Royal Enfield não se caracteriza pela rapidez, pode ser que dentro de algum tempo algo possa surgir.

Esperaremos sentados…para ver!

Last but not the least

  • A Royal Enfield Himalayan Adventurer que me levou por estas estradas alentejanas e também algarvias, foi gentilmente cedida pela Royal Enfield Portugal.

 –     A Royal Enfield Interceptor 650 que pude experimentar num breve test-drive, foi cedida pela Zemarks, o concessionário da marca para a região de Lisboa e que se situa em Massamá. Sugiro que façam uma visita e ficarão bem surpreendidos…

A ambos o meu sincero agradecimento pela disponibilidade e simpatia!

Motos, menires e 2 alentejanos…no Alentejo!

Um desafio: andar de moto e fazer um filme. Aceite!
Com o Samuel Amaro e duas Honda cedidas pela Motodiana, experimentámos os caminhos alentejanos.

Onde se fala de Astérix e Obélix

Quando ouço ou vejo a palavra “menir” logo a minha imaginação resvala para as aventuras de Astérix e Obélix. Os irredutíveis gauleses que desafiavam o domínio das legiões romanas de Júlio César. E bem nos recordamos que Obélix, quando não se entretinha a sovar romanos ou a devorar javalis, era um empresário da indústria de menires. Monólitos de rocha de forma ogival e que geralmente eram utilizados como pedras tumulares…a não ser que o dito gaulês se enfurecesse e resolvesse utilizá-los como arma de arremesso, provocando estragos substanciais no fisico e na moral dos infelizes legionários romanos.

Mas isto vem a propósito de quê?

O que tem a ver com motos…ou viagens?

Tem …porque fomos ver menires!

O desafio

O Samuel Amaro do OLHARES SOBRE RODAS (página do facebook e  canal do You Tube, que recomendo!) lançou o desafio:

Vamos até Évora…Experimentamos umas motos…E fazemos um filme!

Sendo a cidade e a zona circundante ricas em História e paisagem, faltava escolher o cenário. E não foi difícil: o Cromeleque dos Almendres e o caminho até lá eram ideais. Teríamos estradas asfaltadas e em terra. O monumento daria também um enquadramento diferente. E pelo caminho viríamos ainda descobrir um outro cenário apropriado pela sua beleza paisagística: a Barragem de Tourega.

Em Évora, na Motodiana

E foi assim que madrugada nos fizémos ao caminho até Évora. Partindo de locais diferentes, o encontro só podia ser em Vendas Novas… (aquela cena das bifanas, já ouviram falar?)

À hora prevista chegámos ao santuário do motociclismo alentejano: a MOTODIANA. O concessionário Honda em Évora mas sobretudo, o ponto de encontro de todos os que gostam deste mundo das motos. E foi aqui que escolhemos as companheiras que nos iriam acompanhar nesta demanda, e por diferentes razões:

– a CB650R – uma moto estradista, naked, com um motor de 650cc e 95cv disponíveis. Muito recente no mercado, havia a natural curiosidade em avaliar as suas características;

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– a NC750X – a trail de gama média, já há algum tempo no mercado (com versão revista para 2019) e um verdadeiro sucesso de vendas. O porquê iríamos descobrir. Acresce a curiosidade de comparar com a X-ADV que recentemente conduzi e que partilha muita da estrutura e mecânica com a NC.

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Uma aventura a “4 mãos”

Sobre o companheiro de aventura e o seu blogue Olhares Sobre Rodas, nada como citar a própria apresentação feita pelo Samuel Amaro:

“Olhares Sobre Rodas, são visões partilhadas de lugares que visito sobre duas rodas. Partilho filmes sobre aventuras motorizadas, sempre com produção Olhares Sobre Rodas.
A mota não é um meio de transporte, é uma PAIXÃO.”

E de facto, é a paixão pelas motos, pela comunicação sobre motos, pela partilha de imagens e experiências que nos une…para lá da amizade, claro!

A caminho dos menires…e um pouco de História

Saímos de Évora rumo a sul. Por lapso, escapou o desvio à direita que nos levaria à povoação de Nº Sª de Guadalupe por onde se acede ao Cromeleque. Mais adiante, breve consulta ao Google Maps e novo caminho definido. O tal que nos surpreenderia com a vista para a Barragem de Tourega e um enquadramento fantástico para recolha de imagens.

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Caminho este por estradão de terra batida, o que logo nos permitiu avaliar capacidades das máquinas. E filmar e fotografar!

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Depois, mais um pouco de estradão e novamente uma estreita estrada municipal que nos levou a Guadalupe e a virarmos à esquerda para a estrada de terra batida que vai até ao Cromeleque dos Almendres.

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O cromeleque localiza-se próximo ao topo de uma encosta suave, voltada a leste, num monte de 413 metros de altitude, a cerca de 12 km a oeste da cidade de Évora. O conjunto foi descoberto em 1964.O cromeleque localiza-se próximo ao topo de uma encosta suave, voltada a nascente (pormenor não dispiciendo pois supõe-se que o conjunto megalítico seria o recinto de celebrações aos deuses, provavelmente celebrando a luz e calor do Sol), num monte de 413 metros de altitude, a cerca de 12 km a oeste da cidade de Évora.

