E como esta peste faz lembrar tempos medievais, nada como lançar uma demanda à boa maneira da Idade Média, para encontrar a Esperança! É verdade…podia ter ido ao Google. Era mais simples mas não tinha piada nenhuma…
O primeiro passo seria descobrir por onde começar. O que desejamos é segurança e felicidade. A segurança de um porto de abrigo e a alegria de sermos felizes. Portanto, com essas pistas, só podia ser Portalegre: Porto+Alegre! (para o caso, não é relevante o facto de estar lá perto).
E assim começou a demanda pela Esperança: 30 de Dezembro, com 5º de temperatura e um sol radioso, lá fui a caminho de Portalegre!
Primeira pista: Portalegre
Antes de entrar na cidade, subi à Ermida da Penha. O monte fronteiro à encosta onde se espraia o casario da cidade do Alto Alentejo dá-nos a melhor vista panorâmica e permite antecipar alguns dos locais a visitar.
“Tinha esta terra, quando era vila, sete freguisias, e era a mais nobre vila que havia em Além Tejo. A terra é de el-rei, e como tal a levantou por cidade el-rei Dom Joam triceiro.”
(Diogo Pereira Sotto Maior, Tratado da Cidade de Portalegre, 1619)
Esta inscrição está no pedestal da estátua que homenageia que D. João III, rei que elevou Portalegre a cidade em 23 de Maio de 1570.
Desconhecem-se as origens remotas até porque durante muito tempo, prevaleceu um equívoco. Frei Amador Arrais, eleito Bispo de Portalegre em 1581 e que aí permaneceu como tal durante 15 anos, alegou nos seus estudos que já nos tempos dos romanos existia aqui uma cidade, por ter descoberto algumas pedras e ruínas que identificou como oriundas dessa época. Seriam da importante cidade de Ammaia que ficava na rota da importante estrada que levava a Emérita Augusta (hoje Mérida). E durante muito tempo se pensou que Ammaia seria a antepassada de Portalegre.
Ammaia (Forum) e Marvão ao fundo
Mas quando se revelaram as verdadeiras ruínas daquela cidade romana, nas imediações de Marvão, rapidamente se concluiu que o que tinha sido descoberto em Portalegre para aí tinha sido trazido ao longo do tempo, proveniente de Ammaia. Os antigos chamavam a esta a Pedreira dos Padres, pois alguns dos conventos de Portalegre utilizaram na sua construção pedras retiradas destas ruínas romanas.
Quando se entra na cidade e nos dirigimos ao centro, chegamos a uma rotunda naturalmente designada por Rossio. Aqui desaguam 7 ruas, algumas delas entre as principais da cidade. É com inteira razão que se poderá afirmar que todos os caminhos aqui vêm dar….
Aqui começa, na colina para norte, o Jardim do Tarro. Espaço frondoso e agradável, principalmente quando a canícula aperta nos meses de Verão.
E também aqui fica uma árvore célebre. O Plátano do Rossio (ou de Portalegre). Árvore centenária – plantada em 1838 – tem uma copa que quase atinge os 30 metros de diâmetro, a maior da Península Ibérica. É a mais antiga árvore portuguesa classificada como de interesse público, desde 28 de Agosto de 1838. Em 2020 venceu o concurso Árvore Portuguesa do Ano 2021, sendo que nos representará no concurso Árvore Europeia do Ano. Espera-se naturalmente a vitória!
A demanda por novas pistas continua…
Apontei à parte antiga da cidade. Subi primeiro pela rua do comércio.
Quase deserta, fruto da época que vivemos e também de algum marasmo endémico da cidade, vamos subindo até ao Arco e a partir daí, perdi-me pelas ruas de calçada antiga, tradicional e irregular, que ora sobem ora descem, a caminho do Castelo.
O Castelo de Portalegre é actualmente uma ruína da qual restam algumas muralhas e quatro torres (das 12 originais). Construído nos tempos de D. Dinis, cerca de 1290, está integrado no casario que a ele se encosta. Ainda assim a sua silhueta destaca-se no panorama da urbe.
Dirigi-me à Sé. Construída entre 1556 e 1575 foi sede da Diocese de Portalegre. Hoje, partilha esse título com a Sé de Castelo Branco. A Diocese de Portalegre, mais antiga, datada de 1549 integrou a mais recente de Castelo Branco (fundada em 1771) no ano de 1881.
Edifício de estilo maneirista tem a sua fachada principal virada para o Castelo e, naturalmente, para o que seria na época o núcleo urbano da cidade.
Continuei o périplo pelas ruas de Portalegre. Em busca das pistas que me conduzissem à Esperança…e aproveitei a oportunidade para continuar a apreciar pormenores desta bonita cidade.