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Constitui-se num círculo de pedras pré-histórico (cromeleque) com 95 monólitos de pedra. É o monumento megalítico do seu tipo mais importante da Península Ibérica, e um dos mais importantes da Europa, não apenas pelas suas dimensões, como também pelo seu estado de conservação. Curiosamente, é mais antigo que o célebre Stonehenge inglês em cerca de 2 mil anos!

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É dificil compreender, face à importância histórica do monumento, as más condições de acesso bem como ao facto de não haver apoio à visita para lá de um mero cartaz explicativo. O Centro Interpretativo fica a 4km, em Guadalupe. Mas afinal, talvez dificultando o acesso, mantendo alguma confidencialidade, seja a forma de o preservar…

As nossas companheiras de aventura

Quanto às motos, o que poderemos dizer, considerando que o ensaio não foi muito demorado nem extenso e sem correr o risco de ser injusto ou incorrecto? Vou tentar:

CB650R

Está classificada como uma Streetfighter (o marketing tem esta característica de encontrar rótulos que nos simplifiquem as explicações…mesmo que os mesmos possam ter alguma falta de bom senso…convenhamos, uma guerreira das ruas? Há guerra nas ruas? Adiante… que a culpa até nem é da Honda, bastante conservadora nestas coisas). Ou como a marca lhe chama, uma “Neo Sports Café”.

O que tem está à vista. E é bonita!

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O motor tem 650cc com 95cv às 12.000rpm e 64Nm às 8.500. O painel de instrumentos LCD dá-nos toda a informação com grande clareza. A roda da frente está logo ali, o que é sinónimo de grande maleabilidade. As suspensões são excelentes (os troços em terra comprovaram-no, pois absorveu as irregularidades do terreno muito bem…atendendo às características desta moto e ao curto curso das suspensões…obviamente que este não era o seu terreno de eleição). Mas o que mais me chamou a atenção foi o motor. Não por ter uma potência fantástica (95cv não é assim tão pouco para uma moto com esta tipologia) mas pela sua elasticidade. Experimentei deixá-la vir até ás 1.500rpm em 6ª…e depois subiu por ali acima, sem queixas, soluços ou batimentos (se o fizesse na minha VFR…não fazia! Porque iria “bater” por todo o lado).

Subiu linear, com facilidade…limpinho, limpinho! E depois das 6.000rpm a moto revela-se! Se até aí foi suavidade, um motor a ronronar, não deixando de ser rápida…a partir desse ponto…dispara até ao limite das rotações, às 12.000. Um foguete.

Sendo uma naked, a questão aerodinâmica nem se coloca. Todavia, em circulação normal, a moto é confortável, ligeira e conduz-se com tremenda facilidade. Por cerca de 8 mil euros, uma opção muito relevante para quem procura algo deste género.

NC750X

Conduzi recentemente uma X-ADV que partilha muito da mecãnica e da ciclìstica com a NC. Relativamente à ciclística, as motos têm comportamentos completamente diferentes (como teria que ser pois a NC é uma trail e a X-ADV não deixa de ser uma scooter).

Entre semelhanças, a maior diferença sente-se no motor. Na realidade, com diferentes afinações, a X-ADV privilegia as “baixas” tendo talvez uma melhor “saída”. A NC é mais linear e conjugada com a caixa DCT (esta estava equipada com a minha caixa de velocidades favorita!) a moto aproveita muito bem os seus 55cv.

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Esta é uma moto polivalente e fantástica para o dia a dia. Até pela sua economia. O tamanho não é obstáculo para a condução citadina, com a vantagem da posição trail que permite uma melhor visibilidade no meio do trânsito.

Por outro lado, tem capacidade mais do que suficiente para viajarmos com ela, naturalmente que a velocidade de ponta não é alucinante, longe disso, mas também tal não se espera (nem se desja…) em estrada aberta.

Com a vantagem adicional de não se negar a uma incursão por caminhos de terra. A experiência neste aspecto foi muito positiva (desliguei o controlo de tracção) e a moto teve um comportamento sempre muito são e equilibrado, a transmitir muita confiança, com as suspensões a comportarem-se muito bem, assimilando todas as irregularidades do terreno.

Quanto à caixa de velocidades DCT…ou se ama ou se odeia. Eu gosto muito…mas isso sou eu!

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Por cerca de 8.000€, é uma proposta francamente competitiva (e o sucesso no mercado comprova-o) para uma utilização quotidiana, económica, fiável e polivalente. E com a chancela de qualidade Honda.

E agora venha de lá esse filme…

Em resumo, mais uma experiência motociclistica que nos permitiu conhecer um pouco mais da paisagem e História deste nosso cantinho alentejano. O regresso fez-se a meio da tarde, com nova paragem para refrescar e reabastecer em Vendas Novas.

Para ver as melhores fotos desta expedição alentejana, clicar no “Album Fotográfico“!

Finalmente, toda a nossa gratidão à Motodiana e ao nosso Amigo José Caniço Nunes, pela simpatia, disponibilidade e cedência das motos que nos permitiram mais esta experiência, pela primeira vez na história do Viagens ao Virar da Esquina, a quatro mãos!

Um abraço Samuel Amaro…e agora ficamos à espera do nosso filme! Ansiosamente…

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e o filme está AQUI!

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