As tapeçarias de Portalegre são o ex-libris da cidade. Ao passar pelo Museu de Tapeçarias é fundamental recordar esta arte bem característica da região.
São tapeçarias murais decorativas. Utilizando uma técnica totalmente manual, tem como ponto de partida um original de pintores conhecidos, portugueses ou estrangeiros. Este é ampliado para a dimensão final sobre um papel quadriculado próprio, em que cada quadrícula representa um ponto (desenho de tecelagem). Cada uma é uma obra de arte original, única pelas suas qualidades intrínsecas e pela técnica usada para traduzir o cartão do pintor. Mesmo sendo reproduções de outras obras de arte, a forma como são feitas, o trabalho que lhe está associado e o resultado final transformam-nas em autênticas obras de arte (e de valor muito elevado).
Esta é uma visita fundamental na cidade de Portalegre!
Continuei a caminhada. À minha frente, o edifício da antiga Real Fábrica de Lanifícios, antigo Colégio de S. Sebastião e na actualidade sede da Câmara Municipal.
Nos tempos do Marquês de Pombal, a 15 de Junho de 1771 foi expedida uma ordem régia, por aviso da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino ao visconde da Lourinhã, Governador das Armas da Província do Alentejo, para ser estabelecida uma fábrica de lanifícios em Portalegre, de acordo com a Junta do Comércio. A Real Fábrica de Lanifícios de Portalegre passou a ser administrada pela Junta da Administração das Fábricas do Reino e Obras de Águas Livres por decreto de 25 de Janeiro de 1781. Em 29 de Março de 1788 foram estabelecidas por alvará as condições da entrega a Anselmo José da Cruz Sobral e Gerardo Venceslau Braamcamp de Almeida Castelo Branco da Real Fábrica de Lanifícios de Portalegre, para administrarem por tempo de 12 anos e sob a inspecção da Real Junta do Comércio…
Passei pelo Jardim da Corredoura e à minha frente estava o Convento de S. Bernardo.
A instituição foi fundada em 1518 pelo bispo da diocese da Guarda, D. Jorge de Melo, com o fim de albergar “donzelas sem dote”. A sua construção prolongou-se por bastante tempo, o que se revela por ter diferentes influências arquitectónicas, desde o Manuelino do Séc XVI ao Barroco do Séc XVIII. Contém um acervo de azulejaria nas paredes dos claustros de invulgar beleza (apesar de algumas malfeitorias sofridas ao longo do tempo).
Ao longo dos tempos teve diferentes serventias. O convento foi extinto em 1878, nele sendo instalado no ano seguinte o seminário diocesano. Em 1911 foi convertido em quartel. Posteriormente, entre 1932 e 1961 esteve instalado na igreja o Museu Municipal de Portalegre. Após ter sido quartel da Polícia do Exército, a Escola Prática da Guarda Nacional Republicana foi instalada no convento no início da década de 1980, situação que ainda se mantém.
Ao lado, a peculiar Capela do Calvário, sobranceira à parte mais moderna da cidade.
A ronda por Portalegre estava quase terminada e pistas sobre a Esperança…nada!
Antes de reflectir sobre o próximo destino, ainda passei defronte do edifício da Santa Casa da Misericórdia, junto ao Jardim do Tarro onde está a estátua que homenageia os Mortos da Grande Guerra.
Era tempo de prosseguir a demanda! Pois por aqui muito tinha visto mas não tinha encontrado qualquer pista…
Tendo a Esperança algo que ver com qualquer coisa de bom que desejamos que apareça, não me faria sentido deslocar para poente (onde o dia acaba…). Foi com este palpite que me dirigi para nascente!
Rumo a nascente à procura de pistas
Fiz-me à estrada no rumo escolhido. Alguns quilómetros percorridos e fui dar a Arronches. Pequena vila, com menos de 2 mil habitantes e sede de concelho que faz fronteira com terras espanholas.
Se não encontrasse aqui as pistas que procurava, a minha demanda complicava-se….
Mas…surpresa! Assim que entrei na vila, deparei-me com a Rua da Esperança!
Afinal as minhas deduções estavam certas. O caminho era mesmo por aqui.
Ainda havia tempo para conhecer um pouco desta vila alentejana. Subi um pouco mais e parei em frente à Fonte de Elvas. Por trás desta, o Convento de Nª. Sª. da Luz.
À frente da fonte, o Castelo…ou o que dele resta.
Ao lado o curioso Museu de (a) Brincar. Talvez fruto de uma brincadeira, mas o certo é que se trata de um museu de brincadeiras. De brinquedos.
Inaugurado em 2002 e situado no edifício da antiga fortaleza de Arronches, o Museu de (A) Brincar pretende dar a conhecer o brinquedo e o brincar através dos tempos.
Os brinquedos da coleção estão organizados de forma interessante e por temas: a memória do lugar, os mestres carpinteiros de carroças, brinquedo de cá, canto da bonecada, por terra, mar e ar, jogos e passatempos, maquetes de papel, teatro de fantoches, classe de Escola do “Estado Novo” e Portugal dos pequenitos.
Continuei a caminhada pelas ruas da vila e cheguei à praça principal: a Praça da República. Aqui se situa o núcleo da vila: a Câmara Municipal, a Igreja Matriz e ainda a Igreja da Misericórdia e sede da Santa Casa local.
No centro da Praça da República, uma bonita fonte em honra de Neptuno.
A volta por Arronches estava terminada. E também já sabia qual o rumo! Em direcção à Esperança…
Encontrei a Esperança!
Finalmente! A demanda estava concluída. Encontrei a Esperança. Agora resta que esta se cumpra e que o novo ano seja efectivamente melhor que o que nos deixa.
Mas já que viemos até aqui, vamos conhecer. Até porque ainda há uma ou duas cerejas para colocar em cima do bolo….
Esperança é uma pequena aldeia, sede de freguesia. Está encostada a Espanha e tem, seguindo esta mesma estrada e poucos quilómetros adiante, a fronteira.
A placa de entrada, original mas um pouco mal tratada. Talvez a querer dizer que, Esperança pois claro, mas não vai chegar. Temos que fazer algo por isso também. Fica a metáfora.
No Largo da Igreja, o centro da aldeia. A pequena igreja, em tons tipicamente alentejanos, mas com orgulhosa torre sineira. E nela, uma placa de gratidão, sentimento que fica sempre bem. Diz ela:
“Homenagem do povo de Esperança ao Exmº. Sr. António Dias Pereira e sua Exmª Esposa D. Maria Vitória Fragata Pereira. Grandes beneméritos que se dignaram oferecer-nos esta bela torre relógio e sino grande. 7 de Maio de 1961”
A aldeia estava recolhida.
A Junta de Freguesia, a Sociedade Recreativa ou até a Associação de Caçadores e Pescadores estavam fechadas. E na rua, duas ou três pessoas apenas. Estranhos tempos estes….
Estava concluida a demanda!
Mas aqui muito pertinho, duas pérolas a visitar. Não podia falhar!
Uma bonita fronteira e uma surpreendente ponte
Meia dúzia de quilómetros em direcção a Espanha, por uma estreitinha estrada municipal (sem saída, já o sabia) fui dar a um pequeno aglomerado de casas chamado Marco.
Em bom rigor, chama-se Marco do lado de cá do Arroyo Abrilongo e El Marco do lado de lá. Cá é Portugal, lá é Espanha. E o dito Arroyo, não é mais que um pequeno e bonito ribeiro que na sua simplicidade só separa os dois países. Só!
Mas se a separação – olhando para as duas povoações e a forma como estão próximas, o termo mais correcto é união – é ditada pelo pequeno ribeiro, para o atravessar existe uma pequenina ponte mas com um significado imenso: é a mais pequena ponte internacional do mundo!
E se ambas as povoações têm o mesmo nome, na respectiva língua, talvez a razão seja porque ali está o marco fronteiriço que demarca o território (está na margem portuguesa):
O objectivo deste passeio não era Espanha, pelo que agora estava na hora de regressar. O caminho de volta foi o mesmo da ida, mas com um pequeno desvio. Antes de voltarmos a entrar em Esperança, num desvio à esquerda, a seta indicava “Pinturas Rupestres”. Segui as indicações…
Pinturas Rupestres de Vale de Junco
O local onde encontramos este monumento pré-histórico, também chamado Lapa dos Gaivões, consiste num abrigo natural, virado a sul, numa encosta quartzítica. E nele é possível encontrar algumas gravuras rupestres representando cenas da vida datadas do período entre 4.000 e 2.000 aC. As duas mais visíveis representam figuras antropomórficas e outros tipo de grafismos.
E assim terminou este passeio!
A demanda em busca da Esperança foi um sucesso. Visitámos a mais singela fronteira e ainda observámos a arte dos nossos antepassados mais remotos.
Foi mais uma Viagem ao Virar da Esquina. Com a Esperança de tempos melhores para todos!
Feliz ano de 2021!
(Passeio realizado a 30 de Dezembro de 2020, com salvaguarda de todas as precauções sanitárias e em estrito respeito pelas normas de circulação vigentes à data. Publicado na revista Andar de Moto, edição de Janeiro).
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